O Primeiro-Ministro marcou, para o dia 29 de outubro, um encontro com os
parceiros sociais, liderado por ministros com capacidade de diálogo ao nível do
Governo, e para o dia 30 um encontro com os partidos representados no
Parlamento, a que se seguirá uma sessão extraordinária do Conselho de Ministros,
convocado para o dia 31, para definir novas ações imediatas para o controlo da
pandemia da covid-19 em Portugal. Entre as medidas que estarão em cima da mesa,
poderão estar o confinamento ou o recolher obrigatório, já em vigor ou em
vias de adoção noutros países europeus.
Como era de esperar em tempo de incertezas nos especialistas da saúde e da economia,
as expectativas sobre as novas ou reeditadas medidas são contraditórias, tal
como o é o posicionamento dos partidos e dos parceiros sociais.
Da parte dos parceiros sociais o aviso contundente vem da CIP, que apela ao Governo a que “aplique apenas
medidas cirúrgicas e nunca limitações e constrangimentos gerais, genéricos e de
duração imprevisível que afetam, num só golpe e de forma imediata, a
confiança das pessoas e das empresas na economia”. E, embora reconheça a
importância da defesa da saúde pública, diz que “asfixiar as empresas com um contexto fortemente limitativo da sua atividade causará
mais desemprego e mais falências, muitas delas irrecuperáveis ou de efeitos
duradouros”.
Neste
sentido, a confederação que representa o tecido empresarial português entendeu fazer
“um alerta sem precedentes” e pediu ao Governo que as medidas que venham a
ser adotadas para responder à evolução da pandemia tenham
em conta o impacto económico e financeiro “na vida das empresas e na manutenção
dos postos de trabalho”. Por isso, julga
fundamental que o Conselho de Ministros “saiba calibrar as regras de modo a
proteger a saúde pública sem, no entanto, desvalorizar a proteção do
emprego dos portugueses, sob pena de serem causados danos irreversíveis para
Portugal”. Com efeito, na primeira fase da pandemia, o aumento do
desemprego e das falências atingiu milhares de empresas e de trabalhadores, como
lembrou a organização, que agora, oito meses depois do primeiro combate
provocado pela covid-19, em que Portugal já começou a sofrer o
segundo choque económico e financeiro, deixa um aviso:
“Este segundo choque será mais longo,
violento e profundo. (...) os efeitos serão ainda mais graves e ameaçam como
nunca o coração produtivo do país e, portanto, a coesão social da nossa
democracia.”.
E considera
que as medidas adotadas na primeira fase da pandemia, que
paralisaram o país, seguiram “um padrão excessivo”, comum em quase toda a Europa,
com consequências que “estão à vista de todos” e um “significativo impacto
negativo nas contas do Estado”. Por isso, na convicção de que a defesa da saúde pública deve sempre coexistir com a proteção
da atividade económica, reitera que “os micronegócios, as PME e as
grandes empresas do nosso país têm noção de como é imperioso respeitar todas as
normas de segurança decididas pela Direção-Geral de Saúde (DGS) e estão empenhadas diariamente na execução dessas
obrigações de saúde pública”. E desafia:
“Saiba e queira o Governo avaliar esta
capacidade para evitar o estrangulamento da economia portuguesa”.
Ora, o que a CIP diz não querer é o confinamento geral e o recolher
obrigatório, já que, além da crise e saúde pública, Portugal (tal como
todo o mundo) vive uma
crise económica resultante da pandemia. Tanto assim é que, neste dia 30, o Instituto
Nacional de Estatísticas (INE) divulgou
novos dados que indicam que, entre julho e setembro, a economia portuguesa
registou uma quebra de 5,8% face ao período homólogo do ano anterior, apesar de em cadeia já mostrar reflexos da reabertura da economia
no verão e ter disparado 13,2% – isto, depois de se ter verificado uma
contração histórica entre abril e junho de 16,4%.
Do que se sabe da posição dos partidos sobre a possibilidade de reeditar a declaração
do estado de emergência, ressalta que PCP e BE não concordam que isso seja a solução
neste momento.
O Partido Comunista
Português (PCP) lembrou como alternativa a Lei de
Bases da Proteção Civil e a Lei de Vigilância em Saúde. E Jerónimo de Sousa,
dizendo que só aceita novas restrições se estiver garantido o respeito pelos direitos,
liberdades e garantias, explicou:
“Nós temos uma preocupação: nós temos de
encontrar, de forma harmoniosa, todos os meios de combate à epidemia,
acompanhados do respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”.
O Bloco de Esquerda (BE) diz-se
disponível para aprovar no Parlamento novas propostas do Governo para a
contenção da pandemia. Assim,
Catarina Martins, apontando a necessidade da adoção de opções de longo prazo
que preservem a capacidade de resposta do Sistema Nacional de Saúde (SNS) e pedindo que as limitações sejam explicadas aos
portugueses, declarou:
“Mostrámos a nossa disponibilidade para no
Parlamento se poderem avançar com eventuais medidas legislativas necessárias. (…)
Precisamos de legislação no Parlamento e o Bloco de Esquerda tem
disponibilidade para, se for precisa, essa legislação. Ainda que estejamos num
período em que as sessões plenárias estão suspensas, julgamos que, se for necessário, todos os partidos darão
assentimento e o BE com certeza para, se forem necessárias, medidas para
controlar a pandemia.”.
