domingo, 26 de abril de 2015

O Papa em Fátima nas celebrações centenárias em 2017

Foi ontem, dia 25 de abril, tornado público o teor principal do conteúdo da audiência privada que o Bispo de Leiria-Fátima e vice-presidente da Conferência Episcopal Portuguesa teve com o Sumo Pontífice Francisco.
Entre os diversos temas abordados como as perspetivas pastorais da Igreja em Portugal, o conteúdo da Mensagem de Fátima, sobretudo no atinente à misericórdia e à compaixão, e a relevância do Santuário de Fátima, a notícia que saltou para ribalta da Comunicação Social é a da sua clara intenção de vir a Fátima em maio de 2017 presidir a uma das peregrinações evocativas do centenário das aparições.
Pelo que se conhece, tanto o Presidente da República e o Governo como a Conferência Episcopal e, em especial, o Bispo de Leiria-Fátima, tinham formulado o desejo de que Francisco viesse a Portugal, sugerindo justamente o centenário das aparições.
Parece que o Presidente Cavaco Silva, quando lhe lançou o repto, acrescentara que, ao tempo, já não seria o Presidente, ao que o Pontífice retorquira que também ele, Francisco, podia já não ser o Papa. Do seu lado, os membros do Governo terão informado o Papa – e bem – de que Fátima corresponde a uma localidade do Interior do país que, ao tempo das aparições, era quase inóspita e protagonizada por gente muito pobre.
Ontem o Papa declarou a sua intenção de nessa ocasião estar em Fátima, se Deus lhe conceder vida e saúde. E foi nestes termos que autorizou o prelado de Leiria-Fátima a fazer a divulgação pública desta sua intenção.
Já quando o cardeal patriarca Dom Manuel Clemente, por ocasião da sua elevação ao cardinalato, o abordou no passado mês de fevereiro sobre este assunto, Francisco ter-lhe-á solicitado: “Reza por mim”. Neste pedido, o cardeal viu uma intenção formulada pelo Papa lá no seu íntimo de vir a Fátima, o que lhe fez formular a certeza dessa vinda.
Na referida audiência privada – a Comunicação Social ressalta ser a primeira audiência privada que Francisco concedeu a um bispo português – o Bispo de Leiria-Fátima entregou uma oferta monetária do Santuário de Fátima destinada às ações de ajuda aos pobres do Sumo Pontífice, gesto que deixou o Papa sensibilizado.
À notícia da vinda do Santo Padre a Fátima não se fizeram esperar as reações. Assim, o Patriarca de Lisboa e presidente da Conferência Episcopal, no contexto de uma celebração de hoje em Cascais, manifestou a sua alegria e a da Igreja em Portugal, prometendo que Portugal saberá recebê-lo e o Papa sentir-se-á em Portugal como em sua casa. O reitor do Santuário de Fátima, padre Carlos Cabecinhas, declarou que esta é uma notícia maravilhosa “para o Santuário de Fátima, que se encontra profundamente ligado ao Papa em virtude da mensagem de que é depositário”. E o padre Manuel Barbosa, porta-voz e secretário da Conferência Episcopal, reiterando as palavras de Dom António Augusto Marto, disse esperar que a visita se possa mesmo concretizar, ou seja, que efetivamente Deus conceda vida e saúde ao Pontífice para o efeito e declara que “será para todos nós uma grande alegria”.
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Já para o Presidente do Turismo do Centro “a visita do Papa a Fátima é uma grande oportunidade para reforçar a notoriedade das marcas de Fátima, Centro e de Portugal, no contexto mundial do turismo religioso, mas também do turismo cultural”. Estas são palavras de Pedro Machado, à Lusa, para o qual “essa oportunidade deve mobilizar todos” – os organismos públicos e privados, locais, regionais e nacionais – “para se poder proporcionar a melhor receção possível” ao Papa e a quem visitar Fátima em 2017.
Parecem-me estas palavras merecer um reparo ao mesmo tempo elogioso e crítico. Por um lado, é de aplaudir a atenção do presidente daquele órgão de coordenação económico-cultural e de pretender a mobilização de todos os organismos para o melhor acolhimento possível ao Papa e a quem visitar Fátima, bem como manifestar o interesse cultural do santuário. Todavia, por outro lado, tenho de manifestar alguma relutância pela pressa e pelo descaro em associar de imediato à ação papal a marca turística e de promoção comercial de Fátima ou de circunscrever o melhor acolhimento possível ao ano de 2017.
O operador turístico e o operador comercial procuram a rendibilização do setor de atividade em todos os anos, procurando espreitar em cada momento os motivos, os pretextos e as oportunidades de rendibilização. Porém, devem saber gerir e conter a informação pública sobre as suas ambições. E um serviço público, como é o Turismo do Centro tem de estar disponível sempre, todos os anos, para facilitar o acolhimento a todos e para valorizar sempre os locais e outras referências de atração de peregrinos, turistas, empresários e simples curiosos.
Depois, é mais que certo que em torno da viagem e da ação papal se desenvolverão atividades económicas, nomeadamente comerciais, inerentes ao serviço que é necessário prestar às pessoas. Porém, nem é esta a valência mais importante de Fátima e do Papa nem estes acontecimentos podem ser olhados do ângulo mercantilista nem por ele ficar dominados.
Em torno do Papa e de Fátima, estabeleça-se o comércio necessário às pessoas, sem excessos e sobretudo sem exploração – tentações inerentes a estas atividades e que dão azo a críticas, por vezes injustas aos operadores eclesiais!
