quinta-feira, 30 de abril de 2015

Na varanda sobre o mês de maio sob a égide de Maria

No fim das celebrações eucarísticas do passado dia 26 de abril, IV domingo da Páscoa, algumas comunidades cristãs procederam à distribuição, pelos seus membros, do opúsculo Rezar com Maria – orações diárias para o mês de maio. Eu recebi-o na igreja dos Padres Passionistas em Santa Maria da Feira
Trata-se de um pequenino manual de reflexão e oração organizado por Rui Alberto, das Edições Salesianas, neste ano de 2015. É um opúsculo de 64 páginas que pode ser utilizado na oração pessoal ou na oração comunitária em apoio da recitação do rosário.
Para cada um dos dias do mês de Maria, é proposto o seguinte esquema: uma citação bíblica, um ponto de reflexão e uma oração de súplica e/ou de louvor dirigida ao Senhor ou a Maria – enquadrado por um título litânico da Virgem Maria ou, então, por um facto bíblico e/ou histórico. Além disso, cada um dos dias fica ilustrado por belas imagens do mundo atual ou, em menos casos, da iconografia sacra já conhecida, que ajudam a interiorizar a referência mariana que inspira cada meditação/oração.
Tudo parte da citação de Isaías (Is 7,14), cumprida segundo Mateus (Mt 1,21.23) e Lucas (Lc 1,31) m Cristo por Maria, e a ela retorna: Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho; e hão de chamá-lo Emanuel, que quer dizer “Deus connosco”.
Pretende-se que, passo a passo ou dia a dia, os cristãos descubram e assumam a Mãe de Jesus e sua como modelo de fé e protótipo da Igreja. Tomando-A como exemplo, no seu silêncio, no seu sim e na sua presença disponibilizada, é mais fácil dar testemunho de Cristo Ressuscitado.
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A série das citações bíblicas para cada dia do mês de maio e os títulos litânico de Maria ou o facto bíblico e/ou histórico são como segue: 
  1 – “Solta gritos de alegria, ó filha de Sião… alegra-te e rejubila de todo o coração…” (Sf 3, 14).
– Filha de Sião.
  2 – “Conceberás e darás à luz um filho a quem porás o nome de Jesus.” (Lc 1,31).
                – Conceberás e darás à luz um filho. – Cumprimento da profecia.
  3 – “Deus enviou o seu filho, nascido de mulher… para recebermos a adoção de filhos.” (Gl 4,4-5).
                – Mãe de Deus.
  4 – “Os magos viram o Menino com a sua mãe… Ofereceram os seus presentes: ouro, incenso e mirra…” (Mt 2,11-12).
                – Encontraram o Menino com a sua mãe. – Conhecimento de Cristo pelos gentios.
  5 – “Este Menino está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel para ser sinal de contradição…” (Lc 2,34-35).
                – Senhora da Candelária. Cristo é a luz das nações.
  6 – “Regressaram a Nazaré e o Menino crescia…” (Lc 2,39-40).
                – Em Nazaré, silêncio e adoração.
  7 – “Não têm, vinho… Fazei o que Ele vos disser!” (Jo 2,3-5).
                – Em Caná, uma mãe atenta.
  8 – “Todo o que faz a vontade de Meu Pai, esse é meu irmão, minha mãe …” (Mt 12,49-50).
                – A primeira discípula.
  9 – “Junto da cruz estava de pé a mãe de Jesus.” (Jo 19,25).
                Stabat mater. – A paciência e a persistência de Maria.
10 – “Mulher, ei aí o teu filho!... Eis a tua mãe!” (Jo 19,26-27).
                – Mãe que ama o Filho nos filhos.
11 – “Em nome de Cristo vos pedimos: reconciliai-vos com Deus!...” (2Cor 5,20-21).
                – Refúgio dos pecadores.
12 – “Jesus disse às mulheres: ‘Alegrai-vos’...” (Mt 28,9-10).
                – Rainha do Céu.
13 – “Feliz o ventre que te trouxe e os peitos que te amamentaram!...” (Lc 11,27-28).
                – Fátima convida à esperança.
14 – “Unidos no mesmo sentimento, rezavam juntos, na companhia de algumas mulheres e de Maria, mãe de Jesus.” (At 1,14).
                – Maria e os apóstolos à espera do Pentecostes.
15 – “Eram assíduos ao ensino dos apóstolos, à união fraterna, à fração do pão e às orações.” (At 2,42).
                – Rainha dos apóstolos.
16 – “Eu vi a cidade santa… bela como uma esposa…” (Ap 21,2-3).
                – Mãe da Igreja.
17 – “Um menino nasceu para nós… Conselheiro admirável, Deus poderoso, príncipe da paz…”
              (Is 9,5-6).
                – Rainha do Universo.
18 – “Ester falou ao rei e suplicou-lhe que impedisse o mal contra o povo judeu.” (Est 8,3).
                – Medianeira da Graça.
19 – “Rejubilo de alegria no Senhor, e o meu espírito exulta no meu Deus.” (Is 61,10).
                – Causa da nossa alegria.
20 – “Corramos, mantendo os olhos fixos em Jesus, autor e consumador da fé.” (Heb 12,1-2).
                – Amparo na fé.
21 – “… Sou a mãe do puro amor, do temor, da ciência e da santa esperança.” (Sir ou Ecli 24,17-18).
                – Mãe do amor formoso.
22 – “Mantenhamos firmes a esperança, pois Aquele que nos prometeu é fiel…” (Heb 10,23-24).
                – Mãe da nossa esperança.
23 – “Eram as nossas doenças que Ele carregava, eram as nossas dores que Ele levava às costas…”
              (Is 53,4-5).
                – Saúde dos enfermos.
24 – “Furioso contra a Mulher, o Dragão foi fazer guerra contra o resto da sua descendência, isto é, os que observam os mandamentos de Deus e guardam o testemunho de Jesus.” (Ap 12,17).
                – Auxílio dos cristãos.
25 – “Tomai e comei: isto é o meu corpo… Tomai e bebei, pois isto é o meu sangue derramado em favor de muitos, para a remissão dos pecados.” (Mt 26,26-28).
                – Senhora do Santíssimo Sacramento.
26 – “O Senhor faz morrer e faz viver, faz descer ao abismo e dele subir…” (1Sm 2,6-7).
                – Mãe dos viventes.
27 – “Revesti-vos do amor, que é o laço da perfeição. Reine nos vossos corações a paz de Cristo, à qual fostes chamados num só corpo. E sede agradecidos.” (Cl 3,14-15). *
                – Rainha da Paz.
28 – “Vinde a mim todos os que desejais e enchei-vos dos meus frutos…” (Sir ou Ecli 24,19-20).
                – Santo nome de Maria.
29 – “… Maria conservava todas estas coisas no seu coração.” (Lc 2,18-19).
                – Sede da Sabedoria.
30 – “Onde está, ó morte, a tua vitória? ... Graças sejam dadas a Deus que nos dá a vitória.”
              (1Cor 15,55-57).
                – Porta do Céu.
31 – “…é bom louvar a Deus, exaltar o seu nome e apregoar as suas obras.” (Tb 12,6).
– A visitação.