Catarina Martins não confirmou quais as medidas que o Governo partilhou no
encontro, mas sustentou que decretar novamente o estado de emergência é uma
“solução de fim de linha”, na perspetiva do partido, sendo desejável “que se
encontrem outros mecanismos para encontrar medidas que ajudem a proteger a
população”.
Por outro lado, explicou que o objetivo, neste momento, é controlar os
números até ao Natal, mas defendeu que essa abordagem de curto prazo seja
conjugada com medidas de longo prazo focadas na sustentabilidade da resposta
dos hospitais públicos. E diz que, para aliviar a “enorme pressão” sobre o SNS, o BE não exclui a possibilidade de uma requisição civil dos
hospitais privados, que sejam “pagos de forma justa” por tais serviços, pois,
como sustenta, “os privados não devem fazer contratos apenas como lhes
interessa para lucrar com a pandemia”.
Por seu turno, o PAN revelou que o Governo pondera decretar
confinamento geral na primeira quinzena de dezembro para preservar o período de
Natal, mas adiantou que essa medida não é certa e requer a vigência do estado
de emergência.
André Silva disse que a possibilidade de se repetir um confinamento geral,
tal como aconteceu em março e abril, durante a primeira metade de dezembro,
“foi aflorada em termos de fim de gradualismo, ou como uma medida mais
restritiva”. E referiu em jeito de justificação:
“Na opinião do Primeiro-Ministro, se for o
caso, essa medida procura antecipar ou prever aquilo que poderá ser um
impacto enorme ao nível do Natal, fazendo com que as pessoas fiquem mais
consciencializadas e reduzam os contactos. É preciso que se chegue ao Natal com
a possibilidade de juntar a família.”.
No entanto, o porta-voz do PAN adiantou que “essa medida não está certa e segura, mas que tudo dependerá daquilo que
resultar da posição do Presidente da República na medida que depende de
uma declaração de estado de emergência”. Assim, o confinamento geral “não é um
dado adquirido, mas é uma hipótese que está em cima da mesa,
antevendo um agravamento do contexto epidemiológico”.
A Iniciativa Liberal (IL) admitiu que
o Governo poderá aplicar medidas restritivas para combate à covid-19, incluindo
o recolher obrigatório, em concelhos em que a taxa de incidência
de contágios atinja 240 por cem mil habitantes.
Perante os jornalistas, João Cotrim Figueiredo, deputado único da IL, falou
num indicador em ponderação pelo executivo referente à fasquia a
partir da qual se poderão tomar medidas restritivas num determinado
município. E disse que, para estas decisões mais restritivas, que poderão sair da
sessão extraordinária do Conselho de Ministros, se estabeleceu “um nível de
incidência de contágios a partir da qual as regras já previstas para Lousada,
Paços de Ferreira e Felgueiras se poderiam aplicar”. E especificou:
“Esse nível de incidência é de
240 casos de média diária por cada cem mil habitantes nos últimos 14 dias.
Este é o número que tem sido usado pelo Centro Europeu de Controlo de Doenças.
(…) Embora esse critério seja discutível, há pelo menos uma base empírica que
parece ter sustentação. (…) Se for esse o critério – mas sempre com algumas
exceções porque há concelhos muito onde a proporção pode ser distorcida, ou
adjacentes a outros que sofram influência –, essa regra tem alguma lógica.”.
O presidente do PSD, por sua vez, garantiu que, se o estado de emergência
for decretado no país, não irá acontecer da mesma forma que em março e
abril. E assegurou:
“Escusam de ter medo porque não será assim.
Devia ser, mas infelizmente não será porque não pode ser, por força da economia
nacional.”.
O líder socialdemocrata afastou assim a possibilidade de se voltar a um
confinamento, apesar de afirmar que a situação é “mais grave” agora do que em
março e abril, mas adiantou que o Governo vai avaliar
“aquilo que quer fazer e se para tal necessita do quadro legal”. E esclareceu
que, se vier a ser decretado um novo estado de emergência, se afigura como uma
forma de enquadrar medidas mais restritivas.
Uma das hipóteses que estão em cima da mesa para esta nova fase da pandemia
é “não tratar o país como um todo”, mas ir monitorizando os
municípios onde a situação é mais grave e aí ter “medidas especiais”,
adiantou Rio, para quem esta monitorização concelho a concelho “é uma medida
inteligente e equilibrada”.
Quanto à posição face às novas restrições, o líder do PSD reitera que não
passa “carta-branca para tudo”, mas garante que o partido estará “sempre
do lado da solução, nunca a obstaculizar”. E adiantou que o partido vai
formalizar, nos próximos dias, algumas sugestões de “nível intermédio”, de
medidas para ajudar a combater o surto.