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Quanto à presença do Papa em Fátima, devo dizer que, além da proximidade da mensagem de Fátima com a missão da Igreja e do Papa e da sua consonância com o Evangelho ou da evidente predileção de Jacinta pela figura do Santo Padre – aspetos que são assaz sublinhados pelos comentadores religiosos – há outros aspetos que é justo salientar.
Em primeiro lugar, o Santuário de Fátima é um local de profunda e arejada vivência da fé aonde acorrem peregrinos de todas as partes do mundo, quer se considerem singularmente quer se considerem enquadrados em grupos por nacionalidades e regiões. Assim, Fátima não deixa de ser imagem da Igreja que peregrina neste mundo a caminho da Pátria Celeste, a comunidade dos “cidadãos do céu” que palmilham os caminhos deste mundo. Provavelmente, estes peregrinos, os de Fátima, precisam do apoio de outros peregrinos mais robustos que aceitem caminhar com eles, de receber deles orientação e alento. E o Papa, por si ou por seu legado a latere, pode de vez em quando prestar esse serviço de confirmação na fé.
Em segundo lugar, perante uma plêiade de peregrinos provindos um pouco de todo o mundo, o Papa terá em Fátima um púlpito donde pode falar Urbi et Orbi, se o quiser fazer, em termos exortativos.
Em terceiro lugar, a partir de Fátima, pode fazer-se a ligação saudável entre o Mistério de Cristo no quadro trinitário, ponto central da fé cristã, e a gravitação em torno dele do papel de Maria, Mãe de Deus e dos Homens. A partir daqui, Ela mostra Jesus ao Mundo e apresenta-Lhe os dramas da humanidade e os sofrimentos de cada um dos filhos; Ela afirma-se aqui como a primeira discípula que assume a Palavra, guarda no coração os gestos de Jesus, chama a atenção para as necessidades dos homens e pede que façam o que Ele disser, como em Caná, e aqui, como junto à Cruz, assume o seu papel maternal para com todos os discípulos atuais e futuros; Ela serve de testemunha do perdão pedido e concedido a quem condenou Jesus à morte de cruz; Ela ensina a oração e dá o seu alor ao apostolado e à missão na alegria do Senhor Ressuscitado.
Finalmente, não é incompatível a imagem da Igreja, do Papa Francisco, como o hospital de campanha em socorro da humanidade ferida a imagem da Igreja como a estalajadeira onde a “Alma” (a pessoa humana) do Auto Vicentino, do nosso século XVI, ia retemperar, em pontos determinados da sua caminhada, as forças pelo alimento e pelo repouso. O alimento, servido pelos santos doutores, eram as iguarias da Paixão do Redentor; o repouso era a contemplação do Cristo morto pela salvação da “Alma” e ressuscitado para que ela tenha a vida em plenitude.  
Tudo isto se percebe em Fátima na ampla Casa de Maria. Ademais, as próprias celebrações eucarísticas no altar do recinto nas peregrinações aniversárias espelham o dinamismo da peregrinação e da Ceia pascal: os peregrinos rezam o rosário com referência à Capela das Aparições, segue-se a procissão para o altar, celebra-se a Eucaristia e segue-se a adoração ao Senhor. Esta prolonga-se pela noite fora, no caso da celebração vespertina; no caso da celebração final, à Eucaristia, segue-se a bênção dos doentes, a bênção dos peregrinos e a procissão do adeus.
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Quer parecer-me que, além de outros motivos, terá sido também este rol de gestos dinâmicos, enquadrados pela doutrina da fé cristológica e trinitária em que se inscreve a sadia devoção mariana, que terá levado os Sumos Pontífices a uma especial consideração por Fátima.
Assim, Pio XII designou como legado seu o cardeal Masella para proceder à coroação da imagem de Nossa Senhora (coroa oferecida pela mulheres portuguesas) e consagrou, por duas vezes, o mundo ao Imaculado Coração de Maria.
Paulo VI ofereceu a Rosa de Ouro ao Santuário, que foi entregue pelo cardeal Cento, e presidiu à peregrinação aniversária de 13 de maio de 1967, a assinalar o cinquentenário das aparições.
João Paulo II visitou Fátima em 12 e 13 de maio de 1982, em 12 e 13 de maio de 1991 e em 13 de maio de 2000 (procedeu à beatificação de Jacinta e Francisco e mandou publicar a 3.ª parte do segredo fatimita). Pediu que a imagem da Senhora fosse ao Vaticano, onde Urbi et Orbi consagrou o mundo ao Imaculado Coração de Maria.
Bento XVI – que tinha nomeado seus representantes para presidência das peregrinações aniversárias do 90.º aniversário das aparições de maio e de outubro, respetivamente o cardeal Sodano e o cardeal Bertone (este procedeu também à inauguração e dedicação da Igreja da SS.ma Trindade) – visitou pessoalmente o santuário e presidiu à peregrinação aniversária de 12 e 13 de maio de 2010, no 10.º aniversário da beatificação dos pastorinhos Jacinta e Francisco e no centenário da República.

Por seu turno, o Papa Francisco recebeu em Roma nos dias 12 e 13 de outubro de 2013, a seu pedido, a Imagem de Nossa Senhora do Rosário de Fátima que é venerada na Capelinha das Aparições, na Jornada Mariana promovida pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, no âmbito do Ano da Fé. E, no dia 13, junto da Imagem de Nossa Senhora, o Papa Francisco entregou o mundo ao Imaculado Coração de Maria. Agora, ele, que já tinha apontado o ano de 2017 como data de uma possível viagem a Portugal, será assim o quarto Papa a passar por Fátima, se Deus lhe der vida e saúde. Que seja bem-vindo!

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