A proposta de lei do Orçamento do Estado para 2021 (OE 21) não inscreve uma verba específica para a
concretização da pré-reforma na Função Pública, vindo fonte oficial
do Ministério da Administração Pública adiantar que a efetivação desse
regime depende dos recursos que os vários serviços dispõem para pessoal.
A isto, o gabinete de Alexandra
Leitão, em resposta a questionamento do ECO,
explicou:
“A pré-reforma funda-se num acordo entre trabalhador
e empregador, dependendo do interesse do primeiro e de opções gestionárias do
segundo. As verbas são aquelas de que os serviços dispõem para o seu
pessoal e é neste quadro que as opções gestionárias se constroem, não havendo
previsão orçamental específica para este efeito”.
O Decreto Regulamentar n.º 2/2019, de 5 de
fevereiro, estabelece as regras para a fixação da prestação a atribuir
na situação de pré-reforma que corresponda à suspensão da prestação de trabalho
em funções públicas, nos termos do artigo 284.º ao 287.º do anexo à Lei n.º
35/2014, de 20 de junho na sua redação atual, que aprovou a LTFP (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas).
Assim, os funcionários públicos com pelo menos 55 anos de idade podem pedir
a pré-reforma com suspensão da prestação de trabalho. A LTFP sempre previu esta
possibilidade, mas até então não estava regulamentada. A par desta modalidade, já estava consagrada na LTFP a pré-reforma por redução do
tempo de trabalho, não se tendo, contudo, registado, qualquer “pedido
nesse sentido” até ao momento da publicação do predito Decreto Regulamentar.
Na verdade,
a LTFP prevê a possibilidade da celebração de acordos de
pré-reforma entre trabalhadores e empregadores públicos em duas modalidades: redução
do tempo de trabalho; e suspensão da prestação de trabalho. A lei em causa
regulamentou os termos do primeiro regime, mas remetia para um diploma
regulamentar do Governo a fixação das regras do segundo.
Ora, depois de ter passado pelos sindicatos, sido aprovado em Conselho
de Ministros e sido promulgado pelo Presidente da República, o diploma foi publicado em Diário da República, resolvendo o
vazio que a lei deixara em suspenso.
De acordo com o referido diploma, os funcionários públicos com 55 anos ou
mais passam assim a poder solicitar a suspensão da prestação do trabalho. A
aprovação desse pedido de pré-reforma depende da autorização
prévia dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças e da
Administração Pública.
Uma vez nessas circunstâncias, o trabalhador passa a receber uma prestação,
cujo valor é fixado entre ele e o empregador público, não podendo ser “superior à remuneração base do trabalhador na
data do acordo, nem inferior a 25%” desse rendimento (art.º
3.º/1) – intervalo considerado demasiado amplo pelos sindicatos, pois tal variação entre a
prestação mínima e a prestação máxima pode ser “perigosa”, abrindo
potencialmente caminho à arbitrariedade.
Entretanto, o Ministério das Finanças esclareceu que será
competência dos membros do Governo envolvidos garantir harmonização e
equilíbrio nos acordos que venham a ser autorizados, com observância dos
princípios que enformam a atuação da Administração, em especial a prossecução
do interesse público, a igualdade, a justiça e a razoabilidade. Por outro lado,
o diploma em causa sublinha que “a
prestação de pré-reforma é atualizada anualmente em
percentagem igual à do aumento de remuneração de que o trabalhador
beneficiaria se estivesse no pleno exercício das suas funções” (art.º
3.º/2).
De notar ainda que os funcionários públicos nestas
condições mantêm-se obrigados a contribuir para a Caixa Geral de Aposentações,
contando esse tempo para a sua aposentação. O desconto a ser efetuado é
calculado à taxa normal “com base no valor atualizado da remuneração relevante
para a aposentação que serviu de base ao cálculo da prestação de pré-reforma” (art.º
4.º).
Na opinião dos sindicatos da Função Pública, a regulamentação desta
modalidade da pré-reforma acontece num momento de “incoerência”, pois o
Executivo levou simultaneamente às negociações o diploma que permite
contornar o limite etário da reforma (70 anos de idade) mediante autorização do Governo e sem que os
pensionistas percam dinheiro – o que revela, por outro lado, a possibilidade de
os serviços do Estado poderem dispor do contributo de alguns servidores disponíveis
ainda que de idade avançada.
Além da modalidade de pré-reforma por suspensão da prestação de trabalho,
mantém-se disponível a que implica apenas a redução do tempo de trabalho. Apesar de esta possibilidade ser há vários anos regulamentada
pela LTFP, o Ministério das Finanças reconhecia, em fevereiro de 2019, que não tinha
conhecimento de “pedidos nesse sentido” na Função Pública.
À semelhança da modalidade que acaba de ser regulamentada, este regime
também está disponível apenas para os funcionários com, pelo menos, 55 anos,
mediante a apresentação de uma impossibilidade temporária “por facto
respeitante ao trabalhador”. Nestes casos, a prestação recebida pelos
trabalhadores é fixada consoante o período de trabalho semanal acordado com o
empregador, sendo devida até que esse funcionário passe à reforma (por
limite de idade ou invalidez), que o
contrato cesse ou que o trabalhador regresse a pleno exercício.
