sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Mais restrições em tempo de pandemia, faltando saber quais

 

O Primeiro-Ministro marcou, para o dia 29 de outubro, um encontro com os parceiros sociais, liderado por ministros com capacidade de diálogo ao nível do Governo, e para o dia 30 um encontro com os partidos representados no Parlamento, a que se seguirá uma sessão extraordinária do Conselho de Ministros, convocado para o dia 31, para definir novas ações imediatas para o controlo da pandemia da covid-19 em Portugal. Entre as medidas que estarão em cima da mesa, poderão estar o confinamento ou o recolher obrigatório, já em vigor ou em vias de adoção noutros países europeus.

Como era de esperar em tempo de incertezas nos especialistas da saúde e da economia, as expectativas sobre as novas ou reeditadas medidas são contraditórias, tal como o é o posicionamento dos partidos e dos parceiros sociais.

Da parte dos parceiros sociais o aviso contundente vem da CIP, que  apela ao Governo a que “aplique apenas medidas cirúrgicas e nunca limitações e constrangimentos gerais, genéricos e de duração imprevisível que afetam, num só golpe e de forma imediata, a confiança das pessoas e das empresas na economia”. E, embora reconheça a importância da defesa da saúde pública, diz que “asfixiar as empresas com um contexto fortemente limitativo da sua atividade causará mais desemprego e mais falências, muitas delas irrecuperáveis ou de efeitos duradouros”.

Neste sentido, a confederação que representa o tecido empresarial português entendeu fazer “um alerta sem precedentes” e pediu ao Governo que as medidas que venham a ser adotadas para responder à evolução da pandemia tenham em conta o impacto económico e financeiro “na vida das empresas e na manutenção dos postos de trabalho”. Por isso, julga fundamental que o Conselho de Ministros “saiba calibrar as regras de modo a proteger a saúde pública sem, no entanto, desvalorizar a proteção do emprego dos portugueses, sob pena de serem causados danos irreversíveis para Portugal”. Com efeito, na primeira fase da pandemia, o aumento do desemprego e das falências atingiu milhares de empresas e de trabalhadores, como lembrou a organização, que agora, oito meses depois do primeiro combate provocado pela covid-19, em que Portugal já começou a sofrer o segundo choque económico e financeiro, deixa um aviso:

Este segundo choque será mais longo, violento e profundo. (...) os efeitos serão ainda mais graves e ameaçam como nunca o coração produtivo do país e, portanto, a coesão social da nossa democracia.”.

E considera que as medidas adotadas na primeira fase da pandemia, que paralisaram o país, seguiram “um padrão excessivo”, comum em quase toda a Europa, com consequências que “estão à vista de todos” e um “significativo impacto negativo nas contas do Estado”. Por isso, na convicção de que a defesa da saúde pública deve sempre coexistir com a proteção da atividade económica, reitera que “os micronegócios, as PME e as grandes empresas do nosso país têm noção de como é imperioso respeitar todas as normas de segurança decididas pela Direção-Geral de Saúde (DGS) e estão empenhadas diariamente na execução dessas obrigações de saúde pública”. E desafia:

Saiba e queira o Governo avaliar esta capacidade para evitar o estrangulamento da economia portuguesa”.

Ora, o que a CIP diz não querer é o confinamento geral e o recolher obrigatório, já que, além da crise e saúde pública, Portugal (tal como todo o mundo) vive uma crise económica resultante da pandemia. Tanto assim é que, neste dia 30, o Instituto Nacional de Estatísticas (INE) divulgou novos dados que indicam que, entre julho e setembro, a economia portuguesa registou uma quebra de 5,8% face ao período homólogo do ano anterior, apesar de em cadeia já mostrar reflexos da reabertura da economia no verão e ter disparado 13,2% – isto, depois de se ter verificado uma contração histórica entre abril e junho de 16,4%.

Do que se sabe da posição dos partidos sobre a possibilidade de reeditar a declaração do estado de emergência, ressalta que PCP e BE não concordam que isso seja a solução neste momento.  

O Partido Comunista Português (PCP) lembrou como alternativa a Lei de Bases da Proteção Civil e a Lei de Vigilância em Saúde. E Jerónimo de Sousa, dizendo que só aceita novas restrições se estiver garantido o respeito pelos direitos, liberdades e garantias, explicou:

Nós temos uma preocupação: nós temos de encontrar, de forma harmoniosa, todos os meios de combate à epidemia, acompanhados do respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”.

O Bloco de Esquerda (BE) diz-se disponível para aprovar no Parlamento novas propostas do Governo para a contenção da pandemia. Assim, Catarina Martins, apontando a necessidade da adoção de opções de longo prazo que preservem a capacidade de resposta do Sistema Nacional de Saúde (SNS) e pedindo que as limitações sejam explicadas aos portugueses, declarou:

Mostrámos a nossa disponibilidade para no Parlamento se poderem avançar com eventuais medidas legislativas necessárias. (…) Precisamos de legislação no Parlamento e o Bloco de Esquerda tem disponibilidade para, se for precisa, essa legislação. Ainda que estejamos num período em que as sessões plenárias estão suspensas, julgamos que, se for necessário, todos os partidos darão assentimento e o BE com certeza para, se forem necessárias, medidas para controlar a pandemia.”.

