segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Pacto Educativo Global: o Papa convida-nos a caminhar juntos

 

O Arcebispo Vincenzo Zani, Secretário da Congregação para a Educação Católica, apresentou o encontro deste 15 de outubro, pelas 14,30 horas, na Pontifícia Universidade, Lateranense durante o qual o Papa com uma videomensagem relançou o Pacto Educativo Global, salientando que “educar é um ato de esperança” e que “fraternidade, paz e justiça são as exigências mais urgentes em tempo de pandemia”, pelo que, neste novo contexto dramático, emerge a urgência da educação, que “está cada vez menos qualificada e menos voltada para pessoa”.

A videomensagem papal pôde ser acompanhada ao vivo online através do portal do Vatican News e dos canais Youtube www.vaticannews.va, com tradução simultânea em inglês, francês, espanhol e português. 

O Arcebispo Vincenzo Zani explicou ao Vatican News o objetivo do encontro que é relançar o conteúdo explicado pelo Papa em várias ocasiões desde a sua mensagem de 12 de setembro de 2019, quando falou pela primeira vez sobre o pacto educativo global, tendo-o retomado “em cinco outras circunstâncias com intervenções ricas em ideias e significados que tentamos reunir”. Agora, a data de relançamento, é marcada por dois novos elementos: o contexto da pandemia, não comparável com o de 2019; e a relevância do novo documento extraordinário, que é a Carta Encíclica "Fratelli Tutti" assinada pelo Papa em Assis, no passado dia 3 de outubro. São dois elementos que ajudarão a enquadrar de modo novo o rico património do Magistério que Francisco quis exprimir sobre o tema da educação, sendo que o Pontífice convida, para o efeito, todos “a formarem uma frente única educacional, porque hoje a realidade é outra”: “cada um segue uma direção diferente e estamos a testemunhar o que poderíamos chamar de catástrofe educacional”.

O evento estava agendado para 14 de maio, na Sala Paulo VI – reunindo a comunidade internacional e representantes de organizações públicas e privadas que desejam colocar-se ao serviço do que o Pontífice chamou de “caminho comum da Aldeia da Educação” –, mas foi cancelado por causa da pandemia que levou a um confinamento generalizado. Não obstante, nos últimos meses houve mais de 70 experiências educacionais no mundo, inspiradas pelo tema do pacto, pelo que o processo está a seguir em frente. Com efeito, só a Congregação para a Educação Católica promoveu 11 iniciativas, entre conferências e congressos, que aprofundaram os vários temas tocando as diferentes facetas do pacto educacional, como “a educação para a democracia” ou “a paz e o diálogo entre religiões”, lançado pelo Papa com o seu discurso na Lateranense a 31 de outubro de 2019. Foi realizada uma conferência sobre “Service Learning”, ou seja, sobre educação, pondo as pessoas em posição de servir os outros. Em torno da ecologia foi organizada um evento com a Pontifícia Universidade Antonianum e outra sobre o diálogo entre religiões, o diálogo entre gerações com a Universidade Auxilium e a Pontifícia Universidade Salesiana. Ficaram por realizar 4 eventos, entre os quais um seminário de estudos em Abu Dhabi para recordar o documento assinado pelo Papa com o Reitor de al-Azhar.

Diz o secretário da Congregação que “tudo isso foi o início dum processo académico”. Foram ouvidas congregações religiosas, associações, grupos e movimentos que operam em todo o mundo e que se prontificaram a fazer algo pelo pacto educacional. Foram experiências que não se puderam contar em 15 de outubro, mas que, mais tarde, serão objeto de estudo aprofundado e provavelmente duma publicação. Neste sentido, mencionou o extraordinário esforço que países como o Camboja, a Rússia, alguns países amazónicos e africanos, vêm fazendo para dar uma resposta que demonstra uma receção plena da mensagem do Papa.

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Já no Vaticano, de 17 a 20 de fevereiro, a Congregação para a Educação Católica realizou a plenária com a participação de dezenas de cardeais de diferentes países, tendo o encontro sido concluído com uma audiência com o Papa Francisco onde, além da prestação de contas sobre os trabalhos feitos e os que estavam em andamento no Dicastério, o evento deu abertura a reflexões sobre o que havia de vir. A este propósito, Dom Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo, diz que uma das reflexões é sobre o Diretório para a Educação para toda a Igreja, uma vez que o Papa, no seu grande amor e preocupação pela educação pede que se tracem “algumas linhas diretrizes que devam valer para a educação católica em todo mundo”, ou seja, nos colégios e escolas católicas, nas faculdades e universidades e institutos superiores ligados à Igreja. E, nessas diretrizes, virá “a orientação sobre a educação que os pais devem dar aos filhos para ser uma educação a partir dos princípios católicos”.

O cardeal também comentou que o Papa tem insistentemente motivado para o dia do Pacto Global que foi preparado em todo o mundo, “um fórum de experiências sobre escolas, mas também de visões sobre a educação a partir dos princípios da Igreja”. Pretendia já o evento de maio construir uma sinergia entre a escola, a família e a sociedade e com todos os instrumentos possíveis, ou seja, com percursos educacionais formais e informais para uma educação integral entre todas as dimensões da pessoa. De facto, segundo o purpurado, “a questão de fundo, a preocupação é que a Educação seja voltada para a pessoa, a formação da pessoa, mais do que fazer da pessoa instrumento de produção de consumo, um instrumento estratégico para as políticas de Estado e de governo”.

