A Santa Síndone em Turim

Ao ler, no semanário O Diabo do passado dia 7 de abril, um artigo de opinião de Francisco Serrano sob o título “Da autenticidade do Santo Sudário”, lembrei-me de que o Doutor Américo do Couto Oliveira, que foi bispo de Lamego (1994-1998), escreveu um livro sobre o tema a que deu o título A Santa Síndone de Turim à luz da ciência moderna (1991), da Editora “Rei dos Livros”. Em que ficamos, síndone ou sudário? Vou tentar encontrar a resposta com base no referido livro, no artigo de Serrano e num outro, “Testemunha muda da Ressurreição de Jesus – a santa síndone”, de José Manuel Jiménez Aleixandre. Vd tb:

- http://www.academia.edu/5292003/Testemunha_muda_da_Ressurrei%C3%A7%C3%A3o_de_Jesus_-A_Santa_S%C3%ADndone, ac 8 de abril de 2015)

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Os evangelistas utilizaram a palavra síndone (em grego, σινδών, όνος – nome feminino; em latim, sindon, onis) para designar o tecido de linho, ou lençol, em que José de Arimateia envolveu o corpo de Jesus e o termo sudário (em grego, σουδάριον, ίου – nome neutro; em latim, sudarium, ii) para designar o véu com que Lhe cobriu a cabeça e que foi encontrado dobrado à parte no sepulcro (cf Mt 27,59; Mc 15,46; Lc 23,53; Jo 20,7), quando as mulheres e os apóstolos contemplaram o túmulo vazio no primeiro dia da semana. Por isso, para fazer referência à relíquia venerada em Turim e que envolveu o corpo morto de Cristo é mais exato utilizar a expressão “Santa Síndone” ou “Santo Lençol”, ficando a expressão “Santo Sudário” reservada para o tecido, lenço ou véu que resguardou a cabeça do divino morto.

Ao retomar a vida, o corpo glorioso do Ressuscitado ficou miraculosamente marcado na síndone, onde já havia sinais anteriores de sangue das suas chagas (sangue arterial e venoso do tipo AB positivo, abundante na Galileia e raro na Europa). Na verdade, na face interna do tecido, que estava em contacto com o corpo, pode ver-se impressa com manifesta nitidez a figura de um morto por crucifixão. Mão há vestígios de pigmentos corantes, marcas de pincel ou resíduos de produtos químicos. Ao invés, as fibras do linho encontram-se parcialmente desidratadas em minúscula profundidade, adquirindo assim tonalidades várias.

A síndone é uma peça de fino tecido de linho de 4,3m x 1,08m, que apresenta a imagem de um homem de frente e de costas, cujos traços se tornam visíveis não a mais de 9 metros de distância nem a menos de 2 metros. 

A imagem assim estampada reflete a paixão dolorosa de um varão que, na pujança da idade adulta (entre os 30 e 35 anos), suportara padecimentos desafiantes da capacidade humana de sofrer. É uma imagem de adequadas proporções, com a medida de entre 1,79 e 1,83 metros de altura e com o peso de 77 a 79 quilos. De ampla fronte cabelos abundantes caindo ordenadamente até aos ombros, espessas sobrancelhas, bigode cerrado e barba dividida em dias partes – era um homem bem constituído.

Ressalta no rosto a marca de violento golpe que Lhe quebrou o septo nasal e causou grande inflamação na face direita. São evidentes as marcas do tormento da flagelação aplicado por dois algozes romanos com o pior dos açoites – o flagrum, composto de 3 tiras de couro com bolas metálicas nas pontas. Para tanto, atavam o arguido a uma coluna de pouca altura, expondo as costas aos golpes do látego. As marcas apontam para mais de 120 mil vergastadas na parte posterior do corpo e umas 70 nos braços, no peito e na parte anterior das pernas. 

Sobre a cabeça colocaram um entrançado de ramos espinhosos com pontas de 4 a 6 cm, uma das quais perpassou a sobrancelha esquerda aponto de dificultar a abertura da pálpebra.

As cordas grossas com que O amarraram deixaram sulcos nos pulsos, a acompanhar os rasgos provocados pelos cravos da crucifixão e povoaram-Lhe de coágulos de sangue a cintura, sobretudo na zona lombar. Os ombros estão escoriados por haverem sustentado por largo tempo o peso do madeiro áspero (o traço transversal da cruz, chamado patíbulo, com um peso de 30 a 50 Kg), muito embora o cireneu o tenha ajudado durante uma parte do percurso.

Há também sinais de violentas batidas na terra no nariz, nos joelhos e peitos dos pés, com esfolamentos e abertura de novas feridas, em consequência de quedas (os evangelhos não as mencionam, mas a tradição da via-sacra refere as quedas de Jesus na III, VII e IX estações).

Nota-se numa das mãos a marca das feridas provocadas pelos cravos, de que jorrou sangue em abundância correndo pelos braços até aos cotovelos. Por sua vez, os pés, pregados um sobre o outro, mostram-se totalmente ensanguentados, inclusive a parte das plantas.

Do lado direito vê-se um ferimento de lança romana (lancea) de legionário (cujo tecido é do tipo “espinha, em ziguezague, 3x1) para certificar a morte do crucificado.

É certo que a imagem é perfeitamente tridimensional, que o tecido esteve em contacto com um crucificado, que se encontram vestígios de sangue suor e outros líquidos cadavéricos. Mais. A poeira encontrada sob os pés é aragonite, um carbonato de cálcio que ainda hoje se encontra nas cercanias de Jerusalém. Embora o tecido tenha agregado diversos pólenes devido à exposição em diversos lugares, 75% dos pólenes é de zona mediterrânica subdesértica, provavelmente da Judeia.