Catarina Martins não confirmou quais as medidas que o Governo partilhou no encontro, mas sustentou que decretar novamente o estado de emergência é uma “solução de fim de linha”, na perspetiva do partido, sendo desejável “que se encontrem outros mecanismos para encontrar medidas que ajudem a proteger a população”.

Por outro lado, explicou que o objetivo, neste momento, é controlar os números até ao Natal, mas defendeu que essa abordagem de curto prazo seja conjugada com medidas de longo prazo focadas na sustentabilidade da resposta dos hospitais públicos. E diz que, para aliviar a “enorme pressão” sobre o SNS, o BE não exclui a possibilidade de uma requisição civil dos hospitais privados, que sejam “pagos de forma justa” por tais serviços, pois, como sustenta, “os privados não devem fazer contratos apenas como lhes interessa para lucrar com a pandemia”.

Por seu turno, o PAN revelou que o Governo pondera decretar confinamento geral na primeira quinzena de dezembro para preservar o período de Natal, mas adiantou que essa medida não é certa e requer a vigência do estado de emergência.

André Silva disse que a possibilidade de se repetir um confinamento geral, tal como aconteceu em março e abril, durante a primeira metade de dezembro, “foi aflorada em termos de fim de gradualismo, ou como uma medida mais restritiva”. E referiu em jeito de justificação:

Na opinião do Primeiro-Ministro, se for o caso, essa medida procura antecipar ou prever aquilo que poderá ser um impacto enorme ao nível do Natal, fazendo com que as pessoas fiquem mais consciencializadas e reduzam os contactos. É preciso que se chegue ao Natal com a possibilidade de juntar a família.”.

No entanto, o porta-voz do PAN adiantou que “essa medida não está certa e segura, mas que tudo dependerá daquilo que resultar da posição do Presidente da República na medida que depende de uma declaração de estado de emergência”. Assim, o confinamento geral “não é um dado adquirido, mas é uma hipótese que está em cima da mesa, antevendo um agravamento do contexto epidemiológico”.

A Iniciativa Liberal (IL) admitiu que o Governo poderá aplicar medidas restritivas para combate à covid-19, incluindo o recolher obrigatório, em concelhos em que a taxa de incidência de contágios atinja 240 por cem mil habitantes.

Perante os jornalistas, João Cotrim Figueiredo, deputado único da IL, falou num indicador em ponderação pelo executivo referente à fasquia a partir da qual se poderão tomar medidas restritivas num determinado município. E disse que, para estas decisões mais restritivas, que poderão sair da sessão extraordinária do Conselho de Ministros, se estabeleceu “um nível de incidência de contágios a partir da qual as regras já previstas para Lousada, Paços de Ferreira e Felgueiras se poderiam aplicar”. E especificou:

Esse nível de incidência é de 240 casos de média diária por cada cem mil habitantes nos últimos 14 dias. Este é o número que tem sido usado pelo Centro Europeu de Controlo de Doenças. (…) Embora esse critério seja discutível, há pelo menos uma base empírica que parece ter sustentação. (…) Se for esse o critério – mas sempre com algumas exceções porque há concelhos muito onde a proporção pode ser distorcida, ou adjacentes a outros que sofram influência –, essa regra tem alguma lógica.”.

O presidente do PSD, por sua vez, garantiu que, se o estado de emergência for decretado no país, não irá acontecer da mesma forma que em março e abril. E assegurou:

Escusam de ter medo porque não será assim. Devia ser, mas infelizmente não será porque não pode ser, por força da economia nacional.”.

O líder socialdemocrata afastou assim a possibilidade de se voltar a um confinamento, apesar de afirmar que a situação é “mais grave” agora do que em março e abril, mas adiantou que o Governo vai avaliar “aquilo que quer fazer e se para tal necessita do quadro legal”. E esclareceu que, se vier a ser decretado um novo estado de emergência, se afigura como uma forma de enquadrar medidas mais restritivas.

Uma das hipóteses que estão em cima da mesa para esta nova fase da pandemia é “não tratar o país como um todo”, mas ir monitorizando os municípios onde a situação é mais grave e aí ter “medidas especiais”, adiantou Rio, para quem esta monitorização concelho a concelho “é uma medida inteligente e equilibrada”.

Quanto à posição face às novas restrições, o líder do PSD reitera que não passa “carta-branca para tudo”, mas garante que o partido estará “sempre do lado da solução, nunca a obstaculizar”. E adiantou que o partido vai formalizar, nos próximos dias, algumas sugestões de “nível intermédio”, de medidas para ajudar a combater o surto.

