Não vou, por redundante, perorar
sobre o direito à greve, que vem garantido na CRP (art.º 57.º) e regulamentado no Código do Trabalho (art.os 530.º a 543.º),
bem como na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (art.º 72.º/1, alínea a; e art.os 394.º a 405.º).
A reflexão de hoje tem a ver com
o espetáculo que o Programa “Prós e Contras” da RTP 1 produziu ontem, dia 27,
sobre o assunto em torno da greve dos pilotos da TAP. Embora algumas
informações veiculadas naquele debate sejam pertinentes, não posso deixar de
manifestar a minha discordância em relação àquela iniciativa. Assim como os
poderes políticos não devem legislar (Parlamento) ou decretar (Governo) tendo em conta um caso em concreto ou em cima dele,
também me parece que um canal estatal de televisão não devia ter ousado levar a
cabo um debate que pudesse fazer pressupor que aquilo que estava em vista era
impedir ou condicionar o exercício de um direito garantido constitucionalmente
e regulamentado com meridiana suficiência pelas leis ordinárias em vigor.
Aceito e aplaudo que os cidadãos
tenham opiniões diferentes na apreciação desta ou daquela greve, que se
manifestem a favor, contra ou assim-assim ou que não se manifestem. Sei que uma
greve traz incómodos para as populações e prejuízos para as empresas, para a
economia, para a estabilidade e para os próprios trabalhadores. Mas tudo isto
deve ser ponderado pelos intervenientes diversos: o patronato, os trabalhadores
e o Governo (sobretudo
tratando-se de departamentos do Estado e/ou de empresas públicas). Por
outro lado, os objetivos de cada greve devem ser convenientemente apreciados no
respetivo momento pelos diversos intervenientes.
E não vale a pena estarmos a “reconhecer”
em cada caso o direito à greve, mas… que esta é uma greve política, aquela traz
muitos incómodos ou prejuízos, e aquela seria justa se fosse noutra ocasião.
Como já se disse, há sempre
incómodo, prejuízo, instabilidade, inoportunidade de ocasião. Mais: se a greve
fosse inócua, não constituiria uma forma de luta ao alcance dos trabalhadores.
É óbvio que, sendo um evento de índole laboral, não deixa de ser um ato
político ou de ter reflexos políticos, mesmo que a intenção primeira não seja dessa
índole.
É por tudo isto que a greve não
deve ser banalizada. Deve, antes, ser decretada quando os outros meios de luta
se tornaram absolutamente ineficazes. E, além de as partes envolvidas terem a
obrigação de fazerem o esforço de manter as negociações até ao fim, penso que
os dias de greve não devem constituir um sinal dado à população do fabrico artificioso
de um fim de semana prolongado ou de servirem de mais um dia de descanso,
turismo ou praia. Os trabalhadores em greve não devem ocupar as instalações do
local de trabalho, mas devem permanecer atentos e vigilantes, dado que a greve,
se as negociações não forem interrompidas, a todo o momento pode ser cancelada
e os trabalhadores, logo que a entidade que decretou a greve a desconvoca ou a
interrompe, devem estar prontos para reatar o exercício do vínculo laboral.
Ademais, as entidades que
decretam a greve não devem, em princípio, colocar um grupo minúsculo de
trabalhadores em situação de greve, a não ser que o dinamismo da declaração de
greve preveja mecanismo de potencialmente colocar todo o setor na situação de
greve (caso de a greve ser
desenvolvida por trabalhadores diferentes em dias sucessivos).
Depois, para minimizar os
prejuízos da greve par aos próprios trabalhadores, as suas associações deveriam
constituir um fundo de greve de que beneficiariam os seus contribuintes aderentes
à greve e que respondessem ao controlo da competente estrutura associativa.
***
Sendo assim, quando uma estrutura
sindical, uma outra associação de trabalhadores ou uma comissão de
trabalhadores ou a assembleia geral de trabalhadores de empresa ou de organismo
se veem na necessidade de fazer o pré-aviso de greve à respetiva entidade
patronal ou, no caso dos trabalhadores em funções públicas, ao competente
membro do Governo, as partes têm de continuar a fazer as ponderações
necessárias: os sindicatos ou as entidades equivalentes para o efeito devem
continuar a verificar se os objetivos são justos e de alcance viável e se a
greve se afigura como a única e adequada forma de luta no momento; e a entidade
patronal ou, se for o caso, a estatal devem ter em conta os efeitos diretos e
os efeitos colaterais e examinar as condições de negociação e fazer todos os
esforços para que a greve seja evitada. Caso venham a ser esgotados todos os
meios de negociação, persuasão, dissuasão e solicitação (e porque não?), devem fazer
desencadear os mecanismos legais de minoração dos efeitos da greve. Está neste
caso a definição de verdadeiros serviços mínimos, a cargo da comissão arbitral
nos termos da lei e nos setores que a lei tiver definido como suscetíveis da
definição desses serviços.
Não podem é os trabalhadores em
greve ser substituídos por outros para os setores cujo vínculo laboral está suspenso
pela ação de protesto legalmente convocada nem serem objeto de qualquer
discriminação ou penalização de ordem disciplinar, antiguidade profissional ou
benefício da segurança social ou da saúde, com exceção óbvia das remunerações (único setor onde a anotação de greve fica
legitimada até ao processamento da remuneração).