No opúsculo vem a referência Cl 3,14-15. Porém, as palavras transcritas são o texto do dia anterior – 1Sm 2,6-7.
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Apesar de algumas citações não estarem certas (o que aqui se pretendeu refazer) e embora a citações em geral sejam mais largas que as palavras transcritas (resultando, por isso, ler pela Bíblia a envolvência daquelas importante palavras transcritas), o importante é rezar as palavras como Palavra de Deus a enformar a vida do crente, que pretende ser piedoso e comprometido com o sofrimento dos irmãos e com a esperança que deve alimentar a fé e a alegria do testemunho do Ressuscitado. Pode contar com a Virgem Mãe neste seu percurso exigente e entusiasta.
Essas citações aqui ficam para servir de guia sobretudo a quem não teve acesso ao opúsculo.
É necessário que a Senhora do Cristo pregado na cruz e dela descido seja também e quanto antes a Senhora do Cristo Redivivo entre os discípulos que ousam embarcar do dinamismo da missão eclesial para que as pessoas acorram ao ensino dos apóstolos, à fração do pão em memória do Senhor e à união fraterna na caridade enquanto coroa da justiça e razão de ser da dedicação ao próximo e ao bem comum. Para tanto, é preciso recuperar a Senhora de Belém, de Nazaré e do Templo. A Senhora do Natal, a Senhora da vida eficaz e discreta na família e na comunidade, a Senhora da Apresentação do Senhor, da Oração e da Procura e encontro de Jesus.
São de saborear as meditações do livrinho para o Mês de Maria rezando-as de olhos na Bíblia, mãos nas ferramentas da paz e pés nos caminhos dos homens.
Rezar com Maria, que não intenta uma ordem lógica ou cronológica das meditações, mas ministrá-las no sistema de comprimidos de espiritualidade para cada um dos dias, termina com a evocação da visita de Maria a Isabel (cf Lc 1,39-56) e ensina-nos:
Maria visitou Isabel. E visita também todos aqueles que se lembram de Deus. Ela quer entrar na tua casa, na tua vida e contigo louvar a Deus pelas coisas grandes que Ele traz na tua vida.”.
É claro que a visita de Maria comporta a visita de Deus ao seu povo de crentes e aponta para ela: “Bendito o Senhor Deus de Israel que visitou e redimiu o seu povo” (Lc 1,68).
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O dinamismo dos visitados por Deus pode cantar-se com o cónego Ferreira dos Santos nos termos do refrão com que glosa o salmo 84 (83):
Ditosos os que Te louvam sempre,
Ditosos aqueles de quem és a força,
Pois se decidem a ser peregrinos,

Ditosos aqueles de quem és a força.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Estranha forma de pôr em causa o direito à greve

