quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Cinco razões que levam ao endurecimento de medidas por via da covid-19

 

À medida que a segunda vaga da pandemia se agrava – prevendo-se um pico em Portugal em novembro –, o Centro Europeu para Prevenção e Controlo das Doenças alerta que “muito deve ser feito” no nosso País para controlar a covid-19. Com efeito, com cerca de quatro mil casos diários de infetados e os hospitais públicos à beira do limite, o Primeiro-Ministro, que tem pela frente uma maratona de reuniões para decidir que medidas novas devem ser tomadas com efeitos imediatos ou que medidas deverão ser reeditadas, convocou para o próximo dia 31 de outubro uma sessão extraordinária do Conselho de Ministros.

Entretanto, neste dia 29, participa no Conselho Europeu extraordinário, por videoconferência, para coordenação de resposta conjunta, enquanto alguns ministros, nomeadamente a Ministra da Saúde, o Ministro de Estado e da Economia e da Transição Digital e a Ministra de Estado e da Presidência se avistam com especialistas e com os parceiros sociais. E, no dia 30, António Costa receberá na residência oficial do Primeiro-Ministro os partidos com assento parlamentar.

Os observadores, que registam que os autarcas do Norte querem apertar medidas, indicam cinco fatores problemáticos que postulam respostas urgentes. De contrário, de acordo com os modelos matemáticos utilizáveis, poderemos ver triplicar o número de doentes em unidades de cuidados intensivos para 634 pacientes e 334 mil infetados até 25 de novembro

O primeiro fator de preocupação para a opinião pública é o facto de se ter quase atingido “o patamar dos 4.000 casos diários a que se alia o facto de alguns famosos terem também sido infetados”. Efetivamente, um apresentador da RTP já vai no segundo confinamento, uma apresentadora da RTP está em casa, apesar de assintomática, o que implicou que mais 30 elementos do mesmo programa fossem mandados para quarentena. Também dois elementos da TVI estão infetados. E o humorista Ricardo Araújo aguarda teste em quarentena profilática. Em termos gerais, no dia 23 de outubro, Portugal atingiu um pico de evolução de novos casos diários: 3.669. E, à data de hoje (dia 29), regista-se um novo recorde de 4224 novos casos e 33 mortes – o maior aumento de casos em 24 horas. E o Norte e Lisboa e Vale do Tejo são as regiões mais afetadas. A manter-se o ritmo, os peritos temem que já na próxima semana os novos contágios no Norte cheguem à fasquia dos sete mil. Já no início desta semana, a Diretora-Geral da Saúde explicou que Portugal apresenta uma taxa de notificação acumulada a 14 dias “superior ou igual a 240 casos por 100.000 habitantes”. O total de infetados desde começo da pandemia até à data é de 132.616 e o de mortos é de 2428. E a tendência é para aumentar.

Essa dos famosos impressionar é estranha em democracia, pois todos estão em pé de igualdade.

O segundo fator problemático é o facto de “o número de mortos/dia ter sido superior a 20”.

No dia 28, registavam-se mais 24 mortes. E, neste dia 29, registam-se 33. Nestes termos, o Secretário de Estado Adjunto e da Saúde esclarece que “a taxa de letalidade global é de 1,9% e a taxa de letalidade acima dos 70 anos é de 10,8%”, o que é assustador.  

Em terceiro lugar, vem a insuficiência das tentativas de contenção”. Na verdade, com o enorme aumento de casos, o dia 29 ficou assinalado pelo começo da obrigatoriedade de uso de máscaras na rua, nos termos da Lei n.º 62-A/2020, de 27 de outubro, sendo que a multa prevista para os infratores vai de 100 a 500 euros. A medida prolonga-se por 70 dias, de modo a inverter o sentido da curva de infeções, quando não for possível manter o distanciamento social de dois metros na via pública. Além desta medida, segundo o que foi anunciado pelo Secretário de Estado Adjunto e da Saúde na última conferência de imprensa da DGS, do dia 28, vem aí mais de um milhão de testes rápidos, cuja testagem será feita pela Cruz Vermelha, sendo que a eficácia dos testes será avaliada pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. 

Em Matosinhos, o quinto concelho com mais contágios, apertam-se medidas que passam pelo encerramento de lojas e prestação de serviços às 21 horas, bem como o fecho de restaurantes às 22 horas e a permanência nestes até às 23 horas. As visitas de lares ficam suspensas e os alunos passam a ter aulas à distância. Em Felgueiras, Lousada e Paços de Ferreira, está em vigor o dever de permanência em casa desde 23 de outubro. Em simultâneo, os autarcas do distrito do Porto pedem o recolher obrigatório depois de o País ter passar a estado de emergência, de preferência, sem confinamento que iria agravar o estado da economia. Porém, os epidemiologistas duvidam da eficácia do recolher obrigatório, que não passa de simbólico; e os constitucionalistas dividem-se sobre a constitucionalidade desta medida a ponto de Marcelo vir a terreno sugerir uma revisão minimalista da Constituição para a acomodar a esta realidade.    

Para já, impede-se a circulação entre concelhos durante o próximo fim de semana (das 0 horas do 30 de outubro à 6 horas do dia 3 de novembro), com a observância do luto nacional decretado pelo Governo pelas vítimas mortais de Covid-19 para o Dia dos Defuntos (2 de novembro). A proibição de circulação entre concelhos admite exceções para várias pessoas, nomeadamente para trabalhadores, desde que circulem com uma declaração da entidade patronal e, dentro se cada área metropolitana com a declaração verbal sob compromisso de honra.

