sábado, 31 de outubro de 2020

Que os cristãos sejam a alma da Europa

 

O cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano, falou por videoconferência, no passado dia 28 deste mês de outubro, à Assembleia Plenária da Comissão das Conferências Episcopais da Comunidade Europeia (COMECE) – que abrange o papel das Igrejas na União e as áreas prioritárias de colaboração com as instituições para dar um verdadeiro testemunho cristão – assinalando o 40.º aniversário da sua fundação e fazendo-se porta-voz da saudação e bênção do Papa, que expressou, para a ocasião, o seu pensamento em carta dirigida ao purpurado.

O discurso de Pietro Parolin, amplo e articulado, insere-se no quadro atual de “tempos incertos e difíceis, em que muitos países foram e continuam a ser duramente fustigados pela pandemia, não se entrevendo ainda como sair desta crise sanitária, económica e social”. E, nesta situação, a Igreja na Europa sente-se chamada a cumprir a sua missão com maior zelo e a dar a sua contribuição, oferecendo uma mensagem de fé, unidade, solidariedade e esperança.

Evocando a origem do processo de integração europeia em 1950, com a declaração de Robert Schuman, e o início dum projeto de unidade supranacional, como garantia de paz e superação dos nacionalismos que tanto dilaceraram a Europa, Parolin enfatiza “o constante apoio da Igreja ao processo de integração”, desde a época de Pio XII até à proclamação por São Paulo VI e São João Paulo II dos Santos Padroeiros da Europa, às visitas ao Parlamento Europeu de São João Paulo II, a 11 de outubro de 1988, e de Francisco, o 25 de novembro de 2014, com o qual a proximidade da Igreja à Europa se intensificou ainda mais, sendo Francisco “o primeiro Pontífice não europeu em mais de mil anos”.

Segundo o cardeal, instituições como a COMECE, cuja fundação data de 3 de março de 1980, são um sinal do “reconhecimento da necessidade de abertura mútua e colaboração fraterna das Igrejas na Europa entre si e com as instituições europeias”, para “promover e proteger o bem comum, à luz da alegria do Evangelho de Cristo”.

Se a abordagem da Santa Sé às instituições europeias é de natureza diplomática, a perspetiva complexa e preciosa do trabalho da COMECE é, segundo Pietro Parolin, “a de acompanhar o processo político da União Europeia em áreas de interesse para a Igreja e de comunicar as opiniões e visões dos Episcopados a respeito do processo de integração europeia”. Nesta ótica, é igualmente importante o papel – papel mais pastoral – do Conselho das Conferências Episcopais Europeias (CCEE), composto pelos Presidentes de todas as Conferências Episcopais da Europa.

O encontro com a Assembleia Plenária é, portanto, uma ocasião importante para falar a toda a Europa sobre os desafios presentes: é a voz da Igreja em que pontifica a do Papa.

E o cardeal Secretário de Estado, reportando-se ao conteúdo da predita carta, afirmou parecer-lhe que a intenção da missiva papal é sobretudo a de “continuar uma reflexão sobre o futuro da Europa”, um continente que lhe está a peito, mormente devido ao papel central que desempenhou na história da humanidade. Como sempre, a reflexão de Francisco não intenta dar indicações pontuais sobre os passos a serem dados, mas sugerir uma “trajetória ideal” e os elementos fundamentais sobre que refletir a fim de que aja quem o puder fazer.

Na perspetiva do Papa não há conceitos abstratos, mas sempre pessoas, centrais no debate sobre a Europa porque, segundo o cardeal, “uma Europa que perdesse de vista a pessoa e a consciência de que todo ser humano está inserido num tecido social só pode ser reduzida a um conjunto de procedimentos burocráticos e estéreis” e isto é ainda mais necessário agora que estamos ante uma pandemia que não conhece fronteiras e procedimentos. E trata-se da “pessoa, não só como sujeito de direito, mas na sua concretude de sentimentos, esperanças e laços”. Como tem dito o Papa, o risco é o conceito de liberdade ser mal compreendido, “interpretando-o como se fosse o dever de estar sozinho, livre de todos os laços, e consequentemente se construir uma sociedade sem sentido de pertença”. E a pandemia convida-nos a mudar os estilos de vida e redescobrir a “identidade comunitária”, a única sobre a qual se poderá construir o futuro, “capaz de superar as divisões e as contradições”, pois ninguém se salva sozinho. E nisto, como observa Parolin, a COMECE, o CCEE, os episcopados e os bispos individualmente considerados têm um papel fundamental a desempenhar: viver e afirmar a comunhão eclesial, a pertença a uma única comunidade, para assegurar que “as diferenças óbvias dos povos não sejam o pretexto para aumentar as divergências, mas sim para reconhecer a riqueza de nosso continente”.

Neste contexto, o testemunho cristão é o “tecido conectivo” da Europa e o Papa traça, na sua carta, as diretrizes deste testemunho através dos seus quatro sonhos, sintetizáveis assim:

Sonho com uma Europa que seja amiga da pessoa e das pessoas (...), que seja uma família e uma comunidade, (...) solidária e generosa, (...) salutarmente laica.”.

E, segundo Pietro Parolin, “uma Europa que é amiga da pessoa e das pessoas é, acima de tudo, uma Europa que ama a pessoa na sua verdade e na sua integridade e, sobretudo, que respeita sua dignidade transcendente”. Ora, isto ajuda, na ótica do purpurado, a interpretar e avaliar as propostas legislativas que estão a ser elaboradas e a orientar os que têm responsabilidades políticas, sendo que “entre estes princípios e valores, é particularmente importante o reconhecimento da dignidade sagrada e inviolável de toda vida humana, desde a sua conceção até ao seu fim natural, ao qual é fundamental associar a defesa e a promoção da família, verdadeira célula da sociedade, fundada na união estável de um homem e de uma mulher.”

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Já na Conferência Internacional “The milestones of the Integral ecology for a human Economy(“Os marcos da ecologia integral para uma economia humana”), promovida em modalidade online pela Fundação Centesimus Annus pro Pontifice, a videomensagem do Secretário de Estado (23 de outubro), considerando a centralidade da pessoa, retoma os temas centrais da “Laudato si´” e articula-os com a Encíclica “Fratelli tutti”. Neste sentido, o convite é para (re)formular um modelo de desenvolvimento e de crescimento que coloque no centro a dignidade humana, o valor justo do trabalho e o papel fundamental da educação para a solidariedade.

Neste ano que Francisco dedicou à oração, reflexão e boas práticas inspiradas na “Laudato si'”, a Fundação Centesimus Annus pro Pontifice organizou a predita conferência internacional em duas sessões sobre um duplo tema: “Governance and Business models(23 de outubro) e “Education and Training(30 de outubro). Ambos os eventos foram agendados em modalidade online, na plataforma Zoom, dada a prolongada emergência da pandemia de covid-19.

O cardeal Parolin iniciou o seu discurso dizendo que é necessário “aproveitar este momento de provação como um momento de decisão”, fazendo eco do convite do Papa Francisco no extraordinário momento de oração universal feito, na fase aguda da pandemia, na Praça São Pedro, na tarde do dia 27 de março. São palavras de uma citação ampla daquele discurso que permaneceu imediatamente memorável e da Encíclica “Fratelli tutti”, em que o Pontífice nos lembrou que “a pandemia nos expôs às nossas falsas seguranças”, forçando-nos a contar com a fragilidade das criaturas finitas, como somos. O desafio, para o Secretário de Estado, “é restaurar o curso do navio da humanidade em direção ao Senhor e aos outros, num espírito de cooperação, na redescoberta da nossa pertença ao mundo como irmãos e irmãs”. O purpurado explicitou que o conceito de ‘ecologia integral’ vai muito além da dimensão meramente ‘ambientalista’, pondo em questão uma visão integral e multifacetada da vida que inspira as melhores políticas, os indicadores, os processos de pesquisa e desenvolvimento e os critérios de avaliação, evitando interpretações distorcidas do que é desenvolvimento e crescimento. E o ponto focal desta abordagem da vida e da gestão de recursos é “a centralidade da pessoa humana e a necessidade de promover uma cultura do cuidado, em oposição à cultura do desperdício. E, como indicou, o descarte pode manifestar-se de muitos modos, como “na obsessão de reduzir os custos do trabalho, perdendo assim o sentido do valor do direito/dever de trabalhar, que representa um elemento essencial para a realização tanto da personalidade de cada pessoa como do dever de solidariedade na nossa comunidade social, que se estende também às gerações futuras”. É uma mudança de direção que deve ser conduzida “alavancando a dimensão ético-social envolvida no conceito de ecologia integral”, como declarou o purpurado, que salientou a importância decisiva da instrução e da formação para acompanhar soluções políticas e técnicas, pois “é através deste tipo de educação e pedagogia” que se torna possível “direcionar tanto a política como a economia para um desenvolvimento humano genuinamente integral e sustentável, em benefício de todos os povos da Terra e especialmente dos mais pobres”.

