quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Cumprimento residual da promessa de pré-reforma na Função Pública

 

A proposta de lei do Orçamento do Estado para 2021 (OE 21) não inscreve uma verba específica para a concretização da pré-reforma na Função Pública, vindo fonte oficial do Ministério da Administração Pública adiantar que a efetivação desse regime depende dos recursos que os vários serviços dispõem para pessoal.

A isto, o gabinete de Alexandra Leitão, em resposta a questionamento do ECO, explicou:

A pré-reforma funda-se num acordo entre trabalhador e empregador, dependendo do interesse do primeiro e de opções gestionárias do segundo. As verbas são aquelas de que os serviços dispõem para o seu pessoal e é neste quadro que as opções gestionárias se constroem, não havendo previsão orçamental específica para este efeito”.

O Decreto Regulamentar n.º 2/2019, de 5 de fevereiro, estabelece as regras para a fixação da prestação a atribuir na situação de pré-reforma que corresponda à suspensão da prestação de trabalho em funções públicas, nos termos do artigo 284.º ao 287.º do anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho na sua redação atual, que aprovou a LTFP (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas).

Assim, os funcionários públicos com pelo menos 55 anos de idade podem pedir a pré-reforma com suspensão da prestação de trabalho. A LTFP sempre previu esta possibilidade, mas até então não estava regulamentada. A par desta modalidade, já estava consagrada na LTFP a pré-reforma por redução do tempo de trabalho, não se tendo, contudo, registado, qualquer “pedido nesse sentido” até ao momento da publicação do predito Decreto Regulamentar.

Na verdade, a LTFP prevê a possibilidade da celebração de acordos de pré-reforma entre trabalhadores e empregadores públicos em duas modalidades: redução do tempo de trabalho; e suspensão da prestação de trabalho. A lei em causa regulamentou os termos do primeiro regime, mas remetia para um diploma regulamentar do Governo a fixação das regras do segundo.

Ora, depois de ter passado pelos sindicatos, sido aprovado em Conselho de Ministros e sido promulgado pelo Presidente da República, o diploma foi publicado em Diário da República, resolvendo o vazio que a lei deixara em suspenso.

De acordo com o referido diploma, os funcionários públicos com 55 anos ou mais passam assim a poder solicitar a suspensão da prestação do trabalho. A aprovação desse pedido de pré-reforma depende da autorização prévia dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças e da Administração Pública.

Uma vez nessas circunstâncias, o trabalhador passa a receber uma prestação, cujo valor é fixado entre ele e o empregador público, não podendo ser “superior à remuneração base do trabalhador na data do acordo, nem inferior a 25%” desse rendimento (art.º 3.º/1) – intervalo considerado demasiado amplo pelos sindicatos, pois tal variação entre a prestação mínima e a prestação máxima pode ser “perigosa”, abrindo potencialmente caminho à arbitrariedade.

Entretanto, o Ministério das Finanças esclareceu que será competência dos membros do Governo envolvidos garantir harmonização e equilíbrio nos acordos que venham a ser autorizados, com observância dos princípios que enformam a atuação da Administração, em especial a prossecução do interesse público, a igualdade, a justiça e a razoabilidade. Por outro lado, o diploma em causa sublinha que “a prestação de pré-reforma é atualizada anualmente em percentagem igual à do aumento de remuneração de que o trabalhador beneficiaria se estivesse no pleno exercício das suas funções (art.º 3.º/2).

De notar ainda que os funcionários públicos nestas condições mantêm-se obrigados a contribuir para a Caixa Geral de Aposentações, contando esse tempo para a sua aposentação. O desconto a ser efetuado é calculado à taxa normal “com base no valor atualizado da remuneração relevante para a aposentação que serviu de base ao cálculo da prestação de pré-reforma” (art.º 4.º).

Na opinião dos sindicatos da Função Pública, a regulamentação desta modalidade da pré-reforma acontece num momento de “incoerência”, pois o Executivo levou simultaneamente às negociações o diploma que permite contornar o limite etário da reforma (70 anos de idade) mediante autorização do Governo e sem que os pensionistas percam dinheiro – o que revela, por outro lado, a possibilidade de os serviços do Estado poderem dispor do contributo de alguns servidores disponíveis ainda que de idade avançada.

Além da modalidade de pré-reforma por suspensão da prestação de trabalho, mantém-se disponível a que implica apenas a redução do tempo de trabalho. Apesar de esta possibilidade ser há vários anos regulamentada pela LTFP, o Ministério das Finanças reconhecia, em fevereiro de 2019, que não tinha conhecimento de “pedidos nesse sentido” na Função Pública.

À semelhança da modalidade que acaba de ser regulamentada, este regime também está disponível apenas para os funcionários com, pelo menos, 55 anos, mediante a apresentação de uma impossibilidade temporária “por facto respeitante ao trabalhador”. Nestes casos, a prestação recebida pelos trabalhadores é fixada consoante o período de trabalho semanal acordado com o empregador, sendo devida até que esse funcionário passe à reforma (por limite de idade ou invalidez), que o contrato cesse ou que o trabalhador regresse a pleno exercício.

