Entrará em vigor, dentro de
alguns dias, o novo Código do Procedimento Administrativo (CPA). A informação da entrada em
vigor do novo CPA no próximo dia 8 é avançada pelo Público de hoje pela pena de Mariana Oliveira e baseia-se no artigo
9.º do mencionado decreto-lei, que estabelece que “o presente decreto-lei entra em vigor 90 dias após a sua
publicação”.
O
novo CPA, de 202 artigos, foi aprovado pelo Decreto-lei n.º 4/2015, de 7 de
janeiro (com 9 artigos),
ao abrigo de autorização legislativa da AR, decretada pela Lei n.º 42/2014, de
11 de julho, e o seu conteúdo consta de anexo consignado pelo art.º 2.º do
decreto-lei.
O
preâmbulo deste diploma (em 22 pontos) começa por considerar que o CPA
anterior fora aprovado pelo Decreto-Lei n.º
442/91, de 15 de novembro, tendo sido revisto pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31
de janeiro. Ao dizer, com razão, que o CPA, desde 1996, nunca mais foi objeto
de revisão, omite a referência a duas produções legislativas sobre a matéria: o
DL n.º 18/2008, de 29 de janeiro, que, aprovando o Código dos Contratos
Públicos, procedeu à transposição das Diretivas n.os 2004/17/CE e
2004/18/CE, ambas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março, bem como
da Diretiva n.º 2005/51/CE, da Comissão, de 7 de setembro, e ainda da Diretiva
n.º 2005/75/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro (vd
art.º 1.º), e
revogou a o capítulo III da Parte IV do CPA (vd art.º 14.º); e a Lei n.º
20/2008, de 10 de julho, que revoga as
disposições do CPA na parte respeitante aos Ministros da República.
Se é certo que não houvera propriamente uma revisão,
também é de salientar que os preditos diplomas constituem uma alteração
setorial significativa.
O preâmbulo do atual diploma que aprovou o CPA aduz a necessidade
da revisão ora feita, pelas seguintes razões: desconformidade com alterações introduzidas no texto constitucional e
no direito ordinário; novas exigências colocadas à Administração Pública e ao
exercício da função administrativa, bem como a alteração do quadro em que esta
era exercida, por força da lei e do direito da União Europeia; a experiência
acumulada ao longo de mais de 20 anos de aplicação do CPA e a vasta doutrina e
jurisprudência entretanto formadas em torno de matérias nele reguladas; e as
soluções sugeridas pelo direito comparado.
Sendo assim, uma comissão de
especialistas preparou o anteprojeto de revisão, que, submetido a discussão
pública, incorporou no texto final muitas sugestões resultantes desse debate.
Por seu turno, o Governo, verificando que se estava a operar uma profunda transformação, reconheceu que, apesar de o projeto não efetuar um corte radical com o CPA aprovado pelo DL n.º 442/91, de 15 de novembro, “entende que as soluções propostas para institutos tão importantes no direito administrativo, como sejam o regulamento e o ato administrativo, são tão inovadoras que se está perante um novo Código”.
Por seu turno, o Governo, verificando que se estava a operar uma profunda transformação, reconheceu que, apesar de o projeto não efetuar um corte radical com o CPA aprovado pelo DL n.º 442/91, de 15 de novembro, “entende que as soluções propostas para institutos tão importantes no direito administrativo, como sejam o regulamento e o ato administrativo, são tão inovadoras que se está perante um novo Código”.
Nestes termos, a parte I do CPA introduz
alterações no domínio das definições e no do âmbito de aplicação do Código. Desde
logo, o artigo 1.º, de natureza vestibular, esclarece de que matérias o CPA se
ocupa. Também o artigo 2.º sofreu modificações. O seu n.º 1 esclarece que as
disposições do Código respeitantes aos princípios gerais, ao procedimento e à
atividade administrativa, além de aplicáveis à Administração Pública (AP), também
o são à conduta de quaisquer entidades que exerçam a função administrativa. No entanto, o n.º 2 restringe a
aplicabilidade do regime da parte II ao funcionamento dos órgãos da AP. O n.º 3
estabelece que esta se encontra submetida aos princípios gerais da atividade
administrativa e às disposições do CPA, que materializam preceitos
constitucionais no âmbito das suas atuações de caráter meramente técnico ou de
gestão privada. O n.º 4 enuncia as entidades que integram a AP,
acrescentando-se as entidades administrativas independentes. E o n.º 5 estende supletivamente
o regime do CPA aos procedimentos administrativos especiais, no que respeita às
garantias reconhecidas no Código aos particulares.
