quarta-feira, 29 de abril de 2015

Estranha forma de pôr em causa o direito à greve

Não vou, por redundante, perorar sobre o direito à greve, que vem garantido na CRP (art.º 57.º) e regulamentado no Código do Trabalho (art.os 530.º a 543.º), bem como na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (art.º 72.º/1, alínea a; e art.os 394.º a 405.º).
A reflexão de hoje tem a ver com o espetáculo que o Programa “Prós e Contras” da RTP 1 produziu ontem, dia 27, sobre o assunto em torno da greve dos pilotos da TAP. Embora algumas informações veiculadas naquele debate sejam pertinentes, não posso deixar de manifestar a minha discordância em relação àquela iniciativa. Assim como os poderes políticos não devem legislar (Parlamento) ou decretar (Governo) tendo em conta um caso em concreto ou em cima dele, também me parece que um canal estatal de televisão não devia ter ousado levar a cabo um debate que pudesse fazer pressupor que aquilo que estava em vista era impedir ou condicionar o exercício de um direito garantido constitucionalmente e regulamentado com meridiana suficiência pelas leis ordinárias em vigor.
Aceito e aplaudo que os cidadãos tenham opiniões diferentes na apreciação desta ou daquela greve, que se manifestem a favor, contra ou assim-assim ou que não se manifestem. Sei que uma greve traz incómodos para as populações e prejuízos para as empresas, para a economia, para a estabilidade e para os próprios trabalhadores. Mas tudo isto deve ser ponderado pelos intervenientes diversos: o patronato, os trabalhadores e o Governo (sobretudo tratando-se de departamentos do Estado e/ou de empresas públicas). Por outro lado, os objetivos de cada greve devem ser convenientemente apreciados no respetivo momento pelos diversos intervenientes.
E não vale a pena estarmos a “reconhecer” em cada caso o direito à greve, mas… que esta é uma greve política, aquela traz muitos incómodos ou prejuízos, e aquela seria justa se fosse noutra ocasião.
Como já se disse, há sempre incómodo, prejuízo, instabilidade, inoportunidade de ocasião. Mais: se a greve fosse inócua, não constituiria uma forma de luta ao alcance dos trabalhadores. É óbvio que, sendo um evento de índole laboral, não deixa de ser um ato político ou de ter reflexos políticos, mesmo que a intenção primeira não seja dessa índole.
É por tudo isto que a greve não deve ser banalizada. Deve, antes, ser decretada quando os outros meios de luta se tornaram absolutamente ineficazes. E, além de as partes envolvidas terem a obrigação de fazerem o esforço de manter as negociações até ao fim, penso que os dias de greve não devem constituir um sinal dado à população do fabrico artificioso de um fim de semana prolongado ou de servirem de mais um dia de descanso, turismo ou praia. Os trabalhadores em greve não devem ocupar as instalações do local de trabalho, mas devem permanecer atentos e vigilantes, dado que a greve, se as negociações não forem interrompidas, a todo o momento pode ser cancelada e os trabalhadores, logo que a entidade que decretou a greve a desconvoca ou a interrompe, devem estar prontos para reatar o exercício do vínculo laboral.
Ademais, as entidades que decretam a greve não devem, em princípio, colocar um grupo minúsculo de trabalhadores em situação de greve, a não ser que o dinamismo da declaração de greve preveja mecanismo de potencialmente colocar todo o setor na situação de greve (caso de a greve ser desenvolvida por trabalhadores diferentes em dias sucessivos).
Depois, para minimizar os prejuízos da greve par aos próprios trabalhadores, as suas associações deveriam constituir um fundo de greve de que beneficiariam os seus contribuintes aderentes à greve e que respondessem ao controlo da competente estrutura associativa.
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Sendo assim, quando uma estrutura sindical, uma outra associação de trabalhadores ou uma comissão de trabalhadores ou a assembleia geral de trabalhadores de empresa ou de organismo se veem na necessidade de fazer o pré-aviso de greve à respetiva entidade patronal ou, no caso dos trabalhadores em funções públicas, ao competente membro do Governo, as partes têm de continuar a fazer as ponderações necessárias: os sindicatos ou as entidades equivalentes para o efeito devem continuar a verificar se os objetivos são justos e de alcance viável e se a greve se afigura como a única e adequada forma de luta no momento; e a entidade patronal ou, se for o caso, a estatal devem ter em conta os efeitos diretos e os efeitos colaterais e examinar as condições de negociação e fazer todos os esforços para que a greve seja evitada. Caso venham a ser esgotados todos os meios de negociação, persuasão, dissuasão e solicitação (e porque não?), devem fazer desencadear os mecanismos legais de minoração dos efeitos da greve. Está neste caso a definição de verdadeiros serviços mínimos, a cargo da comissão arbitral nos termos da lei e nos setores que a lei tiver definido como suscetíveis da definição desses serviços.
Não podem é os trabalhadores em greve ser substituídos por outros para os setores cujo vínculo laboral está suspenso pela ação de protesto legalmente convocada nem serem objeto de qualquer discriminação ou penalização de ordem disciplinar, antiguidade profissional ou benefício da segurança social ou da saúde, com exceção óbvia das remunerações (único setor onde a anotação de greve fica legitimada até ao processamento da remuneração).