Resta é saber se estas medidas são suficientes em si e/ou pelo lapso de tempo para que foram implementadas, sendo que muito da sua eficácia dependerá da cooperação dos cidadãos.

Um outro fator de preocupação tem a ver com “a possibilidade de os hospitais entrarem em rotura na capacidade de internamentos”. No pior cenário, a 4 de novembro serão internados 444 pacientes nas UCI (unidades de cuidados intensivos). E a Ministra da Saúde admite que a situação “é complexa”. Até à data, registam-se 262 doentes internados em UCI – uma subida abrupta, tendo em conta que, por exemplo, no dia 28 do mês anterior havia 98. 

A pressão sob o SNS é evidente, a ponto de começarem a ser transferidos doentes destes para o privado. Por exemplo, no Norte, o Hospital Escola da Universidade Fernando Pessoa, em Gondomar, já tem dez internados nestas circunstâncias. Em contraponto, o estabelecimento público de Penafiel está à beira da rutura. Servindo 12 concelhos, só nas urgências do hospital foram atendidas, diariamente, cerca de 800 pessoas na semana passada. Por outro lado, a ARS de Lisboa e Vale do Tejo não conseguiu acordo com os privados.

E o quinto fator de preocupação é “o agravamento da epidemia na Europa”. De facto, a Europa tem sido o continente mais atingido. Para atenuar a propagação, a Comissão Europeia lançou ontem medidas adicionais para “salvar vidas e reforçar a resiliência do mercado interno”, que passam, em concreto, pelo aumento do acesso a testes rápidos e por campanhas de vacinação. E a presidente, tendo em conta a gravidade da pandemia na Europa, exortou:

Apelo aos Estados-Membros para que trabalhem em estreita colaboração. Medidas corajosas tomadas agora ajudarão a salvar vidas e a proteger os meios de subsistência. Nenhum Estado-Membro poderá sair desta pandemia de forma segura até que todos o façam.”. 

A Alemanha responde com confinamento parcial em vigor a partir de 2 de novembro até ao final do mesmo mês. Os setores da cultura, lazer, restauração e bebidas encerram. Os ajuntamentos permitidos não podem exceder dez pessoas. Os números são particularmente negros para o Reino Unido, que atingiu, a 27 de outubro, o recorde desde o fim de maio de 310 óbitos diários. A Itália atinge outro máximo, no dia seguinte, de 24.991 novos casos. Isto após os confrontos com a polícia em Milão (os manifestantes milaneses lançaram cocktails Molotov aos agentes, que responderam com gás lacrimogéneo), Turim, e Roma, com milhares de pessoas a manifestarem-se contra o encerramento de espaços de lazer às 18 horas.

Protestos pelos mesmos motivos decorreram protestos em Barcelona, no início da semana. E Madrid recorre a drones e 300 agentes para fazer policiamento nos cemitérios. Os aparelhos sobrevoarão os dois maiores de Madrid no Dia de Defuntos e a capacidade para visitantes será reduzida a metade. Foram detetados quase 20.000 casos de infeção na Espanha. 

***

António Lacerda Sales, Secretário de Estado adjunto e da Saúde, exclui a possibilidade de um confinamento geral em Portugal e defende que as novas restrições para combater a pandemia no país serão a nível territorial e mais circunscritas, num modelo que ainda terá de ser estabilizado.

A dois dias duma sessão extraordinária do Conselho de Ministros para definir as medidas de controlo da pandemia, o governante afirmou que “todos os países vão começar a adotar medidas de restrições a nível territorial, mais circunscrito”. E admitiu, em entrevista ao podcast Política com Palavra do Partido Socialista:

“E essas restrições serão com certeza a nível mais dos territórios, para que outros territórios que não estão tanto sobre pressão possam respirar do ponto de vista económico e social”.

Interpelado sobre se o Governo optará por ações localizadas ou se admite restrições nacionais como um novo confinamento geral, disse que “todos os países da Europa estão neste momento a tentar estabilizar num determinado modelo que pode comportar muitas variáveis”.

Enumerando que essas variáveis são a incidência de casos nos últimos 14 dias, os novos casos confirmados por cem mil habitantes, as faixas etárias mais atingidas ou a pressão sobre os hospitais, sustentou que o que é preciso é estabilizar num determinado modelo, e obviamente que quanto mais uniforme conseguir ser esse modelo [...] maior segurança e maior confiança será dada às populações.

Questionado sobre se o modelo será de base concelhia ou distrital, disse apenas que deve ter “o consenso da grande maioria dos intervenientes” das áreas da saúde, proteção civil, das autarquias ou segurança social.

No dia 28, o presidente da Área Metropolitana do Porto pediu ao Governo que decrete o estado de emergência, generalizando as medidas a todo o país, ao passo que o presidente da Comissão Distrital da Proteção Civil do Porto propôs o recolher obrigatório no distrito. E, confrontado com estes pedidos, Lacerda Sales reiterou a necessidade de “estabilizar o modelo e uniformizar o modelo para que não haja grandes discrepâncias, quer entre concelhos, quer entre distritos”. E, pedindo que “não se façam sobreavaliações de determinadas situações e, por outro lado, subavaliações noutras situações”, sintetizou:

Penso que as medidas têm de se adaptar àquilo que é em cada região a própria evolução e os próprios dados epidemiológicos”.

Porém, como tudo pode mudar a evolução da pandemia, poderão vir aí medidas do quadro do estado de emergência nacional ou parcelar, medida que o Presidente da República, a dois meses das eleições presidenciais, não tomará sem amplo consenso parlamentar. Será que o interesse geral exige de Marcelo esta cautela para garantir a sua reeleição? E Costa continuará a apoiá-lo?

2020.10.29 – Louro de Carvalho

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