No capítulo II da parte I, registam-se inovações
significativas no atinente aos “princípios gerais da atividade administrativa”.
Incluem-se: o princípio da boa administração, em que se integram os princípios
constitucionais da eficiência, da aproximação dos serviços das populações e da
desburocratização (art.º 5.º); os princípios da responsabilidade (art.º 16.º), da administração aberta (art.º 17.º), da segurança de dados (art.º 18.º), da cooperação leal da AP com a União Europeia
(art.º 19.º); e os princípios relativos à administração
eletrónica (art.º 14.º). Por
outro lado, emprestou-se maior densidade aos princípios da igualdade (art.º 6.º), proporcionalidade (art.º 7.º), imparcialidade (art.º 9.º), boa-fé (art.º 10.º) e colaboração com os particulares (art.º 11.º). Merecem referência a inclusão, no princípio da
proporcionalidade, da proibição de excesso, e a nova ligação entre a justiça e
a razoabilidade (art.º 8.º).
São de
aplaudir os aspetos de melhoria. Não obstante, manifesta-se a estranheza pelo
facto de o legislador ter andado distraído ou a dormir. Portugal integra a UE
desde 1986, a AP já há mais de 10 anos que armadilhou informaticamente os seus
utentes cujos dados estão expostos à devassa de quem de direito e de grande
número de curiosos. Será que o novo CPA irá pôr cobro a esta situação?
São muito significativas as transformações
introduzidas na parte III. Foi-lhe introduzido
um capítulo sobre a “Relação jurídica procedimental”, em que se identificam os
sujeitos da relação jurídica procedimental, reconhecendo o paralelismo entre
particulares e Administração, como simultâneos titulares de situações jurídicas
subjetivas que disciplinam as situações da vida em que ambos intervêm no âmbito
do procedimento administrativo. Disciplinam-se,
em títulos separados, o regime comum do procedimento e os regimes especiais
aplicáveis ao procedimento do regulamento e do ato.
No capítulo I do seu título I, dedicado às “Disposições
gerais” do regime geral do procedimento administrativo, salienta-se a
prescrição do português como língua do procedimento, a consagração de novo
princípio da adequação procedimental, a previsão de acordos endoprocedimentais
e a introdução de preceitos genéricos respeitantes à instrução por meios
eletrónicos, às comunicações por telefax ou meios eletrónicos e ao balcão único
eletrónico.
O aludido novo capítulo II do título I tem por
epígrafe “Da relação jurídica procedimental”. Divide-se em 3 secções: “Dos
sujeitos do procedimento”; “Dos interessados no procedimento”; e “Das garantias
de imparcialidade”. A matéria das Secções I e II é tratada sob uma perspetiva
procedimental, que coloca em paralelo a Administração, os particulares e as
pessoas de direito privado em defesa de interesses difusos, como simultâneos
titulares de situações jurídicas subjetivas que disciplinam as situações da
vida em que todos intervêm e que são objeto das relações jurídicas
procedimentais.
Em termos
genéricos, o CPA reforça as garantias dos utentes /clientes perante a
Administração.
Além
disso, no atinente aos procedimentos, prevê que atos que envolvam vários organismos possam
ser tomados através de uma conferência. Estes podem tomar uma decisão conjunta
e única ou os diversos organismos que integram a conferência emitem os respetivos
atos autónomos, mas tomados em simultâneo.
Introduz também a possibilidade
de os interessados apresentarem petições, que devem ser fundamentadas, em que
solicitem a elaboração, modificação ou revogação de regulamentos.