O Governo, ao apresentar aos parceiros sociais as medidas que
estão a ser ponderadas face ao agravamento da pandemia, descartou cercas sanitárias e
confinamento geral, mas pondera vir a impor o recolher obrigatório, à semelhança de outros países europeus, bem como estender a outros municípios, em função de critérios
epidemiológicos específicos, as restrições atualmente em
vigor em Paços de Ferreira, Felgueiras e Lousada.
A este respeito, o Ministro de Estado e da Economia e da Transição Digital garantiu, em declarações aos jornalistas à saída da reunião de
Concertação Social:
“Não consultámos os parceiros sobre a
hipótese das cercas sanitárias. Falámos da hipótese de recolher
obrigatório e afastámos a hipótese de um confinamento geral.”.
Todavia, o governante reconheceu que da parte dos parceiros sociais há dúvidas sobre a eficácia dessa medida, já que as situações de
contágio não tendem a ocorrer na via pública, durante a noite. E, após
as críticas dos patrões ao recolher obrigatório, o Ministro assegurou que
o impacto económico “seria previsivelmente inferior ao que tivemos na
primavera”.
Pedro Siza Vieira adiantou que, a par do recolher obrigatório, foi discutida
a possibilidade de estender as restrições já em vigor nos três
referidos municípios portugueses a outros, consoante a evolução da
pandemia nessas regiões. A hipótese de impor medidas “município a município”
deverá, segundo o governante, ser guiada por critérios epidemiológicos
específicos, como o número de novos casos por 100 mil habitantes
nos últimos 14 dias e o ritmo dos contágios. Por outro lado, face ao inusitado
agravamento da situação sanitária e a aplicação de medidas mais duras, o
Governo está a ponderar estender e aumentar as
medidas de apoio às empresas e às famílias. E, questionado sobre se
esse reforço chegará ainda este ano, Siza Vieira defendeu que o Executivo deve
avaliar as novas medidas tão cedo quanto necessário.
A Ministra do Trabalho referiu, por sua vez, que as medidas desenhadas para
suceder ao lay-off simplificado (apoio à
retoma progressiva e incentivo à normalização) já abrangem 58 mil empresas e 470 mil trabalhadores. E detalhou que a maior parte dos empregadores que escolheram o apoio à retoma
progressiva têm quebras superiores a 75%, o que lhes permite cortar
os horários a 100% e receber um apoio mais robusto da Segurança Social para o
pagamento dos salários.
Sobre o eventual regresso do teletrabalho obrigatório,
o Ministro da Economia lembrou que tal medida já está a ser aplicada nos três
municípios onde vigoram restrições mais musculadas e que, para o resto do país,
há a recomendação de o adotar, caso não haja condições nas empresas para se
manter o distanciamento físico entre os trabalhadores. E revelou que os parceiros
sociais foram auscultados sobre o alargamento da obrigatoriedade
do trabalho remoto a todo o país, tenho recebido, contudo,
uma generalizada resposta negativa.
***
Neste panorama de incertezas e formulações díspares face ao crescimento avassalador
do surto pandémico e à crise económica, há que evitar uma crise política, que traria
ao país que somos e como somos um atraso considerável ao levantamento da cabeça
na recuperação económica e social. E o que se passa em torno do Orçamento do Estado,
a par do encaramento contraditório com que os agentes do Estado encaram as suas
próprias diretivas, não abona grande perspetiva em prol da tranquilidade
pública e das boas condições de recuperação.
Ante as dúvidas surgidas face à suficiência da Lei de Bases da Proteção
Civil e da Lei de Vigilância em Saúde para o momento, estas já deviam ter sido
aperfeiçoadas (houve mais que tempo suficiente, mas não vontade política). E, já que a composição do Parlamento reflete melhor
a diversidade do eleitorado, os deputados deveriam ter gerado um orçamento e grandes
opções do plano que equilibrassem as carências da população, agravadas pela
pandemia, correspondessem ao sentir da UE e acautelassem o futuro. É caso para perguntar
onde mora a habilidade negocial do Primeiro-Ministro e a capacidade dialogal
dos seus grandes colaboradores.
Confinamento e recolher obrigatório acabam por ajudar a resolver temporariamente
o problema, por exemplo, evitando o hospital e minorando as condições de
ajuntamentos e excessos, mas criam ansiedade e outros problemas de saúde nos
mais vulneráveis, que serão sempre os mais impedidos de vir à rua, a não ser
que tenham o animal de companhia ou um jornal para comprar. Além disso, há
exageros e duplo critério na determinação e na concretização de algumas medidas.
Assim, por exemplo, porque abrangeu a proibição de deslocação entre diferentes
concelhos todo o dia de sexta-feira e não só do fim do horário laboral em diante?
Por que motivo os trabalhadores que se deslocam dentro da sua área metropolitana
podem servir-se da palavra de honra para garantirem a necessidade de deslocação
para fora do seu concelho e os outros têm de apresentar declaração escrita da
entidade patronal?
Porém, pode dizer-se que este Governo não está preparado para enfrentar a
pandemia. E outro estaria? Teria mais certezas e acertaria mais? Haja Deus e
bom senso em todos!
2020.10.30 –
Louro de Carvalho
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