Não vou, por redundante, perorar sobre o direito à greve, que vem garantido na CRP (art.º 57.º) e regulamentado no Código do Trabalho (art.os 530.º a 543.º), bem como na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (art.º 72.º/1, alínea a; e art.os 394.º a 405.º).
A reflexão de hoje tem a ver com o espetáculo que o Programa “Prós e Contras” da RTP 1 produziu ontem, dia 27, sobre o assunto em torno da greve dos pilotos da TAP. Embora algumas informações veiculadas naquele debate sejam pertinentes, não posso deixar de manifestar a minha discordância em relação àquela iniciativa. Assim como os poderes políticos não devem legislar (Parlamento) ou decretar (Governo) tendo em conta um caso em concreto ou em cima dele, também me parece que um canal estatal de televisão não devia ter ousado levar a cabo um debate que pudesse fazer pressupor que aquilo que estava em vista era impedir ou condicionar o exercício de um direito garantido constitucionalmente e regulamentado com meridiana suficiência pelas leis ordinárias em vigor.
Aceito e aplaudo que os cidadãos tenham opiniões diferentes na apreciação desta ou daquela greve, que se manifestem a favor, contra ou assim-assim ou que não se manifestem. Sei que uma greve traz incómodos para as populações e prejuízos para as empresas, para a economia, para a estabilidade e para os próprios trabalhadores. Mas tudo isto deve ser ponderado pelos intervenientes diversos: o patronato, os trabalhadores e o Governo (sobretudo tratando-se de departamentos do Estado e/ou de empresas públicas). Por outro lado, os objetivos de cada greve devem ser convenientemente apreciados no respetivo momento pelos diversos intervenientes.
E não vale a pena estarmos a “reconhecer” em cada caso o direito à greve, mas… que esta é uma greve política, aquela traz muitos incómodos ou prejuízos, e aquela seria justa se fosse noutra ocasião.
Como já se disse, há sempre incómodo, prejuízo, instabilidade, inoportunidade de ocasião. Mais: se a greve fosse inócua, não constituiria uma forma de luta ao alcance dos trabalhadores. É óbvio que, sendo um evento de índole laboral, não deixa de ser um ato político ou de ter reflexos políticos, mesmo que a intenção primeira não seja dessa índole.
É por tudo isto que a greve não deve ser banalizada. Deve, antes, ser decretada quando os outros meios de luta se tornaram absolutamente ineficazes. E, além de as partes envolvidas terem a obrigação de fazerem o esforço de manter as negociações até ao fim, penso que os dias de greve não devem constituir um sinal dado à população do fabrico artificioso de um fim de semana prolongado ou de servirem de mais um dia de descanso, turismo ou praia. Os trabalhadores em greve não devem ocupar as instalações do local de trabalho, mas devem permanecer atentos e vigilantes, dado que a greve, se as negociações não forem interrompidas, a todo o momento pode ser cancelada e os trabalhadores, logo que a entidade que decretou a greve a desconvoca ou a interrompe, devem estar prontos para reatar o exercício do vínculo laboral.
Ademais, as entidades que decretam a greve não devem, em princípio, colocar um grupo minúsculo de trabalhadores em situação de greve, a não ser que o dinamismo da declaração de greve preveja mecanismo de potencialmente colocar todo o setor na situação de greve (caso de a greve ser desenvolvida por trabalhadores diferentes em dias sucessivos).
Depois, para minimizar os prejuízos da greve par aos próprios trabalhadores, as suas associações deveriam constituir um fundo de greve de que beneficiariam os seus contribuintes aderentes à greve e que respondessem ao controlo da competente estrutura associativa.
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Sendo assim, quando uma estrutura sindical, uma outra associação de trabalhadores ou uma comissão de trabalhadores ou a assembleia geral de trabalhadores de empresa ou de organismo se veem na necessidade de fazer o pré-aviso de greve à respetiva entidade patronal ou, no caso dos trabalhadores em funções públicas, ao competente membro do Governo, as partes têm de continuar a fazer as ponderações necessárias: os sindicatos ou as entidades equivalentes para o efeito devem continuar a verificar se os objetivos são justos e de alcance viável e se a greve se afigura como a única e adequada forma de luta no momento; e a entidade patronal ou, se for o caso, a estatal devem ter em conta os efeitos diretos e os efeitos colaterais e examinar as condições de negociação e fazer todos os esforços para que a greve seja evitada. Caso venham a ser esgotados todos os meios de negociação, persuasão, dissuasão e solicitação (e porque não?), devem fazer desencadear os mecanismos legais de minoração dos efeitos da greve. Está neste caso a definição de verdadeiros serviços mínimos, a cargo da comissão arbitral nos termos da lei e nos setores que a lei tiver definido como suscetíveis da definição desses serviços.
Não podem é os trabalhadores em greve ser substituídos por outros para os setores cujo vínculo laboral está suspenso pela ação de protesto legalmente convocada nem serem objeto de qualquer discriminação ou penalização de ordem disciplinar, antiguidade profissional ou benefício da segurança social ou da saúde, com exceção óbvia das remunerações (único setor onde a anotação de greve fica legitimada até ao processamento da remuneração).
No caso vertente da greve dos pilotos da TAP, já sabemos que os prejuízos decorrentes da greve atingem setores importantes da economia e de setores conexos com ela. Também sabemos que ela visa impedir a privatização da TAP ou, no caso de a privatização da empresa pública se tornar irreversível, os pilotos reivindicam a detenção de uma fatia de participação de 10 a 20% do capital social, alegando que houve um acordo celebrado antanho entre a administração e os trabalhadores. Já sabíamos que esse documento nunca subiu a conselho de ministros, que, a ser válido, já tinha sofrido o látego da prescrição (era do ano de 1999) e que, em tempo, o conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República por unanimidade o considerou ilegal e mesmo inconstitucional. Também sabemos que a TAP necessita de capitalização, crescimento e renovação e aumento da frota.
Percebo e aceito como legítimo que António Pedro Vasconcelos, um dos corifeus contra a privatização da TAP, tenha eventualmente escrito uma carta aberta a demarcar-se da justeza dos objetivos desta greve. Percebo que a greve seja criticável por acabar por abrir as portas a uma privatização em que um grupo específico de trabalhadores fique arvorado em patrão dos outros trabalhadores (contraindicado pela CRP e pela lei-quadro das privatizações), o que não aconteceria se a fatia do capital disponível abrangesse todos os trabalhadores. Percebo que o Movimento “Não TAP os olhos” se manifeste veementemente contra a privatização da TAP pelas boas razões que todos conhecemos e que, embora reconhecendo a justeza das reivindicações dos pilotos, tenha fortes dúvidas de a greve não ter um efeito contraproducente, ou seja, dar azo ao Governo, para que, alegando que os pilotos tornaram impossível privatização / “viabilização” da empresa, parta para uma “reestruturação”, a reestruturação que o Governo sabe fazer, que passa pelo despedimento em massa dos trabalhadores e/ou pela promoção da declaração de falência.
Até percebo que se tenha organizado uma manifestação silenciosa para sensibilizar os pilotos a desistirem da greve. Até percebo que os pilotos estejam divididos quanto à oportunidade da greve. Porém, não posso aceitar que um órgão de Comunicação Social público, com o peso de uma estação de rádio e televisão – em boa parte paga pela taxa do audiovisual, cobrada a todos os cidadãos juntamente com a conta da eletricidade, e, sempre que necessário, pelo orçamento do Estado, ou seja, pelos contribuintes – organize em cima do acontecimento um debate sobre este candente tema. Que as tentativas de condicionamento partam de cidadãos e de grupos percebo e aceito, como também aceito que a RTP lhes dê voz à medida que elas são notícia. Em contraponto, acho intolerável que a RTP organize expressamente um debate para o efeito, pelos fatores de manipulação da opinião pública agregados, pelo condicionamento que acarreta e inevitável consecução de um bode expiatório para a ineficácia empresarial e governativa.
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Não obstante, é de ressaltar do debate ou a inviabilidade da privatização ou a possibilidade de uma privatização com os mesmos efeitos que a intervenção reestruturante que o Governo é capaz de fazer. Isso é: segundo cálculos ontem avançados, a TAP valerá cerca de 1,2 mil milhões de euros; mas, como tem uma dívida de 1,1 mil milhões de euros, o máximo de encaixe para o Estado seria de 100 milhões. Se aparecer um comprador, singular ou coletivo, que avalie seriamente os riscos, ou dará no máximo o valor bruto da empresa, ficando com os encargos supervenientes, ou dará apenas e no máximo os 100 milhões, assumindo os ditos encargos. Depois, ficará com margem para fazer a reestruturação que entender. E o Governo tanto arcará com os encargos de Segurança Social sendo ele a provocar o despedimento coletivo de trabalhadores como sendo o novel comprador da empresa.
De resto, como pode o Estado assegurar que um comprador da empresa mantenha a TAP com a marca de Portugal, o centro de decisão no país, o hub de Lisboa, a preservação das rotas essenciais ao tráfego estratégico para Portugal, a manutenção dos postos de trabalho portugueses – a não ser através da detenção da maioria do capital ou do direito de veto de alteração da estratégia da empresa através da golden share ou instrumento similar? Ademais, como é que se pode alienar um bem e ficar com poder sobre ele?
É certo que a União Europeia e a sua Comissão impedem por princípio a injeção de capitais públicos nas empresas públicas. Todavia, continua a ser pertinente perguntar: “Porque é que esse poder de condicionamento foi dado e continua a ser dado à Comissão Europeia – ela que nem tem barcos, helicópteros, e aviões (Durão Barroso o disse!) para prevenir, gerir e controlar a entrada de imigrantes ilegais pela fronteira sul da União Europeia”?
Mas a CGD tem já injetado capital e não é tão pouco como isso. Mas está tudo bem: Portugal tem sido orgulhosamente um bom aluno da União Europeia; a CGD é uma SA, mas de capitais públicos; e “temos os cofres cheios”! Mas o Estado tem exercido o poder regulador de forma totalmente ineficaz (Veja-se o caso BCP, BPP, BPN, BES/GES e o que aí virá).
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Também neste aspeto precisamos de uma UE menos proibitiva e mais solidária. Será que Silva Peneda vai consegui-lo na acolitação a Juncker?

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Viva a Constituição da República!