Os regulamentos, por sua vez,
passam a ser aprovados com base num projeto (a que os
particulares podem sugerir alterações),
acompanhado de uma nota justificativa fundamentada, que deve incluir uma
ponderação dos custos e benefícios das medidas projetadas.
Ainda que com direito a
reparação, os atos da administração que constituam direitos passam a poder ser
revogados com fundamento em conhecimentos técnicos ou científicos que não
existiam quando eles foram praticados, quando se comprove que, se esses dados existissem,
os atos não poderiam ter sido praticados.
Ademais, o novo CPA passa a
prever expressamente o dever de celeridade da administração pública (AP), que
pode ser responsabilizada pelos atrasos na resposta aos cidadãos, podendo haver
lugar a processo indemnizatório.
A juíza desembargadora Ana
Celeste Carvalho, coordenadora da jurisdição administrativa e fiscal no Centro
de Estudos Judiciários, referenciada no texto de Mariana Oliveira, destaca este
novo CPA como o diploma que estabelece e regula a forma de organização e
funcionamento da AP e ainda o modo como esta se relaciona com os particulares –,
uma lei que considera “a mais importante da AP, que tem de a aplicar todos os
dias”. “Até agora, não existia uma norma jurídica que previsse expressamente o
dever de celeridade, pelo que, não sendo tomada uma decisão dentro de prazo
razoável, poderá ser pedido à administração o pagamento de uma indemnização
pelos prejuízos causados”, nota a desembargadora, que esclarece que “os
montantes das indemnizações vão caber aos tribunais administrativos”, acrescentando
que o CPA terá que ser articulado com o da responsabilidade civil extracontratual
do Estado.
Considerando que o CPA representa
um significativo avanço no sentido certo – pois trata-se de um código muito
moderno, que responsabiliza mais a administração pública e envolve mais os
particulares – a juíza adverte que é preciso esperar para ver como a AP o
aplicará, confessando expressamente que está expectante para ver se a AP está
preparada para lhe dar exato cumprimento.
Por seu turno, o presidente da
comissão de revisão do CPA, o catedrático Fausto de Quadros, fala com orgulho
do resultado final, que diz ter sido “um esforço conjunto de toda a comunidade
jurídica”.
Finalmente, o novo diploma prevê
que num prazo de um ano seja elaborado um guia de boas práticas, para orientar a
AP e definir padrões de conduta.
***
Para lá da nota crítica inserida
adrede no lugar próprio, é de perguntar o seguinte:
- Será desta feita que a Administração
Pública (AP) deixará de vez de enredar o cidadão ou as organizações que tenham
de lidar com ela?
- Que importa dispormos de um
novo CPA arejado e tecnicamente libertador se o cidadão fica esmagado pela
carga tributária, se sente obrigado a fiscalizar o cumprimento da obrigação
tributária por parte do seu fornecedor de bens e serviços ou encurralado pelas condições
de trabalho, sobretudo o trabalhador em funções públicas?
- Que importa que a AP tenha o
dever de celeridade se os Tribunais Administrativos e Fiscais, os Tribunais
Centrais Administrativos e o STA não tiverem o mesmo dever?
- Continuaremos a defrontar-nos
com um CPA com o qual nem sempre estarão em consonância a Lei Geral Tributária,
o Código de Procedimento e do Processo Tributário e outros diplomas legais?
- Quem deixar de cumprir deliberadamente
a legislação atinente a matéria administrativa com o fito desafiante de ser o
tribunal a decidir, ficará impune, escudado no pressuposto de que as determinações
sobre procedimentos e prazos têm mero valor disciplinador, não havendo lugar a
condenação por litigância de má fé?
- Contribuirá realisticamente o
novo CPA para o reforço do Estado de Direito Democrático?
- Continuaremos sujeitos à
hipocrisia atitudinal do Estado, que joga com a nossa sorte e se ri na nossa
cara, prometendo-nos o céu e fazendo-nos o inferno, obrigando-nos a pesados
sacrifícios e alimentando os seus dirigentes de topo com mordomias e comportamentos
perdulários?
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