Na verdade, é preciso garantir a centralidade da pessoa e promover a cultura do cuidado, parâmetros que devem orientar a política e a economia.

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Também o cardeal Peter Turkson, Prefeito do Dicastério para o Serviço de Desenvolvimento Humano Integral, falando no evento do dia 30, da Fundação Centesimus Annus pro Pontifice, recordou a importância da educação, sobretudo nesta época abalada pela pandemia, e disse que, se se quiser mudar o mundo, se deve mudar a instrução e os modelos conexos com a educação.

Desta feita, os trabalhos foram abertos por Anna Maria Tarantola, presidente da Fundação, que citou da encíclica “Laudato si´” que “a humanidade precisa mudar”. E vincou:

Falta a consciência de uma origem comum, de pertencimento mútuo e de um futuro compartilhado por todos. Esta consciência básica permitiria o desenvolvimento de novas convicções, novas atitudes e novos estilos de vida. Emerge assim um grande desafio cultural, espiritual e educacional que envolverá longos processos de regeneração.”.

E, após o pronunciamento de Giovanni Marseguerra, coordenador do comité científico da Fundação, foi dado o uso da palavra ao cardeal Peter Kodwo Appiah Turkson, Prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral.

Detendo-se sobre o tema do encontro “Educação e Treinamento”, o prefeito daquele dicastério lembrou um evento ocorrido na República de Gana, seu país natal. Numa aldeia, um professor recebeu um computador e uma impressora, acompanhados por manuais de instruções. O professor explicou aos alunos que um novo dispositivo inclui sempre um livreto explicativo para facilitar seu uso. Os alunos perguntaram ao professor: Se todas as coisas novas requerem um manual, por que é que, quando uma criança nasce não há um livreto com instruções? E o professor replicou: “É por isso que vós estais aqui na escola”.

Assim, o cardeal concluiu que a tarefa da educação é “fornecer um manual de instruções”, fazendo ressaltar que a educação para a ecologia integral é um objetivo fundamental, uma vez que “a educação para a ecologia integral se baseia na necessidade de pensar no bem comum nos seus três componentes essenciais: a vida, a terra e o tríplice relacionamento – com o outro, consigo mesmo e com Deus”.

O debate, moderado por Frei Martijn Cremers, Professor de Finanças na Faculdade de Negócios de Mendoza da Universidade de Notre Dame, contou com a presença de Dom Nunzio Galantino presidente da Administração do Património da Sé Apostólica (APSA), que se deteve em particular sobre duas palavras evocadas na reunião – economia e educação – frisando que “invocar o desenvolvimento humano integral de que fala o Papa Francisco e gastar-se para o promover é muito mais do que um auspício”.

E, considerando que “é um projeto transformador das nossas sociedades que se opõe ao modelo de crescimento linear” e que “envolve a política e a economia”, disse que se trata dum projeto no qual “todos nós devemos investir mais”.

Mais enfatizou que devemos parar de “atribuir uma função educacional ao coronavírus”, pois “não parece que lições particulares tenham sido aprendidas com este drama”. Com efeito, como observou, “o vírus não nos torna melhores.” “O coronavírus trouxe mais falhas nos sistemas educacionais ou acentuou os já existentes, o que torna “muito urgente investir na educação”.

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Esta urgência do investimento na educação e numa educação para a ecologia integral que vise a centralidade da pessoa humana e procure o bem comum em todas as suas vertentes interpela a todos, mas de modo especial os cristãos que, movidos pelo ardor evangélico, têm de se assumir, qual alma do mundo, como força anímica das sociedades em que vivem e trabalham. Não podem refugiar-se supinamente nos contrafortes dos templos, mas devem tentar encontrar Deus onde Ele quer que O encontrem. E o lugar privilegiado desse encontro é o ser humano, sobretudo o mais indefeso, o daqueles por quem Deus ousa tomar partido.

E isto é válido para todo o mundo, mas com especial relevo para a Europa pela sua responsabilidade histórica no concerto das nações e numa certa configuração da Humanidade.

Vamos mesmo investir na educação para um novo mundo, uma nova humanidade, como querem Francisco, Parolin, Tarantola, Marseguerra, Turkson e Galantino?!

2020.10.31 – Louro de Carvalho    

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Mais restrições em tempo de pandemia, faltando saber quais

 

O Primeiro-Ministro marcou, para o dia 29 de outubro, um encontro com os parceiros sociais, liderado por ministros com capacidade de diálogo ao nível do Governo, e para o dia 30 um encontro com os partidos representados no Parlamento, a que se seguirá uma sessão extraordinária do Conselho de Ministros, convocado para o dia 31, para definir novas ações imediatas para o controlo da pandemia da covid-19 em Portugal. Entre as medidas que estarão em cima da mesa, poderão estar o confinamento ou o recolher obrigatório, já em vigor ou em vias de adoção noutros países europeus.

Como era de esperar em tempo de incertezas nos especialistas da saúde e da economia, as expectativas sobre as novas ou reeditadas medidas são contraditórias, tal como o é o posicionamento dos partidos e dos parceiros sociais.

Da parte dos parceiros sociais o aviso contundente vem da CIP, que  apela ao Governo a que “aplique apenas medidas cirúrgicas e nunca limitações e constrangimentos gerais, genéricos e de duração imprevisível que afetam, num só golpe e de forma imediata, a confiança das pessoas e das empresas na economia”. E, embora reconheça a importância da defesa da saúde pública, diz que “asfixiar as empresas com um contexto fortemente limitativo da sua atividade causará mais desemprego e mais falências, muitas delas irrecuperáveis ou de efeitos duradouros”.

Neste sentido, a confederação que representa o tecido empresarial português entendeu fazer “um alerta sem precedentes” e pediu ao Governo que as medidas que venham a ser adotadas para responder à evolução da pandemia tenham em conta o impacto económico e financeiro “na vida das empresas e na manutenção dos postos de trabalho”. Por isso, julga fundamental que o Conselho de Ministros “saiba calibrar as regras de modo a proteger a saúde pública sem, no entanto, desvalorizar a proteção do emprego dos portugueses, sob pena de serem causados danos irreversíveis para Portugal”. Com efeito, na primeira fase da pandemia, o aumento do desemprego e das falências atingiu milhares de empresas e de trabalhadores, como lembrou a organização, que agora, oito meses depois do primeiro combate provocado pela covid-19, em que Portugal já começou a sofrer o segundo choque económico e financeiro, deixa um aviso:

Este segundo choque será mais longo, violento e profundo. (...) os efeitos serão ainda mais graves e ameaçam como nunca o coração produtivo do país e, portanto, a coesão social da nossa democracia.”.

