Decorreu, nestes dias 12 e 13, a
Peregrinação Internacional de outubro, que assinala a 6.ª aparição de Nossa
Senhora aos Pastorinhos, em torno do tema “Quem
perder a sua vida… salvá-la-á”, e sob a presidência do Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal
Pietro Parolin, que chegou, na tarde do dia 12, à Cova da Iria.
Nesta grande
Peregrinação Internacional Aniversária, a última antes de maio de 2017,
estão inscritos no Santuário 92 grupos de peregrinos. As maiores representações
são as de Portugal e de Itália, mas há peregrinos polacos, alemães, espanhóis,
do Benin, de França, do Brasil, da Croácia, da Eslováquia, do Reino Unido, dos
Estados Unidos, da Coreia do Sul, da Austrália, da Áustria, das Filipinas, da Hungria,
da Suíça e de Timor.
***
Na
conferência de imprensa em que participou, no início da Peregrinação, o número
dois e chefe da diplomacia do Vaticano escusou-se a dar uma resposta detalhada à
pergunta sobre a viagem do Papa em maio de 2017, admitindo que a mesma pergunta
se sucedeu nos “vários encontros” que manteve até ao momento em território
português. Porém, adiantou que a vista papal será de “peregrinação”, uma “peregrinação mariana no centenário das
aparições”, pois Francisco “quer concentrar-se nesta celebração” do centenário,
em Fátima, partilhando com os peregrinos “a devoção e a mensagem de Fátima, que
está muito presente no seu magistério”.
Avançou que em
breve começarão os preparativos da viagem, recordando que uma visita pontifícia
exige “preparação adequada”, embora Fátima “já esteja habituada” a visitas
papais (e mencionou as de Paulo VI, João Paulo II – 3 vezes – e Bento XVI) e
tenha “capacidade de acolhimento e de resposta em tempo breve”. Nesse sentido,
realçou que é preciso esperar respostas “mais detalhadas”, que não deverão
“demorar muito”. O certo é que “sabemos que o Papa virá aqui”, insistiu,
falando numa “grande alegria”, já que “há um grande desejo de que o Papa venha”.
E insistiu que, neste momento, “está tudo por pensar e por organizar segundo a
vontade do Santo Padre” e que “a razão pela qual o Papa vem a Portugal são os
100 anos das aparições, por isso é que foi convidado”.
O purpurado
italiano, referindo-se a Fátima, disse que é um Santuário que sempre considerou
como “muito caro” e um “ponto de referência” da sua própria espiritualidade
mariana; e que visitar pela primeira vez este espaço, no 99.º aniversário das
aparições na Cova da Iria, é uma data “particularmente significativa”, tendo em
vista as grandes celebrações do próximo ano.
Já noutra
ocasião, em que abordara a sua então futura presença aqui, assegurou que não
vinha apenas numa ótica institucional, mas também como filho que vem à casa
materna protestar a fidelidade e a gratidão de filho.
Por sua vez,
o bispo de Leiria-Fátima apresentou o cardeal italiano e manifestou a “alegria
e honra” do Santuário por contar com a presença do secretário de Estado do
Vaticano. Disse Dom António Marto:
“É um gosto e uma honra que o Senhor Cardeal Secretário de Estado tenha
aceite o nosso convite e é uma ocasião para exprimirmos a comunhão com o Santo
Padre através da sua pessoa”.
O chefe da
diplomacia vaticana, ainda no âmbito da predita conferência de imprensa, que se
realizou, uma hora e meia mais tarde do que é habitual, pronunciou-se ainda
sobre a recente nomeação de Guterres para Secretário-Geral das Nações Unidas,
elogiando o seu percurso e dizendo que a nomeação de António Guterres é um
motivo de satisfação”. Porém, esclareceu que o Vaticano não vota para a eleição
do secretário-geral, já que é apenas membro observador das Nações Unidas.
***
Na homilia que proferiu na missa
internacional à meia-noite do dia 12, Pietro Parolin criticou valores promovidos pela sociedade de informação e apelou a que
façamos a “opção da fé”.
