O debate parlamentar do Orçamento do Estado para 2021
está agendado para dos dias 27 e 28 de outubro, sendo votado, na generalidade,
no dia 28, com aprovação já garantida. Votarão contra o PSD (79 deputados), o CDS-PP (5), o Chega (1), o Iniciativa Liberal (1) e o Bloco de Esquerda (19), perfazendo um total de 105 deputados. Estarão a
favor apenas os 108 deputados socialistas. Do lado da abstenção há o PCP (10), o PAN (3) o PEV (2) e as deputadas não
inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira.
Como este documento estratégico do Estado é
viabilizado pela abstenção, já que o único partido que votará a favor, nesta
fase, é o partido que sustenta um governo minoritário, é oportuna uma reflexão
sobre o fenómeno.
O PCP anunciou, no dia 24, que se absterá na votação na generalidade da proposta do OE 2021 entregue
pelo Governo a 12 de outubro. E, o líder parlamentar comunista, assinalando que
a intenção é abrir a discussão na especialidade para mudar a proposta, frisou:
“A decisão do PCP de se abster
na votação na generalidade do OE é assumida com a perspetiva de que esse debate
mais amplo ainda possa ocorrer [na especialidade], mesmo constatando a
sistemática recusa do Governo e do PS em avançar nesse sentido”.
Na sua intervenção, João Oliveira, criticando a “prioridade à redução acelerada do défice”, disse que houve
a “anulação ou desvirtuamento” e o “adiamento” de medidas inscritas no OE 2020
e Suplementar – “opção errada, particularmente grave e incompreensível” por
estarmos em crise – e que a proposta do Governo está “muito longe de
ser a resposta que o país precisa”.
Contudo, os comunistas conseguiram
algumas garantias do Governo como: o aumento extraordinário de 10
euros (e não de entre 6 a 10 euros) para todos os pensionistas até 658 euros a partir de janeiro e não apenas
a partir de agosto, como está inscrito na proposta; o alargamento do número de
beneficiários no novo apoio extraordinário aos trabalhadores; e a atribuição do
suplemento insalubridade, penosidade e risco para os profissionais das
autarquias locais.
Com as suas críticas, o PCP deixa claro que a
abstenção na primeira votação não significa que o partido vote da mesma forma
na votação final global, após todo o processo de especialidade. João
Oliveira diz que só aí é que será tomada uma “decisão final” relativamente ao
OE, confrontando a versão final do orçamento com a resposta que o PCP diz ser
necessária. Ou seja, não basta a “inserção de uma meia dúzia de melhorias face à
proposta inicial”. Ao mesmo tempo, enfatiza medidas que não estão na
discussão do OE 2021 como a renacionalização dos CTT, cujo contrato
de concessão está prestes a terminar, e a mudança das leis laborais,
nomeadamente a eliminação da caducidade da contração coletiva, sendo que o
Governo apenas admite uma moratória à caducidade.
Por outro lado, os comunistas insistem na recuperação
da ANA e do Novo Banco para a esfera pública, garantindo não se deixarem “condicionar
por chantagens e ameaças de crise política”.
Por seu turno, o secretário-geral do PCP avisou, no
dia 25, que a abstenção anunciada visa “apenas e só” fazer passar o
Orçamento do Estado de 2021 a “outra fase de discussão” e recusou estar
garantido um voto que ajude a aprová-lo.
Jerónimo de Sousa escolheu um
encontro de preparação do congresso nacional do PCP, em novembro, em Pinhal
Novo, Palmela (distrito de Setúbal), para justificar a abstenção na
votação na generalidade do OE 21, reconhecendo que o Governo fez
“algumas aproximações, muito parcelares e limitadas” e concluindo que o
documento não responde “às exigências do país”.
Tal como o líder parlamentar, Jerónimo
insistiu que “o sentido de voto final” vai depender da “avaliação da versão
final do orçamento” face à “resposta global” dos problemas do país, agravados
com a crise causada pela pandemia de covid-19.
Também o PAN (partido Pessoas-Animais-Natureza) vai abster-se na votação na generalidade da
proposta de OE2021, como anunciou, no dia 25, a líder parlamentar do partido,
Inês Sousa Real.
Contudo, em conferência de imprensa na sede do partido, a deputada não se comprometeu
com o sentido de voto no partido na votação final global, prevista para 26 de
novembro. E disse:
“Neste momento, está tudo em aberto
em relação à votação final global, o que esperamos é o cumprimento por parte do
PS e do Governo àquilo que é um conjunto de preocupações que esperamos ver
consagradas na especialidade. Fica aberta a porta para se poder trabalhar o
orçamento na especialidade.”.
A deputada do PAN afirmou que, nas negociações com o Governo, o partido “não
só exigiu consequências relativamente ao que ficou inscrito” no Orçamento do
Estado para 2020, como já assegurou que “o Orçamento para 2021 que entrou no Parlamento
não será o mesmo que vai sair no final da discussão em especialidade”. Por isso,
sustentou:
“Embora seja um caminho mais difícil
de percorrer, o do diálogo e o da construção de pontes, é um caminho exigente,
do qual não nos demitimos, no âmbito dos compromissos assumidos com as pessoas
que confiam no PAN e, desta forma, dar resposta às suas preocupações”.
E Inês Sousa Real, apontando como como objetivo do partido que “este seja
um orçamento melhor para o país, para as pessoas, para os animais e para a
natureza”, observou:
“Por isso e porque nesta fase o
conteúdo do orçamento final está em aberto e há espaço para avanços em sede de
especialidade, contando que o Governo e o PS não retrocedam nos compromissos já
assumidos, não podendo votar a favor deste orçamento, o PAN vai abster-se na
generalidade”.