E considera que as medidas adotadas na primeira fase da pandemia, que paralisaram o país, seguiram “um padrão excessivo”, comum em quase toda a Europa, com consequências que “estão à vista de todos” e um “significativo impacto negativo nas contas do Estado”. Por isso, na convicção de que a defesa da saúde pública deve sempre coexistir com a proteção da atividade económica, reitera que “os micronegócios, as PME e as grandes empresas do nosso país têm noção de como é imperioso respeitar todas as normas de segurança decididas pela Direção-Geral de Saúde (DGS) e estão empenhadas diariamente na execução dessas obrigações de saúde pública”. E desafia:

Saiba e queira o Governo avaliar esta capacidade para evitar o estrangulamento da economia portuguesa”.

Ora, o que a CIP diz não querer é o confinamento geral e o recolher obrigatório, já que, além da crise e saúde pública, Portugal (tal como todo o mundo) vive uma crise económica resultante da pandemia. Tanto assim é que, neste dia 30, o Instituto Nacional de Estatísticas (INE) divulgou novos dados que indicam que, entre julho e setembro, a economia portuguesa registou uma quebra de 5,8% face ao período homólogo do ano anterior, apesar de em cadeia já mostrar reflexos da reabertura da economia no verão e ter disparado 13,2% – isto, depois de se ter verificado uma contração histórica entre abril e junho de 16,4%.

Do que se sabe da posição dos partidos sobre a possibilidade de reeditar a declaração do estado de emergência, ressalta que PCP e BE não concordam que isso seja a solução neste momento.  

O Partido Comunista Português (PCP) lembrou como alternativa a Lei de Bases da Proteção Civil e a Lei de Vigilância em Saúde. E Jerónimo de Sousa, dizendo que só aceita novas restrições se estiver garantido o respeito pelos direitos, liberdades e garantias, explicou:

Nós temos uma preocupação: nós temos de encontrar, de forma harmoniosa, todos os meios de combate à epidemia, acompanhados do respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”.

O Bloco de Esquerda (BE) diz-se disponível para aprovar no Parlamento novas propostas do Governo para a contenção da pandemia. Assim, Catarina Martins, apontando a necessidade da adoção de opções de longo prazo que preservem a capacidade de resposta do Sistema Nacional de Saúde (SNS) e pedindo que as limitações sejam explicadas aos portugueses, declarou:

Mostrámos a nossa disponibilidade para no Parlamento se poderem avançar com eventuais medidas legislativas necessárias. (…) Precisamos de legislação no Parlamento e o Bloco de Esquerda tem disponibilidade para, se for precisa, essa legislação. Ainda que estejamos num período em que as sessões plenárias estão suspensas, julgamos que, se for necessário, todos os partidos darão assentimento e o BE com certeza para, se forem necessárias, medidas para controlar a pandemia.”.

Catarina Martins não confirmou quais as medidas que o Governo partilhou no encontro, mas sustentou que decretar novamente o estado de emergência é uma “solução de fim de linha”, na perspetiva do partido, sendo desejável “que se encontrem outros mecanismos para encontrar medidas que ajudem a proteger a população”.

Por outro lado, explicou que o objetivo, neste momento, é controlar os números até ao Natal, mas defendeu que essa abordagem de curto prazo seja conjugada com medidas de longo prazo focadas na sustentabilidade da resposta dos hospitais públicos. E diz que, para aliviar a “enorme pressão” sobre o SNS, o BE não exclui a possibilidade de uma requisição civil dos hospitais privados, que sejam “pagos de forma justa” por tais serviços, pois, como sustenta, “os privados não devem fazer contratos apenas como lhes interessa para lucrar com a pandemia”.

Por seu turno, o PAN revelou que o Governo pondera decretar confinamento geral na primeira quinzena de dezembro para preservar o período de Natal, mas adiantou que essa medida não é certa e requer a vigência do estado de emergência.

André Silva disse que a possibilidade de se repetir um confinamento geral, tal como aconteceu em março e abril, durante a primeira metade de dezembro, “foi aflorada em termos de fim de gradualismo, ou como uma medida mais restritiva”. E referiu em jeito de justificação:

Na opinião do Primeiro-Ministro, se for o caso, essa medida procura antecipar ou prever aquilo que poderá ser um impacto enorme ao nível do Natal, fazendo com que as pessoas fiquem mais consciencializadas e reduzam os contactos. É preciso que se chegue ao Natal com a possibilidade de juntar a família.”.

No entanto, o porta-voz do PAN adiantou que “essa medida não está certa e segura, mas que tudo dependerá daquilo que resultar da posição do Presidente da República na medida que depende de uma declaração de estado de emergência”. Assim, o confinamento geral “não é um dado adquirido, mas é uma hipótese que está em cima da mesa, antevendo um agravamento do contexto epidemiológico”.

A Iniciativa Liberal (IL) admitiu que o Governo poderá aplicar medidas restritivas para combate à covid-19, incluindo o recolher obrigatório, em concelhos em que a taxa de incidência de contágios atinja 240 por cem mil habitantes.

Perante os jornalistas, João Cotrim Figueiredo, deputado único da IL, falou num indicador em ponderação pelo executivo referente à fasquia a partir da qual se poderão tomar medidas restritivas num determinado município. E disse que, para estas decisões mais restritivas, que poderão sair da sessão extraordinária do Conselho de Ministros, se estabeleceu “um nível de incidência de contágios a partir da qual as regras já previstas para Lousada, Paços de Ferreira e Felgueiras se poderiam aplicar”. E especificou:

Esse nível de incidência é de 240 casos de média diária por cada cem mil habitantes nos últimos 14 dias. Este é o número que tem sido usado pelo Centro Europeu de Controlo de Doenças. (…) Embora esse critério seja discutível, há pelo menos uma base empírica que parece ter sustentação. (…) Se for esse o critério – mas sempre com algumas exceções porque há concelhos muito onde a proporção pode ser distorcida, ou adjacentes a outros que sofram influência –, essa regra tem alguma lógica.”.

O presidente do PSD, por sua vez, garantiu que, se o estado de emergência for decretado no país, não irá acontecer da mesma forma que em março e abril. E assegurou:

Escusam de ter medo porque não será assim. Devia ser, mas infelizmente não será porque não pode ser, por força da economia nacional.”.

O líder socialdemocrata afastou assim a possibilidade de se voltar a um confinamento, apesar de afirmar que a situação é “mais grave” agora do que em março e abril, mas adiantou que o Governo vai avaliar “aquilo que quer fazer e se para tal necessita do quadro legal”. E esclareceu que, se vier a ser decretado um novo estado de emergência, se afigura como uma forma de enquadrar medidas mais restritivas.

Uma das hipóteses que estão em cima da mesa para esta nova fase da pandemia é “não tratar o país como um todo”, mas ir monitorizando os municípios onde a situação é mais grave e aí ter “medidas especiais”, adiantou Rio, para quem esta monitorização concelho a concelho “é uma medida inteligente e equilibrada”.

Quanto à posição face às novas restrições, o líder do PSD reitera que não passa “carta-branca para tudo”, mas garante que o partido estará “sempre do lado da solução, nunca a obstaculizar”. E adiantou que o partido vai formalizar, nos próximos dias, algumas sugestões de “nível intermédio”, de medidas para ajudar a combater o surto.

O Governo, ao apresentar aos parceiros sociais as medidas que estão a ser ponderadas face ao agravamento da pandemia, descartou cercas sanitárias e confinamento geral, mas pondera vir a impor o recolher obrigatório, à semelhança de outros países europeus, bem como estender a outros municípios, em função de critérios epidemiológicos específicos, as restrições atualmente em vigor em Paços de Ferreira, Felgueiras e Lousada.

A este respeito, o Ministro de Estado e da Economia e da Transição Digital garantiu, em declarações aos jornalistas à saída da reunião de Concertação Social:

Não consultámos os parceiros sobre a hipótese das cercas sanitárias. Falámos da hipótese de recolher obrigatório e afastámos a hipótese de um confinamento geral.”.

Todavia, o governante reconheceu que da parte dos parceiros sociais há dúvidas sobre a eficácia dessa medida, já que as situações de contágio não tendem a ocorrer na via pública, durante a noite. E, após as críticas dos patrões ao recolher obrigatório, o Ministro assegurou que o impacto económico “seria previsivelmente inferior ao que tivemos na primavera”.

