domingo, 12 de abril de 2015

Bula de Proclamação do Jubileu extraordinário da Misericórdia

Pela Bula Misericordiae vultus, de 11 de abril, o Papa Francisco proclamou o jubileu extraordinário da Misericórdia, que anunciou em 13 de março.
Neste notável documento, começa por assumir que o mistério da fé cristã se pode sintetizar no seguinte enunciado: “Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do Pai”. Depois, acentuando a necessidade de sempre contemplarmos o mistério da misericórdia, afirma que ele “é fonte de alegria, serenidade e paz” e “condição da nossa salvação”, já que “misericórdia é a palavra que revela o mistério da Santíssima Trindade” e o “ato último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro”. É porque somos chamados a fixar o olhar na misericórdia, para nos tornarmos sinal eficaz do agir do Pai, que se proclama o Jubileu Extraordinário da Misericórdia qual “tempo favorável para a Igreja”, para que se torne mais forte e eficaz o testemunho dos crentes.
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Francisco utiliza a bula para explicar a razão da escolha de algumas datas e propor ou reforçar algumas iniciativas e explicitar o seu sentido.
Assim, o jubileu abrir-se-á, com a abertura da Porta Santa, a 8 de dezembro de 2015, dia da solenidade da Imaculada Conceição dado que esta festividade indica o modo de agir de Deus desde os primórdios, em que se inscreve escolha de Maria, cheia de graça, para a realização da plenitude de Deus no mundo em Cristo. Após o pecado de Adão e Eva, Deus não deixou o homem à mercê do mal. Perante a gravidade do pecado, Deus responde com o infinito perdão. A misericórdia, sem limites, é sempre maior que o pecado. Assim, a solenidade da Imaculada Conceição franqueará a Porta da Misericórdia, onde qualquer pessoa poderá experimentar o amor de Deus.
No 3.º Domingo do Advento, abrir-se-á a Porta Santa na Basílica de São João de Latrão e, em seguida, nas outras Basílicas Papais. Também nesse domingo, se deve abrir, para durante todo o Ano Santo, uma Porta da Misericórdia em cada Igreja particular – na Catedral, que é a Igreja-Mãe para todos os fiéis, ou na Concatedral ou então numa Igreja de especial significado. O respetivo Ordinário poderá ainda determinar a abertura da Porta da Misericórdia também nos Santuários, meta de muitos peregrinos que, nestes lugares sagrados, se sentem tocados pela graça e encontram a via da conversão. Portanto – diz o Papa – o Jubileu da Misericórdia será assim celebrado como sinal visível da comunhão da Igreja inteira.
Por outro lado, a data de 8 de dezembro é cheia de significado na história recente da Igreja. Marca o cinquentenário da conclusão do Concílio Ecuménico Vaticano II, que a Igreja sente a necessidade de manter vivo. Derrubadas que foram as muralhas que “tinham encerrado a Igreja numa cidadela privilegiada”, chegara o tempo de “uma nova etapa na evangelização de sempre”. A Igreja – afirma o Papa – sentia a responsabilidade de ser, no mundo, o sinal vivo do amor do Pai.
Com o términus do Ano Jubilar na solenidade de Jesus Cristo, Rei do Universo, 20 de Novembro de 2016, animar-nos-ão, antes de tudo, sentimentos de gratidão e agradecimento à Santíssima Trindade por nos ter concedido este tempo extraordinário de graça. A vida da Igreja, a humanidade inteira e o universo imenso serão confiados à Realeza de Cristo, “para que derrame a sua misericórdia, como o orvalho da manhã, para a construção duma história fecunda com o compromisso de todos no futuro próximo”.
Depois, o Papa faz a indicação de algumas ações que são sinais do ano jubilar.
Em primeiro lugar, vem a peregrinação enquanto ícone do caminho que a pessoa realiza na sua existência, já que “a vida é uma peregrinação e o ser humano é viator, um peregrino que percorre uma estrada até à meta anelada”. Mas “a peregrinação há de servir de estímulo à conversão: ao atravessar a Porta Santa, deixar-nos-emos abraçar pela misericórdia de Deus e comprometer-nos-emos a ser misericordiosos com os outros como o Pai o é connosco”.
É Jesus quem indica as etapas da peregrinação através das quais é possível atingir esta meta: “Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados. Dai e ser-vos-á dado: uma boa medida, cheia, recalcada, transbordante será lançada no vosso regaço. A medida que usardes com os outros será usada convosco” (Lc 6,37-38).
Depois, Francisco deseja que a Quaresma do Ano Jubilar seja vivida mais intensamente como tempo forte para celebrar e experimentar a misericórdia de Deus. Para tanto, é conveniente meditar as páginas da Sagrada Escritura que levam à redescoberta do rosto misericordioso do Pai: do profeta Miqueias, do profeta Isaías, dos Salmos, do Evangelho de Lucas, etc.