Por lei, os trabalhadores nestas condições podem, além disso, desenvolver outras atividades profissionais remuneratórias paralelamente.

A 18 de dezembro de 2019, Alexandra Leitão, confrontada com o facto de nenhum dos pedidos apresentados por funcionários públicos ter recebido resposta favorável, justificava tal bloqueio com a necessidade de “densificar os critérios” de acesso e defendia que, na carreira docente – uma das áreas onde têm havido mais pedidos –, o regime em causa “faz muito sentido”. Porém, sublinhava que a pré-reforma tinha de ser entendida como ferramenta gestionária, possivelmente útil nas áreas nas quais os profissionais deixam de exercer determinadas funções, à medida que a idade avança. Entretanto, Centeno sublinhava que “o país não se pode dar “ao luxo de ter pessoas a sair do mercado de trabalho” e Vieira da Silva frisava que não era intenção do Governo deixar que a pré-reforma se generalizasse, uma vez que o país precisa das competências de trabalhadores mais velhos, e notava que o mercado nacional tem revelado “uma elevada capacidade de integrar pessoas já não tão jovens”. Por isso, os então governantes consideravam que a utilização de mecanismos como o da pré-reforma merecem uma avaliação caso a caso.

A 13 de setembro, era garantido que, no próximo ano, o Executivo iria dar incentivos à pré-reforma nos setores e funções da função pública em que se justifique. O objetivo é o do rejuvenescimento da função pública.

Esta intenção está definida nas Grandes Opções do Plano 2021-2013 (GOP), segundo noticiava o Jornal de Notícias do referido dia 13. Há ainda prémios, um número único para todos os serviços públicos, novas lojas do cidadão e mais automotoras.

No documento que foi enviado aos parceiros sociais na semana anterior, lia-se que “o Governo irá implementar políticas ativas de pré-reforma nos setores e funções que o justifiquem, contribuindo para o rejuvenescimento dos mapas de pessoal e do efetivo”, subentendendo-se que o regime só estará aberto a determinados setores, nomeadamente a área da educação dado o envelhecimento dos professores.

O Orçamento do Estado para 2020 apenas deixava o compromisso de levar a cabo as conversações com os sindicatos sobre a execução efetiva do regime de pré-reforma por suspensão de prestação de serviço, ficando a dotação necessária para tal remetida para o OE para 2021. Os critérios das pré-reformas vão variar consoante a carreira, o setor e o ministério.

Assim, o Governo tinha o compromisso de apresentar neste ano um programa plurianual para a Administração Pública, no âmbito do qual  seria negociada a efetivação da pré-reforma.

Por isso, Alexandra Leitão tinha indicado que em 2020 seriam “densificados os critérios” de acesso a este regime – diferentes em função de cada carreira especial e de cada ministério –, atirando para 2021 a reserva duma verba no OE 21 para este fim. Dizia em 2019:

O compromisso que é assumido na lei do Orçamento do Estado é negociar isso durante 2020 com os sindicatos e, só depois da negociação e de haver um conjunto de critérios densificados, é que podemos quantificar e, portanto, seguramente essa verba estará nos Orçamentos de 2021 e seguintes.

Tal não deverá, contudo, acontecer, já que o Governo salienta agora que a efetivação da pré-reforma depende das verbas dos vários serviços e não de uma verba especificamente separada para esse fim no Orçamento do Estado.

Aliás, no pacote de medidas pensadas para os funcionários públicos no Orçamento do Estado para 2021 – apresentado pelo Secretário de Estado da Administração Pública aos sindicatos neste dia 8 de outubro – esse regime nem é mencionado.

Isto apesar de, nas Grandes Opções do Plano 2021-2023 – documento enviado aos parceiros sociais em setembro –, estar clara a intenção do Governo de implementar políticas ativas de pré-reforma “nos setores e funções que o justifiquem, contribuindo para o rejuvenescimento dos mapas de pessoal e do efetivo”.

José Abraão, da FESAP (Federação de Sindicatos da Administração Pública), revelou que, da parte do Executivo, o que foi adiantado é que a regulamentação desse regime na área da educação já está adiantada. E o Ministério de Alexandra Leitão explica que os critérios de análise dos processos para autorização dos pedidos estão a ser articulados entre o Secretário de Estado da Administração Pública e o Secretário de Estado da Educação.

Em reação, Mário Nogueira, da Fenprof, avança que os professores se mostraram disponíveis para negociar a regulamentação, mas o Ministério de Tiago Brandão Rodrigues não deu resposta. O sindicalista frisa que os pedidos de pré-reforma foram respondidos com a nota de que se aguardava a regulamentação para o setor, o que ainda está em falta.

Assim, a concretização da pré-reforma é residual, sendo um cumprimento de promessa ao estilo de Costa, como nos vem habituando há 5 anos a esta parte. Sabemos que não há dinheiro e que a crise é monstruosa, mas a vida existe para lá da crise. E, se os bancos podem esperar, embora não queiram, os pobres não podem esperar, mesmo que o queiram fazer.

2020.10.08 – Louro de Carvalho

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