Pedro Siza Vieira adiantou que, a par do recolher obrigatório, foi discutida a possibilidade de estender as restrições já em vigor nos três referidos municípios portugueses a outros, consoante a evolução da pandemia nessas regiões. A hipótese de impor medidas “município a município” deverá, segundo o governante, ser guiada por critérios epidemiológicos específicos, como o número de novos casos por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias e o ritmo dos contágios. Por outro lado, face ao inusitado agravamento da situação sanitária e a aplicação de medidas mais duras, o Governo está a ponderar estender e aumentar as medidas de apoio às empresas e às famílias. E, questionado sobre se esse reforço chegará ainda este ano, Siza Vieira defendeu que o Executivo deve avaliar as novas medidas tão cedo quanto necessário.

A Ministra do Trabalho referiu, por sua vez, que as medidas desenhadas para suceder ao lay-off simplificado (apoio à retoma progressiva e incentivo à normalização) já abrangem 58 mil empresas e 470 mil trabalhadores. E detalhou que a maior parte dos empregadores que escolheram o apoio à retoma progressiva têm quebras superiores a 75%, o que lhes permite cortar os horários a 100% e receber um apoio mais robusto da Segurança Social para o pagamento dos salários.

Sobre o eventual regresso do teletrabalho obrigatório, o Ministro da Economia lembrou que tal medida já está a ser aplicada nos três municípios onde vigoram restrições mais musculadas e que, para o resto do país, há a recomendação de o adotar, caso não haja condições nas empresas para se manter o distanciamento físico entre os trabalhadores. E revelou que os parceiros sociais foram auscultados sobre o alargamento da obrigatoriedade do trabalho remoto a todo o país, tenho recebido, contudo, uma generalizada resposta negativa.

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Neste panorama de incertezas e formulações díspares face ao crescimento avassalador do surto pandémico e à crise económica, há que evitar uma crise política, que traria ao país que somos e como somos um atraso considerável ao levantamento da cabeça na recuperação económica e social. E o que se passa em torno do Orçamento do Estado, a par do encaramento contraditório com que os agentes do Estado encaram as suas próprias diretivas, não abona grande perspetiva em prol da tranquilidade pública e das boas condições de recuperação.

Ante as dúvidas surgidas face à suficiência da Lei de Bases da Proteção Civil e da Lei de Vigilância em Saúde para o momento, estas já deviam ter sido aperfeiçoadas (houve mais que tempo suficiente, mas não vontade política). E, já que a composição do Parlamento reflete melhor a diversidade do eleitorado, os deputados deveriam ter gerado um orçamento e grandes opções do plano que equilibrassem as carências da população, agravadas pela pandemia, correspondessem ao sentir da UE e acautelassem o futuro. É caso para perguntar onde mora a habilidade negocial do Primeiro-Ministro e a capacidade dialogal dos seus grandes colaboradores.

Confinamento e recolher obrigatório acabam por ajudar a resolver temporariamente o problema, por exemplo, evitando o hospital e minorando as condições de ajuntamentos e excessos, mas criam ansiedade e outros problemas de saúde nos mais vulneráveis, que serão sempre os mais impedidos de vir à rua, a não ser que tenham o animal de companhia ou um jornal para comprar. Além disso, há exageros e duplo critério na determinação e na concretização de algumas medidas. Assim, por exemplo, porque abrangeu a proibição de deslocação entre diferentes concelhos todo o dia de sexta-feira e não só do fim do horário laboral em diante? Por que motivo os trabalhadores que se deslocam dentro da sua área metropolitana podem servir-se da palavra de honra para garantirem a necessidade de deslocação para fora do seu concelho e os outros têm de apresentar declaração escrita da entidade patronal?

Porém, pode dizer-se que este Governo não está preparado para enfrentar a pandemia. E outro estaria? Teria mais certezas e acertaria mais? Haja Deus e bom senso em todos!

2020.10.30 – Louro de Carvalho

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Cinco razões que levam ao endurecimento de medidas por via da covid-19

 

À medida que a segunda vaga da pandemia se agrava – prevendo-se um pico em Portugal em novembro –, o Centro Europeu para Prevenção e Controlo das Doenças alerta que “muito deve ser feito” no nosso País para controlar a covid-19. Com efeito, com cerca de quatro mil casos diários de infetados e os hospitais públicos à beira do limite, o Primeiro-Ministro, que tem pela frente uma maratona de reuniões para decidir que medidas novas devem ser tomadas com efeitos imediatos ou que medidas deverão ser reeditadas, convocou para o próximo dia 31 de outubro uma sessão extraordinária do Conselho de Ministros.

Entretanto, neste dia 29, participa no Conselho Europeu extraordinário, por videoconferência, para coordenação de resposta conjunta, enquanto alguns ministros, nomeadamente a Ministra da Saúde, o Ministro de Estado e da Economia e da Transição Digital e a Ministra de Estado e da Presidência se avistam com especialistas e com os parceiros sociais. E, no dia 30, António Costa receberá na residência oficial do Primeiro-Ministro os partidos com assento parlamentar.

Os observadores, que registam que os autarcas do Norte querem apertar medidas, indicam cinco fatores problemáticos que postulam respostas urgentes. De contrário, de acordo com os modelos matemáticos utilizáveis, poderemos ver triplicar o número de doentes em unidades de cuidados intensivos para 634 pacientes e 334 mil infetados até 25 de novembro

O primeiro fator de preocupação para a opinião pública é o facto de se ter quase atingido “o patamar dos 4.000 casos diários a que se alia o facto de alguns famosos terem também sido infetados”. Efetivamente, um apresentador da RTP já vai no segundo confinamento, uma apresentadora da RTP está em casa, apesar de assintomática, o que implicou que mais 30 elementos do mesmo programa fossem mandados para quarentena. Também dois elementos da TVI estão infetados. E o humorista Ricardo Araújo aguarda teste em quarentena profilática. Em termos gerais, no dia 23 de outubro, Portugal atingiu um pico de evolução de novos casos diários: 3.669. E, à data de hoje (dia 29), regista-se um novo recorde de 4224 novos casos e 33 mortes – o maior aumento de casos em 24 horas. E o Norte e Lisboa e Vale do Tejo são as regiões mais afetadas. A manter-se o ritmo, os peritos temem que já na próxima semana os novos contágios no Norte cheguem à fasquia dos sete mil. Já no início desta semana, a Diretora-Geral da Saúde explicou que Portugal apresenta uma taxa de notificação acumulada a 14 dias “superior ou igual a 240 casos por 100.000 habitantes”. O total de infetados desde começo da pandemia até à data é de 132.616 e o de mortos é de 2428. E a tendência é para aumentar.

Essa dos famosos impressionar é estranha em democracia, pois todos estão em pé de igualdade.

O segundo fator problemático é o facto de “o número de mortos/dia ter sido superior a 20”.

No dia 28, registavam-se mais 24 mortes. E, neste dia 29, registam-se 33. Nestes termos, o Secretário de Estado Adjunto e da Saúde esclarece que “a taxa de letalidade global é de 1,9% e a taxa de letalidade acima dos 70 anos é de 10,8%”, o que é assustador.  

Em terceiro lugar, vem a insuficiência das tentativas de contenção”. Na verdade, com o enorme aumento de casos, o dia 29 ficou assinalado pelo começo da obrigatoriedade de uso de máscaras na rua, nos termos da Lei n.º 62-A/2020, de 27 de outubro, sendo que a multa prevista para os infratores vai de 100 a 500 euros. A medida prolonga-se por 70 dias, de modo a inverter o sentido da curva de infeções, quando não for possível manter o distanciamento social de dois metros na via pública. Além desta medida, segundo o que foi anunciado pelo Secretário de Estado Adjunto e da Saúde na última conferência de imprensa da DGS, do dia 28, vem aí mais de um milhão de testes rápidos, cuja testagem será feita pela Cruz Vermelha, sendo que a eficácia dos testes será avaliada pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. 