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Na sua videomensagem de 15 de outubro, Francisco, depois de referir o contexto pandémico, destaca o poder transformador da educação, assegurando que “educar é apostar e infundir no presente a esperança que rompe os determinismos e fatalismos com que muitas vezes o egoísmo do forte, o conformismo do vulnerável e a ideologia do utopista se querem impor como único caminho possível. E, observando que “educar é sempre um ato de esperança que convida à comparticipação transformando a lógica estéril e paralisadora da indiferença numa lógica diferente, capaz de acolher a nossa pertença comum”, considera a necessidade da consciência de que “um caminho de vida necessita da esperança fundada na solidariedade e que toda a mudança requer um percurso educativo para construir novos paradigmas capazes de responder aos desafios e emergências do mundo atual, de compreender e encontrar as soluções para as exigências de cada geração e de fazer florir a humanidade de hoje e de amanhã”.

Se a educação é “um dos caminhos mais eficazes para humanizar o mundo e a história”, o Pontífice apresenta-a como “uma questão de amor e responsabilidade que se transmite, ao longo do tempo, de geração em geração” e como “o antídoto natural à cultura individualista”, que degenera, não raro, “num verdadeiro culto do ‘ego’ e no primado da indiferença”, redundando num futuro de “divisão e empobrecimento das faculdades de pensamento e imaginação, de escuta, diálogo e compreensão mútua” – futuro que não queremos. E, em contraste, exorta:

Hoje temos necessidade duma renovada estação de empenhamento educativo, que envolva todos os componentes da sociedade. Escutemos o grito das novas gerações, que destaca a exigência e, ao mesmo tempo, a oportunidade estimulante dum caminho educativo renovado, que não volte o olhar para o outro lado, favorecendo graves injustiças sociais, violações dos direitos, pobrezas profundas e descartes humanos.”.

Confia o Papa em que um percurso integral educativo pode conduzir ao enfrentamento das “situações de solidão e desconfiança quanto ao futuro que geram entre os jovens depressão, toxicodependências, agressividade, ódio verbal, fenómenos de bullying”; do “flagelo das violências e abusos contra os menores”; dos “fenómenos das meninas-noivas e das crianças-soldado” e do “drama dos menores vendidos e escravizados”; e da “amargura pelos sofrimentos do nosso planeta, causados por uma exploração sem cabeça nem coração, que gerou uma grave crise ambiental e climática”,

Sendo-nos pedida a audácia de ultrapassar visões extrínsecas aos processos educativos, superar as excessivas simplificações circunscritas à utilidade, ao resultado (padronizado), à funcionalidade e à burocracia, que confundem educação com instrução e acabam por fragmentar as nossas culturas”, impõe-se-nos, na ótica de Bergoglio, a procura duma “cultura integral, participativa e poliédrica”; a “coragem de gerar processos que assumam, conscientemente, a fragmentação existente e os contrastes que efetivamente carregamos connosco”; e “a coragem de recriar o tecido de relações em prol duma humanidade capaz de falar a linguagem da fraternidade”.

Considera como infantilidade “esperar tudo daqueles que nos governam” e realça que “gozamos dum espaço de corresponsabilidade capaz de iniciar e gerar novos processos e transformações”, pelo que devemos ser “parte ativa na reabilitação e apoio das sociedades feridas”, num “processo plural e poliédrico capaz de nos envolver a todos em respostas significativas, onde as diferenças e as abordagens saibam harmonizar-se na busca do bem comum”.

Por consequência, o Papa apela ao séptuplo compromisso pessoal e conjunto a

- Colocar no centro de cada processo educativo – formal e informal – a pessoa, o seu valor, a sua dignidade para fazer emergir a sua especificidade, a sua beleza, a sua singularidade e, ao mesmo tempo, a sua capacidade de estar em relação com os outros e com a realidade que a rodeia, rejeitando os estilos de vida que favorecem a difusão da cultura do descarte;

- Ouvir a voz das crianças, adolescentes e jovens a quem transmitimos valores e conhecimentos, para construir juntos um futuro de justiça e paz, uma vida digna para toda a pessoa;

- Favorecer a plena participação das meninas e jovens na instrução;

- Ver na família o primeiro e indispensável sujeito educador;

- Educar e educarmo-nos para o acolhimento, abrindo-nos aos mais vulneráveis e marginalizados;

- Empenhar-nos no estudo para encontrar outras formas de compreender a economia, a política, o crescimento e o progresso, para que estejam verdadeiramente ao serviço do homem e da família humana inteira na perspetiva duma ecologia integral;

- Guardar e cultivar a nossa casa comum, protegendo-a da exploração dos seus recursos, adotando estilos de vida mais sóbrios e apostando na utilização exclusiva de energias renováveis e respeitadoras do ambiente humano e natural, segundo os princípios de subsidiariedade e solidariedade e da economia circulante.

E crê que tal investimento formativo, baseado numa rede de relações humanas e abertas, “deverá garantir a todos o acesso a uma educação de qualidade, à altura da dignidade da pessoa humana e da sua vocação à fraternidade”, pelo que devemos avançar todos juntos para a construção duma civilização da harmonia, contra a “pandemia ruim da cultura do descarte”.

2020.10.19 – Louro de Carvalho

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