Também o Papa insiste na iniciativa 24 horas para o Senhor, que será celebrada na sexta-feira e no sábado anteriores ao IV Domingo da Quaresma e que deve ser incrementada nas dioceses. Há que nos colocarmos com convicção no centro do Sacramento da Reconciliação, “porque permite tocar sensivelmente a grandeza da misericórdia”, sendo, “para cada penitente, fonte de verdadeira paz interior”. Por isso, o Bispo de Roma não se cansará de “insistir com os confessores para que sejam um verdadeiro sinal da misericórdia do Pai”.
Na convicção de que “ser confessor significa participar da mesma missão de Jesus e ser sinal concreto da continuidade de um amor divino que perdoa e salva”, é necessário recordar que “nenhum de nós é senhor do sacramento, mas apenas servo fiel do perdão de Deus”. Por isso, o “confessor deverá acolher os fiéis como o pai na parábola do filho pródigo: um pai que corre ao encontro do filho, apesar de lhe ter dissipado os bens”, bem como de ir “ao encontro do outro filho, que ficou fora incapaz de se alegrar, para lhe explicar que o seu juízo severo é injusto e sem sentido diante da misericórdia do Pai, que não tem limites”. Ademais, não hão de fazer perguntas impertinentes, mas como o pai da parábola interromperão o discurso preparado pelo filho pródigo, porque saberão individuar, no coração de cada penitente, a invocação de ajuda e o pedido de perdão.
Também na próxima Quaresma o Papa tenciona enviar os Missionários da Misericórdia como “um sinal da solicitude materna da Igreja pelo povo de Deus, para que entre em profundidade na riqueza deste mistério tão fundamental para a fé”. Serão sacerdotes a quem dará autoridade de perdoar mesmo os pecados reservados à Sé Apostólica, para que se torne evidente a amplitude do seu mandato. Serão chamados missionários da misericórdia, porque se farão, junto de todos, artífices dum encontro cheio de humanidade, fonte de libertação, rico de responsabilidade para superar os obstáculos e retomar a vida nova do Baptismo. Para melhor realização deste desígnio pede que se organizem nas dioceses missões populares”, para que o tempo de graça permita a tantos filhos afastados encontrar de novo o caminho para a casa paterna.
Um outro conceito ora reposto no seu lídimo sentido é o da indulgência. Afaste-se deste dinamismo eclesial qualquer sentido de relação mercantil com Deus ou com a Igreja. As palavras do Pontífice são claras:
No sacramento da Reconciliação, Deus perdoa os pecados, que são verdadeiramente apagados; mas o cunho negativo que os pecados deixaram nos nossos comportamentos e pensamentos permanece. A misericórdia de Deus, porém, é mais forte também do que isso. Ela torna-se indulgência do Pai que, através da Esposa de Cristo, alcança o pecador perdoado e liberta-o de qualquer resíduo das consequências do pecado, habilitando-o a agir com caridade. (…).a Mãe-Igreja, com a sua oração e a sua vida, é capaz de acudir à fraqueza de uns com a santidade de outros. Portanto viver a indulgência no Ano Santo significa aproximar-se da misericórdia do Pai, com a certeza de que o seu perdão cobre toda a vida do crente; é experimentar a santidade da Igreja que participa em todos os benefícios da redenção de Cristo, para que o perdão se estenda até às últimas consequências aonde chega o amor de Deus (sublinhei).
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Francisco coloca o Ano da Misericórdia sob o patrocínio da Mãe da Misericórdia, pois, escolhida para Mãe do Filho de Deus, “Maria foi preparada desde sempre, pelo amor do Pai, para ser Arca da Aliança entre Deus e os homens”. Guardou, no coração, a misericórdia divina em perfeita sintonia com o seu Filho, como testemunha o seu cântico de louvor, no limiar da casa de Isabel, cântico em cujos versículos nos revemos e que nos dão força para agir em misericórdia. Ao pé da cruz, Maria, juntamente o discípulo do amor, é testemunha das palavras de perdão que saem dos lábios de Jesus, “o perdão supremo oferecido a quem O crucificou”, que nos mostra até onde pode chegar a misericórdia de Deus.
De modo semelhante são invocados tantos Santos e Beatos que fizeram da misericórdia a sua missão vital, destacando-se a grande apóstola da Misericórdia, Santa Faustina Kowalska, que foi chamada a entrar nas profundezas da misericórdia divina. Isto sem esquecer que a pedra de toque para o Ano da Misericórdia foi a encíclica Dives in Misericordia, de São João Paulo II, que instituiu como dia da Misericórdia o II Domingo da Páscoa.