Em Matosinhos, o quinto concelho com mais contágios, apertam-se medidas que passam pelo encerramento de lojas e prestação de serviços às 21 horas, bem como o fecho de restaurantes às 22 horas e a permanência nestes até às 23 horas. As visitas de lares ficam suspensas e os alunos passam a ter aulas à distância. Em Felgueiras, Lousada e Paços de Ferreira, está em vigor o dever de permanência em casa desde 23 de outubro. Em simultâneo, os autarcas do distrito do Porto pedem o recolher obrigatório depois de o País ter passar a estado de emergência, de preferência, sem confinamento que iria agravar o estado da economia. Porém, os epidemiologistas duvidam da eficácia do recolher obrigatório, que não passa de simbólico; e os constitucionalistas dividem-se sobre a constitucionalidade desta medida a ponto de Marcelo vir a terreno sugerir uma revisão minimalista da Constituição para a acomodar a esta realidade.    

Para já, impede-se a circulação entre concelhos durante o próximo fim de semana (das 0 horas do 30 de outubro à 6 horas do dia 3 de novembro), com a observância do luto nacional decretado pelo Governo pelas vítimas mortais de Covid-19 para o Dia dos Defuntos (2 de novembro). A proibição de circulação entre concelhos admite exceções para várias pessoas, nomeadamente para trabalhadores, desde que circulem com uma declaração da entidade patronal e, dentro se cada área metropolitana com a declaração verbal sob compromisso de honra.

Resta é saber se estas medidas são suficientes em si e/ou pelo lapso de tempo para que foram implementadas, sendo que muito da sua eficácia dependerá da cooperação dos cidadãos.

Um outro fator de preocupação tem a ver com “a possibilidade de os hospitais entrarem em rotura na capacidade de internamentos”. No pior cenário, a 4 de novembro serão internados 444 pacientes nas UCI (unidades de cuidados intensivos). E a Ministra da Saúde admite que a situação “é complexa”. Até à data, registam-se 262 doentes internados em UCI – uma subida abrupta, tendo em conta que, por exemplo, no dia 28 do mês anterior havia 98. 

A pressão sob o SNS é evidente, a ponto de começarem a ser transferidos doentes destes para o privado. Por exemplo, no Norte, o Hospital Escola da Universidade Fernando Pessoa, em Gondomar, já tem dez internados nestas circunstâncias. Em contraponto, o estabelecimento público de Penafiel está à beira da rutura. Servindo 12 concelhos, só nas urgências do hospital foram atendidas, diariamente, cerca de 800 pessoas na semana passada. Por outro lado, a ARS de Lisboa e Vale do Tejo não conseguiu acordo com os privados.

E o quinto fator de preocupação é “o agravamento da epidemia na Europa”. De facto, a Europa tem sido o continente mais atingido. Para atenuar a propagação, a Comissão Europeia lançou ontem medidas adicionais para “salvar vidas e reforçar a resiliência do mercado interno”, que passam, em concreto, pelo aumento do acesso a testes rápidos e por campanhas de vacinação. E a presidente, tendo em conta a gravidade da pandemia na Europa, exortou:

Apelo aos Estados-Membros para que trabalhem em estreita colaboração. Medidas corajosas tomadas agora ajudarão a salvar vidas e a proteger os meios de subsistência. Nenhum Estado-Membro poderá sair desta pandemia de forma segura até que todos o façam.”. 

A Alemanha responde com confinamento parcial em vigor a partir de 2 de novembro até ao final do mesmo mês. Os setores da cultura, lazer, restauração e bebidas encerram. Os ajuntamentos permitidos não podem exceder dez pessoas. Os números são particularmente negros para o Reino Unido, que atingiu, a 27 de outubro, o recorde desde o fim de maio de 310 óbitos diários. A Itália atinge outro máximo, no dia seguinte, de 24.991 novos casos. Isto após os confrontos com a polícia em Milão (os manifestantes milaneses lançaram cocktails Molotov aos agentes, que responderam com gás lacrimogéneo), Turim, e Roma, com milhares de pessoas a manifestarem-se contra o encerramento de espaços de lazer às 18 horas.

Protestos pelos mesmos motivos decorreram protestos em Barcelona, no início da semana. E Madrid recorre a drones e 300 agentes para fazer policiamento nos cemitérios. Os aparelhos sobrevoarão os dois maiores de Madrid no Dia de Defuntos e a capacidade para visitantes será reduzida a metade. Foram detetados quase 20.000 casos de infeção na Espanha. 

***

António Lacerda Sales, Secretário de Estado adjunto e da Saúde, exclui a possibilidade de um confinamento geral em Portugal e defende que as novas restrições para combater a pandemia no país serão a nível territorial e mais circunscritas, num modelo que ainda terá de ser estabilizado.

A dois dias duma sessão extraordinária do Conselho de Ministros para definir as medidas de controlo da pandemia, o governante afirmou que “todos os países vão começar a adotar medidas de restrições a nível territorial, mais circunscrito”. E admitiu, em entrevista ao podcast Política com Palavra do Partido Socialista:

“E essas restrições serão com certeza a nível mais dos territórios, para que outros territórios que não estão tanto sobre pressão possam respirar do ponto de vista económico e social”.

Interpelado sobre se o Governo optará por ações localizadas ou se admite restrições nacionais como um novo confinamento geral, disse que “todos os países da Europa estão neste momento a tentar estabilizar num determinado modelo que pode comportar muitas variáveis”.

Enumerando que essas variáveis são a incidência de casos nos últimos 14 dias, os novos casos confirmados por cem mil habitantes, as faixas etárias mais atingidas ou a pressão sobre os hospitais, sustentou que o que é preciso é estabilizar num determinado modelo, e obviamente que quanto mais uniforme conseguir ser esse modelo [...] maior segurança e maior confiança será dada às populações.

Questionado sobre se o modelo será de base concelhia ou distrital, disse apenas que deve ter “o consenso da grande maioria dos intervenientes” das áreas da saúde, proteção civil, das autarquias ou segurança social.

No dia 28, o presidente da Área Metropolitana do Porto pediu ao Governo que decrete o estado de emergência, generalizando as medidas a todo o país, ao passo que o presidente da Comissão Distrital da Proteção Civil do Porto propôs o recolher obrigatório no distrito. E, confrontado com estes pedidos, Lacerda Sales reiterou a necessidade de “estabilizar o modelo e uniformizar o modelo para que não haja grandes discrepâncias, quer entre concelhos, quer entre distritos”. E, pedindo que “não se façam sobreavaliações de determinadas situações e, por outro lado, subavaliações noutras situações”, sintetizou:

Penso que as medidas têm de se adaptar àquilo que é em cada região a própria evolução e os próprios dados epidemiológicos”.

Porém, como tudo pode mudar a evolução da pandemia, poderão vir aí medidas do quadro do estado de emergência nacional ou parcelar, medida que o Presidente da República, a dois meses das eleições presidenciais, não tomará sem amplo consenso parlamentar. Será que o interesse geral exige de Marcelo esta cautela para garantir a sua reeleição? E Costa continuará a apoiá-lo?

2020.10.29 – Louro de Carvalho

A Europa tem muito que dar ainda e dará redescobrindo-se

 

No passado dia 22 de outubro, memória litúrgica do Papa São João Paulo II, o Papa Francisco endereçou uma carta ao Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano, para assinalar os seguintes aniversários significativos: 40.º aniversário da Comissão dos Episcopados da União Europeia (COMECE); o 50.º  aniversário das relações diplomáticas entre a Santa Sé e a União Europeia (UE); e o 50.º aniversário da presença da Santa Sé como Observador Permanente no Conselho da Europa. Para assinalar estas efemérides, estava programada, para os dias 28-30, uma visita do Cardeal Parolin a Bruxelas, que foi anulada devido ao agravamento da emergência sanitária, pelo que os encontros com as Autoridades da União Europeia e com os membros da COMECE poderão realizar-se em videoconferência.