Na concelebração
eucarística a que presidiu – acompanhado pelo Cardeal Patriarca de Lisboa Dom
Manuel Clemente, 21 bispos e 250 sacerdotes – Dom Pietro Parolin, fazendo o
paralelo entre os valores promovidos pela sociedade da informação e os valores
dos que se “dedicam ao conhecimento de Jesus”, apontou o dedo a uma cultura que
“nos instiga cada vez mais a comer informação a todas as horas”, mas que
simultaneamente apenas “se preocupa com armazenar em si mesma a maior
quantidade de informações, fazendo deste tesouro o metro para se medir a si
mesma, à sociedade e ao mundo”. É o “modelo do mundo ocidentalizado”, em que a
“pessoa informada” é o “exemplo do cidadão responsável, do trabalhador ativo,
do homem e da mulher à altura dos seus direitos e dos seus deveres” sem se
preocupar “em sair de si mesma e apostar em Cristo”, para fazer d’Ele “o
tesouro e o metro para medir a existência”.
Assegurando
que “precisamos de nos reconciliar com a santidade” já que, “sem ela, somos
pedras, mas não vivas, somos pedras mortas”, afirmou que nos encontramos ainda “na
órbita das portas do inferno”. E frisou que a santidade é a porta por onde
entramos no mundo da misericórdia, cujo anúncio mais verdadeiro e escandaloso
continua a ser a Cruz”. Ora, para o purpurado, “tomar maior consciência,
redescobrir a grandeza e voltar a saborear a alegria desta nossa dedicação (a Deus): é a graça e a finalidade primeira desta nossa
peregrinação”.
Saudando os
peregrinos “com fraterno afeto em nome do Santo Padre Francisco”, manifestou a
sua alegria em estar em Fátima a participar nas celebrações conclusivas dos 99
anos das aparições da Virgem Santíssima aos três pastorinhos Jacinta, Francisco
e Lúcia, e exprimiu o sentido daquela magna assembleia nos termos seguintes:
“Meus irmãos e irmãs, somos um povo
que está dedicado ao Senhor. A nossa assembleia, na sugestiva vigília mariana
desta noite, e as próprias velas que trazemos na mão e quebram a escuridão da
noite recordam-nos a dedicação de cada um de nós ao Senhor”.
Já, na
saudação à Virgem, celebração que marcou, pelas 18,30 horas, o início formal da
Peregrinação Internacional o chefe da diplomacia do Vaticano tinha convidado os
peregrinos a rejeitarem a “corrupção e a mentira” e advertido para o facto de o
mundo viver “seguindo a lei do mais forte e deixar-se tragicamente encantar
pela mentira”. Num cenário em que “o mundo faz da corrupção o segredo duma vida
bem-sucedida”, ao invés dos que se inspiram no Evangelho e “refulgem com a
justiça e a fraternidade que jorram do coração da Santíssima Trindade”, o purpurado,
na sua primeira visita a Portugal, diz-se “feliz por estar aqui, peregrino com
todos vós, neste lugar onde se encontram o coração da Virgem Mãe e o coração da
Igreja”, uma Igreja de “portas abertas” e de uma vida espiritual marcada pela
“gratidão”.
Sobre as disposições
de quem entra neste santuário assente que “quem entra cheio de gratidão nos
corações da Mãe, da Igreja, de Cristo, não pode deixar de ficar maravilhado,
vendo neles um modo de viver diferente daquele do mundo”. Porém, avisou, sobre
as disposições de quem regressa, que as mesmas portas do santuário impelem a
uma “saída”, o “compromisso de dar a conhecer a todos a existência, o carinho e
o projeto que pulsa no coração da Mãe, no coração da Igreja, no coração da
Trindade”. E concluiu, pedindo orações:
“Peço-vos para rezardes pelo Papa
Francisco e por mim, para que também eu possa fazer esta mesma experiência.
Ponhamos de lado qualquer temor e caminhemos, juntos, ao encontro do Senhor”.
***
Na homilia da celebração
da Missa de encerramento da peregrinação, no dia 13, Parolin apresentou a Virgem Maria como
exemplo nos momentos de “dúvida” e “dor”, Ela que “sabe estar ao pé da Cruz” e, por
isso, tem uma “missão materna” na Igreja. Nesse sentido, declarou:
“Para muitos de nós, estes são momentos mais
do que justificados em que o ‘coração’ se comprime, se fecha, se aniquila,
rompe qualquer comunicação com tudo e com todos; mas não sucedeu assim com
Maria”.