No caso vertente da greve dos
pilotos da TAP, já sabemos que os prejuízos decorrentes da greve atingem
setores importantes da economia e de setores conexos com ela. Também sabemos
que ela visa impedir a privatização da TAP ou, no caso de a privatização da
empresa pública se tornar irreversível, os pilotos reivindicam a detenção de
uma fatia de participação de 10 a 20% do capital social, alegando que houve um
acordo celebrado antanho entre a administração e os trabalhadores. Já sabíamos
que esse documento nunca subiu a conselho de ministros, que, a ser válido, já
tinha sofrido o látego da prescrição (era do ano de 1999) e que, em tempo, o conselho consultivo da
Procuradoria-Geral da República por unanimidade o considerou ilegal e mesmo
inconstitucional. Também sabemos que a TAP necessita de capitalização,
crescimento e renovação e aumento da frota.
Percebo e aceito como legítimo
que António Pedro Vasconcelos, um dos corifeus contra a privatização da TAP,
tenha eventualmente escrito uma carta aberta a demarcar-se da justeza dos
objetivos desta greve. Percebo que a greve seja criticável por acabar por abrir
as portas a uma privatização em que um grupo específico de trabalhadores fique
arvorado em patrão dos outros trabalhadores (contraindicado pela CRP e pela lei-quadro das privatizações),
o que não aconteceria se a fatia do capital disponível abrangesse todos os
trabalhadores. Percebo que o Movimento “Não TAP os olhos” se manifeste
veementemente contra a privatização da TAP pelas boas razões que todos
conhecemos e que, embora reconhecendo a justeza das reivindicações dos pilotos,
tenha fortes dúvidas de a greve não ter um efeito contraproducente, ou seja,
dar azo ao Governo, para que, alegando que os pilotos tornaram impossível
privatização / “viabilização” da empresa, parta para uma “reestruturação”, a
reestruturação que o Governo sabe fazer, que passa pelo despedimento em massa
dos trabalhadores e/ou pela promoção da declaração de falência.
Até percebo que se tenha
organizado uma manifestação silenciosa para sensibilizar os pilotos a desistirem
da greve. Até percebo que os pilotos estejam divididos quanto à oportunidade da
greve. Porém, não posso aceitar que um órgão de Comunicação Social público, com
o peso de uma estação de rádio e televisão – em boa parte paga pela taxa do
audiovisual, cobrada a todos os cidadãos juntamente com a conta da
eletricidade, e, sempre que necessário, pelo orçamento do Estado, ou seja,
pelos contribuintes – organize em cima do acontecimento um debate sobre este
candente tema. Que as tentativas de condicionamento partam de cidadãos e de
grupos percebo e aceito, como também aceito que a RTP lhes dê voz à medida que
elas são notícia. Em contraponto, acho intolerável que a RTP organize
expressamente um debate para o efeito, pelos fatores de manipulação da opinião pública
agregados, pelo condicionamento que acarreta e inevitável consecução de um bode
expiatório para a ineficácia empresarial e governativa.
***
Não obstante, é de ressaltar do
debate ou a inviabilidade da privatização ou a possibilidade de uma
privatização com os mesmos efeitos que a intervenção reestruturante que o
Governo é capaz de fazer. Isso é: segundo cálculos ontem avançados, a TAP
valerá cerca de 1,2 mil milhões de euros; mas, como tem uma dívida de 1,1 mil
milhões de euros, o máximo de encaixe para o Estado seria de 100 milhões. Se
aparecer um comprador, singular ou coletivo, que avalie seriamente os riscos,
ou dará no máximo o valor bruto da empresa, ficando com os encargos
supervenientes, ou dará apenas e no máximo os 100 milhões, assumindo os ditos
encargos. Depois, ficará com margem para fazer a reestruturação que entender. E
o Governo tanto arcará com os encargos de Segurança Social sendo ele a provocar
o despedimento coletivo de trabalhadores como sendo o novel comprador da
empresa.
De resto, como pode o Estado
assegurar que um comprador da empresa mantenha a TAP com a marca de Portugal, o
centro de decisão no país, o hub de
Lisboa, a preservação das rotas essenciais ao tráfego estratégico para
Portugal, a manutenção dos postos de trabalho portugueses – a não ser através
da detenção da maioria do capital ou do direito de veto de alteração da
estratégia da empresa através da golden
share ou instrumento similar? Ademais, como é que se pode alienar um bem e
ficar com poder sobre ele?
É certo que a União Europeia e a
sua Comissão impedem por princípio a injeção de capitais públicos nas empresas
públicas. Todavia, continua a ser pertinente perguntar: “Porque é que esse
poder de condicionamento foi dado e continua a ser dado à Comissão Europeia –
ela que nem tem barcos, helicópteros, e aviões (Durão Barroso o disse!) para prevenir, gerir e
controlar a entrada de imigrantes ilegais pela fronteira sul da União
Europeia”?
Mas a CGD tem já injetado capital
e não é tão pouco como isso. Mas está tudo bem: Portugal tem sido
orgulhosamente um bom aluno da União Europeia; a CGD é uma SA, mas de capitais
públicos; e “temos os cofres cheios”! Mas o Estado tem exercido o poder regulador
de forma totalmente ineficaz (Veja-se
o caso BCP, BPP, BPN, BES/GES e o que aí virá).
***
Também neste aspeto precisamos de
uma UE menos proibitiva e mais solidária. Será que Silva Peneda vai consegui-lo
na acolitação a Juncker?
Sem comentários:
Enviar um comentário