Há
quarenta e um anos, os militares quais homens sem sono e sem medo, levaram a
cabo a ingente tarefa de romper com o passado de amordaçamento das liberdades,
da cidadania e do pluralismo de pensamento, opinião e manifestação.
O
Governo caiu em abril de 1974 e com ele esboroou-se o regime. O povo veio à rua
festejar e manifestar a esperança regeneradora. E para que o poder não ficasse
refém incauto da rua, o escol militar menos comprometido com o regime ora
aniquilado passou a exercê-lo provisoriamente secundado pelo concurso de
cidadãos de reconhecido mérito.
A
rua continuou a festejar. E no festejo embriagante cometeram-se excessos e
houve desvios. No entanto, o dia não deixou de merecer o festejo popular. E
hoje continua a ser abril de pleno direito e em plena força. Basta que haja
vontade e entusiasmo.
Depois,
cumpriu-se o programa dos cabouqueiros da democracia. Um ano depois, houve
eleições livres e universais, as primeiras! Foram para a escolha dos homens e
mulheres que tiveram o encargo de elaborar a Constituição. E outro ano depois,
vieram as eleições legislativas, as presidenciais, as autárquicas e as
regionais. Estava a democracia política a dar passos completos, ainda que
oscilantes. E, em 1982, com a primeira revisão constitucional, a democracia
deixou de estar tutelada pelo poder castrense. Era a plenitude da democracia
política e a rampa de lançamento das demais vertentes da democracia e do Estado
de Direito Democrático.
A pari, os cidadãos enfileiravam em
manifestações e participavam em reuniões, sessões de esclarecimento e comícios
para elaborar e/ou ouvir declarações de princípios, manifestos e programas.
Multiplicaram-se as ações cívicas de educação, esclarecimento dos deveres e dos
direitos de cada um, nomeadamente o dever e direito de voto. Começou a
democratizar-se a educação e a cultura; inventou-se ou reforçou-se o Estado
Social; e garantiu-se o acesso dos cidadãos à saúde e aos benefícios da
civilização, bem como o direito ao trabalho e ao justo repouso, a um presente
condigno e a um futuro sadio.
Pena
é que a Casa da Democracia, herdeira política e fiel depositária das glórias da
revolução abrilina, tivesse tentado cozinhar, em vésperas das comemorações, um
mecanismo limitador de uma das principais liberdades , a da expressão e da
edição, correspondente ao direito de informar e de ser informado. Mas parece
ter arrepiado caminho ainda a tempo. No entanto, a forma como comemorou o
quadragésimo aniversário da inauguração da nossa democracia representativa, com
as primeiras eleições livres e generalizadamente participadas (as
da Assembleia Constituinte, em 25 de abril de 1975) revelou-se morna e vazia,
totalmente “anticomemoração” e sem perspetivas de futuro risonho.
Por
outro lado, os insignes deputados, quando pressentiram que as contas dos
diversos grupos parlamentares estariam ao alcance da fiscalização do Tribunal
de Contas (TdC),
apressaram-se a legislar com êxito no sentido de as suas contas serem
fiscalizadas pelo Tribunal Constitucional (TC). Não viesse a suceder que, por
azar, também fosse detetado algum descontrolo interno ou a instalação de umas
eventuais más práticas de gestão financeira e, depois, ter de vir a senhora
Presidenta a terreiro mostrar-se chocada e desgostosa e quiçá a acusar o TdC de
conclusões infundadas e precipitadas! É certo que o TC não dispõe de meios e de
capacidade técnica para se encarregar desta missão. Mas ser-lhe-ão oferecidos.
E, como diz o povo, o que elege os deputados, “enquanto o pau levanta, folgam
as costas”.
Só
me interrogo como é que o corpo que devia ser mais credível no Portugal de
abril se transforma tão facilmente em corpo de exceção, em anticorpo? Ou a
fiscalização de todas as instituições não é parte integrante da democracia? Não
basta dizer-se que ninguém está acima da lei, mas também que ninguém está
isento de escrutínio.
***
De
resto, se apertarmos bem as mãos, quase só nos resta a democracia política
formal. Votamos em quem os partidos propõem e eles, por norma, apresentam
apenas cidadãos que estejam em consonância com os aparelhos partidários e não
quem se tenha distinguido em papel relevante na comunidade. As leis laborais pouco
menos são que antidemocráticas do ponto de vista económico-social (semeiam
a pobreza, a exploração, a precariedade, o medo da perda do emprego, o
desemprego e o medo de falar);
a educação está nas ruas da amargura; a saúde cada vez fica mais distante do
povo; a segurança social está à beira da falência; o poder financeiro esboroa a
alma da nação; a economia está cada vez mais exposta à cobiça do capital e de
seus efeitos dilapidadores.
***
Porém,
Abril merece ser celebrado, tem de ser celebrado: na rua, nas consciências e
nas instituições. Abril tem de ser libertado da modorra e dos ataques à
democracia nas suas mais diversas valências. Tem de voltar a existir a
democracia política genuína. E ela tem de gerar nova democracia económica,
social, educacional e cultural. A saúde, a segurança no futuro e a educação têm
de estar ao serviço e ao alcance de todos!
A
Liberdade tem de ser recuperada para ser festejada em pleno e abrigar o
exercício das diversas liberdades, da liberdade de todos e de cada um. Não há
liberdades a não ser no contexto da Liberdade fundamental. E a Liberdade que
não seja garantida e que não se concretize nas diversas liberdades não é propriamente
liberdade.
Esta
é a peculiaridade e a universalidade de ABRIL!
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