Por lei, os trabalhadores nestas condições podem, além disso, desenvolver
outras atividades profissionais remuneratórias paralelamente.
A 18 de dezembro de 2019, Alexandra Leitão, confrontada com o facto de
nenhum dos pedidos apresentados por funcionários públicos ter recebido resposta
favorável, justificava tal bloqueio com a necessidade de “densificar os
critérios” de acesso e defendia que, na carreira docente – uma
das áreas onde têm havido mais pedidos –, o regime em causa “faz muito
sentido”. Porém, sublinhava que a pré-reforma tinha de ser entendida
como ferramenta gestionária, possivelmente útil nas áreas nas quais os
profissionais deixam de exercer determinadas funções, à medida que a idade
avança. Entretanto, Centeno sublinhava que “o país não se pode dar “ao luxo
de ter pessoas a sair do mercado de trabalho” e Vieira da Silva frisava que não era intenção do
Governo deixar que a pré-reforma se generalizasse, uma vez que o país precisa das competências de
trabalhadores mais velhos, e notava que o mercado nacional tem revelado “uma elevada
capacidade de integrar pessoas já não tão jovens”. Por isso, os então governantes
consideravam que a utilização de mecanismos como o da pré-reforma merecem uma
avaliação caso a caso.
A 13 de setembro, era garantido que, no próximo
ano, o Executivo iria dar incentivos à pré-reforma nos setores e funções da
função pública em que se justifique. O objetivo é o do rejuvenescimento da função pública.
Esta intenção está definida nas Grandes Opções do Plano 2021-2013 (GOP), segundo noticiava o Jornal de Notícias do referido dia 13. Há ainda prémios, um
número único para todos os serviços públicos, novas lojas do cidadão e mais
automotoras.
No documento que foi enviado aos parceiros sociais na semana anterior,
lia-se que “o Governo irá implementar políticas ativas de pré-reforma nos
setores e funções que o justifiquem, contribuindo para o rejuvenescimento dos
mapas de pessoal e do efetivo”, subentendendo-se que o regime só estará
aberto a determinados setores, nomeadamente a área da educação dado o
envelhecimento dos professores.
O Orçamento do Estado para 2020 apenas deixava o compromisso de levar a
cabo as conversações com os sindicatos sobre a execução efetiva do regime de
pré-reforma por suspensão de prestação de serviço, ficando a dotação necessária
para tal remetida para o OE para 2021. Os critérios das pré-reformas vão variar
consoante a carreira, o setor e o ministério.
Assim, o Governo tinha o compromisso de apresentar neste ano um programa
plurianual para a Administração Pública, no âmbito do qual seria negociada a efetivação da pré-reforma.
Por isso, Alexandra Leitão tinha indicado que em 2020 seriam “densificados
os critérios” de acesso a este regime – diferentes em função de cada carreira
especial e de cada ministério –, atirando para 2021 a reserva
duma verba no OE 21 para este fim. Dizia em 2019:
“O compromisso que é assumido na lei do
Orçamento do Estado é negociar isso durante 2020 com os sindicatos e, só depois
da negociação e de haver um conjunto de critérios densificados, é que podemos quantificar e, portanto, seguramente essa verba estará nos
Orçamentos de 2021 e seguintes”.
Tal não deverá, contudo, acontecer, já que o Governo salienta agora
que a efetivação da pré-reforma depende das verbas dos vários serviços
e não de uma verba especificamente separada para esse fim no Orçamento do
Estado.
Aliás, no pacote de medidas pensadas para os funcionários públicos no
Orçamento do Estado para 2021 – apresentado pelo Secretário de Estado da Administração
Pública aos sindicatos neste dia 8 de outubro – esse regime nem é mencionado.
Isto apesar de, nas Grandes Opções do Plano 2021-2023 – documento enviado
aos parceiros sociais em setembro –, estar clara a intenção do Governo de
implementar políticas ativas de pré-reforma “nos setores e funções
que o justifiquem, contribuindo para o rejuvenescimento dos mapas de pessoal e
do efetivo”.
José Abraão, da FESAP (Federação de Sindicatos da Administração Pública), revelou que, da parte do Executivo, o que foi
adiantado é que a regulamentação desse regime na área da educação já está
adiantada. E o Ministério de Alexandra Leitão explica que os critérios de análise dos processos para autorização dos
pedidos estão a ser articulados entre o Secretário de Estado da
Administração Pública e o Secretário de Estado da Educação.
Em reação, Mário Nogueira, da Fenprof, avança que os professores se mostraram disponíveis para negociar a regulamentação, mas o
Ministério de Tiago Brandão Rodrigues não deu resposta. O sindicalista
frisa que os pedidos de pré-reforma foram respondidos com a nota de que se
aguardava a regulamentação para o setor, o que ainda está em falta.
Assim, a concretização da pré-reforma é residual, sendo um cumprimento de
promessa ao estilo de Costa, como nos vem habituando há 5 anos a esta parte.
Sabemos que não há dinheiro e que a crise é monstruosa, mas a vida existe para
lá da crise. E, se os bancos podem esperar, embora não queiram, os pobres não
podem esperar, mesmo que o queiram fazer.
2020.10.08 –
Louro de Carvalho
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