segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Fui à ordenação presbiteral do passionista José Gregório

Há quase 20 anos que não presenciava uma ordenação sacerdotal (a última foi a de Frei João Peliz, a 8 de dezembro de 1996, na sé catedral do Porto). E, tendo-me chegado ao conhecimento a notícia de que a 30 de outubro seria a ordenação presbiteral do missionário passionista José Gregório Duarte Valente na Igreja do Seminário dos Padres Expansionistas em Santa Maria da Feira, lá me desloquei pelas 15 horas e meia.
Um templo literalmente cheio, um grupo coral e instrumental no seu melhor e uma admonitora atenta e contida nas explicações teológico-litúrgicas emprestaram à missa de ordenação uma singular riqueza doutrinal e uma vivência litúrgica adequada e revestida de boas sementes de espiritualidade na vida cristã.
A admonitora, logo antes do cântico de entrada deu o lamiré adequado da circunstância cerimonial. É pelo batismo que as pessoas são incorporadas em Cristo e na Igreja, decorrendo daí as suas responsabilidades universais no culto e difusão da Palavra de Vida, da Santificação e da Solidariedade na caridade. Porém, para que tal dinamismo seja desencadeado, estimulado e orientado, o Senhor escolhe uns tantos a quem a Igreja promove ao serviço qualificado “de Cristo, Mestre, Sacerdote e Rei, de cujo ministério participam, e mediante o qual a Igreja é continuamente edificada, neste mundo, como Povo de Deus, Corpo de Cristo e Templo do Espírito Santo”. Assim, “alguns fiéis são instituídos em nome de Cristo e recebem o dom do Espírito Santo para apascentarem a Igreja pela palavra e pela graça de Deus” – do Pontifical Romano, Ordenação do bispo, dos presbíteros e diáconos.
Conterrâneos, amigos e familiares do próximo futuro neossacerdote cantavam com força de alma, orientados pelo grupo coral à entrada: “Povo de reis, assembleia santa, povo sacerdotal, povo de Deus, bendiz o teu Senhor!”. Solene foi o cantar do Kyrie e muito belo sentir aquela assembleia cristã a responder à salmista: “Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor, cantarei eternamente”. E foi espetacular o emolduramento do Evangelho com o entusiasmante cantar aleluiático, que festeja o facto de Deus amar “tanto o mundo que lhe deu o seu Filho unigénito” e “quem acredita n’Ele tem a vida eterna”.
O candidato à ordem de presbítero, que rapidamente passou a neossacerdote, respondeu com toda a firmeza e clarividência às perguntas rituais e o Bispo e o presbitério souberam acolher com dignidade e alegria no grémio presbiteral o já religioso missionário passionista.
***
Devo referir que o senhor Bispo do Porto, depois de admitir à ordenação o candidato, não se limitou no seu momento homilético a falar para ele, como fazem alguns bispos inclusive o Papa Francisco. Não. O bispo diocesano honrou com a sua palavra parenética as perícopas bíblicas anteriormente proclamadas e tirou conclusões para a vida de todos nós. Desde o livro da Sabedoria, em que se professa o amor de Deus por tudo aquilo que criou e a sua presença em todas as coisas, passando pela segunda carta de Paulo aos Tessalonicenses, em que o Apóstolo diz rezar para que Deus nos considere dignos do seu chamamento a fim de que Jesus Cristo seja em nós glorificado, até ao Evangelho de Lucas, que refere o episódio de Zaqueu – o bispo-celebrante falou para a assembleia. E, no seu falar para nós, disse que também neste dia o Senhor precisa de ser acolhido por nós em nossa casa. Com efeito, não há ninguém que o Senhor não procure, não há casa em que a Salvação não precise de entrar. Por isso, como Zaqueu, todos devemos querer ver o Senhor, deixar-nos surpreender pelo seu chamamento, dar-lhe as mãos e abrir-lhe o coração. Na verdade, é preciso fazer com que a assembleia se torne cúmplice efetiva e afetiva da ministração do sacramento da Ordem, como espelho da comunidade e da família em que despertou, se desenvolveu e consolidou a vocação sacerdotal, a qual não acontece por mérito próprio, mas por dom de Deus que, depois, o seu detentor coloca ao serviço da comunidade, do povo de Deus, a testemunha e o missionário radical das maravilhas de Deus.
Depois, como é óbvio, o senhor Bispo dirigiu palavras apropriadas ao candidato ao presbiterado baseando-se em segmentos textuais do cerimonial, que prescreve que “o Bispo faz a homilia”: partindo do texto das leituras lidas na liturgia da palavra, dirige-se ao povo e ao eleito e fala-lhes do ministério dos presbíteros”. E é neste aspeto específico que o cerimonial sugere um texto, mas sem prescindir das leituras e da aproximação à realidade concreta.