Foi com este brado, secundado por alguns dos seus camaradas, que António Arnaut respondeu espontaneamente às palavras de saudação e boas-vindas de Assunção Esteves aquando da receção ocorrida no Parlamento para evocar o quadragésimo aniversário das eleições para a Assembleia Constituinte, que decorreram a 25 de abril de 1975.
Essa sessão foi iniciativa do semanário Expresso e da própria Assembleia da República. Não haja dúvida de que, apesar das palavras de simpatia da Presidenta da AR, aliás como convinha, um simples “Viva!” lançado por um veterano do Parlamento vale mais do que um discurso oratório, por mais sumarento que seja.
Quanto à iniciativa do Expresso, confesso que foi uma das melhores formas de festejar o ato eleitoral para a Constituinte, inédito quanto à novidade, dimensão, objetivo e significado fundacional da democracia e único quanto ao índice de participação popular consubstanciado em 92% dos portugueses. Com efeito, a rua, as sessões de esclarecimento e a construção da consciência clara de que o voto era uma arma nas mãos do povo, um direito/dever inerente ao estatuto de cidadania de cada português e à curiosidade do “novo” – a que estaria também associado um certo cansaço das ações de rua – mobilizaram a população em todo o país; e as pessoas esperavam com complacência na fila a sua vez de receber, preencher em segredo e entregar à vista de todos na urna o seu boletim dobrado em quatro.
A revista do Expresso, do passado dia 25, traz a reportagem da sessão acima aludida em que estiveram presentes 75 dos deputados da Assembleia Constituinte, que posaram para uma fotografia para a História. Veem-se ali os rostos de homens e mulheres marcados pelo tempo, mas conservando um tónus de jovialidade pela memoração do que aquele ato de fundação do regime democrático significa para o devir pátrio. É óbvio que o Palácio de São Bento hoje reúne condições de comodidade e de serviços impensáveis em 1975. E os velhos deputados puderam experimentar estas condições, inclusive um almoço comemorativo e de franco convívio.
Além disso, puseram em destaque a memória de alguns factos, alguns dos quais eram já do conhecimento público. Assim, recordaram o cerco a que os deputados constituintes foram sujeitos, a 12 de novembro de 1985, por parte de uma multidão de trabalhadores convocados pelos sindicatos da Construção Civil e pela Intersindical. Foi uma situação de sitiamento que durou 24 horas. Alguns recordam que tiveram medo e ressaltam que somente o PCP conseguiu fazer entrar comida no Palácio. Saíram, no fim do cerco em fila e envergonhados perante a população.
Mas os deputados presentes recordaram também os que, entretanto, faleceram e os que foram substituídos durante a sessão constituinte.
Assumiram que o Palácio de São Bento era um oásis de liberdade em comparação com a agitação da rua, apesar da vivacidade das discussões, da dificuldade de evacuar as galerias em situações conflituosas por ausência da polícia por não obediência da mesma, da apresentação informal nas sessões plenárias (hoje impensável), dos episódios em que o público atirava moedas para o hemiciclo e os deputados faziam voar cinzeiros para as galerias, e da ameaça de bomba numa sessão plenária em que Pinto Balsemão estava a presidir no impedimento do presidente Henrique de Barros. Ficamos a saber que os deputados chegaram a estar com salários em atraso de pelo menos três meses, porque o Primeiro-Ministro os quis sujeitar à penúria e que se quotizavam aqueles que dispunham de maior pecúlio para ajudar a custear as despesas dos menos avantajados economicamente. E cada deputado auferia um vencimento correspondente à letra A da função pública – 10 000$00, o que no presente equivalia a cerca de €1400.
Os velhos deputados, comparando o nível do parlamento constituinte com o atual, enaltecem aquele e lamentam a mediocridade reinante na atual Casa da Democracia. Fazia-se política na rua, mas a política construía-se, refletia-se, discutia-se e passava-se a letra de forma na Assembleia Constituinte. Os representantes do povo entregavam-se então “de alma e coração” à atividade parlamentar; ainda não estavam peados pelos aparelhos partidários; lutavam em nome da ideologia, negociando o mais que podiam.
A este respeito, António Arnaut, crendo que a qualidade resultava da grande diversidade dos políticos deputados, confessa: “A Constituinte teve, do ponto de vista técnico, humano e até moral, um nível superior: havia operários e catedráticos, empresários e sindicalistas, advogados e comerciantes. Depois, o nível começou a baixar, a baixar, a baixar, até chegar…” (vd Expresso, 25/02, pg 34). E temos infelizmente de lhe dar razão, tendo em conta até as últimas iniciativas legislativas, bem como os níveis elevadíssimos de abstenção eleitoral e as faltas ao plenário.
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Numa coisa eles estiveram de acordo. Mais do que lembrar as peripécias, importa festejar o resultado: a elaboração e a aprovação da Constituição. Pelos vistos, a cada bloco de artigos que eram aprovados, os deputados levantavam-se e entoavam a Portuguesa. O trabalho da aprovação do texto constitucional terminou às 7 horas da tarde do dia 2 de abril de 1975 e foi, a seguir, festejado com um porto de honra no Salão Nobre do Parlamento. O Presidente da República promulgou a Constituição às 9 horas da noite do mesmo dia. E a lei fundamental entrou em vigor a 25 de abril de 1976, dia das primeiras eleições para a Assembleia da República.
Assim, a Constituição da República Portuguesa (CRP), que está em vigor – embora tenha passado por 7 revisões, a última das quais ocorreu em 2005 (LC n.º 1/2005, de 12 de agosto) – conta já com 39 anos de existência.
Será bom que a CRP não seja torpedeada nem por comissão nem por omissão. Para isso, ao Presidente da República e ao Tribunal Constitucional cabe o ónus de a cumprir e fazer cumprir.
Disse bem Assunção Esteves no final do almoço dos deputados constituintes: “Queria sobretudo celebrar o papel da política como algo que contribui para uma vida realmente verdadeira – uma política que não é monopólio das instituições, mas que nos cabe a todos: os que estão aqui, na rua, nas suas casas ou no trabalho” (vd Expresso, 25/02, pg 35).  

Concluindo, seria bom que os partidos políticos de hoje olhassem para esta memória de um parlamento que trabalhou com afinco e sentido patriótico na luta por causas, em contexto de agitação e de pressão, e não para viver do poder. Seria bom que os partidos tivessem autoridade política – basta-lhes cumprir o mandato com elevação, ponderar as iniciativas legislativas e fazer trabalho político – e estofo moral para mobilizar os portugueses em torno das eleições. Serão capazes? Têm a palavra!