E acrescentou:
“Ao pé do Crucificado, o próximo são
todos os discípulos e discípulas que Jesus ama; todos, sem excluir ninguém.
Assim, ao pé do Crucificado, são próximo os discípulos e discípulas que
fugiram”.
Recordando
situações em que os fiéis colocam “em dúvida a fidelidade de Deus” ante os
“inimigos”, os “lados obscuros da vida”, e, contrapondo a estas hesitações a convicção
da fé da Virgem Maria, o cardeal da Cúria Romana observou:
“Ao pé do Crucificado, está disposta a
atravessar uma das contradições mais dolorosas que uma mulher possa viver: a
morte do seu próprio Filho; uma morte ainda mais gravosa, porque resultante da
maldade dos outros”.
E acentuou
que aqueles que amam “realmente” o próximo rejeitam as “regras, as ideias e os
comportamentos dos fortes”, que se amam apenas a si mesmos, pois “os 'fortes' e
os 'poderosos' amam os 'fortes' e os 'poderosos'”.
O secretário de Estado do Vaticano acabou
por rogar aos peregrinos que todos saibam ser “construtores pacientes duma
Igreja que anuncia o Evangelho não obstante as contradições e os lados obscuros
da vida”.
***
Parolin,
que prometeu em Fátima que iria contar a Francisco a experiência que viveu
nestes dias e que só
não sabe se conseguirá fazer com que o Papa venha mais que um dia a Portugal,
fez significativas declarações em Lisboa, no dia 12, centradas no mote “A Europa tem necessidade da palavra de Deus”.
O secretário de Estado do Vaticano sustentou
que a União Europeia não consegue falar eficazmente a uma só voz perante as
crises geopolíticas em curso e que é incapaz de enfrentar o crescimento duma
cultura do medo. Disse-o no quadro duma intervenção na Universidade Católica
Portuguesa – perante centenas de pessoas no auditório Cardeal Medeiros – sobre a
“Identidade Europeia”, referindo que os recentes ataques terroristas de “matriz
islâmica” levaram a um “curto-circuito do medo” e mostraram a necessidade de
recuperar as “raízes culturais profundas do continente”. E alertou para a
necessidade de não se “desvalorizar o crescente sentimento de medo e de
insegurança nas populações europeias”, que evolui para a “recusa do outro”.
O conferencista assinalou que o medo
pode causar “graves danos” às instituições democráticas e ao “sistema de
valores” da Europa. E, admitindo a existência de “preocupações pelo futuro do projeto
europeu”, sem esquecer os “resultados históricos obtidos”, o diplomata do
Vaticano diz que é preciso debater o projeto da União Europeia, atualmente um
“híbrido democrático” entre soberania nacional e soberania comunitária.
A intervenção começou por recordar o
papel “imprescindível” do Cristianismo na construção da identidade europeia,
convidando à redescoberta das “raízes cristãs” do continente, sendo que “a
Europa tem necessidade da Palavra de Deus” – sustentou ao mesmo tempo que
lamentava que, após as duas Guerras Mundiais, se assista à perda do “ideal” de
unidade europeia, por “falta de valores comuns”.
Parolin endereçou também uma palavra
especial à Universidade Católica, que se prepara para celebrar o seu cinquentenário,
elegendo aquela instituição académica como “um dos frutos” da dinâmica gerada
pelas aparições de Fátima.
O Magno
Chanceler e Cardeal Patriarca de Lisboa Dom Manuel Clemente sublinhou que
“poucos” como o secretário de Estado do Vaticano poderiam traçar o quadro atual
da Europa, uma realidade que “aparece por ação de várias missões” cristãs,
entre o século V e o século X, criando um continente como “espaço cultural”. E porfiou
que, “nesta casa [UCP] juntam-se duas realidades que estão
na alma da Europa: a Igreja e a universidade”.
Já a Reitora da UCP Maria da Glória Garcia
agradeceu a “atenção” e a palavra que o cardeal italiano dedicou à instituição
académica nesta visita a Portugal, “um suplemento de alma” para seguir em
frente, e recordou que a universidade nasceu como “último ato” das comemorações
do cinquentenário das aparições de Fátima.
2016.10.13 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário