Chegámos
ao último dia do mês de março, o terceiro mês do nosso calendário, já que o
primeiro mês é o de janeiro. Mas nem sempre assim foi.
No
primitivo calendário romano, o de Rómulo, o ano tinha 304 dias distribuídos por
10 meses. Os primeiros 4 tinham nomes dedicados aos deuses da mitologia romana
e provinham de tempos mais remotos, em que provavelmente se aplicaram às quatro
estações; os demais 6 meses eram designados pelos numerais ordinais ou
adjetivos numerais. Assim, o ano começa com o mês de março, dedicado a Marte e
a Minerva (31 dias).
Seguiam-se: abril,
dedicado a Apolo e a Vénus (30 dias); maio, dedicado a Maia ou a Júpiter
(31
dias); junho,
dedicado a Juno (30 dias); julho, o quinto mês (31
dias); agosto, o
sexto mês (30 dias);
setembro, o sétimo mês (30 dias); outubro, o oitavo mês (31
dias); novembro, o
nono mês (30 dias);
dezembro, o décimo mês (30 dias). Foi Numa Pompílio quem estabeleceu o ano de 12
meses e modificou o número de dias dos meses, seguindo o exemplo dos gregos,
que tinham o ano lunar de 354 dias. Introduziu, em primeiro lugar o mês de
janeiro (29 dias),
Ianuarius, dedicado a Jano, e em último lugar o mês de
fevereiro (27 dias),
Februarius, dedicado a Februa ou Febro, a quem os romanos ofereciam sacrifícios para expiação dos
pecados cometidos durante o ano todo. Os meses de março, maio, julho e outubro
continuam com 31 dias. Demais, os meses de abril, junho, agosto, setembro,
novembro e dezembro ficaram com 29 dias.
Esta
distribuição de dias pelos meses deve-se ao facto de os números pares serem
considerados supersticiosamente nefastos. Ora também o número 354 o era. Do
mal, o menos: preferiram acrescentar mais um dia ao ano e aumentarem-no a fevereiro,
que ficou com 28 dias.
***
Entretanto,
expliquemos como surgiu o nome do mês e o seu enquadramento nas classes de
palavras de acordo com a gramática. Quem aprendeu à antiga que, entre as
classes de palavras, se incluíam os nomes – que se subdividiam em nomes substantivos (a
designar pessoas, coisas, situações, estados, qualidades…), nomes adjetivos (a designar caraterísticas, qualidades,
especificações, estados, sentimentos, situações – acopladas aos substantivos;
hoje temos adjetivos qualificativos, relacionais e numerais, quando os
adjetivos determinativos passaram uns a determinantes e outros a
quantificadores em posição adjetiva)
e nomes numerais (a
designar o número, a quantidade – hoje considerados os quantificadores numerais) – não estranha que os meses
tenham pertencido à classe dos adjetivos. Como acontece recorrentemente, quando
facilmente se subentende, somos useiros e vezeiros a omitir o nome antes do
adjetivo, fazendo com que este, por conversão, seja tratado como nome (substantivo). Quem não fala, por exemplo, no
diretivo, no pedagógico, omitindo a palavra “conselho”; no básico, o
secundário, o pré-escolar, o superior, omitindo a palavra “ensino”; ou no executivo,
o deliberativo, omitindo a palavra “órgão”.
Enquanto
nós dizemos, reportando-nos ao mês, por exemplo, “março” ou “mês de março”,
sendo “março” para nós um nome, os romanos diziam “mensis martius” (mês
márcio ou mês de Marte),
a maior parte das vezes com a omissão da palavra “mensis”, ficando a palavra
“martius” sempre com o rosto de adjetivo como em “ara martia” ou “ara Martis” (altar
márcio ou altar de Marte)
ou em “templum martium” ou “temnplum Martis” (templo márcio ou
templo de Marte).
Também temos a lei “marcial” (lex
martialis), lei
produzida em contexto de guerra ou semelhante e o adjetivo “márcio”, referente
à guerra, bem como o nome “marcha”, que veio do adjetivo “martius, a um”, através do francês “marche”.
Assim,
considerando os 12 meses do ano, eles enunciavam-se como segue: (mensis)
ianuarius; (mensis) februarius; (mensis) martius; (mensis) aprilis; (mensis)
maius; (mensis) iunius; (mensis) iulius (antes, “quintilis”, do
numeral cardinal ou quantificador numeral “quinque”); (mensis) augustus (antes,
“sextilis”, do
numeral cardinal ou quantificador numeral “sex”); (mensis) september (do
numeral cardinal ou quantificador numeral “septem”); (mensis) october (do
numeral cardinal ou quantificador numeral “octo”); (mensis) november ou novembris (do
numeral cardinal ou quantificador numeral “novem”); (mensis) december (do numeral
cardinal ou quantificador numeral “decem”).
***
Foi
mencionada acima a palavra “calendário”, do nome latino “calendarium (ou
Kalendarium), ii”, que significa: registo,
livro de contas; todos os bens duma casa, todo o dinheiro duma casa; dinheiro
emprestado a juros. Deste nome deriva o adjetivo “calendarius (ou
Kalendarius), a, um”, a significar: que se
realiza no dia um do mês. Já “calendarium” ou “kalendarium” deriva de
“calendae, arum” ou “kalendae, arum”, utilizadas somente no plural, no
feminino, a significar: calendas, o primeiro dia do mês ou, mesmo, o mês. Era o
dia em que os pontífices deviam proclamar as “nonae” (nonae
dies – nonos dias),
para que o povo soubesse se estas cairiam a cinco ou a sete do mês. “Calendae”
deriva do verbo “calo”, a significar: proclamo, convoco, anuncio.
O
calendário como livro de registos ou de contas era o livro em que os agiotas
apontavam o nome dos devedores. Era assim designado por ser usual os devedores
pagarem as dívidas nas calendas de janeiro.
Desde
tempos imemoriais os povos sentiram a necessidade de dividir e medir o tempo. Uma
das suas unidades de medida é o mês – do latim, “mensis,is”, do tema * men- “Lua”, astro que serve para medir o
tempo; representa o alargamento do tema * me- que ocorre no verbo “metior” (verbo
depoente, que nos temas do perfeito segue o mote “mensus sum”), a significar: medir, avaliar,
estimar, apreciar, percorrer, distribuir, repartir, delimitar. Da família de
“metior” há os verbos “metor” (delimitar, demarcar, medir) e “mensuro” (medir); os nomes “mensio” (medida,
apreciação),
“mensis” (mês), “mensor” (o que mede, medidor, agrimensor), “mensura” (medida,
dimensão, quantidade);
e os adjetivos “mensurabilis” (mensurável) e “mensurnus” (de
um mês, que dura um mês).
Mês
é o tempo aproximado de que a Lua necessita para efetuar uma volta ao redor da
Terra, ou seja uma lunação. Em anos normais, o mês tem em média 30 dias e 10
horas (730
horas) e, no ano
bissexto, o mês tem em média 30 dias e 12 horas (732 horas). Um mês corresponde a 1/12 do
ano. As fases da lua serviram de referência para as primeiras medições de que resultou
a divisão do ano em períodos de 28 dias (4 semanas de 7 dias), os meses
lunares, que ainda hoje se utilizam em determinados contextos. Cada mês
correspondia a uma lunação. Mais tarde, descobriu-se que a lunação durava cerca
de 29 dias e meio, os meses começaram a ter 29 dias ou 30. E, quando se deu
conta de que doze lunações de 29 dias e meio somavam 354 dias e se consideraram
as mudanças de estação como marcos divisórios da passagem do tempo, apareceu a
divisão em anos segundo o movimento de translação da Terra (movimento
da terra em torno do sol, que era entendido, até à revolução coperniciana, como
movimento do Sol em torno da Terra descrevendo a elíptica). Aqueles 354 dias diferiam em
11 dias e um quarto do ano solar (365 dias e 1/4) e adotou-se a divisão do ano em
12 meses. Mas, como no decurso dos anos, a diferença acumulada entre o ano solar
e os 12 meses lunares é muito grande, deixando de haver coincidência das
estações do ano, abandonou-se o cômputo lunar, permanecendo a medida do mês,
correspondente a uma duodécima parte do ano lunar.
Foi
Júlio César quem, no ano 46 aC, reformulou o calendário a que deu o formato a
que chamamos o calendário juliano, segundo o qual o ano comum tem 365 dias e,
de quatro em quatro anos, um ano de 366 dias, atribuindo aos meses o número de
dias que têm atualmente. Isto resulta de se considerar que o ano teria em média
365 dias e um quarto. Estabeleceu a sequência dos 12 meses pela ordem hoje
existente e com o número de dias existentes hoje em cada um dos meses. Foi em
sua honra e em atenção ao seu nome que se procedeu à alteração da designação do
mensis quintilis para mensis iulius, o que sucedeu
relativamente a Octávio César Augusto quanto ao mensis sextilis, que passou a mensis
augustus.
Todavia,
cada ano não tem efetivamente 365 dias e um quarto, como se pensava, mas têm de
se lhe subtrair 11 minutos e 14 segundos. Por isso, 16 séculos depois de Júlio
César (1582), o Papa Gregório XIII, apoiado em estudos do astrónomo Clavius,
notando que havia um acréscimo de 10 dias na contagem de todos aqueles anos,
ordenou a supressão dos 10 dias àquele ano de 1582 e convencionou-se suprimir o
dia suplementar dos anos bissextos de final de século (o que
não se fez em 2000).
Assim, a diferença de um dia entre o ano natural e o civil só se verificaria em
5000 anos. O calendário gregoriano foi logo adotado por Itália, Portugal,
Espanha e Polónia. Assim, resultou que Teresa de Ávila, falecida a 4 de
outubro, tenha sido sepultada a 15.
Já
a data de César e a cristã são outra coisa. Em Portugal, até à promulgação de
uma lei por D. João I, a 22 de agosto de 1422, adotando a era cristã, os anos
contavam-se pela era de César ou era hispânica. A era de César começou a
contar-se a partir do ano 715 da fundação de Roma, ou seja, 38 anos e 11 dias
antes da era cristã, que supostamente começou a contar-se no ano do nascimento
de Cristo (o que não é assim, porque Plínio, o Moço, ter-se-á
enganado em uns 5 a 7 anos).
Quanto
aos nomes dos meses, temos a herança romana desde Augusto:
Janeiro
(Ianuarius) tem este nome por ser
consagrado a Jano, deus da mitologia romana invocado no ritual antigo antes de
Júpiter. Dele se deriva o nome “ianua” porta. Ele era o deus do céu luminoso, o
deus das origens e princípio ou porta da existência. Abria e fechava a luz do
céu. Chegou a ser o 11.º mês do ano. Como porta dá para fechar ou abrir (agora
abre).
Fevereiro
(Februarius) provém de Februa ou Febro. Febro como verbo significa “purificar” e
está relacionado com Febro (ou
Februa), deus dos mortos. Fevereiro era o mês da
purificação, da expiação e penitência. Chegou a ser o12.º mês do ano, pelo que
nele se incluíam os dias que faltavam para o completar. Por isso, é que a
oscilação do número de dias entre o ano comum e o bissexto se reflete ainda
hoje no mês de fevereiro.
Março
(Martius) era o primeiro mês do primitivo calendário romano. Deriva o seu nome
de Mars, Martis, o deus romano da
guerra. Era neste mês que normalmente se planeavam as campanhas militares que se
levariam a cabo durante o ano.