domingo, 26 de abril de 2015

O Papa em Fátima nas celebrações centenárias em 2017

Foi ontem, dia 25 de abril, tornado público o teor principal do conteúdo da audiência privada que o Bispo de Leiria-Fátima e vice-presidente da Conferência Episcopal Portuguesa teve com o Sumo Pontífice Francisco.
Entre os diversos temas abordados como as perspetivas pastorais da Igreja em Portugal, o conteúdo da Mensagem de Fátima, sobretudo no atinente à misericórdia e à compaixão, e a relevância do Santuário de Fátima, a notícia que saltou para ribalta da Comunicação Social é a da sua clara intenção de vir a Fátima em maio de 2017 presidir a uma das peregrinações evocativas do centenário das aparições.
Pelo que se conhece, tanto o Presidente da República e o Governo como a Conferência Episcopal e, em especial, o Bispo de Leiria-Fátima, tinham formulado o desejo de que Francisco viesse a Portugal, sugerindo justamente o centenário das aparições.
Parece que o Presidente Cavaco Silva, quando lhe lançou o repto, acrescentara que, ao tempo, já não seria o Presidente, ao que o Pontífice retorquira que também ele, Francisco, podia já não ser o Papa. Do seu lado, os membros do Governo terão informado o Papa – e bem – de que Fátima corresponde a uma localidade do Interior do país que, ao tempo das aparições, era quase inóspita e protagonizada por gente muito pobre.
Ontem o Papa declarou a sua intenção de nessa ocasião estar em Fátima, se Deus lhe conceder vida e saúde. E foi nestes termos que autorizou o prelado de Leiria-Fátima a fazer a divulgação pública desta sua intenção.
Já quando o cardeal patriarca Dom Manuel Clemente, por ocasião da sua elevação ao cardinalato, o abordou no passado mês de fevereiro sobre este assunto, Francisco ter-lhe-á solicitado: “Reza por mim”. Neste pedido, o cardeal viu uma intenção formulada pelo Papa lá no seu íntimo de vir a Fátima, o que lhe fez formular a certeza dessa vinda.
Na referida audiência privada – a Comunicação Social ressalta ser a primeira audiência privada que Francisco concedeu a um bispo português – o Bispo de Leiria-Fátima entregou uma oferta monetária do Santuário de Fátima destinada às ações de ajuda aos pobres do Sumo Pontífice, gesto que deixou o Papa sensibilizado.
À notícia da vinda do Santo Padre a Fátima não se fizeram esperar as reações. Assim, o Patriarca de Lisboa e presidente da Conferência Episcopal, no contexto de uma celebração de hoje em Cascais, manifestou a sua alegria e a da Igreja em Portugal, prometendo que Portugal saberá recebê-lo e o Papa sentir-se-á em Portugal como em sua casa. O reitor do Santuário de Fátima, padre Carlos Cabecinhas, declarou que esta é uma notícia maravilhosa “para o Santuário de Fátima, que se encontra profundamente ligado ao Papa em virtude da mensagem de que é depositário”. E o padre Manuel Barbosa, porta-voz e secretário da Conferência Episcopal, reiterando as palavras de Dom António Augusto Marto, disse esperar que a visita se possa mesmo concretizar, ou seja, que efetivamente Deus conceda vida e saúde ao Pontífice para o efeito e declara que “será para todos nós uma grande alegria”.
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Já para o Presidente do Turismo do Centro “a visita do Papa a Fátima é uma grande oportunidade para reforçar a notoriedade das marcas de Fátima, Centro e de Portugal, no contexto mundial do turismo religioso, mas também do turismo cultural”. Estas são palavras de Pedro Machado, à Lusa, para o qual “essa oportunidade deve mobilizar todos” – os organismos públicos e privados, locais, regionais e nacionais – “para se poder proporcionar a melhor receção possível” ao Papa e a quem visitar Fátima em 2017.
Parecem-me estas palavras merecer um reparo ao mesmo tempo elogioso e crítico. Por um lado, é de aplaudir a atenção do presidente daquele órgão de coordenação económico-cultural e de pretender a mobilização de todos os organismos para o melhor acolhimento possível ao Papa e a quem visitar Fátima, bem como manifestar o interesse cultural do santuário. Todavia, por outro lado, tenho de manifestar alguma relutância pela pressa e pelo descaro em associar de imediato à ação papal a marca turística e de promoção comercial de Fátima ou de circunscrever o melhor acolhimento possível ao ano de 2017.
O operador turístico e o operador comercial procuram a rendibilização do setor de atividade em todos os anos, procurando espreitar em cada momento os motivos, os pretextos e as oportunidades de rendibilização. Porém, devem saber gerir e conter a informação pública sobre as suas ambições. E um serviço público, como é o Turismo do Centro tem de estar disponível sempre, todos os anos, para facilitar o acolhimento a todos e para valorizar sempre os locais e outras referências de atração de peregrinos, turistas, empresários e simples curiosos.
Depois, é mais que certo que em torno da viagem e da ação papal se desenvolverão atividades económicas, nomeadamente comerciais, inerentes ao serviço que é necessário prestar às pessoas. Porém, nem é esta a valência mais importante de Fátima e do Papa nem estes acontecimentos podem ser olhados do ângulo mercantilista nem por ele ficar dominados.
Em torno do Papa e de Fátima, estabeleça-se o comércio necessário às pessoas, sem excessos e sobretudo sem exploração – tentações inerentes a estas atividades e que dão azo a críticas, por vezes injustas aos operadores eclesiais!
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Quanto à presença do Papa em Fátima, devo dizer que, além da proximidade da mensagem de Fátima com a missão da Igreja e do Papa e da sua consonância com o Evangelho ou da evidente predileção de Jacinta pela figura do Santo Padre – aspetos que são assaz sublinhados pelos comentadores religiosos – há outros aspetos que é justo salientar.
Em primeiro lugar, o Santuário de Fátima é um local de profunda e arejada vivência da fé aonde acorrem peregrinos de todas as partes do mundo, quer se considerem singularmente quer se considerem enquadrados em grupos por nacionalidades e regiões. Assim, Fátima não deixa de ser imagem da Igreja que peregrina neste mundo a caminho da Pátria Celeste, a comunidade dos “cidadãos do céu” que palmilham os caminhos deste mundo. Provavelmente, estes peregrinos, os de Fátima, precisam do apoio de outros peregrinos mais robustos que aceitem caminhar com eles, de receber deles orientação e alento. E o Papa, por si ou por seu legado a latere, pode de vez em quando prestar esse serviço de confirmação na fé.
Em segundo lugar, perante uma plêiade de peregrinos provindos um pouco de todo o mundo, o Papa terá em Fátima um púlpito donde pode falar Urbi et Orbi, se o quiser fazer, em termos exortativos.
Em terceiro lugar, a partir de Fátima, pode fazer-se a ligação saudável entre o Mistério de Cristo no quadro trinitário, ponto central da fé cristã, e a gravitação em torno dele do papel de Maria, Mãe de Deus e dos Homens. A partir daqui, Ela mostra Jesus ao Mundo e apresenta-Lhe os dramas da humanidade e os sofrimentos de cada um dos filhos; Ela afirma-se aqui como a primeira discípula que assume a Palavra, guarda no coração os gestos de Jesus, chama a atenção para as necessidades dos homens e pede que façam o que Ele disser, como em Caná, e aqui, como junto à Cruz, assume o seu papel maternal para com todos os discípulos atuais e futuros; Ela serve de testemunha do perdão pedido e concedido a quem condenou Jesus à morte de cruz; Ela ensina a oração e dá o seu alor ao apostolado e à missão na alegria do Senhor Ressuscitado.
Finalmente, não é incompatível a imagem da Igreja, do Papa Francisco, como o hospital de campanha em socorro da humanidade ferida a imagem da Igreja como a estalajadeira onde a “Alma” (a pessoa humana) do Auto Vicentino, do nosso século XVI, ia retemperar, em pontos determinados da sua caminhada, as forças pelo alimento e pelo repouso. O alimento, servido pelos santos doutores, eram as iguarias da Paixão do Redentor; o repouso era a contemplação do Cristo morto pela salvação da “Alma” e ressuscitado para que ela tenha a vida em plenitude.  
Tudo isto se percebe em Fátima na ampla Casa de Maria. Ademais, as próprias celebrações eucarísticas no altar do recinto nas peregrinações aniversárias espelham o dinamismo da peregrinação e da Ceia pascal: os peregrinos rezam o rosário com referência à Capela das Aparições, segue-se a procissão para o altar, celebra-se a Eucaristia e segue-se a adoração ao Senhor. Esta prolonga-se pela noite fora, no caso da celebração vespertina; no caso da celebração final, à Eucaristia, segue-se a bênção dos doentes, a bênção dos peregrinos e a procissão do adeus.
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Quer parecer-me que, além de outros motivos, terá sido também este rol de gestos dinâmicos, enquadrados pela doutrina da fé cristológica e trinitária em que se inscreve a sadia devoção mariana, que terá levado os Sumos Pontífices a uma especial consideração por Fátima.
Assim, Pio XII designou como legado seu o cardeal Masella para proceder à coroação da imagem de Nossa Senhora (coroa oferecida pela mulheres portuguesas) e consagrou, por duas vezes, o mundo ao Imaculado Coração de Maria.
Paulo VI ofereceu a Rosa de Ouro ao Santuário, que foi entregue pelo cardeal Cento, e presidiu à peregrinação aniversária de 13 de maio de 1967, a assinalar o cinquentenário das aparições.
João Paulo II visitou Fátima em 12 e 13 de maio de 1982, em 12 e 13 de maio de 1991 e em 13 de maio de 2000 (procedeu à beatificação de Jacinta e Francisco e mandou publicar a 3.ª parte do segredo fatimita). Pediu que a imagem da Senhora fosse ao Vaticano, onde Urbi et Orbi consagrou o mundo ao Imaculado Coração de Maria.
Bento XVI – que tinha nomeado seus representantes para presidência das peregrinações aniversárias do 90.º aniversário das aparições de maio e de outubro, respetivamente o cardeal Sodano e o cardeal Bertone (este procedeu também à inauguração e dedicação da Igreja da SS.ma Trindade) – visitou pessoalmente o santuário e presidiu à peregrinação aniversária de 12 e 13 de maio de 2010, no 10.º aniversário da beatificação dos pastorinhos Jacinta e Francisco e no centenário da República.

