quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Jesus em casa de Zaqueu

O conteúdo do Evangelho que se proclama na missa do XXXI domingo do Tempo Comum é o encontro de Jesus com Zaqueu (Lc 19,1-10), um dos episódios exclusivos da narrativa lucana.
Zaqueu, enquanto cobrador de impostos e chefe de cobradores de impostos é um homem habituado ao desprezo e ao escárnio dos seus concidadãos, pois a sua vida de usurário nada tem de edificante nem é passível de grandes aplausos. Com efeito, os publicanos eram aqueles que cobravam os impostos naquela época e eram considerados como ladrões pela sociedade judaica, pois habitualmente cobravam mais que o devido e representavam aos olhos do povo a dominação estrangeira e opressora. Sendo assim, Zaqueu era considerado pelos conterrâneos como chefe de ladrões. No entanto, também os romanos odiavam os publicanos por serem judeus e, pela extorsão, denegrirem a imagem da Roma imperial.
Todos em Jericó apontavam a dedo este chefe de publicanos e nunca imaginavam que se pudesse converter um homem como este, acostumado aso negócios sujos; ao invés, pensavam qual seria o castigo que Deus lhe tinha destinado. Porém, Deus vem a sua casa e entra sua vida.
Zaqueu, por sua vez, sabe-se invejado e odiado, mas, apesar de desconsiderado, não é um homem totalmente perdido e não perdeu o sentido do bem, admirando secretamente o profeta de Nazaré. Jesus sente que também ele é filho de Abraão (v. 9), aparece-lhe no caminho e satisfaz os seus bons desejos. O favor gratuito que Jesus lhe faz indu-lo a manifestar o humano e bom que tem dentro de si.
Na verdade, Zaqueu era um homem decidido: tendo a multidão e a sua pequena estatura como um grande impedimento para ver Jesus, não desistiu de procurar vê-Lo. Os obstáculos não o demoveram. Por isso, o Senhor o inspirou para que subisse ao sicómoro e o visse passar na travessia da Jericó herodiana no quadro da sua viagem para Jerusalém a consumar a obra da salvação. Jesus manda que desça depressa porque precisa de ser acolhido em sua casa. E este escândalo da entrada do Mestre em casa do pecador é pretexto para a metanoia que urge a mudança radical de vida. É a salvação a entrar em cheio na casa do pecador, mesmo do pecador público.
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O episódio da conversão de Zaqueu de renúncia às riquezas, depois de restituir o quádruplo do que roubou, contrasta com o quadro do jovem rico que, não renunciando às suas enormes riquezas, renunciou a seguir Jesus (18,18-27) e configura um caso específico da expressão da misericórdia divina espelhada nas atitudes de Jesus: afaz-se ao acolhimento para que, penetrando na intimidade do coração aberto ao porvir, obtenha a conversão e faça acontecer a salvação em concreto.
Além disso, Zaqueu ilustra a piedade prática do publicano que rezava humildemente no Templo contrastando com o fariseu hipócrita e pavoneante (19,9-14); e este relato apresenta numerosos indícios de composição lucana: alegria (v.6), desprendimento (v. 8), universalidade da salvação (v. 10), Jesus amigo dos pecadores e pessoas perdidas (v. 10), Jesus convidado para refeição (v. 5).
A multidão critica Jesus tal como os fariseus e queria ser seguida. Porém Jesus, não é demagogo. Mostra-se guiado pelo Espírito e sente que passou por Jericó para salvar um rico. Segundo Bultmann e outros, o autor do 3.º Evangelho retomou, reelaborou e amplificou aqui uma das breves notícias de Marcos 2,13-17 e a que o próprio Lucas próprio refere em 5,27-32, sobre a vocação de Levi:
“Jesus saiu e viu um cobrador de impostos, chamado Levi, sentado no posto de cobrança. Disse-lhe: ‘Segue-me’. E ele, deixando tudo, levantou-se e seguiu-o. Levi ofereceu-lhe, em sua casa, um grande banquete; e encontrava-se com eles, à mesa, grande número de cobradores de impostos e de outras pessoas. Os fariseus e os doutores da Lei murmuravam, dizendo aos discípulos: ‘Porque comeis e bebeis com os cobradores de impostos e com os pecadores? Jesus tomou a palavra e disse-lhes: ‘Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os que estão doentes. Não foram os justos que Eu vim chamar ao arrependimento, mas os pecadores’.” (Lc 5,27-32; cf Mc 2,13-17).