Também é de salientar que a Ladainha dos Santos, durante a qual o candidato ficou prostrado no solo, invocou muitos santos e santas da família passionista – os originários pobres de Cristo, como bem recordava o bispo ordenante.
Eloquente foi a cerimónia silenciosa da imposição das mãos da parte do Bispo (a verdadeira matéria do sacramento) seguida do mesmo gesto por parte de cada um dos presbíteros participantes na celebração, vindo o Pontífice a rematar com a oração consecratória sobre o ordinando (forma do sacramento), cuja parte central é: “Nós Vos pedimos, Pai todo-poderoso, constituí este vosso servo na dignidade de presbítero; renovai em seu coração o Espírito de santidade; obtenha, ó Deus, o segundo grau da Ordem sacerdotal que de Vós procede, e a sua vida seja exemplo para todos”.
Não sei se todos os elementos da assembleia ficam cientes da essencialidade sacramental e da centralidade destes elementos – a bíblica imposição das mãos e a bendizente oração consecratória – quando o mais espetacular é o gesto da prostração é o canto das Ladainhas.
Depois, a admonitora indicou sucintamente o significado da imposição da estola presbiteral e da casula, da unção das mãos com o óleo do crisma, a entrega da patena com o pão e do cálice com vinho e água, bem como do ósculo da paz dado pelo bispo e pelos presbíteros presentes, ficando o ordenado visivelmente integrado no presbitério e passando a integrar a concelebração como os demais. Com efeito, o neossacerdote prometera querer: “exercer sempre o ministério do sacerdócio no grau de presbítero, como zeloso cooperador da Ordem dos Bispos, apascentando a grei do Senhor sob a ação do Espírito Santo”; “exercer digna e sabiamente o ministério da palavra, na pregação do Evangelho e na exposição da fé católica”; “celebrar com fé e piedade os mistérios de Cristo, segundo a tradição da Igreja, para louvor de Deus e santificação do povo cristão, principalmente no sacrifício da Eucaristia e no sacramento da reconciliação”; implorar, juntamente com o Bispo e os outros presbíteros, “a misericórdia divina para o povo” a si confiado, “cumprindo sem desfalecer o mandato de orar”; e unir-se “cada vez mais a Cristo, Sumo Sacerdote, que por nós Se ofereceu ao Pai como vítima santa”, e com Ele consagrar-se “a Deus para salvação dos homens”.
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Como era espectável, os familiares quiseram comungar das mãos do neossacerdote no contexto duma liturgia eucarística empolgante, marcada pelo solene canto do triságio e da oração dominical, e pelo desenvolvimento da Oração Eucarística I (Cânon Romano), com orações adaptadas à circunstância celebrativa.
Depois, da ação de graças e da oração pós-comunhão, vieram as palavras de recomendação do bispo ordenante e as de circunstância proferidas por ilustres superiores da família passionista, dos familiares e do neopresbítero, que encantou ao falar com simplicidade da sua vida e ao tratar-nos por irmãos e irmãs, referindo, à maneira de Santo Agostinho, que para nós é um padre e connosco é um irmão.
Não deve ser deixado em branco nem o gesto do beija-mão para o qual os presentes foram desfilando perante o padre José Gregório e a disponibilidade do Bispo do Porto a cumprimentar pessoalmente as pessoas da família, as pessoas que mereciam uma especial atenção por motivos de saúde e aquelas pessoas que tiveram a oportunidades de se lhe dirigir, percorrendo os diversos espaços do templo. São gestos de proximidade que induzem a fazer uma leitura humanizante do ministério eclesial bem entrosada com a dimensão teológico-espiritual.
Penso, finalmente, que a ordenação do diácono, do presbítero e do bispo deve ser uma oportunidade catequética de formação eclesial e uma mais-valia para o incremento da vida cristã. Parece-me que a comunidade deve ser incentivada à oração pelas vocações e ao seu acarinhamento, mas também deve ser esclarecida e tornada cúmplice destes eventos.
Quanto a mim, devo dizer que o envolvimento ambiental naquele momento celebrativo me lembrou toda uma história de vida que ajudou a modelar a minha personalidade e muita da ação em termos da vida cristã e do meu empenhamento eclesial e social.
A propósito, também da minha parte os votos de felicidade e apostolado profícuo para o neossacerdote em cuja missa de emissão de votos participei casualmente há anos, bem como a grata recordação daqueles sacerdotes que de modo mais aberto ou mais discreto lutam pelo dinamismo do Reino que já chegou, mas inda não está plenamente realizado em tudo e em todos.

2016.10.31 – Louro de Carvalho

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