Por seu turno, o Papa Francisco recebeu em Roma nos dias 12 e 13 de outubro de 2013, a seu pedido, a Imagem de Nossa Senhora do Rosário de Fátima que é venerada na Capelinha das Aparições, na Jornada Mariana promovida pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, no âmbito do Ano da Fé. E, no dia 13, junto da Imagem de Nossa Senhora, o Papa Francisco entregou o mundo ao Imaculado Coração de Maria. Agora, ele, que já tinha apontado o ano de 2017 como data de uma possível viagem a Portugal, será assim o quarto Papa a passar por Fátima, se Deus lhe der vida e saúde. Que seja bem-vindo!

25 de Abril – dia da Liberdade, da democracia e da cidadania

Há quarenta e um anos, os militares quais homens sem sono e sem medo, levaram a cabo a ingente tarefa de romper com o passado de amordaçamento das liberdades, da cidadania e do pluralismo de pensamento, opinião e manifestação.
O Governo caiu em abril de 1974 e com ele esboroou-se o regime. O povo veio à rua festejar e manifestar a esperança regeneradora. E para que o poder não ficasse refém incauto da rua, o escol militar menos comprometido com o regime ora aniquilado passou a exercê-lo provisoriamente secundado pelo concurso de cidadãos de reconhecido mérito.
A rua continuou a festejar. E no festejo embriagante cometeram-se excessos e houve desvios. No entanto, o dia não deixou de merecer o festejo popular. E hoje continua a ser abril de pleno direito e em plena força. Basta que haja vontade e entusiasmo.
Depois, cumpriu-se o programa dos cabouqueiros da democracia. Um ano depois, houve eleições livres e universais, as primeiras! Foram para a escolha dos homens e mulheres que tiveram o encargo de elaborar a Constituição. E outro ano depois, vieram as eleições legislativas, as presidenciais, as autárquicas e as regionais. Estava a democracia política a dar passos completos, ainda que oscilantes. E, em 1982, com a primeira revisão constitucional, a democracia deixou de estar tutelada pelo poder castrense. Era a plenitude da democracia política e a rampa de lançamento das demais vertentes da democracia e do Estado de Direito Democrático.
A pari, os cidadãos enfileiravam em manifestações e participavam em reuniões, sessões de esclarecimento e comícios para elaborar e/ou ouvir declarações de princípios, manifestos e programas. Multiplicaram-se as ações cívicas de educação, esclarecimento dos deveres e dos direitos de cada um, nomeadamente o dever e direito de voto. Começou a democratizar-se a educação e a cultura; inventou-se ou reforçou-se o Estado Social; e garantiu-se o acesso dos cidadãos à saúde e aos benefícios da civilização, bem como o direito ao trabalho e ao justo repouso, a um presente condigno e a um futuro sadio.
Pena é que a Casa da Democracia, herdeira política e fiel depositária das glórias da revolução abrilina, tivesse tentado cozinhar, em vésperas das comemorações, um mecanismo limitador de uma das principais liberdades , a da expressão e da edição, correspondente ao direito de informar e de ser informado. Mas parece ter arrepiado caminho ainda a tempo. No entanto, a forma como comemorou o quadragésimo aniversário da inauguração da nossa democracia representativa, com as primeiras eleições livres e generalizadamente participadas (as da Assembleia Constituinte, em 25 de abril de 1975) revelou-se morna e vazia, totalmente “anticomemoração” e sem perspetivas de futuro risonho.
Por outro lado, os insignes deputados, quando pressentiram que as contas dos diversos grupos parlamentares estariam ao alcance da fiscalização do Tribunal de Contas (TdC), apressaram-se a legislar com êxito no sentido de as suas contas serem fiscalizadas pelo Tribunal Constitucional (TC). Não viesse a suceder que, por azar, também fosse detetado algum descontrolo interno ou a instalação de umas eventuais más práticas de gestão financeira e, depois, ter de vir a senhora Presidenta a terreiro mostrar-se chocada e desgostosa e quiçá a acusar o TdC de conclusões infundadas e precipitadas! É certo que o TC não dispõe de meios e de capacidade técnica para se encarregar desta missão. Mas ser-lhe-ão oferecidos. E, como diz o povo, o que elege os deputados, “enquanto o pau levanta, folgam as costas”.
Só me interrogo como é que o corpo que devia ser mais credível no Portugal de abril se transforma tão facilmente em corpo de exceção, em anticorpo? Ou a fiscalização de todas as instituições não é parte integrante da democracia? Não basta dizer-se que ninguém está acima da lei, mas também que ninguém está isento de escrutínio.
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De resto, se apertarmos bem as mãos, quase só nos resta a democracia política formal. Votamos em quem os partidos propõem e eles, por norma, apresentam apenas cidadãos que estejam em consonância com os aparelhos partidários e não quem se tenha distinguido em papel relevante na comunidade. As leis laborais pouco menos são que antidemocráticas do ponto de vista económico-social (semeiam a pobreza, a exploração, a precariedade, o medo da perda do emprego, o desemprego e o medo de falar); a educação está nas ruas da amargura; a saúde cada vez fica mais distante do povo; a segurança social está à beira da falência; o poder financeiro esboroa a alma da nação; a economia está cada vez mais exposta à cobiça do capital e de seus efeitos dilapidadores.
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Porém, Abril merece ser celebrado, tem de ser celebrado: na rua, nas consciências e nas instituições. Abril tem de ser libertado da modorra e dos ataques à democracia nas suas mais diversas valências. Tem de voltar a existir a democracia política genuína. E ela tem de gerar nova democracia económica, social, educacional e cultural. A saúde, a segurança no futuro e a educação têm de estar ao serviço e ao alcance de todos!
A Liberdade tem de ser recuperada para ser festejada em pleno e abrigar o exercício das diversas liberdades, da liberdade de todos e de cada um. Não há liberdades a não ser no contexto da Liberdade fundamental. E a Liberdade que não seja garantida e que não se concretize nas diversas liberdades não é propriamente liberdade.

Esta é a peculiaridade e a universalidade de ABRIL!

