quinta-feira, 16 de abril de 2015

Brincar à coligação... ou com o país?

Quem sabe do meu pensamento percebe que não me disponho a fazer qualquer defesa, muito menos apologia, do CDS/PP, como também deduz que tanto me faz que este partido se apresente a eleições em coligação com o PPD/PSD ou que os dois partidos concorram cada um por seu lado, ambos ditos do centro (um – que ironia! – mais à esquerda, outro quase à direita com laivos de esquerda). Também não me pronuncio se, após o resultado de eleições legislativas, devem ou não coligar-se ou estabelecer acordos de incidência parlamentar.
Todavia, a hesitação aparente – fruto de calculismo larvado pela dificuldade de definir critérios de composição das listas se a partir dos resultados das mais recentes eleições legislativas, se a partir das sondagens – é nefasta para o espectro eleitoral, já que interessa ao país e deveria interessar aos partidos políticos que o cenário da campanha eleitoral espelhasse o mais cedo possível as linhas mestras com que se tece.
Vêm estas considerações a propósito dos últimos desenvolvimentos passados pela Comunicação Social, que respondem mal às expectativas de comentadores políticos de que a coligação estaria para breve, de que tem de haver coligação, de que já peca por tardia e de que as sondagens, mesmo as de que dispõe um dos vice-presidentes do PSD, não dão margem de manobra ao partido para que se candidate isolado. Parece certo e sabido que não haverá coligação pré-eleitoral entre os dois partidos nas regiões autónomas. Tanto quanto tem aflorado de forma discreta na Comunicação Social, supõe-se que também alguns dirigentes do CDS não querem a coligação e, no caso de ela se afigurar como inevitável, estão dispostos a fazer exigências acima do que seria expectável.
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Agora, nos últimos dias, Passos Coelho, em postura humildemente arrogante formula o enunciado demolidor: “Se conseguirmos governar sozinhos, ainda melhor”.
Estas palavras foram proferidas no último Conselho Nacional do PSD. Na intervenção inicial do mais elevado órgão do partido entre congressos, o primeiro-ministro declarou que “no devido tempo a Comissão Política Nacional do PSD convocará um Conselho Nacional para debater a coligação”. Tratar-se-á de um Conselho Nacional extraordinário com poderes de decisão excecionais. Mas, para já, embora o líder tenha assumido que ainda “não é este o tempo” adequado para equacionar a questão da coligação pré-eleitoral com o CDS, admite que o seu partido pode ir sozinho a votos. Mesmo consciente de que o partido necessita “de saber como vamos governar o país”, ou seja, se em resultado de coligação com o CDS antes das eleições ou somente depois delas, adiantou-se: “Se conseguirmos governar sozinhos, ainda melhor”.
Passos Coelho prometeu também o fim da austeridade – E não foi no dia um de abril que o fez – dizendo que “os portugueses sabem o que esperar do PSD” e garantiu que a sua governança removerá as medidas excecionais que teve de adotar, mas simultaneamente recordou que “os portugueses sabem que nunca nos faltou coragem para levar a cabo o que faz falta ao país”. Porém, trata-se de uma coragem bem cega, penso eu, ou de balela pré-eleitoral.
Acima de tudo, o primeiro-ministro alertou os conselheiros para a necessidade de formar um governo suportado por uma maioria parlamentar, assegurando a impossibilidade de governar o país, estando na dependência das imposições do PS. Mas também não gosta das do CDS!
Ainda no atinente à coligação, Passos Coelho quer evitar precipitações e manifestou dúvidas quanto aos benefícios eleitorais de uma coligação com o CDS/PP, pelo que parece aguardar por uma nova sondagem que lhe traga a clarificação sobre a mais-valia que lhe poderá trazer a organização de listas conjuntas com o parceiro da atual coligação para as próximas eleições legislativas.
Se as últimas sondagens internas parecem indicar que o principal partido da maioria seria mais forte sozinho em alguns círculos eleitorais do que em coligação com o partido de Paulo Portas, também fazem pressupor que noutros círculos seria mais favorável a coligação. Todavia o que faz adiar a decisão do Presidente do PSD será a dificuldade de negociar a composição das listas com os democratas-cristãos. E, ao anunciar a marcação de um Conselho Nacional para tratar expressamente da coligação, inibiu alguns conselheiros de insistirem no tema, mas, mesmo assim, alguns teimaram em falar sobre o assunto, sem que se chegasse a alguma conclusão mesmo que provisória.
De resto, não é plausível que os dois partidos não vão coligados nas regiões autónomas e façam coligação no Continente, mas muito menos plausível seria irem coligados nalguns círculos do Continente e separados noutros. Porém, estes políticos, que estão a brincar às coligações, esquecem-se de que estão sobretudo a brincar com o país, não havendo uma voz autorizada que lhes diga que estamos fartos de ser governados por meninos de leite e de coca-cola!
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Sem ligarem a outro assunto que se prende com a atitude de Rogério Gomes, coordenador do Gabinete de Estudos do PSD, da ligação ao Instituto do Território e dos ajustes diretos que terá feito (e que Passos Coelho só abordou porque alguns conselheiros tomaram a iniciativa de trazer o tema à colação), os dirigentes centristas mostraram-se desagradados com as declarações do primeiro-ministro e com o anúncio da convocação de um Conselho Nacional para decidir sobre o acordo com o CDS/PP. Todavia, se as palavras do Presidente do PSD causaram incómodo no CDS, não abalaram o seu desejo de coligação.
