Deputados dos grupos
parlamentares do PSD, do PS e do CDS (maioria constitucional e partidos do arco da governação!) conjugaram
esforços e prepararam um texto conjunto para servir como projeto de lei em matéria
eleitoral, designadamente no atinente à cobertura pela Comunicação Social dos
períodos de pré-campanha e campanha eleitoral – o período eleitoral –
relativamente às diversas candidaturas.
Segundo o que transpareceu
para a opinião pública, aqueles partidos chegaram a acordo
sobre as novas regras que haviam de pautar a cobertura jornalística das
diversas campanhas eleitorais e tempo de pré-campanha e preparavam-se para
entregar hoje, dia 23 de abril, na Assembleia da República, o texto de
substituição do projeto de lei da maioria sobre a mesma matéria e que haveria
de substituir o regime atualmente em vigor.
O projeto dos partidos – que
agora parece já não passar de um documento de trabalho e de cujas opções
fundamentais os líderes partidários já se vieram demarcar – vai no sentido de
obrigar os órgãos de comunicação social a sujeitarem previamente o plano da
cobertura jornalística que pretendem fazer ao crivo de uma comissão mista, que
validará ou não o plano. Essa comissão será composta por dois membros da
Comissão Nacional de Eleições (CNE) e um da
Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).
Pelos vistos, nem a CNE nem
a ERC foram ouvidas previamente sobre a matéria – o que, apesar de não ser obrigatório
por lei, convenhamos que era de elementar bom senso político.
Ora, o projeto de lei, se
avançar para a discussão parlamentar nos termos em que foi formulado, em nada
melhora o regime vigente, antes lhe introduz graves alterações.
Estão agora
em causa as limitações à liberdade editorial dos diversos órgãos de comunicação
social durante o “período eleitoral” (pré-campanha e campanha), que os partidos querem
que compreenda todo o período desde a formalização das diferentes
candidaturas no Tribunal Constitucional (ou nos tribunais comuns nas eleições autárquicas) até à
véspera do ato eleitoral – e não apenas o período de campanha que se
encontra previsto nas leis em vigor.
O processo
foi iniciado já há alguns meses com reuniões entre PSD e PS, partidos que
tinham apresentado já iniciativas sobre esta matéria de cobertura do período
eleitoral, a que se juntou depois o CDS. Quando, na reta final, PCP, PEV e BE
foram chamados à mesa negocial, recusaram vincular-se à versão finalizada do texto
do documento que lhes foi apresentada como trabalho já feito.
***
Segundo
o projeto de diploma, que deverá ser discutido, aprovado, promulgado
e publicado a tempo da campanha eleitoral que se avizinha, os Órgãos de Comunicação
Social terão de apresentar à predita comissão mista, logo no início do “período
eleitoral”, ou seja, logo que sejam apresentadas oficialmente as candidaturas, um
plano de cobertura jornalística detalhado, identificando
as entrevistas, reportagens e debates que pretendam vir a fazer. O plano ficará
sujeito à validação ou chumbo da parte da comissão mista, que terá
depois a função de fiscalizar
se os órgãos de comunicação cumprem ou não o plano.
Segundo o Observador
on line, o documento estabelece que “os órgãos
de comunicação social que façam a cobertura jornalística do período eleitoral
entregam à comissão mista, antes do início do período de pré-campanha, o seu
plano de cobertura dos procedimentos eleitorais, identificando, nomeadamente, o
modelo de cobertura das ações de campanha das diversas candidaturas, a
realização de entrevistas, de debates, de reportagens alargadas, de emissões
especiais ou de outros formatos informativos”.
Isto
implica que, ao juntar ao tempo oficial da campanha eleitoral o período de
pré-campanha (que vai desde o dia em que
as candidaturas são formalizadas até ao início da campanha oficial) o
período de campanha eleitoral ficará alargado
para efeitos jornalísticos , de modo
que se torna mais extenso o tempo em que se aplicam as regras e as
limitações da cobertura jornalística.
Se já a determinação do prolongamento do período de
limitações ao estatuto editorial dos diversos órgãos de comunicação social constitui
um cerceamento da liberdade de informar e de tomar posições, a obrigatoriedade
de apresentar para efeitos de validação ou não um plano detalhado com tanto tempo
de antecedência – deixemo-nos de eufemismos – configura verdadeira ação de censura
ou exame prévio. O mesmo não direi da prerrogativa da fiscalização sobre o cumprimento
da lei em termos da isenção e do tratamento equânime das diversas candidaturas.