O Governo, ao apresentar aos parceiros sociais as medidas que estão a ser ponderadas face ao agravamento da pandemia, descartou cercas sanitárias e confinamento geral, mas pondera vir a impor o recolher obrigatório, à semelhança de outros países europeus, bem como estender a outros municípios, em função de critérios epidemiológicos específicos, as restrições atualmente em vigor em Paços de Ferreira, Felgueiras e Lousada.

A este respeito, o Ministro de Estado e da Economia e da Transição Digital garantiu, em declarações aos jornalistas à saída da reunião de Concertação Social:

Não consultámos os parceiros sobre a hipótese das cercas sanitárias. Falámos da hipótese de recolher obrigatório e afastámos a hipótese de um confinamento geral.”.

Todavia, o governante reconheceu que da parte dos parceiros sociais há dúvidas sobre a eficácia dessa medida, já que as situações de contágio não tendem a ocorrer na via pública, durante a noite. E, após as críticas dos patrões ao recolher obrigatório, o Ministro assegurou que o impacto económico “seria previsivelmente inferior ao que tivemos na primavera”.

Pedro Siza Vieira adiantou que, a par do recolher obrigatório, foi discutida a possibilidade de estender as restrições já em vigor nos três referidos municípios portugueses a outros, consoante a evolução da pandemia nessas regiões. A hipótese de impor medidas “município a município” deverá, segundo o governante, ser guiada por critérios epidemiológicos específicos, como o número de novos casos por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias e o ritmo dos contágios. Por outro lado, face ao inusitado agravamento da situação sanitária e a aplicação de medidas mais duras, o Governo está a ponderar estender e aumentar as medidas de apoio às empresas e às famílias. E, questionado sobre se esse reforço chegará ainda este ano, Siza Vieira defendeu que o Executivo deve avaliar as novas medidas tão cedo quanto necessário.

A Ministra do Trabalho referiu, por sua vez, que as medidas desenhadas para suceder ao lay-off simplificado (apoio à retoma progressiva e incentivo à normalização) já abrangem 58 mil empresas e 470 mil trabalhadores. E detalhou que a maior parte dos empregadores que escolheram o apoio à retoma progressiva têm quebras superiores a 75%, o que lhes permite cortar os horários a 100% e receber um apoio mais robusto da Segurança Social para o pagamento dos salários.

Sobre o eventual regresso do teletrabalho obrigatório, o Ministro da Economia lembrou que tal medida já está a ser aplicada nos três municípios onde vigoram restrições mais musculadas e que, para o resto do país, há a recomendação de o adotar, caso não haja condições nas empresas para se manter o distanciamento físico entre os trabalhadores. E revelou que os parceiros sociais foram auscultados sobre o alargamento da obrigatoriedade do trabalho remoto a todo o país, tenho recebido, contudo, uma generalizada resposta negativa.

***

Neste panorama de incertezas e formulações díspares face ao crescimento avassalador do surto pandémico e à crise económica, há que evitar uma crise política, que traria ao país que somos e como somos um atraso considerável ao levantamento da cabeça na recuperação económica e social. E o que se passa em torno do Orçamento do Estado, a par do encaramento contraditório com que os agentes do Estado encaram as suas próprias diretivas, não abona grande perspetiva em prol da tranquilidade pública e das boas condições de recuperação.

Ante as dúvidas surgidas face à suficiência da Lei de Bases da Proteção Civil e da Lei de Vigilância em Saúde para o momento, estas já deviam ter sido aperfeiçoadas (houve mais que tempo suficiente, mas não vontade política). E, já que a composição do Parlamento reflete melhor a diversidade do eleitorado, os deputados deveriam ter gerado um orçamento e grandes opções do plano que equilibrassem as carências da população, agravadas pela pandemia, correspondessem ao sentir da UE e acautelassem o futuro. É caso para perguntar onde mora a habilidade negocial do Primeiro-Ministro e a capacidade dialogal dos seus grandes colaboradores.

Confinamento e recolher obrigatório acabam por ajudar a resolver temporariamente o problema, por exemplo, evitando o hospital e minorando as condições de ajuntamentos e excessos, mas criam ansiedade e outros problemas de saúde nos mais vulneráveis, que serão sempre os mais impedidos de vir à rua, a não ser que tenham o animal de companhia ou um jornal para comprar. Além disso, há exageros e duplo critério na determinação e na concretização de algumas medidas. Assim, por exemplo, porque abrangeu a proibição de deslocação entre diferentes concelhos todo o dia de sexta-feira e não só do fim do horário laboral em diante? Por que motivo os trabalhadores que se deslocam dentro da sua área metropolitana podem servir-se da palavra de honra para garantirem a necessidade de deslocação para fora do seu concelho e os outros têm de apresentar declaração escrita da entidade patronal?

Porém, pode dizer-se que este Governo não está preparado para enfrentar a pandemia. E outro estaria? Teria mais certezas e acertaria mais? Haja Deus e bom senso em todos!

2020.10.30 – Louro de Carvalho

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