sábado, 25 de abril de 2015

25 de abril, dia hagiológico de São Marcos, evangelista

Marcos, ou João Marcos, um hebreu da tribo de Levi, foi um dos primeiros discípulos de Pedro, que no dia de Pentecostes, impressionados pelo discurso petrino, solicitaram o Batismo em nome de Cristo e o receberam da parte do Apóstolo primaz (cf At 2,37ss).
Terá sido este o motivo por que Pedro lhe chama “meu “filho” na sua primeira carta (1Pe 5,13).
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Marcos Evangelista (em grego, Μάρκος) foi martirizado em Alexandria a 25 de abril do ano 68. Tendo começado por ser discípulo de Paulo, posteriormente foi discípulo de Pedro. Considerado o autor do 2.º Evangelho (o segundo, de acordo com a ordem do cânone bíblico) é também um dos setenta e dois discípulos e venerado como santo e mártir por várias igrejas cristãs, como a Católica, a Ortodoxa e a Copta. É ainda venerado como o patriarca fundador da Igreja de Alexandria, um dos principais focos do Cristianismo primitivo.
O leão é o símbolo deste evangelista, que inicia o seu Evangelho com as palavras: “Voz daquele que clama no deserto: Preparai os caminhos do Senhor” (Mc 1,3).
A tradição cristã identifica-o com o João Marcos (em grego, Μάρκος Ιωάννης), mencionado como companheiro de Paulo nos Atos dos Apóstolos e que depois se teria tornado discípulo de Pedro, apesar de uma tradição anterior reportada aos séculos II-III distinguir duas personalidades: Marcos e João Marcos. Porém, a obra de Hipólito “Sobre os Setenta Apóstolos” é espúria.
Os atos dos Apóstolos (cf At 12,12) mencionam Maria, a mãe de Marcos e dona duma casa em Jerusalém, onde os cristãos realizavam as suas sessões. Autores há que reconhecem em Marcos o parente de Barnabé que, bem moço ainda, se associou com este a Paulo na sua primeira viagem apostólica e, após o términus desta, por desinteligências surgidas entre eles, voltou para Jerusalém. Na segunda viagem paulina, não o vemos ao lado do apóstolo das gentes (cf At 15,3). Mais tarde, porém, tornou-se seu companheiro na primeira prisão do mesmo em Roma (cf Flm 24); pelo mesmo apóstolo foi mandado a Colossos (Cl 4,10). Preso pela segunda vez em Roma, Paulo chamou-o para junto de si (cf 2 Tm 4,11). O seu apostolado está, pois, também ligado ao de Paulo, em Roma, onde desenvolveu um zelo e atividade apostólicos tais que o seu chefe desejou tê-lo em sua companhia.
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Segundo Eusébio de Cesareia, em sua História Eclesiástica, Herodes Agripa I, durante o seu 1.º governo (41 dC) mandou matar Tiago, filho de Zebedeu, e mandou prender Pedro planeando matá-lo após a Páscoa judaica. Mas Pedro fora salvo miraculosamente por intervenção angélica e escapou das mãos de Herodes (cf At 12,1-19), sendo acolhido na casa da mãe de Marcos.
Após diversas viagens pela Ásia Menor e pela Síria, chegou a Roma no 2.º ano do imperador Cláudio (42 dC). Em algum ponto da caminhada, encontrou Marcos, confirmou-o na fé e tomou-o como companheiro de viagem e seu intérprete. A pregação de Pedro teve tal sucesso na capital do Império que foi presenteado pelos seus habitantes com uma estátua. Aí, Marcos teve o grato prazer de ver os belos frutos, que a pregação de Pedro, o príncipe dos Apóstolos, vinha produzindo, crescendo dia por dia o número dos que pediam o Batismo.  
Durante a sua ausência, Pedro confiou a Marcos a vigilância sobre a jovem Igreja. E, correspondendo ao insistente pedido dos primeiros cristãos de Roma de lhes deixar em documento escrito tudo o que ouviram da boca de Pedro e da sua sobre a vida, a doutrina, os milagres e a morte de Jesus Cristo. Assim, Marcos escreveu o Evangelho que tem aposto o seu nome, sendo o mais curto dos 4 Evangelhos e, por assim dizer, o mais incompleto: não contém a história da In­fância de Cristo, nem o sermão da montanha. Todavia, Pedro leu-o, aprovou-o e recomendou aos cristãos que dele fizessem a leitura.
Pode dizer-se que Marcos se faz espetador com os leitores, com os quais acompanha e vive o drama de Jesus de Nazaré, desenrolado em dois atos, coincidentes com as duas partes deste Evangelho. Ao longo do 1.º, vai-se perguntando: Quem é Ele? Pedro responderá por si e pelos outros, de forma direta e categórica: “Tu és o Messias!” (Mc 8,29). O 2.º ato pode esquematizar-se com a pergunta-resposta: De que modo se realiza Ele como Messias? Morrendo e ressuscitando (Mc 8,31; 9,31; 10,33-34). Este Evangelho apresenta-nos, assim, uma Cristologia simples e acessível: Jesus de Nazaré é verdadeiramente o Messias que, com a sua Morte e Ressurreição, demonstrou ser verdadeiramente o Filho de Deus (Mc 15,39) que a todos possibilita a salvação: “Pois também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos” (Mc 10,45).
Mais do que em qualquer outro Evangelho, Jesus, “Filho de Deus” (Mc 1,1.11; 9,7; 15,39), revela-se profundamente humano, de contrastes por vezes desconcertantes: é ora acessível (Mc 8,1-3), ora distante (Mc 4,38-39); acarinha (Mc 10,16) e repele (Mc 8,12-13); impõe “segredo” acerca da sua pessoa e do bem que faz e manda apregoar o benefício recebido; manifesta limitações e até aparenta ignorância (Mc 13,22). É verdadeiramente o “Filho do Homem”, título da sua preferência. Deste modo, a pessoa de Jesus torna-se misteriosa: porque encerra em si, conjuntamente, um homem verdadeiro e um Deus verdadeiro. 
A evidência de que o autor do 2.º Evangelho – que alude a alguns costumes romanos e está cheio de latinismos – é efetivamente Marcos vem de Papias de Hierápolis nos fragmentos da sua “Exposição dos oráculos do Senhor”.
Entretanto, no 3.º ano de Cláudio (43 dC), partiu para Alexandria. Lá fundou a Igreja de Alexandria, cuja sucessão é avocada por diferentes denominações cristãs, mas sobretudo pela Igreja Copta. Alguns aspetos da sua liturgia são referenciados a Marcos, que se tornou o primeiro bispo de Alexandria e o fundador do Cristianismo em África. Enquanto isto, Marcos pregou o Evangelho na ilha, de Chipre, no Egito e nos países vizinhos. As conversões produzidas por esta pregação contavam-se aos milhares e milhares de ídolos iam ruindo por terra; e nos lugares dos templos pagãos ergueram-se igrejas cristãs. O Egito, antes entregue à mais refinada idolatria, tornou-se teatro da mais alta perfeição cristã e refúgio de eremitas.
Marcos trabalhou 19 anos em Alexandria, onde a Igreja atingiu um extraordinário esplendor. Não satisfeitos com a observância daquilo que o Evangelho indicava como indispensável para alcançar a vida eterna, muitos observavam do modo mais perfeito os valores evangélicos, abstendo-se, a exemplo do líder, do uso da carne e do vinho e distribuindo os bens pelos pobres. Inúmeros eram aqueles que viviam em perfeita castidade. O número de cristãos cresceu de tal modo que para todos terem ocasião de participar na celebração eucarística e na pregação, foi necessário destacar um número de casas bem grande onde se pudessem reunir.
Tal prosperidade da causa do Senhor inquietou e irritou os sacerdotes pagãos contra o grande Apóstolo. Marcos, sabendo que os inimigos, seus e de Cristo, conspiravam contra a sua vida e na iminência da generalização persecutória, na qual muitos cristãos poderiam não ter a força de perseverar na fé, deu à Igreja de Alexandria um novo bispo na pessoa de Aniano e ausentou-se da cidade. Era o 8.º ano do imperador Nero (62-63 dC).