Porém, se queremos falar de equanimidade de
tratamento de candidaturas, quem infringe o são pluralismo e a igualdade de oportunidades
é o próprio projeto de lei, já que restringe a aplicação dos princípios de
“pluralismo e diversidade dos intervenientes” aos partidos (embora todos) com
representação parlamentar na legislatura que antecede as
eleições, no âmbito dos confrontos televisivos e não só. Ficarão assim de fora
dos debates os partidos sem representação parlamentar atual, deixando isso aos
critérios da Comunicação Social.
O texto
do documento refere também que os operadores de televisão “devem assegurar
entre si” a fixação de critérios para a realização destes debates de forma a
“assegurar a distribuição equitativa da sua transmissão”. E, se os canais televisivos
não chegarem a um entendimento, caberá à predita comissão mista a decisão
final, que tem aqui um papel de “mediação obrigatória”, em nome da qual
assegurará que os media não
discriminam as diversas candidaturas.
O texto
parece abranger todo o tipo de eleições, mas fala em legislatura. Como é? Vai levar-se
a questão do plano e do regime dos debates às eleições presidenciais, às
autárquicas, às regionais e às europeias?
Mais: nas
eleições autárquicas podem candidatar-se movimentos de cidadãos independentes,
que, sendo constituídos ad hoc, não
têm assento na câmara ou nas assembleias municipais e/ou de freguesia. Depois,
em eleições presidenciais, das duas, uma: ou nenhum candidato tem assento em
Belém e, em rigor legal, não pode haver debates; ou trata-se de reeleição e só
o candidato presidente em exercício, o único que tem assento em Belém, terá
direito a debate, que se transforma ingloriamente num solilóquio ou monólogo.
Isto não
é “política”. Onde é que os imunes deputados têm ou tinham a cabeça?
***
No
artigo do projeto de lei destinado às “publicações de caráter jornalístico”, o
texto é muito detalhado, diferenciando as publicações noticiosas das publicações
de opinião e determinando que o texto opinativo não pode ter mais espaço que o texto
noticioso. Também o periódico não pode estar sempre a favor de uma determinada
candidatura, “sob a forma de propaganda de certas candidaturas ou ataques a
outras”. As “diversas publicações podem inserir formatos de opinião, de
análise política ou de criação jornalística relativas às eleições e às
candidaturas”, mas em termos tais que o espaço normalmente ocupado com esses
formatos não exceda o que é dedicado à parte noticiosa e de reportagem.
O
projeto de lei é ainda muito claro quando à proibição de os jornalistas fazerem
“comentários ou juízos de valor” na parte meramente noticiosa da cobertura
jornalística do período eleitoral.
Quanto a
sanções, o diploma estabelece que, no caso de os media não cumprirem as regras, nomeadamente a entrega do plano de
cobertura jornalística e a sua execução em conformidade com o planeado, correm
o risco de ser punidos com uma coima entre 5 mil a 50 mil euros.
***
A reação não se fez esperar. Vinte órgãos
de Comunicação Social subscreveram um comunicado de repúdio do projeto de
diploma, salientando o seu caráter atentatório do estatuto editorial de cada um
dos órgãos e da liberdade de informação e de expressão, bem como da equidade de
tratamento das diversas candidaturas.
Os líderes partidários implicados vieram
demarcar-se do texto, o que vem a constituir clara desautorização dos respetivos
grupos parlamentares, os quais deveriam ter o bom senso de haver articulado com
as respetivas direções partidárias as suas opções parlamentares.
Os partidos mais colocados à esquerda
declararam a sua nítida oposição ao negócio dos situacionistas.
Os autores da iniciativa vêm candidamente
aduzir que nada está finalizado, não há nenhum projeto de lei nem há qualquer
intenção de limitar a liberdade de informação e de expressão ou de beliscar o
estatuto editorial de qualquer um dos media.
Porém, vão dizendo que tinham em vista a criação de um sistema com o vigente nos
outros países da Europa. Hipocrisia!
O presidente da ERC veio publicamente
explicitar o seu repúdio e a intenção de se demitir no caso de o projeto vir a
ser convertido em lei. E Marques Mendes veio declarar o mérito do documento que
reside unicamente no facto de já não existir.
Por mim, pergunto-me o que fará mover os
partidos de, em véspera de eleições, andarem a brincar com temas tão sensíveis
e sem ouvir as respetivas estruturas de regulação. E não é a primeira vez. Veja-se
o que se passou com as leis de incompatibilidades e com o financiamento dos partidos.
Já com a lei de limitação de mandatos, comportaram-se ao contrário: não
quiseram clarificar a lei, deixando o ónus aos tribunais.
São estes os deputados que nos
representam!
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