quarta-feira, 8 de abril de 2015

No Dia Mundial da Saúde

No Dia Mundial da Saúde, comemorado a dia 7 de abril, soube-se que Portugal fora avaliado positivamente, em matéria de saúde, pela Comissão Europeia sobre a implementação das recomendações específicas elaboradas pelo Conselho Europeu em 2014 no âmbito dos Programas Nacionais de Reforma. É uma informação que se pode ler no site da Direção-Geral da Saúde (DGS), que disponibiliza, em anexo, o relatório sobre a matéria produzido em Inglês pelo respetivo Comité de Proteção Social.
Anote-se que, se nos ativermos à leitura apressada de título e parágrafo-guia da notícia, poderemos ficar com a ideia inexata de que a Comissão aprova as reformas da Saúde levadas a cabo em Portugal nos últimos anos, o que não é bem o caso.
Mesmo assim, o teor desta avaliação é ambíguo. Ela decorreu nos dias 24 a 26 de março de 2015, na Comissão Europeia, em sede conjunta do Comité de Proteção Social e do Grupo de Alto Nível de Saúde Pública do Conselho Europeu. 
No concerto dos diversos Estados-Membros da União Europeia, a conclusão da avaliação em relação ao nosso país “foi globalmente muito positiva”, dado que as reformas em curso no setor da saúde “continuam a produzir resultados”.
Que resultados? Os que refletem a poupança, basicamente. “Quer as reformas do setor hospitalar, quer a otimização de custos, contribuíram, nos últimos anos, para poupanças na despesa da saúde” – salienta a DGS, que elenca, de entre “as principais medidas que fundamentaram a avaliação”: o acordo celebrado entre o Ministério da Saúde e a indústria farmacêutica para baixar o custo dos medicamentos; os progressos efetuados na reforma hospitalar; a continuação da publicação de Normas de Orientação Clínica; a implementação do sistema de avaliação de tecnologias da saúde; o combate à fraude; e o aumento de adesão dos médicos e doentes aos medicamentos genéricos. 
Tenho de sublinhar que não consta entre estas medidas uma palavra sobre a melhoria da qualidade da prestação dos cuidados de saúde, designadamente no atendimento e na eficácia, bem como na minoração do tempo de espera em serviço de urgência ou em listas de espera no atinente a exames e cirurgias. Será que a Comissão avaliza o status quo da organização e do funcionamento da Saúde em Portugal ou faz vista grossa aos erros e insuficiências do sistema, bastando que se proclame que os cofres do Estado estão cheios?
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Entretanto, sublinhe-se como positivo o facto de, para assinalar o Dia Mundial da Saúde, teve lugar uma sessão comemorativa em que se procedeu à reflexão sobre o tema “Alimentos seguros, melhor saúde”, proposto este ano para as comemorações da data, que assinala também a criação da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1948.
A condução da reflexão sobre o tema em destaque esteve a cargo de Pedro Graça, diretor do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, da Direção-Geral da Saúde – o que revela a preocupação de fazer passar à sociedade um conceito abrangente de saúde, que ultrapasse de vez a noção de saúde como a mera ausência de doença.  
Integraram as comemorações: a atuação do Ensemble, criado expressamente para o Dia Mundial da Saúde; a entrega do Colar do Prémio Nacional de Saúde, que este ano destacou o percurso profissional do Professor José Cunha-Vaz e o seu contributo para o desenvolvimento da oftalmologia quer a nível nacional, quer internacional; a entrega da Ordem de Mérito ao Professor José Pereira Miguel, atribuída pelo Presidente da República; e a atribuição das medalhas de serviços distintos do Ministério da Saúde, a personalidades e organizações que se destacaram no último ano.
Também em conexão com as comemorações do Dia Mundial da Saúde, a DGS e a PortugalFoods, associação representativa do setor agroalimentar nacional, assinaram um inovador protocolo de colaboração, à luz do qual se pretende aproximar doravante o setor da produção alimentar à saúde, identificando oportunidades para uma oferta alimentar mais saudável e promotora da saúde através dos alimentos produzidos em Portugal. 
O protocolo permitirá o desencadear de múltiplas iniciativas, desde o melhor conhecimento da composição nutricional até à informação sistemática aos consumidores sobre a produção alimentar nacional, e o potencial deste para os mercados externos.
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Todavia, como se entoa na canção cujo texto pertence à imortal Sophia de Mello Breyner, todos nós Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar. A saúde pública (SP), o serviço nacional de saúde (SNS) não vão bem.
Começo logo por lamentar que o Plano Nacional de Vacinação tenha deixado de ser obrigatório. Por outro lado, vacinas importantes deixaram de o integrar. É a poupança tão elogiada pela Comissão.
Na década de 2002 a 2013, fecharam maternidades, serviços de atendimento permanente, serviços de urgência, valências hospitalares – com base na exiguidade dos números, não olhando especialmente às distâncias e às condições de locomoção. Por exemplo, a deslocação de Lamego a Vila Real não peca pelo excesso de incómodo. Porém, não é lícito concluir a mesma coisa se falarmos de Pretarouca (Lamego) ou de Vale de Vila (São João da Pesqueira). E não há transportes terrestres nem meios aéreos disponíveis. Mas era preciso poupar em equipamentos e em pessoal médico e de enfermagem, nomeadamente especialistas, bem como evitar encargos com o incentivo às deslocações para as periferias. A obrigação de deixar o conforto do centro e ir às periferias parece ser obrigação exclusiva das Igrejas, isto depois da entrada em funções do Papa Francisco. De resto, os pobres podem continuar a penar e a morrer convenientemente, não?!