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Sendo o lema do Ano Santo, “Sede misericordiosos como o Pai”, o Papa Francisco, faz um longo excursus pela Sagrada Escritura pinçando os lugares bíblicos em que resplandece o rosto misericordioso de Deus, desde Moisés aos Profetas, passando pelos Salmos. Depois, no Evangelho, perora sobre as palavras e gestos de misericórdia de Jesus, dando relevo às parábolas da misericórdia e colhendo as instruções veterotestamentárias e as recomendações do Messias que nos estimulam à prática da misericórdia. Coisa semelhante faz a propósito de alguns escritores eclesiásticos. Recorde-se a citação que faz de São Beda, o Venerável, ao comentar a cena do Evangelho em que Jesus procedeu à escolha de Mateus: Jesus olhou para ele com amor misericordioso e escolheu-o: miserando atque eligendo. Sempre lhe causou tanta impressão esta frase que a tomou para seu lema episcopal.
Depois, salienta a misericórdia como denominador comum do cristianismo, do judaísmo e do islamismo, quer no respeitante ao rosto de Deus quer à orientação do modo de vida.
Não deixa o Sumo Pontífice de apelar à conversão à misericórdia por parte daqueles que já têm alguma experiência de fé. Mas o seu apelo estende-se com insistência ainda maior àquelas pessoas que estão longe da graça de Deus pela sua conduta de vida, em especial os homens e mulheres que pertencem a um grupo criminoso, seja ele qual for. O mesmo apelo se dirige vigoroso às pessoas fautoras ou cúmplices de corrupção, “praga putrefacta da sociedade”, “pecado grave que brada aos céus, porque mina as próprias bases da vida pessoal e social”.
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Não resisto ao apontamento que Francisco faz da relação entre a misericórdia e a justiça, a partir da profecia de Oseias. Transcrevo-o com supressões e alguma adaptação discursiva:
A misericórdia, não sendo contrária à justiça, supera-a exprimindo o comportamento de Deus para com o pecador, oferecendo-lhe nova possibilidade de se arrepender, converter e acreditar. A época em que viveu o profeta conta-se entre as mais dramáticas da história do seu povo. O Reino está próximo da destruição; o povo afastou-se de Deus e perdeu a fé dos pais. Segundo a lógica humana, era justo que Deus pensasse em rejeitar o povo infiel: porque não observou o pacto estipulado, merece a devida pena, o exílio. Assim o atestam as palavras: “Não voltará para o Egito, mas a Assíria será o seu rei, porque recusaram converter-se” (Os 11,5). Todavia, depois desta reação que faz apelo à justiça, o profeta, mudando radicalmente a sua linguagem, revela o verdadeiro rosto de Deus: “O meu coração dá voltas dentro de mim, comovem-se as minhas entranhas. Não desafogarei o furor da minha cólera, não voltarei a destruir Efraim; porque sou Deus e não homem, sou o Santo no meio de ti e não me deixo levar pela ira” (11,8-9). Santo Agostinho, comentando as palavras do profeta, diz que “é mais fácil que Deus contenha a ira do que a misericórdia”. Com efeito, a sua ira dura um instante, ao passo que a sua misericórdia é eterna.
Se Deus Se detivesse na justiça, deixaria de ser Deus; seria como os homens, que clamam pelo respeito da lei. A justiça por si só não é suficiente, e a experiência mostra que, limitando-se a apelar para ela, corre-se o risco de a destruir. Por isso, com a misericórdia e o perdão, Deus passa além da justiça. Isto não significa desvalorizar a justiça ou torná-la supérflua. Antes pelo contrário. Quem erra deve descontar a pena; só que isto não é o fim, mas o início da conversão, porque se experimenta a ternura do perdão. Deus não rejeita a justiça; engloba-a e supera-a num evento superior onde se experimenta o amor, base da verdadeira justiça. Para não se cair no erro que Paulo censurava nos judeus seus contemporâneos, há que prestar muita atenção àquilo que ele escreve: “Por não terem reconhecido a justiça que vem de Deus e terem procurado estabelecer a sua própria justiça, não se submeteram à justiça de Deus. É que o fim da Lei é Cristo, para que, deste modo, a justiça seja concedida a todo o que tem fé” (Rm 10,3-4). Esta justiça de Deus é a misericórdia concedida a todos como graça, em virtude da morte e ressurreição de Jesus Cristo. Portanto, a Cruz de Cristo é o juízo de Deus sobre todos nós e sobre o mundo, porque nos oferece a certeza do amor e da vida nova.
Diga-se, a talho de foice, que já os antigos enunciaram o princípio summum ius summa iniuria. Quer dizer que a aplicação da lei de forma cega e até às últimas consequências pode acarretar para o outro a maior injustiça, a maior desumanidade. Depois, deve saudar-se a abolição da pena de morte ou mesmo a prisão ilimitada no tempo. É preciso crer na recuperação do prevaricador. Se os esforços dos homens não são suficientes, pode a misericórdia divina ser merecida e devidamente invocada.
Finalmente, não esqueçamos que é a misericórdia que dá o elã para estarmos em saída às periferias em missão de testemunho do rosto de Deus e de acolhimento a todos, a começar pelos que mais precisam – como preconiza o Papa também na bula.
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Mas tiremo-nos de cuidados e leiamos a bula na íntegra, para subsequente meditação, em:

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