Francisco faz menção destes cinquentenários – que marcam a cooperação da Santa Sé com estas instituições europeias –, bem como do LXX aniversário da Declaração Schuman, “facto de importância capital que inspirou o longo caminho de integração do Continente, permitindo ultrapassar as hostilidades geradas pelas duas guerras mundiais”, e, ainda, da preocupação dos delegados das Conferências Episcopais dos Estados membros da UE para favorecer “uma colaboração mais estreita entre os referidos Episcopados”, no atinente às “questões pastorais relacionadas com o desenvolvimento das competências e atividades da União”.

Convicto do papel central que o Continente teve e deverá continuar a ter na história da humanidade, embora com modulações diversas, o Papa sublinha que o projeto europeu, nascido da consciência da força da união, da superioridade da unidade sobre o conflito e da capacidade da solidariedade de se transformar em “estilo de construção da história”, dá, neste tempo de pandemia, “sinais de regressão”. Por isso, importa redescobrir “o caminho da fraternidade, que “inspirou e animou os Pais fundadores da Europa moderna”.

Diz o Papa argentino que, na verdade, a pandemia pôs a nu o contraste entre a tentação de procura de soluções unilaterais para um problema que ultrapassa as fronteiras dos Estados e o desejo convicto de percorrer o caminho da fraternidade, que é caminho da solidariedade, pondo em ação a criatividade e novas iniciativas. Porém, os passos dados neste caminho precisam de consolidação “para evitar que os impulsos centrífugos retomem força”. Neste sentido, o Pontífice vinca a atualidade das palavras do Papa São João Paulo II no “Ato Europeísta” de Santiago de Compostela, a 9 de novembro de 1982, no contexto da sua Viagem Apostólica à Espanha de 31 de outubro a 9 de novembro daquele ano: “Europa, volta a encontrar-te. Sê tu mesma”. Com efeito, um tempo de mudanças bruscas pode propiciar a perda da própria identidade, se faltarem valores compartilhados sobre os quais se funda a sociedade.

Assim, Francisco, considerando que a Europa foi “uma forja de ideais ao longo dos séculos”, exorta a que não se detenha a olhar o seu passado como álbum de recordações, para nunca se sentir cansada ou amofinada na vivência do presente e com pouca esperança ao olhar para o futuro. Ao invés, a Europa necessita de voltar a “encontrar” os seus ideais, que têm profundas raízes plurimilenares. Fazendo questão de ser ela mesma, não pode ter medo da sua história bimilenária, “que é uma janela para o futuro mais do que para o passado”, nem da sua necessidade de verdade que, desde a antiga Grécia, “abraçou a terra realçando as interrogações mais profundas de todo o ser humano”, nem da sua necessidade de justiça que se desenvolveu a partir do direito romano e “se tornou respeito por todo o ser humano e pelos seus direitos, nem da sua necessidade de eternidade, “que se espelha no teu património de fé, arte e cultura”. E, como observa o Papa, se muitos se interrogam sobre o futuro da Europa, tantos outros “a olham com esperança”, convictos de que “ela ainda tem algo a oferecer ao mundo e à humanidade” – a mesma confiança que podemos ter “a partir de valores partilhados e radicados na história e cultura desta terra”.

Posto isto, Francisco, movido pela sua solicitude de Pastor e da certeza de que a Europa ainda tem muito para dar ao mundo, questiona que sonhos para a Europa do futuro, com base no seu contributo original. Rejeita que se trate de recuperar a hegemonia política ou uma centralidade geográfica ou mesmo de gizar soluções inovadoras para os problemas económicos e sociais. E aponta como sua originalidade, antes de mais, a sua conceção do homem e da realidade, a sua capacidade de iniciativa e a sua solidariedade operosa.

Por consequência, o Papa pretende “uma Europa amiga da pessoa e das pessoas”, respeitando a dignidade de cada um, sendo a pessoa “um valor em si mesma”, pelo que deve ser a vida defendida em todos os seus momentos, deve ser o trabalho o meio privilegiado para o crescimento pessoal e a edificação do bem comum, deve ser promovida a instrução e o desenvolvimento cultural de cada um, devem ser protegidos os mais frágeis e débeis. Enfim, deve ser uma Europa que defenda os direitos e lembre os deveres que recorde que é cada um chamado a prestar a sua própria contribuição à sociedade.

Quer “uma Europa que seja uma família e uma comunidade”, valorizando as peculiaridades de cada pessoa e de cada povo, unidos por responsabilidades comuns. É a unidade nas diferenças que faz a família de povos, diversos entre si, mas “ligados por uma história e um destino comuns”. Ora, “uma Europa dividida, feita de realidades solitárias e independentes”, achar-se-á incapaz de enfrentar os desafios do futuro, mas “uma Europa-comunidade, solidária e fraterna”, valorizará as diferenças e o contributo de cada um para enfrentarmos, juntos, as questões que a aguardam: a pandemia, o desafio ecológico e a escolha entre “um modelo de vida que descarta homens e coisas e um modelo inclusivo que valoriza a criação e as criaturas”.

Quer “uma Europa solidária e generosa”, qual lugar acolhedor e hospitaleiro, onde a caridade vença “toda a forma de indiferença e egoísmo”, pois a “solidariedade inteligente” é “expressão fundamental de toda a comunidade e exige que cuidemos uns dos outros”, não se limitando apenas a atender às carências fundamentais quando necessário. E esta solidariedade exige que se conduza “quem é mais frágil por um caminho de crescimento pessoal e social, de modo que um dia possa, por sua vez, ajudar os outros”.

E, no quadro da solidariedade, que implica fazer-se próximo e que se alimenta de gratuidade e gera gratidão, Francisco deseja “uma Europa disponível, vizinha e desejosa de apoiar os outros Continentes”, pensando especialmente na África, que tem de resolver, com a cooperação internacional, os conflitos em curso e iniciar um desenvolvimento humano sustentável.

E diz o Papa que, em contraste com a gratidão que nos leva a “olhar para o outro com amor”, o esquecimento de agradecer pelos benefícios recebidos inclina-nos a fechar-nos em nós próprios vivendo no medo de tudo o que nos rodeia e é diverso de nós. Nisto se enquadra, segundo o Pontífice “a difidência a respeito dos migrantes”, que só uma Europa que seja comunidade solidária pode ultrapassar de forma profícua, tornando-se inadequadas as soluções de parte. Com efeito, como observa, o acolhimento dos migrantes não se pode limitar a meras operações de assistência a quem chega, frequentemente fugindo de conflitos, carestias ou desastres naturais, mas deve permitir a sua integração de tal modo que possam “conhecer, respeitar e até assimilar a cultura e as tradições da nação que os recebe”.

Por fim, o Papa ambiciona “uma Europa saudavelmente laica”, onde Deus e César apareçam distintos, mas não contrapostos, qual terra aberta à transcendência, onde o crente se sinta livre para professar publicamente a fé e propor o seu ponto de vista à sociedade, sem qualquer confessionalismo de Estado, mas também sem o laicismo absoluto que feche as portas aos outros e sobretudo a Deus, pois, como declara, “uma cultura ou um sistema político que não respeite a abertura à transcendência não respeita adequadamente a pessoa humana”. E, outrossim, quer o Pontífice que os cristãos tenham a grande responsabilidade de, como o fermento na massa, se sentirem chamados a “despertar a consciência da Europa para animar processos que gerem novos dinamismos na sociedade” e empenhados corajosa e decididamente na oferta da sua contribuição “em todos os âmbitos onde vivem e trabalham”.

E o Papa acredita que não há de faltar a esta Europa a proteção dos seus Santos Padroeiros: Bento, Cirilo e Metódio, Brígida, Catarina e Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein) – homens e mulheres que, por amor do Senhor, se consagraram sem descanso ao serviço dos mais pobres e em prol do desenvolvimento humano, social e cultural de todos os povos europeus.