No caso vertente da greve dos pilotos da TAP, já sabemos que os prejuízos decorrentes da greve atingem setores importantes da economia e de setores conexos com ela. Também sabemos que ela visa impedir a privatização da TAP ou, no caso de a privatização da empresa pública se tornar irreversível, os pilotos reivindicam a detenção de uma fatia de participação de 10 a 20% do capital social, alegando que houve um acordo celebrado antanho entre a administração e os trabalhadores. Já sabíamos que esse documento nunca subiu a conselho de ministros, que, a ser válido, já tinha sofrido o látego da prescrição (era do ano de 1999) e que, em tempo, o conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República por unanimidade o considerou ilegal e mesmo inconstitucional. Também sabemos que a TAP necessita de capitalização, crescimento e renovação e aumento da frota.
Percebo e aceito como legítimo que António Pedro Vasconcelos, um dos corifeus contra a privatização da TAP, tenha eventualmente escrito uma carta aberta a demarcar-se da justeza dos objetivos desta greve. Percebo que a greve seja criticável por acabar por abrir as portas a uma privatização em que um grupo específico de trabalhadores fique arvorado em patrão dos outros trabalhadores (contraindicado pela CRP e pela lei-quadro das privatizações), o que não aconteceria se a fatia do capital disponível abrangesse todos os trabalhadores. Percebo que o Movimento “Não TAP os olhos” se manifeste veementemente contra a privatização da TAP pelas boas razões que todos conhecemos e que, embora reconhecendo a justeza das reivindicações dos pilotos, tenha fortes dúvidas de a greve não ter um efeito contraproducente, ou seja, dar azo ao Governo, para que, alegando que os pilotos tornaram impossível privatização / “viabilização” da empresa, parta para uma “reestruturação”, a reestruturação que o Governo sabe fazer, que passa pelo despedimento em massa dos trabalhadores e/ou pela promoção da declaração de falência.
Até percebo que se tenha organizado uma manifestação silenciosa para sensibilizar os pilotos a desistirem da greve. Até percebo que os pilotos estejam divididos quanto à oportunidade da greve. Porém, não posso aceitar que um órgão de Comunicação Social público, com o peso de uma estação de rádio e televisão – em boa parte paga pela taxa do audiovisual, cobrada a todos os cidadãos juntamente com a conta da eletricidade, e, sempre que necessário, pelo orçamento do Estado, ou seja, pelos contribuintes – organize em cima do acontecimento um debate sobre este candente tema. Que as tentativas de condicionamento partam de cidadãos e de grupos percebo e aceito, como também aceito que a RTP lhes dê voz à medida que elas são notícia. Em contraponto, acho intolerável que a RTP organize expressamente um debate para o efeito, pelos fatores de manipulação da opinião pública agregados, pelo condicionamento que acarreta e inevitável consecução de um bode expiatório para a ineficácia empresarial e governativa.
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Não obstante, é de ressaltar do debate ou a inviabilidade da privatização ou a possibilidade de uma privatização com os mesmos efeitos que a intervenção reestruturante que o Governo é capaz de fazer. Isso é: segundo cálculos ontem avançados, a TAP valerá cerca de 1,2 mil milhões de euros; mas, como tem uma dívida de 1,1 mil milhões de euros, o máximo de encaixe para o Estado seria de 100 milhões. Se aparecer um comprador, singular ou coletivo, que avalie seriamente os riscos, ou dará no máximo o valor bruto da empresa, ficando com os encargos supervenientes, ou dará apenas e no máximo os 100 milhões, assumindo os ditos encargos. Depois, ficará com margem para fazer a reestruturação que entender. E o Governo tanto arcará com os encargos de Segurança Social sendo ele a provocar o despedimento coletivo de trabalhadores como sendo o novel comprador da empresa.
De resto, como pode o Estado assegurar que um comprador da empresa mantenha a TAP com a marca de Portugal, o centro de decisão no país, o hub de Lisboa, a preservação das rotas essenciais ao tráfego estratégico para Portugal, a manutenção dos postos de trabalho portugueses – a não ser através da detenção da maioria do capital ou do direito de veto de alteração da estratégia da empresa através da golden share ou instrumento similar? Ademais, como é que se pode alienar um bem e ficar com poder sobre ele?
É certo que a União Europeia e a sua Comissão impedem por princípio a injeção de capitais públicos nas empresas públicas. Todavia, continua a ser pertinente perguntar: “Porque é que esse poder de condicionamento foi dado e continua a ser dado à Comissão Europeia – ela que nem tem barcos, helicópteros, e aviões (Durão Barroso o disse!) para prevenir, gerir e controlar a entrada de imigrantes ilegais pela fronteira sul da União Europeia”?
Mas a CGD tem já injetado capital e não é tão pouco como isso. Mas está tudo bem: Portugal tem sido orgulhosamente um bom aluno da União Europeia; a CGD é uma SA, mas de capitais públicos; e “temos os cofres cheios”! Mas o Estado tem exercido o poder regulador de forma totalmente ineficaz (Veja-se o caso BCP, BPP, BPN, BES/GES e o que aí virá).
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Também neste aspeto precisamos de uma UE menos proibitiva e mais solidária. Será que Silva Peneda vai consegui-lo na acolitação a Juncker?

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