Trata-se de postura que não percebo. Um partido cuja parceria não é inequivocamente desejada pelo partido maioritário da coligação, se tivesse o sentido da dignidade coletiva e institucional, poria de parte qualquer hipótese de coligação pré-eleitoral. E o Conselho Nacional do PSD, órgão máximo do partido entre congressos, que ficasse a falar sozinho.
A afirmação lapidar de um alto dirigente do CDS de que, “se calhar, também podíamos dizer que o CDS governaria melhor sozinho” constitui uma resposta meramente evasiva e tautológica. É claro que todo e qualquer partido, em tese, governaria melhor sozinho, restando apenas saber se reúne ou não condições para o efeito. Dá-me a impressão de que, no seu calculismo, o CDS se sujeita a tudo para não perder a oportunidade de integrar um governo, sabendo que, apesar de ser minoritário, tem condições para impor muitas das suas indicações programáticas, sob pena de paralisar a governação. E governar sem a responsabilidade máxima até se torna cómodo. Ademais, se Portugal é, como diz Cavaco Silva, um país de muitas oportunidades, também o é de muitíssimos oportunistas.
Recordo-me de que – e já o escrevi em texto produzido no âmbito destas reflexões – em janeiro de 1980, vaticinei para um dirigente de então do CDS que o PSD só queria a colaboração dos democratas-cristãos quando e enquanto deles precisasse. E o comportamento do PSD ao longo do tempo vem-me dando razão.
No momento presente, o PSD não declarou que, “se fosse o caso, governariam melhor sozinhos”, mas “se conseguirmos governar sozinhos, ainda melhor”. Nem sequer diz “se conseguíssemos”, mas “se conseguirmos”. Este modo de enunciar de Passos Coelho não aponta para uma possibilidade ou para um desejo, mas para um propósito.
É certo que, no ano de 2004, Luís Marques Mendes foi a Barcelos declarar ao XXVI Congresso socialdemocrata o seu entendimento de que o Partido devia candidatar-se sozinho às eleições legislativas que o Presidente Jorge Sampaio havia convocado em consequência da dissolução da Assembleia da República. Porém, tratava-se da posição de um militante, embora prestigiado, mas não de uma declaração do Presidente do PSD. Nem o Congresso nem o Presidente Santana Lopes se viram motivados a seguir a indicação de Mendes.
Salva-se a ironização de um centrista portuense que mordazmente considera: “Se o PSD está à espera de que o resultado na Madeira possa acontecer no Continente…”. Por outro lado, entende-se a crítica de alguns dirigentes democrata-cristãos que sublinham como errada a apresentação de candidaturas separadas, dado que o eleitorado fará um julgamento conjunto da governação do último quadriénio, garantindo que o CDS se sairá bem. Estará na manga a justificação da revogabilidade da decisão irrevogável de Portas em junho/julho de 2013?
Porque é que Aníbal António continua a acreditar num mecanismo de Salvação Nacional gizado e frustrado em 2013? Donde lhe vem a teimosia de agora insistir no entendimento com o PS (segundo previsões que alguns fazem para o discurso presidencial a 25 de abril próximo) e de prometer que, após as eleições legislativas, não conferirá posse a um governo minoritário, quando na ocasião a sua autoridade está constitucionalmente diminuída?
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O número mais recente da revista Sábado faz um historial das coligações e tentativas de coligação desde o II Governo Constitucional, que valerá a pena ler. Desse historial destaco duas coisas.
Em primeiro lugar, o pedido de Mário Soares a Proença de Carvalho para, em véspera das eleições de 1982, interferir junto de Carlos Alberto da Mota Pinto (líder do PSD) para aceitar a coligação pós-eleitoral com o PS. As indicações fornecidas pelas sondagens não indicavam perspetiva de vitória a um ou a outro dos dois partidos. O PS não estava refeito da governação precária dos primeiros dois governos provisórios e a AD estava desgastada pelas dificuldades de governança e pela orfandade de Sá Carneiro e Amaro da Costa. Mas vinha aí o FMI. Então foi convencionado que o líder do partido ganhador seria o Primeiro-Ministro e o do outro seria Vice-Primeiro-Ministro e a escolha prévia do Ministro das Finanças recaiu em Ernâni Lopes. A formação do governo e a negociação de reformas estruturais foi longa (PS, nas eleições, obtivera 36% dos votos e o PSD 29%).
Em segundo lugar, vem o caso das eleições de 2002, em razão da dissolução do Parlamento por pedido de demissão de Guterres. O tempo era escasso. O braço de ferro era entre Ferro Rodrigues (líder de um PS desgastado) e Durão Barroso (líder de um PSD que parecia remoçado). Porém, em véspera das eleições, Barroso percebera que não obteria a maioria absoluta (Quem não se lembra da diatribe entre Rui rio e Pinto da Costa por causa do futebol?). Barroso conseguiu, por intermédio de João Rebelo, no último dia de campanha, a anuência de Portas para uma coligação pós-eleitoral, começando por um pacto de não agressão nos discursos finais. A formação do governo durou dez dias.
Porém, nos dois aludidos casos não havia coligação pré-eleitoral e as indicações a prazo não apontavam, nem deixavam de apontar, para maiorias e, sobretudo, ainda a experiência democrática não estava consolidada.

Como será desta vez? Não o sei, mas queria que os políticos deixassem de brincar às coligações e deixassem de fazer do Terreiro do Paço ou do Palácio de São Bento os campos de jogos em que os poderes se divertem jogando irresponsavelmente o futuro do país. 

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