Ao voltar passados dois anos, decorria uma grande festa que os pagãos celebravam em honra do deus Serapis. A maior homenagem que podiam render à divindade seria, segundo opinavam os idólatras, a oferta da vida do Galileu – nome por que era conhecido o evangelista. Por isso, puseram-se a caminho em busca de Marcos. A eles se juntou o populacho. Descoberto o paradeiro, penetraram na casa que o hospedava. Marcos celebrava os santos mistérios, quando a horda sequiosa do seu sangue entrou. Prenderam-no e, com extrema brutalidade, ter-lhe-ão colocado uma corda à volta do pescoço e arrastaram-no pelas ruas da cidade. O trajeto ficou, pois, todo marcado pelo sangue do Mártir. Marcos nenhuma resistência fez; pelo contrário, deu louvores a Deus por ter sido achado digno de sofrer pelo nome de Cristo.
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A Igreja Copta mantém a tradição de que Marcos, o evangelista, foi um dos Setenta Discípulos enviados por Cristo, o que é confirmado pela lista de Hipólito. Porém, a Igreja Copta adotou a tradição que mistura numa só personalidade as figuras de Marcos e João Marcos. Ela acredita que foi o evangelista quem recebeu os discípulos em sua casa após a morte de Jesus, a mesma para onde foi o Jesus ressuscitado e onde também o Espírito Santo irrompeu sobre os discípulos no Pentecostes. Também terá sido ele um dos servos nas Bodas de Caná, o que despejou a água que Jesus transformou em vinho (cf Jo 2,1-11).
Também segundo a tradição copta, Marcos terá nascido em Cirene de Pentápolis, na antiga Líbia, aonde terá retornado mais tarde, quando Paulo o enviou a Colossos  (cf Cl 4,10; Flm 4) – passagens que tratam de Marcos, primo de Barnabé, e depois de ter servido com ele em Roma (cf 2 Tm 4,11).
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Na noite anterior ao martírio, que ocorreu a 25 de abril, teve a visão dum anjo, que lhe disse: “Marcos, Servo de Deus, o teu nome está escrita no livro da vida e a tua memória jamais se apagará. Os arcanjos receberão em paz o teu espírito”. E Cristo, da mesma maneira por que muitas vezes o tinha visto e saudado durante a vida mortal e disse-lhe: “Marcos, a paz seja contigo”. Foram palavras que encheram de grande consolo e ânimo a alma do Mártir.
Durante o martírio, encomendou a alma a Deus com as palavras de Cristo na cruz, Nas Tuas mãos entrego o meu espírito (Lc 32,46).
Os pagãos que o martirizaram quiseram incinerar-lhe o corpo. Entretanto, uma fortíssima tempestade, que sobreveio, frustrou-lhes os planos e forneceu aos cristãos o ensejo de recolherem o corpo e lhe darem condigna sepultura numa rocha em Bucoles.
Em 828 d.C., as relíquias que se crê serem de São Marcos foram roubadas em Alexandria por dois mercadores venezianos e levadas para Veneza, que tinha como padroeiro Teodoro de Amásia. Foi ali edificada uma basílica para as guardar, a Basílica de São Marcos. Nela se encontra um mosaico nela onde figuram os marinheiros a cobrir as relíquias com carne de porco para que os muçulmanos, senhores de Alexandria, impedidos de tocar na carga, a não pudessem inspecionar.
Também Braga, na igreja de São Marcos, guarda uma arca tumular com o que se crê serem relíquias do evangelista, para lá levadas, no século XI, pelo arcebispo Dom Maurtício Burdino.
Os coptas acreditam que a cabeça do santo permaneceu em Alexandria. Todos os anos, no 30.º dia do mês de Paopi, a Igreja Ortodoxa Copta comemora a consagração da igreja de São Marcos e o aparecimento da cabeça do santo na cidade – cerimónia que ocorre na Catedral Ortodoxa Copta de São Marcos, onde a cabeça do santo está preservada.
Em 1063, durante a consagração da Basílica de São Marcos, as relíquias do santo não puderam ser encontradas. Porém, de acordo com uma tradição, o santo revelou pessoalmente, em 1094, a localização de seus restos mortais estendendo o braço a partir de um pilar. Estes restos recém-encontrados foram colocados num sarcófago na basílica.
Em junho de 1968, o Patriarca Cirilo VI de Alexandria enviou uma delegação não oficial à Roma para receber uma relíquia de São Marcos das mãos do Papa Paulo VI. A relíquia era um pequeno pedaço de osso que havia sido presenteado ao Papa pelo cardeal Urbani, Patriarca de Veneza. O Papa, dirigindo-se à delegação, disse que o resto das relíquias se manterá na cidade.
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Foi revelado a São Marcos que o seu nome estava escrito no livro da vida. A mesma possibilidade da inscrição do nome de todos no mesmo livro da vida foi proporcionada a todos pelo Evangelho, onde se encontram estabelecidos os princípios e as normas de conduta segundo o olhar de Deus. Deve, pois, o Evangelho ser a leitura predileta e constante de todos. “Fazei penitência e crede no Evangelho” disse Cristo no seu primeiro sermão (Mc l,15). Quem crê no Evangelho como palavra de Deus observa o que ele prescreve. “Pode alguém dizer que crê em Cristo, se não faz o que Cristo mandou que fizesse?” – pergunta São Cipriano). “Nem todos obedecem ao Evangelho”, lamenta o apóstolo Paulo (Rm 10,16). É esta a única razão por que os seus nomes não são encontrados no livro da vida. “As minhas ovelhas ouvem minha voz” (Jo 10,27). São as ovelhas que no dia do juízo serão colocadas à direita do Rei. São elas que lhe ouvem a voz e lhe obedecem. Quem quer figurar entre os eleitos do Senhor, deve ouvir-Lhe a voz.
Provavelmente era em atenção à vida austera e frugal de Marcos e seus colaboradores e seguidores mais próximos que, em muitas aldeias cristãs, o dia 25 de abril era o dia dos pobres. Os mais ricos dispunham de uma significativa fatia dos seus bens em favor dos mais desprotegidos e os remediados ofereciam o dia de trabalho braçal e dos animais em favor deles.
Era também uso litúrgico da Igreja de no dia de São Marcos cantar em procissão a ladainha de todos os Santos, para impetrar a misericórdia divina por intercessão de todos os santos e santas de Deus. Este uso fora introduzido pelo Papa Libério, no século IV, e foi tornado obrigatório pelo Papa Gregório Magno, por ocasião da peste que dizimou horrivelmente, em 586, a população de Roma. Era o dia em que os pagãos celebravam, com uma grande procissão ao longo da Via Flamínia até à 5.ª pedra miliária, a festa de Robigo. Ali, Junto dum pequeno bosque, o sacerdote oferecia ao deus um cão e uma ovelha para invocar o patrocínio sobre as searas contra o carbúnculo. Eram as ladainhas maiores porque mobilizavam todo o povo romano a partir das suas sete igrejas paroquiais, em contraposição com as ladainhas menores, cantadas nos dias das rogações, os três dias anteriores à Quinta-feira da Ascensão, introduzidas, em 477, por São Mamertus, bispo de Vienne, por conta dos terramotos e outras calamidades então prevalecentes e ordenada para Roma por Leão III, em 799.
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O dia 25 de abril, que passou, desde 1974, em Portugal, a ser o Dia da Liberdade, como admirável pedra de toque para a instauração da democracia, era para a Igreja Católica, o dia da solidariedade para com os pobres, as vítimas das pestes e dos terramotos e o dia do apóstolo da proximidade de Deus humanizado em Jesus Cristo.

Sim, a democracia, para ser plena, tem ser política, mas também económica, social e cultura, mas sobretudo solidária.