Por outro lado, assistiu-se ao brutal aumento das taxas moderadoras, às políticas cegas de cortes e ao crasso desinvestimento no SNS – o que originou o crescimento das dificuldades no acesso aos cuidados de saúde por parte dos utentes. A própria gestão do protocolo de Manchester nas urgências hospitalares se tem revelado ineficiente e ineficaz. Por mais que alguns comentadores televisivos apontem os centros de saúde como alternativa, estes não dispõem de especialistas nem apresentam total disponibilidade de atendimento. Nem sei se lhes deveria caber algo mais que os cuidados primários de saúde, a medicina preventiva, a vacinação, a profilaxia, a promoção e a verificação da salubridade ambiental e das diversas instalações (habitacionais, comerciais e industriais e equipamentos de utilização coletiva), a promoção e a certificação da robustez dos cidadãos, a proteção sanitária de jovens em risco e idosos e a saúde materno-infantil.
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Paula Santos, deputada do PCP, em artigo no Expresso on line, de hoje dia 8, escreve que “já se sabe que o Governo convive mal com a realidade concreta do país e do povo”. E avança com o exemplo do que se passa no Ministério da Saúde. Continuando “a iludir os portugueses com falsas intenções de defesa do Serviço Nacional de Saúde”, o Ministro pura simplesmente opta pela “rejeição dos dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
As declarações do Ministro da Saúde parecem contrariar o discurso governamental da defesa do SNS e demonstram grande incómodo pelo facto de os dados de entidades oficiais terem vindo desmascarar as consequências das opções políticas atuais.
Os dados do INE confirmam a transferência de cuidados de saúde de hospital público para hospital privado – opção visível nos atendimentos de urgência e no número de camas.
Quanto às urgências, segundo a deputada comunista, verifica-se a tendência de decréscimo dos atendimentos de urgência nos hospitais públicos e o consequente aumento nos hospitais privados. No ano de 2013, os hospitais do setor privado já asseguraram 12,4% do total dos atendimentos de urgência dos nossos hospitais.
No atinente ao número de camas, verifica-se uma evolução similar: encerram camas nos hospitais públicos, por alegada não necessidade constatada pelo Governo, e abrem nos privados, o que demonstra que as camas são necessárias. Assim, entre 2002 e 2013, os hospitais públicos perderam cerca de 3700 camas e os hospitais privados aumentaram mais de 2000 camas. Os hospitais privados detêm cerca de 30% do total das camas hospitalares.
Também no âmbito das consultas e meios complementares de diagnóstico e terapêutica, se constata um enorme acréscimo nos hospitais privados – quase triplicaram entre 2002 e 2013.
Mas a deputada avança com mais dados, agora no respeitante aos cuidados de saúde primários:
“Em 2002, havia 276 centros de saúde com serviço de urgência básica ou serviço de atendimento permanente e 76 com internamento”, ao passo que, “em 2013, havia somente 94 centros de saúde com serviço de urgência básica ou serviço de atendimento permanente e 16 com internamento. Ao mesmo tempo, no período em referência, “diminuíram as consultas e os meios complementares de diagnóstico e terapêutica, realizados nos centros de saúde”.
Refere a deputada que estas opções políticas “não são de hoje, perpassaram vários governos”. E reconhece que “não é por acaso que entre 2002 e 2013 o número de hospitais públicos se manteve” e se registou “um aumento de hospitais privados” (que, segundo Paula Santos, continuarão a aumentar com os novos hospitais que, entretanto, abriram). Mais: segundo a mesma analista, “a diferença entre o número de hospitais públicos e privados é de apenas seis” (excluindo os hospitais militares, agora convertidos no hospital das forças armadas), uma vez que “os hospitais públicos de acesso universal são 113 (53% do total) e os hospitais privados são 107 (47% do total)”.
O DN, de ontem, pela pena de Ana Maia, também se faz eco destes números e desta tendência, desacelerante no setor público e evolutiva no privado. Este, na década em apreciação, além de ter ganho 2000 camas, passou de 460 mil urgências para 900 mil, de1,6 milhões de consultas para 5,1 milhões e “exames e análises que ajudam a fazer o diagnóstico mais que triplicaram”. Aqui Ana Maia vai mais além na quantificação que Paula Santos, sendo esta mais cautelosa ao dizer que quase triplicaram. Só que a deputada não inclui neste “quase triplicaram” os valores numéricos das consultas.
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Segundo os analistas, o acréscimo do volume da saúde no setor privado resulta do crescimento dos seguros e da sua atenção à saúde, ao comportamento da ADSE e subsistemas de proteção similares (que privilegiam a contratação com o setor privado). Diga-se, no entanto, que outras razões do abandono do setor público se prendem com a desconfiança no público quanto ao atendimento e ao desconforto e quanto à melhor compensação pelo trabalho realizado pelos profissionais de saúde, bem como pela não massificação das unidades de saúde privadas.
Acresce que muitas das figuras que ocupam cargos públicos e políticos, com honrosas exceções, são surpreendidas a cada passo em tratamento nas unidades privadas de saúde, vindo alguns a declarar que para tratamento normal preferem o setor privado, mas para situações graves preferem o setor público. Porque será?
O bastonário da Ordem dos Médicos pronuncia-se, não contra o avanço do setor privado em saúde em si, mas contra o depauperamento crescente do serviço público de saúde, com prejuízo notário para os setores mais debilitados da sociedade como os pobres, os idosos e tanta gente da classe média baixa.

E não podemos tolerar que o Estado se dispense das suas responsabilidades em matéria da saúde a favor de todos, mormente no que concerne aos cuidados primários de saúde, à medicina preventiva e às situações de emergência. É a Constituição, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e sobretudo a vida que estão em causa.

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