***

É de salientar, como Francisco o reconhece, que a carta a Parolin, tem como lastro o aludido discurso do Papa polaco em Santiago de Compostela, no qual aquele Pontífice vindo dum “país longínquo” faz história da Europa a partir as rotas que têm levado a Compostela “numerosas massas de peregrinos, atraídas pela devoção ao Apóstolo” a partir de quanto é mundo europeu.

Referindo que a Europa inteira se encontrou a si mesma à volta da ‘memória’ de São Tiago, nos séculos em que ela se edificava como continente homogéneo e unido espiritualmente, enfatiza a insinuação de Goethe de que “a consciência da Europa nasceu peregrinando”.

Observou que a história da formação das nações europeias caminha a par com a evangelização, ao ponto de as fronteiras europeias coincidirem com as da penetração do Evangelho e afirmou que, decorridos 20 séculos de história, apesar dos conflitos sangrentos das crises espirituais que marcaram a vida do continente, “a identidade europeia é incompreensível sem o cristianismo”, sendo que “nele se encontram aquelas raízes comuns” das quais amadureceram a civilização do continente, a sua cultura, dinamismo, atividade, capacidade de expansão construtiva – também nos outros continentes – em suma, tudo quanto constitui a sua glória. Assim, a alma da Europa permanece unida porque, além da sua origem comum, tem idênticos valores humanos e cristãos, como “os da dignidade da pessoa humana, do profundo sentimento da justiça e liberdade, da laboriosidade, do espírito de iniciativa, do amor à família, do respeito pela vida, de tolerância e de desejo de cooperação e de paz, que são notas que a caraterizam”.

Ora, segundo o Pontífice polaco, a Europa pode ser unida respeitando as suas diferenças, incluindo as dos diversos sistemas políticos; pode voltar a pensar na vida social, com a força que têm afirmações de princípio como as contidas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Declaração Europeia dos Direitos do Homem, na Declaração final da Conferência para a segurança e a cooperação na Europa; pode voltar a agir na vida com o conhecimento e respeito de Deus, em que se baseia todo o direito e toda a justiça; e pode reabrir as portas a Cristo sem medo de “abrir ao seu poder salvífico os confins dos estados, os sistemas económicos e políticos, os vastos campos da cultura, da civilização e do desenvolvimento. Assim, o seu futuro não será dominado pela incerteza e pelo temor, mas terá “um novo período de vida, tanto interior como exterior, benéfico e determinante para o mundo constantemente ameaçado pelas nuvens da guerra e por um possível ciclone de holocausto atómico”.

Evocando os nomes de grandes personalidades que deram esplendor e glória a este Continente pelo seu talento, capacidade e virtudes, destacou o grande número de pensadores, cientistas, artistas, exploradores, inventores, chefes de estado, apóstolos e santos (de ontem e de hoje), que são “um estimulante património de exemplo e confiança”. A Europa ainda tem, em reserva, incomparáveis energias humanas, capazes de a suster nesta histórica tarefa de renascimento continental e de serviço à humanidade.

Frisou que a Igreja, consciente do seu lugar na renovação espiritual e humana da Europa, não reivindica posições do passado, hoje ultrapassadas, mas se põe ao serviço, como Santa Sé e como Comunidade católica, para contribuir para a consecução dos fins que almejem um autêntico bem-estar material, cultural e espiritual das nações. Porém, é principalmente a vida eclesial que é chamada com o fim de continuar a dar um testemunho de serviço e de amor e contribuir para a superação das atuais crises do Continente.

Garante que a ajuda de Deus está connosco, bem como a oração de todos os crentes e a boa vontade de muitas pessoas desconhecidas, artífices de paz e de progresso. E acredita que “Jesus Cristo, o Senhor da história, tem aberto o futuro para as decisões generosas e livres de todos os que, acolhendo a graça das boas inspirações, se comprometem numa ação decidida pela justiça e caridade, no quadro do pleno respeito à verdade e à liberdade”.

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Eis duas pequenas peças pontifícias sobre a Europa em que emerge o apelo à Europa do futuro, com base no fervilhar do devir histórico, futuro que dois homens, imbuídos do espírito de Deus e mergulhados nas preocupações pela humanidade, colocam como sonho das suas lideranças que são fulgurantes pela oportunidade quer no último quartel do século XX, sob a ameaça nuclear, quer no termo da segunda década do século XXI, acossado por uma forte pandemia que virou o mundo do avesso, que só a força de Deus pode reverter.

É, pois, oportuno sonhar com Francisco aqueles cinco (alguns dizem quatro) parâmetros de futuro que hão de enformar o ser e o agir da Europa em si e na relação com os demais continentes.  

2020.10.28 – Louro de Carvalho

terça-feira, 27 de outubro de 2020

A abstenção na votação na generalidade do Orçamento do Estado para 2021

 

O debate parlamentar do Orçamento do Estado para 2021 está agendado para dos dias 27 e 28 de outubro, sendo votado, na generalidade, no dia 28, com aprovação já garantida. Votarão contra o PSD (79 deputados), o CDS-PP (5), o Chega (1), o Iniciativa Liberal (1) e o Bloco de Esquerda (19), perfazendo um total de 105 deputados. Estarão a favor apenas os 108 deputados socialistas. Do lado da abstenção há o PCP (10), o PAN (3) o PEV (2) e as deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira.

Como este documento estratégico do Estado é viabilizado pela abstenção, já que o único partido que votará a favor, nesta fase, é o partido que sustenta um governo minoritário, é oportuna uma reflexão sobre o fenómeno.   

O PCP anunciou, no dia 24, que se absterá na votação na generalidade da proposta do OE 2021 entregue pelo Governo a 12 de outubro. E, o líder parlamentar comunista, assinalando que a intenção é abrir a discussão na especialidade para mudar a proposta, frisou:

A decisão do PCP de se abster na votação na generalidade do OE é assumida com a perspetiva de que esse debate mais amplo ainda possa ocorrer [na especialidade], mesmo constatando a sistemática recusa do Governo e do PS em avançar nesse sentido”.

Na sua intervenção, João Oliveira, criticando a “prioridade à redução acelerada do défice”, disse que houve a “anulação ou desvirtuamento” e o “adiamento” de medidas inscritas no OE 2020 e Suplementar – “opção errada, particularmente grave e incompreensível” por estarmos em crise – e que a proposta do Governo está “muito longe de ser a resposta que o país precisa”.

Contudo, os comunistas conseguiram algumas garantias do Governo como: o aumento extraordinário de 10 euros (e não de entre 6 a 10 euros) para todos os pensionistas até 658 euros a partir de janeiro e não apenas a partir de agosto, como está inscrito na proposta; o alargamento do número de beneficiários no novo apoio extraordinário aos trabalhadores; e a atribuição do suplemento insalubridade, penosidade e risco para os profissionais das autarquias locais.

Com as suas críticas, o PCP deixa claro que a abstenção na primeira votação não significa que o partido vote da mesma forma na votação final global, após todo o processo de especialidade. João Oliveira diz que só aí é que será tomada uma “decisão final” relativamente ao OE, confrontando a versão final do orçamento com a resposta que o PCP diz ser necessária. Ou seja, não basta a “inserção de uma meia dúzia de melhorias face à proposta inicial”. Ao mesmo tempo, enfatiza medidas que não estão na discussão do OE 2021 como a renacionalização dos CTT, cujo contrato de concessão está prestes a terminar, e a mudança das leis laborais, nomeadamente a eliminação da caducidade da contração coletiva, sendo que o Governo apenas admite uma moratória à caducidade.

Por outro lado, os comunistas insistem na recuperação da ANA e do Novo Banco para a esfera pública, garantindo não se deixarem “condicionar por chantagens e ameaças de crise política”.

Por seu turno, o secretário-geral do PCP avisou, no dia 25, que a abstenção anunciada visa “apenas e só” fazer passar o Orçamento do Estado de 2021 a “outra fase de discussão” e recusou estar garantido um voto que ajude a aprová-lo.