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Guardados por José de Arimateia ou por Nicodemos, a síndone e o sudário terão sido retirados de Jerusalém para a cidade de Pella, no Jordão, quando, no ano 66, foi martirizado o apóstolo Tiago o Menor e os cristãos fugiram da Jerusalém condenada à destruição. Em 544, apareceram depositados num nicho incrustado na muralha de Edessa (atual Urfa na Turquia), tendo os seus habitantes atribuído à sua presença a vitoriosa defesa contra Cosroés, o invasor persa.

No século VII, aquelas relíquias caíram no domínio muçulmano. Mas em 942, os militares cristãos do Imperador Romano I conseguiram a sua recuperação, já que um dos preços exigidos ao sultão foi a entrega do mandilyon akeiropita, aquele tecido pintado não por mão de homem, que era guardado num relicário que deixava à vista apenas a imagem do rosto de Cristo. Constantinopla comemorou a chegada das divinas relíquias com festejos especiais durante os quais a síndone foi aberta em toda a sua extensão e venerada como o pano sagrado que envolveu o Redentor. Os constantinoplitanos não dispunham de métodos científicos, mas como o apóstolo viram e acreditaram (cf Jo 20,8). Coube, por determinação imperial, à igreja ade Santa Maria de Blanquerna a conservação das relíquias, que eram expostas na íntegra à veneração pública às sextas-feiras. Permaneceu naquele templo até ao saque de 1204. Foi lá visto e descrito pelo cruzado Roberto de Clary.

Os historiadores divergem no atinente à trajetória do mandilyon akeiropita nos 150 anos subsequentes. Segundo uns, esteve nas mãos dos templários; segundo outros, esteve à guarda do cavaleiro Othon de la Roche, que o entregou, em 1208, a um santuário por si mandado construir em Besançon (França). Porém a partir de 1353, o percurso das santas relíquias não apresentam dúvidas sobre o seu percurso histórico. Nesse ano, aparecem nas mãos do cavaleiro Geoffroy de Charny, que as depositou na igreja colegial de Lirey, noroeste de França, onde permaneceram até 1410 ou 1418. Os descendentes daquele cavaleiro, devido aos saques ocorridos na região, tiraram-nas de Lirey e, em 1453, Marguerite de Poitiers, uma dos descendentes de Geoffroy, ofereceu-as à Casa de Saboia, na pessoa do duque Luís de Saboia.

O duque mandou conservar as relíquias expostas à veneração dos crentes na catedral de Chambéry, cidade francesa sita aos pés dos Alpes, nas proximidades da Suíça e da Itália. Num incêndio que assolou a catedral, em 1532, fundiu-se um dos cantos do relicário de prata e danificou-se a síndone que estava dobrada. Do incêndio restam as marcas chamuscadas das dobras e os furos triangulares, que as clarissas remendaram segundo as técnicas epocais.

São Carlos Borromeo, o cardeal arcebispo de Milão, reformador do clero e da vida religiosa,

fez o voto de ir de Milão a Chambéry em peregrinação para venerar a síndone e partiu em 1578. Ora, o duque quis poupar ao arcebispo ancião e alquebrado as agruras duma viagem de 350 Km por terreno montanhoso. Assim, resolveu enviar as sagradas relíquias ao encontro do arcebispo, que as recebeu em Turim, apenas a 140 Km de Milão, onde permanecem.

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A autenticidade da Síndone tem sido anunciada, contestada e confirmada. A NASA, no último quartel do século XX afirmava que a ciência não conseguia explicar a tridimensionalidade da imagem. Perto da viragem do milénio a pretensa datação com carbono 14 faz remontar o tecido aos séculos XIII/XIV. Parece, não obstante que o teste não teve em conta: a acumulação de poeiras e bactérias ao longo do tempo; o facto de parte do tecido ter sido substituída após o incêndio referido; o desconhecimento daquele tipo de látego na idade Média; a contemporaneidade das duas moedas com a vigência imperial de Augusto e com inscrição; a não existência de colorantes que resistam a uma temperatura que faça fundir a prata.

Por outro lado, Isabel Piczkec, física nuclear húngara, salienta a perfeição dos músculos não assentes na pedra tumular. Depois, o facto de haver uma imagem projetada para cima e outra projetada para baixo sugere que, ao menos por momentos, não se verificou a força da gravidade. Também o tecido não está enrodilhado ou amarrado, o que parece fazer concluir que no momento de impressão da imagem o tecido não tocou o corpo. O corpo terá flutuado.

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Seja como for, a Santa Sé não se pronuncia categoricamente pela cientificidade ou não da Síndone. Pelo contrário, estimula os cientistas à investigação. Mesmo o facto de os Sumos Pontífices, como João Paulo II, Bento XVI e Francisco, irem a Turim venerar a Santa Síndone não implica a obrigatoriedade da aceitação da sua autenticidade, que não é do âmbito estrito da fé. Significa, sim, que, independentemente da autenticidade histórica, se trata de uma símbolo da Paixão do Redentor, do seu transe sepulcral e da indicação da via da Ressurreição.

Como qualquer outra imagem que aponte para o mistério da fé, serve de motivo de adesão ao Evangelho, suscita a fé no Ressuscitado. Continua na sua mudez de imagem a clamar, perante um mundo globalizado no materialismo e na indiferença, que Jesus Cristo, Filho de Deus, é o Messias Senhor!