Há
quase 20 anos que não presenciava uma ordenação sacerdotal (a
última foi a de Frei João Peliz, a 8 de dezembro de 1996, na sé catedral do
Porto). E, tendo-me
chegado ao conhecimento a notícia de que a 30 de outubro seria a ordenação
presbiteral do missionário passionista José Gregório Duarte Valente na Igreja
do Seminário dos Padres Expansionistas em Santa Maria da Feira, lá me desloquei pelas
15 horas e meia.
Um
templo literalmente cheio, um grupo coral e instrumental no seu melhor e uma
admonitora atenta e contida nas explicações teológico-litúrgicas emprestaram à
missa de ordenação uma singular riqueza doutrinal e uma vivência litúrgica
adequada e revestida de boas sementes de espiritualidade na vida cristã.
A
admonitora, logo antes do cântico de entrada deu o lamiré adequado da circunstância
cerimonial. É pelo batismo que as pessoas são incorporadas em Cristo e na
Igreja, decorrendo daí as suas responsabilidades universais no culto e difusão
da Palavra de Vida, da Santificação e da Solidariedade na caridade. Porém, para
que tal dinamismo seja desencadeado, estimulado e orientado, o Senhor escolhe uns
tantos a quem a Igreja promove ao serviço qualificado “de Cristo, Mestre,
Sacerdote e Rei, de cujo ministério participam, e mediante o qual a Igreja é
continuamente edificada, neste mundo, como Povo de Deus, Corpo de Cristo e
Templo do Espírito Santo”. Assim, “alguns fiéis são instituídos em nome de
Cristo e recebem o dom do Espírito Santo para apascentarem a Igreja pela
palavra e pela graça de Deus” – do Pontifical Romano, Ordenação do bispo, dos presbíteros e diáconos.
Conterrâneos,
amigos e familiares do próximo futuro neossacerdote cantavam com força de alma,
orientados pelo grupo coral à entrada: “Povo
de reis, assembleia
santa, povo sacerdotal, povo
de Deus, bendiz o teu Senhor!”. Solene
foi o cantar do Kyrie e muito belo
sentir aquela assembleia cristã a responder à salmista: “Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor, cantarei eternamente”.
E foi espetacular o emolduramento do Evangelho com o entusiasmante cantar
aleluiático, que festeja o facto de Deus amar “tanto o mundo que lhe deu o seu
Filho unigénito” e “quem acredita n’Ele tem a vida eterna”.
O candidato à ordem de presbítero, que
rapidamente passou a neossacerdote, respondeu com toda a firmeza e clarividência
às perguntas rituais e o Bispo e o presbitério souberam acolher com dignidade e
alegria no grémio presbiteral o já religioso missionário passionista.
***
Devo referir que o senhor Bispo do Porto,
depois de admitir à ordenação o candidato, não se limitou no seu momento homilético
a falar para ele, como fazem alguns bispos inclusive o Papa Francisco. Não. O bispo
diocesano honrou com a sua palavra parenética as perícopas bíblicas
anteriormente proclamadas e tirou conclusões para a vida de todos nós. Desde o
livro da Sabedoria, em que se professa o amor de Deus por tudo aquilo que criou
e a sua presença em todas as coisas, passando pela segunda carta de Paulo aos Tessalonicenses,
em que o Apóstolo diz rezar para que Deus nos considere dignos do seu
chamamento a fim de que Jesus Cristo seja em nós glorificado, até ao Evangelho
de Lucas, que refere o episódio de Zaqueu – o bispo-celebrante falou para a
assembleia. E, no seu falar para nós, disse que também neste dia o Senhor
precisa de ser acolhido por nós em nossa casa. Com efeito, não há ninguém que o
Senhor não procure, não há casa em que a Salvação não precise de entrar. Por isso,
como Zaqueu, todos devemos querer ver o Senhor, deixar-nos surpreender pelo seu
chamamento, dar-lhe as mãos e abrir-lhe o coração. Na verdade, é preciso fazer
com que a assembleia se torne cúmplice efetiva e afetiva da ministração do
sacramento da Ordem, como espelho da comunidade e da família em que despertou,
se desenvolveu e consolidou a vocação sacerdotal, a qual não acontece por
mérito próprio, mas por dom de Deus que, depois, o seu detentor coloca ao
serviço da comunidade, do povo de Deus, a testemunha e o missionário radical das
maravilhas de Deus.
Depois, como é óbvio, o senhor Bispo dirigiu
palavras apropriadas ao candidato ao presbiterado baseando-se em segmentos
textuais do cerimonial, que prescreve que “o Bispo faz a homilia”: partindo
do texto das leituras lidas na liturgia da palavra, dirige-se ao povo e ao
eleito e fala-lhes do ministério dos presbíteros”. E é
neste aspeto específico que o cerimonial sugere um texto, mas sem prescindir
das leituras e da aproximação à realidade concreta.