Jerónimo de Sousa escolheu um encontro de preparação do congresso nacional do PCP, em novembro, em Pinhal Novo, Palmela (distrito de Setúbal), para justificar a abstenção na votação na generalidade do OE 21, reconhecendo que o Governo fez “algumas aproximações, muito parcelares e limitadas” e concluindo que o documento não responde “às exigências do país”.

Tal como o líder parlamentar, Jerónimo insistiu que “o sentido de voto final” vai depender da “avaliação da versão final do orçamento” face à “resposta global” dos problemas do país, agravados com a crise causada pela pandemia de covid-19.

Também o PAN (partido Pessoas-Animais-Natureza) vai abster-se na votação na generalidade da proposta de OE2021, como anunciou, no dia 25, a líder parlamentar do partido, Inês Sousa Real.

Contudo, em conferência de imprensa na sede do partido, a deputada não se comprometeu com o sentido de voto no partido na votação final global, prevista para 26 de novembro. E disse:

Neste momento, está tudo em aberto em relação à votação final global, o que esperamos é o cumprimento por parte do PS e do Governo àquilo que é um conjunto de preocupações que esperamos ver consagradas na especialidade. Fica aberta a porta para se poder trabalhar o orçamento na especialidade.”.

A deputada do PAN afirmou que, nas negociações com o Governo, o partido “não só exigiu consequências relativamente ao que ficou inscrito” no Orçamento do Estado para 2020, como já assegurou que “o Orçamento para 2021 que entrou no Parlamento não será o mesmo que vai sair no final da discussão em especialidade”. Por isso, sustentou:

Embora seja um caminho mais difícil de percorrer, o do diálogo e o da construção de pontes, é um caminho exigente, do qual não nos demitimos, no âmbito dos compromissos assumidos com as pessoas que confiam no PAN e, desta forma, dar resposta às suas preocupações”.

E Inês Sousa Real, apontando como como objetivo do partido que “este seja um orçamento melhor para o país, para as pessoas, para os animais e para a natureza”, observou:

Por isso e porque nesta fase o conteúdo do orçamento final está em aberto e há espaço para avanços em sede de especialidade, contando que o Governo e o PS não retrocedam nos compromissos já assumidos, não podendo votar a favor deste orçamento, o PAN vai abster-se na generalidade”.

No mesmo dia 25, Joacine Katar Moreira, a deputada não inscrita (que saiu do Livre, partido pelo qual foi eleita há um ano), garante que será fator de desbloqueio, mesmo que seja preciso um voto favorável para a proposta do Governo passar. Não tendo ainda decidido o que fazer, disse que as duas únicas opções que coloca em cima da mesa são a abstenção ou o voto a favor, embora esteja mais inclinada pela abstenção na generalidade, mas que, se for necessário admite votar a favor. E, questionada pelo Observador se irá deixar passar o OE com voto a favor, caso até a sua decisão estar tomada o Governo não tivesse ainda conseguido aprovar o Orçamento – o que era possível se BE, PEV e a deputada não inscrita (ex-PAN) Cristina Rodrigues anunciassem voto contra entretanto –, Joacine Katar Moreira não deixou dúvidas: “Absolutamente”. (…) “Como mulher e deputada de esquerda não inviabilizo nenhum OE de esquerda”.

A garantia foi dada pela deputada, que assegura que não será por um que a proposta do Governo cairá. Aliás, no primeiro Orçamento que votou, o de 2020, absteve-se na generalidade e depois também na votação final global, tendo acontecido o mesmo no Orçamento Suplementar.

Por seu turno, a ex-deputada do PAN abster-se-á na votação na generalidade do Orçamento do Estado para 2021 (OE 21), juntando-se a Joacine Katar Moreira, mas mostra abertura para mudar o sentido de voto na votação final global, dependendo das propostas que forem aprovadas.

Parecendo estar por um fio, após avanços e recuos nas negociações, a aprovação do OE 21, Mas o anúncio da deputada não inscrita Cristina Rodrigues de que se absterá garante a viabilização matemática do documento, pois acredita não haver razão “para inviabilizar o OE” no contexto de crise. Mesmo assim enviou ao Governo 14 reivindicações que espera ver respondidas na negociação especialidade.

A deputada que se desvinculou do PAN em junho aponta que “há espaço ainda para a incorporação de outras propostas que tornem o documento mais transversal”. E sublinha algumas preocupações que a fizeram optar pela abstenção, nomeadamente nas áreas que “não são alvo de grande investimento e que, infelizmente, não vão ver neste orçamento (na redação atual) uma mudança”, como a cultura, a área ambiental e proteção dos animais e “algumas medidas de cariz social”.

Entre as propostas que pretende ver discutidas na especialidade, conta-se a constituição de “um grupo de trabalho para estudar a possibilidade de implementar um projeto-piloto de rendimento básico incondicional”, uma “ferramenta muito útil no combate à pobreza e às desigualdades sociais”, bem como a criação de casas de parto, “prática que é comum por exemplo no Reino Unido e que ganhou uma especial relevância no âmbito da pandemia por se mostrar ser um local mais seguro para as famílias”, e a reivindicação de um “sinal claro de apoio ao setor da cultura e dos seus profissionais” e de que a “questão dos animais que ainda se limita aos animais de companhia” vá “mais longe”.

O sentido de voto de Cristina Rodrigues será o mesmo que o do PAN, mas a deputada garante que não foi condicionada por isso. Quando se desvinculou do PAN, justificou a decisão com as divergências existentes, acusando a direção do partido de a silenciar e condicionar a sua “capacidade de trabalho” e criticando-a de “distanciamento face a medidas estruturais”, como o Rendimento Básico Incondicional, medida que agora propõe para este Orçamento.

Por fim, o PEV abster-se-á na votação na generalidade do OE 21, como anunciou, neste dia 27, o deputado José Luís Ferreira, que declarou em conferência de imprensa:

Aquilo que interessa agora é que Os Verdes se vão abster na generalidade, esperando que o Governo e o PS manifestem uma postura de abertura para acolher outras preocupações d’Os Verdes”.

Apesar de considerar que este “não é um bom” OE, o grupo parlamentar viabilizá-lo-á esperando que o Governo assuma alguma abertura relativa a outras questões, como o reforço dos serviços públicos e o investimento nos transportes públicos, em particular a ferrovia.

Questionado sobre a votação final global, o deputado disse estar “tudo em aberto” e notou que é “prematuro adiantar qualquer sentido de voto”, já que o documento deverá sofrer diversas alturas durante a discussão na especialidade.

***

O OE 2021, como foi proposto pelo Governo, fica marcado pela criação dum novo apoio social, pelo aumento do limite mínimo do subsídio de desemprego, pelo lançamento do IVAaucher, pela baixa das taxas de retenção na fonte de IRS e por uma subida extraordinária das pensões.

Algumas destas propostas deverão ganhar novos contornos na negociação da especialidade. Por exemplo, o Governo já assegurou que pretende pagar a partir de janeiro, e não de agosto, o aumento extra das pensões até 658 euros. E a Ministra do Trabalho adiantou que estão previstas alterações ao novo apoio social que aumentarão em 80 mil o número de potenciais beneficiários, devendo o custo subir para 633 milhões de euros.

É óbvio que os abstencionistas, que se declaram de esquerda, não concordam com a suficiência e até sumptuosidade que o Governo dá às medidas propostas. Querem mais e a renúncia ao voto contra tem em vista mais concessões. Porém, a grande razão será a não abertura de uma crise política que entregue à direita o país em estado pandémico, com híper-responsabilização das esquerdas, percebendo ironicamente que o Governo não pode desvincular-se da UE, com que não alinham, mas de que se espera a badalada bazuca de prevenção da crise e da sua superação.

Enfim, ao invés da abstenção eleitoral, a abstenção parlamentar vincula os seus autores.  

2020.10.27 – Louro de Carvalho