No entanto, o evangelista é rápido na descrição, mas vai ao essencial dos factos. Zaqueu fica convertido e manifesta a sua satisfação. Por consequência, o arrependido autoimpõe-se uma indemnização pelas injustiças cometidas e uma generosidade acima do esperado. É a salvação no seu ponto prático de eficácia na atenção aos demais.
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Vejamos detalhadamente algumas curiosidades:
Zaqueu (vv. 2.5.8.) – É nome helenizado (Zacchâios) do hebraico Zakkay (da raiz zk’ “ser puro”), provavelmente abreviatura de Zacarias (“Deus recordou-se”), que significa “o puro”, “o justo”, “o inocente”.
Chefe dos cobradores dos impostos (v. 2) – Jericó ficava situada perto da margem ocidental do Jordão, a marcar a fronteira com a Pereia. Como ponto de passagem obrigatória para os que da Galileia demandavam Jerusalém e para o tráfico que da Transjordânia se dirigia para a Judeia, era um importante posto aduaneiro. Ora, ali na zona de Jericó, Zaqueu é apresentado como um homem rico e chefe dos cobradores de impostos, um pecador público no seu maior. A autoridade romana determinava a quantia que os publicanos deviam cobrar e a que deviam entregar nos cofres imperiais, mas não fiscalizava a cobrança. Assim, era natural que estes oficiais usassem e abusassem da sua autoridade de proximidade e enriquecessem. Já João Batista os advertia: Nada exijais além do que vos foi estabelecido” (Lc 3,13).
Ver jesus (v. 3) – Zaqueu é movido não tanto pela curiosidade, como o tetrarca Herodes de curiosidade doentia e escarninha (vd 9,9), mas sobretudo por um confuso desejo de conversão suscitado interiormente pela fama do Mestre.
Sicómoro (v. 4) – De tronco baixo e largas pernadas, permitia a subida fácil e o encavalitamento. O bom desejo de Zaqueu levou-o a correr para se colocar num sítio donde pudesse ver Jesus. E esse sítio era um sicómoro postado em lugar estratégico da passagem do Mestre.  
A metade dos meus bens e o quádruplo do que eventualmente tenha roubado (v. 8) – A generosidade do publicano convertido, disposto a distribuir metade dos seus bens pelos pobres, ultrapassa em muito a norma rabínica que fixava em um quinto das rendas os donativos voluntários para os pobres. Também a compensação pelo quádruplo para restituição de eventuais fraudes e extorsões ia muito para lá do estabelecido na Lei – um quinto além do capital (vd Lv 20,24). O quádruplo era nominalmente exigido na Lei para os casos de roubo, porém, estava em uso o cumprimento para um quinto como nos casos de fraude e extorsão. Assim, os gestos de Zaqueu são expressão do seu amor tão grande como a da pecadora arrependida a quem se perdoou muito porque muito amou (vd 7,47).
Hoje a salvação… (v. 9) – As palavras do Senhor ressoam como as dos anjos aos pastores de Belém: “Nasceu-vos hoje um Salvador (2,11). Apesar de Jesus ter entrado em casa de Zaqueu, a suas palavras são dirigidas à multidão. Segundo o costume oriental, era permitido que as pessoas entrassem livremente e se reunissem num extremo da sala onde tinha lugar o banquete. O Hoje da Salvação é Jesus que é a chegada do tempo novo, o tempo da graça, anunciado pelo profeta Isaías – tempo acentuado amiudadas vezes por Lucas.