Também é de salientar que a Ladainha dos
Santos, durante a qual o candidato ficou prostrado no solo, invocou muitos
santos e santas da família passionista – os originários pobres de Cristo, como
bem recordava o bispo ordenante.
Eloquente foi a cerimónia silenciosa da
imposição das mãos da parte do Bispo (a verdadeira matéria do sacramento)
seguida do mesmo gesto por parte de cada um dos presbíteros participantes na
celebração, vindo o Pontífice a rematar com a oração consecratória sobre o
ordinando (forma
do sacramento), cuja parte central é: “Nós
Vos pedimos, Pai todo-poderoso, constituí este vosso servo na dignidade de
presbítero; renovai em seu coração o Espírito de santidade; obtenha, ó Deus, o
segundo grau da Ordem sacerdotal que de Vós procede, e a sua vida seja exemplo
para todos”.
Não
sei se todos os elementos da assembleia ficam cientes da essencialidade
sacramental e da centralidade destes elementos – a bíblica imposição das mãos e
a bendizente oração consecratória – quando o mais espetacular é o gesto da
prostração é o canto das Ladainhas.
Depois,
a admonitora indicou sucintamente o significado da imposição da estola
presbiteral e da casula, da unção das mãos com o óleo do crisma, a entrega da
patena com o pão e do cálice com vinho e água, bem como do ósculo da paz dado
pelo bispo e pelos presbíteros presentes, ficando o ordenado visivelmente integrado
no presbitério e passando a integrar a concelebração como os demais. Com efeito,
o neossacerdote prometera querer: “exercer sempre o ministério do sacerdócio no
grau de presbítero, como zeloso cooperador da Ordem dos Bispos, apascentando a
grei do Senhor sob a ação do Espírito Santo”; “exercer digna e sabiamente o
ministério da palavra, na pregação do Evangelho e na exposição da fé católica”;
“celebrar com fé e piedade os mistérios de Cristo, segundo a tradição da
Igreja, para louvor de Deus e santificação do povo cristão, principalmente no
sacrifício da Eucaristia e no sacramento da reconciliação”; implorar, juntamente
com o Bispo e os outros presbíteros, “a misericórdia divina para o povo” a si
confiado, “cumprindo sem desfalecer o mandato de orar”; e unir-se “cada vez
mais a Cristo, Sumo Sacerdote, que por nós Se ofereceu ao Pai como vítima santa”,
e com Ele consagrar-se “a Deus para salvação dos homens”.
***
Como
era espectável, os familiares quiseram comungar das mãos do neossacerdote no
contexto duma liturgia eucarística empolgante, marcada pelo solene canto do triságio
e da oração dominical, e pelo desenvolvimento da Oração Eucarística I (Cânon
Romano), com orações
adaptadas à circunstância celebrativa.
Depois,
da ação de graças e da oração pós-comunhão, vieram as palavras de recomendação
do bispo ordenante e as de circunstância proferidas por ilustres superiores da família
passionista, dos familiares e do neopresbítero, que encantou ao falar com
simplicidade da sua vida e ao tratar-nos por irmãos e irmãs, referindo, à maneira
de Santo Agostinho, que para nós é um padre e connosco é um irmão.
Não
deve ser deixado em branco nem o gesto do beija-mão para o qual os presentes
foram desfilando perante o padre José Gregório e a disponibilidade do Bispo do
Porto a cumprimentar pessoalmente as pessoas da família, as pessoas que
mereciam uma especial atenção por motivos de saúde e aquelas pessoas que
tiveram a oportunidades de se lhe dirigir, percorrendo os diversos espaços do
templo. São gestos de proximidade que induzem a fazer uma leitura humanizante
do ministério eclesial bem entrosada com a dimensão teológico-espiritual.
Penso,
finalmente, que a ordenação do diácono, do presbítero e do bispo deve ser uma oportunidade
catequética de formação eclesial e uma mais-valia para o incremento da vida
cristã. Parece-me que a comunidade deve ser incentivada à oração pelas vocações
e ao seu acarinhamento, mas também deve ser esclarecida e tornada cúmplice
destes eventos.
Quanto
a mim, devo dizer que o envolvimento ambiental naquele momento celebrativo me
lembrou toda uma história de vida que ajudou a modelar a minha personalidade e
muita da ação em termos da vida cristã e do meu empenhamento eclesial e social.
A
propósito, também da minha parte os votos de felicidade e apostolado profícuo para
o neossacerdote em cuja missa de emissão de votos participei casualmente há
anos, bem como a grata recordação daqueles sacerdotes que de modo mais aberto
ou mais discreto lutam pelo dinamismo do Reino que já chegou, mas inda não está
plenamente realizado em tudo e em todos.
2016.10.31 – Louro de Carvalho
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