Como
a arte da guerra implicava a sabedoria e a ciência – muitos dos grandes
generais romanos eram exímios na escrita – ao mês de março estava associada a deusa
Minerva, a deusa da sabedoria (relacionada com a grega Atena) e deusa tutelar deste mês. Eram
neste mês renovados, no Capitólio, os louros secos (com
os louros eram tecidas coroas para homenagear os heróis) e carregados os escudos
sagrados pelos sacerdotes que, dando a volta à cidade de Roma, homenageavam a
deusa. Marte, segundo Os Lusíadas, tinha um fraquinho pela deusa da beleza Vénus
e com ela tivera um caso. Os colegas dos sálicos honravam-no batendo os escudos
e Augusto dedicou-lhe um templo e apôs-lhe o cognome de Ultor, o deus da vingança. Venerado pelos Sabinos e pelos Oscos,
Marte protegia a vegetação e assegurava-lhe o desabrochar e expansão. No seu mês,
surgiam os primeiros rebentos e as primeiras flores.
O
mês de abril (Aprilis) está relacionado
com Afrodite, a deusa grega do amor, ou com Vénus, a correspondente deusa
romana. Abril pode estar relacionado com o nome grego aphril ou aphrós, que
significa “espuma” (Vénus terá nascido da espuma do mar) ou pode derivar do próprio nome
“Afrodite”. No latim, termos o verbo aperio,
aperire, que significa abrir, e o
adjetivo aperilis. De facto, neste
mês rebenta a natureza com toda a sua pujança em água e vegetação. Outros
consideram-no dedicado a Apolo, filho de Júpiter e de Latona, deus de beleza
radiante, sedutor e inspirador da poesia e da música.
Maio
(Maius) era dedicado à Bona Dea ou Maia, filha de Fauno e esposa de Vulcano. Era a deusa do renascer
da vida vegetal rústica, saudada com as festas maias. Outros consideram-no,
mais tarde, dedicado a Iuppiter maximus,
considerado o pai dos deuses e dos homens.
Junho
(Iunius) era dedicado a Juno, esposa de
Júpiter, a deusa do matrimónio.
Julho
era o 5.º mês do primitivo calendário (Quirinalis). Marco António chamou-lhe
Iulius, em honra do imperador Júlio César, reformador do calendário romano de
Numa Pompílio.
Agosto
(Augustus) era o sexto mês do calendário
romano. Octávio Augusto deu-lhe o seu nome por ter sido neste mês que obteve o
seu primeiro consulado e as primeiras vitórias.
Os
restantes 4 meses mantêm o nome do indicativo da sua posição no calendário
primitivo.
***
Março inicia-se com o Sol no signo Pisces e termina em Aries.
O Sol inicia na constelação de Aquarius
e termina na de Pisces. No hemisfério
norte é o sazonal equivalente a setembro no hemisfério sul. Entre 19 e 21 de
março, o Sol cruza (falamos do movimento
aparente do Sol) o equador celeste rumo ao norte – é o equinócio de março (equinócio vernal ou outonal, consoante o hemisfério), começo da
primavera, no hemisfério norte, e do outono, no hemisfério sul.
Em Roma, de clima mediterrânico, março é o 1.º mês da primavera,
que era um bom evento para marcar o início do ano, bem como para começo das
campanhas militares. O ano começava em 1 de março na Rússia até ao final do século
XV. A Grã-Bretanha e suas colónias iniciavam o ano a 25 de março até 1752, ano
em que adotaram o calendário gregoriano. Muitas culturas e religiões ainda hoje
começam o ano novo em março.
Em finlandês, março é chamado de maaliskuu, com origem em maallinen
kuu, a significar o mês terrestre.
A terra começa a aparecer sob a neve derretida. Os saxões chamavam-lhe Rhed-monat ou Hreth-monath (por causa do deus Rhedam/Hreth) e os anglos tinham-no
como Hyld-monath. Para os judeus, o
fim de fevereiro e o começo de março é o adar
e o mesmo período referente a abril é nisan.
***
Afinal, Marte e março não são apenas guerra, mas beleza,
pujança, expansão, amor, adoração e festa – Deus, homem e natureza.
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