A esta casa (v. 9) – Toda a família partilha da bênção de que beneficia Zaqueu, tal como dantes partilhava sofrendo por causa das suas práticas injustas. É o exemplo da personalidade corporativa na responsabilidade pelos males e na fruição do benefício.  
Filho de Abraão (v. 9) – Contra os fariseus que excluíam da estirpe de Abraão os pecadores e os publicanos, Jesus lembra que, pela sua fé e conversão, Zaqueu é duplamente filho de Abraão: pelo vínculo de sangue e pela fé pela qual se salva (vd 18,42). Com esta designação se tipificam os gentios que passam a crer (cf Gl 3,9.29; Rm 4,11s). Depois, Zaqueu é o exemplo de qualquer rico que deseja a salvação. A sua conversão começa quando sente o desejo confuso de conhecer Jesus de perto; continua ao unir-se ao povo para se encontrar com Ele e O acolher em sua casa; e completa-se quando resolve partilhar os bens e devolver em quádruplo o que roubou.
Pois o Filho do homem… (v. 10) – Esta afirmação do Senhor, que provavelmente na sua origem constituiria uma sua sentença avulsa, combina perfeitamente com o sentido teológico tanto do presente episódio como com o de toda a sua atividade didática e miraculosa (vd 15,4): a sua missão específica, como o anunciara Deus já no Antigo Testamento (vd Ez 34,16), é ir buscar a ovelha perdida para a levar de volta ao redil sã e salva (vd 15,4-7).
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Ao passar, Jesus olhou para Zaqueu. Sem achar pitoresca a sua atitude, chamou-o e disse-lhe que descesse “depressa” (nesta palavra “depressa” vê-se a ânsia de conquistar Zaqueu), porque “hoje tenho de ficar em tua casa” (v. 5). E o convidado desceu a toda a pressa e recebeu Jesus em casa cheio de alegria. Obviamente que não podia faltar a murmuração dos judeus ao ver que Jesus se hospedava em casa de um pecador, um impuro do ponto de vista legal e impuro do ponto de vista moral por extorsão na cobrança de impostos.
Com Cristo Zaqueu chegou à salvação, pois, apesar da vida imersa em fraudes e maus negócios, era digno de ser tanto filho de Abraão como os judeus dignos e retos. Com efeito, a salvação é o objetivo da missão de Jesus. Por isso, quando O censuram por comer e beber com os publicanos e pecadores (vd 15,1), responde com as parábolas da misericórdia e com as sentenças da misericórdia, estribado no facto de que “o Filho do Homem veio buscar e salvar o que estava perdido” (v.10). Esta sentença magistral messiânica poderia surgir noutro contexto, mas aqui é o complemento sapiencial desta conversão factual. Assim, Santo Ambrósio considera Zaqueu convertido como um fruto maduro que cai da árvore à primeira sacudidela que Jesus lhe faz.    
E Jesus, ultrapassando a incompreensão da multidão, mostrou a sua força destruindo o mal e salvado pecador. Por isso, ficamos a saber que a quem crê e quer tudo é possível. É preciso chamar a atenção de Jesus como fez Zaqueu e abrir o coração à Boa Nova.    
(cf Bíblia Pastoral (1993). Lisboa: São Paulo; Conferência Episcopal Portuguesa (1994). Missal popular Dominical. Coimbra: Gráfica de Coimbra; Lancelotti, A. – Boccali, G. (1979). Comentário ao Evangelho de São Lucas. Petrópolis: Vozes; Latinoamérica (1995). La Biblia. Coedição de Madrid: San Pablo – Estella (Navarra): Ed. Verbo Divino; Nova Bíblia dos Capuchinhos (1998). Lisboa/Fátima: Difusora Bíblica; Stuhlmueller, C. “Evangelho Segun San Lucas”. In Brown et al. (1972). Comentario Biblico San Jeronimo – Nuevo Testamento I. Madrid: Ediciones Cristiandad; Tuya, M. (1971). Biblia Comentada V – Evangelios (2.º). Madrid: BAC.

2016.10.27 – Louro de Carvalho

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