No mesmo dia 25, Joacine Katar Moreira, a deputada não inscrita (que saiu do Livre, partido pelo qual foi eleita há um
ano), garante que será fator de
desbloqueio, mesmo que seja preciso um voto favorável para a proposta do
Governo passar. Não tendo ainda decidido o que fazer, disse que as duas únicas
opções que coloca em cima da mesa são a abstenção ou o voto a favor, embora esteja
mais inclinada pela abstenção na generalidade, mas que, se for necessário
admite votar a favor. E, questionada pelo Observador
se irá deixar passar o OE com voto a favor, caso até a sua decisão estar
tomada o Governo não tivesse ainda conseguido aprovar o Orçamento – o que era
possível se BE, PEV e a deputada não inscrita (ex-PAN) Cristina Rodrigues anunciassem voto contra entretanto
–, Joacine Katar Moreira não deixou dúvidas: “Absolutamente”. (…) “Como
mulher e deputada de esquerda não inviabilizo nenhum OE de esquerda”.
A garantia foi dada pela deputada, que assegura que não será por um que a
proposta do Governo cairá. Aliás, no primeiro Orçamento que votou, o de
2020, absteve-se na generalidade e depois também na votação final global, tendo
acontecido o mesmo no Orçamento Suplementar.
Por seu turno, a ex-deputada do PAN
abster-se-á na votação na generalidade do Orçamento do Estado para 2021 (OE 21), juntando-se a Joacine
Katar Moreira, mas mostra abertura para
mudar o sentido de voto na votação final global, dependendo das propostas que
forem aprovadas.
Parecendo estar por um fio, após avanços e recuos nas
negociações, a aprovação do OE 21, Mas o anúncio da deputada não inscrita Cristina Rodrigues de que se absterá garante a viabilização
matemática do documento, pois acredita não haver razão “para inviabilizar o
OE” no contexto de crise. Mesmo assim enviou ao Governo 14 reivindicações que
espera ver respondidas na negociação especialidade.
A deputada que se desvinculou do PAN em junho aponta
que “há espaço ainda para a incorporação de outras propostas que tornem o
documento mais transversal”. E sublinha algumas preocupações que a fizeram
optar pela abstenção, nomeadamente nas áreas que “não são alvo de
grande investimento e que, infelizmente, não vão ver neste orçamento (na redação atual) uma
mudança”, como a cultura, a área ambiental e proteção dos
animais e “algumas medidas de cariz social”.
Entre as propostas que pretende ver discutidas na
especialidade, conta-se a constituição de “um grupo de trabalho para
estudar a possibilidade de implementar um projeto-piloto de rendimento básico
incondicional”, uma “ferramenta muito útil no combate à pobreza e
às desigualdades sociais”, bem como a criação de casas de
parto, “prática que é comum por exemplo no Reino Unido e que ganhou uma
especial relevância no âmbito da pandemia por se mostrar ser um local mais
seguro para as famílias”, e a reivindicação de um “sinal claro de apoio
ao setor da cultura e dos seus profissionais” e
de que a “questão dos animais que ainda se limita aos animais de companhia” vá
“mais longe”.
O sentido de voto de Cristina Rodrigues será o
mesmo que o do PAN, mas a deputada garante que não foi condicionada por
isso. Quando se desvinculou do PAN, justificou a decisão com as divergências
existentes, acusando a direção do partido de a silenciar e condicionar a sua “capacidade
de trabalho” e criticando-a de “distanciamento face a
medidas estruturais”, como o Rendimento Básico Incondicional, medida que agora
propõe para este Orçamento.
Por fim, o PEV abster-se-á na votação na generalidade do OE
21, como anunciou, neste dia 27, o deputado José Luís Ferreira, que declarou em
conferência de imprensa:
“Aquilo que interessa agora é
que Os Verdes se vão abster na generalidade, esperando que
o Governo e o PS manifestem uma postura de abertura para
acolher outras preocupações d’Os Verdes”.
Apesar de considerar que este “não é um bom” OE, o
grupo parlamentar viabilizá-lo-á esperando que o Governo assuma alguma abertura
relativa a outras questões, como o reforço dos serviços públicos
e o investimento nos transportes públicos, em particular a ferrovia.
Questionado sobre a votação final global, o deputado disse estar “tudo em aberto” e notou
que é “prematuro adiantar qualquer sentido de voto”, já que o documento deverá
sofrer diversas alturas durante a discussão na especialidade.
***
O OE 2021, como foi proposto pelo Governo, fica
marcado pela criação dum novo apoio social, pelo
aumento do limite mínimo do subsídio de desemprego, pelo lançamento do
IVAaucher, pela baixa das taxas de retenção na fonte de IRS e por uma subida extraordinária das pensões.
Algumas destas propostas deverão ganhar novos
contornos na negociação da especialidade. Por exemplo, o Governo já assegurou que pretende pagar a partir de
janeiro, e não de agosto, o aumento extra das pensões até 658 euros. E
a Ministra do Trabalho adiantou que estão previstas alterações ao novo apoio
social que aumentarão em 80 mil o número de potenciais beneficiários,
devendo o custo subir para 633 milhões de euros.
É óbvio que os abstencionistas, que se declaram de
esquerda, não concordam com a suficiência e até sumptuosidade que o Governo dá
às medidas propostas. Querem mais e a renúncia ao voto contra tem em vista mais
concessões. Porém, a grande razão será a não abertura de uma crise política que
entregue à direita o país em estado pandémico, com híper-responsabilização das
esquerdas, percebendo ironicamente que o Governo não pode desvincular-se da UE,
com que não alinham, mas de que se espera a badalada bazuca de prevenção da
crise e da sua superação.
Enfim, ao invés da abstenção eleitoral, a abstenção parlamentar
vincula os seus autores.
2020.10.27 – Louro de Carvalho
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