terça-feira, 13 de outubro de 2020

Por uma Igreja que acentue o feminino e o materno sob a égide de Maria

 

Mais de 4 mil peregrinos participaram, neste dia 13 de outubro, no Recinto de Oração do Santuário de Fátima, na Missa da Peregrinação Internacional Aniversária de outubro. Foi, como assinalou Dom José Ornelas, Bispo de Setúbal e presidente da CEP (Conferência Episcopal Portuguesa), a responsabilidade na “forma muito contida”, no atinente ao número e proveniência dos peregrinos e “à forma festiva das manifestações que habitualmente caraterizam esta última grande peregrinação do ano”, mercê das  limitações derivadas das regras para evitar o contágio.

Assim, disse o prelado sadino, “trazemos a este santuário as dores nossas e da humanidade, pedindo luz e força para vencermos esta pandemia”.

Ao evocar a última Aparição da Senhora na Cova da iria e o aniversário da dedicação da Basílica de Nossa Senhora do Rosário, que hoje se celebram, o presidente da celebração refletiu sobre o significado de ser Igreja, destacando o papel dos santuários e das igrejas como “lugares de relação e de comunhão”. E exortou:

É importante que as nossas paróquias e comunidades, as nossas dioceses e a Igreja disseminada pelo mundo sejam verdadeiras casas de Deus no meio da sociedade, pontos de referência e de acolhimento de quem busca apoio, sentido de vida e esperança”.

O presidente da CEP salientou, depois, a ligação de Maria à “Igreja de pedras vivas”, numa reflexão onde valorizou o papel da mulher frisando o seu “contributo decisivo para a valorização dos ministérios na Igreja”, que assumiu estarem “demasiado concentrados nos ministérios ordenados” e no masculino. E disse a este respeito:

Esta presença feminina e materna de Maria, a que se junta, desde a missão de Jesus e no início da Igreja um grupo de outras mulheres, lança uma luz de entendimento sobre a identidade e a missão da Igreja, não como um facto secundário ou subsidiário perante o protagonismo masculino, mas como um importante elemento constitutivo da Igreja. (…) Trata-se de mudar de paradigma: a liderança eclesial não está fundada sobre a ideia de poder, mas na vida, no cuidado e no serviço, utilizando todos os dons do Espírito na edificação da casa do Senhor, a partir do amor paterno e materno de Deus.”.

Enfatizando a importância da “complementaridade na diversidade na Igreja” para levar a cabo a missão de construir um mundo mais justo e fraterno, o Bispo de Setúbal afirmou a necessidade de “deixar entrar na vida das nossas comunidades os sinais femininos e maternos de Maria”, inclusivamente nos lugares onde se tomam decisões para todos.

Como já tinha feito na Celebração da Palavra da noite do dia 12, alertou para os perigos dos movimentos populistas que “manipulam a nostalgia do passado, o medo real ou imaginário, o perigo do estrageiro e do que pensa diferente, a ganância de possuir e dominar e até modelos religiosos para os seus interesses” – problema que a pandemia torna mais visível e que exige uma solução conjunta.

Considerando que “estamos no mesmo barco e só é possível salvar-se se todos colaborarmos para que todos se salvem”, lançou um olhar e uma prece a Nossa Senhora, evocando o seu exemplo de mulher, esposa e mãe que “ilumina o modo de estar na Igreja e o compromisso na sua missão de ser casa de Deus para toda a humanidade”. E porfiou que “pedimos a Maria, modelo da Igreja, que esta casa de Deus seja verdadeiramente a casa da humanidade, onde possa crescer a fraternidade, a dignidade e a justiça”. 

***

Na celebração inédita na Cova da Iria, que, no dia 12, reuniu 4518 peregrinos, 52 sacerdotes e 9 bispos para a recitação do Terço, Procissão das Velas e Celebração da Palavra, Dom José Ornelas, criticou as atitudes “manipuladoras e populistas” de alguns líderes políticos, perante a pandemia da covid-19, referindo que, “durante esta pandemia, a par da mais heroica abnegação e generosidade de tanta gente, têm-se manifestado também muitas e poderosas atitudes manipuladoras, populistas, interesseiras e egoístas, sem remorso de usar o sofrimento, o desconcerto, a desorientação, para daí tirar[em] dividendos políticos e económicos, criando mesmo conflitos”. E sustentou que, para lá da pandemia da covid-19 e de outras que ocorreram ou podem ocorrer, há “muitos monstros pandémicos que põem em perigo a vida e o futuro de todos”, pelo que desafiou os cristãos a superar[em] esta crise de forma que todos “possam sair beneficiados, numa humanidade mais solidária e mais fraterna”.

Por outro lado, apelando a uma resposta solidária para a crise social e económica provocada pela pandemia, sublinhou:

É possível e é necessário que nós colaboremos para que, desta travessia do deserto da pandemia, possa nascer uma humanidade que habite uma terra que seja casa comum, que seja terra para todos”.

Depois, exortou:

Não permitamos que os mais débeis fiquem esquecidos nas suas dificuldades. Cresçamos na solidariedade, na criatividade, na busca de caminhos novos para um mundo novo, com os muitos problemas e oportunidades que temos diante. Se assim fizermos, guiados pelo Espírito do Senhor e imitando as atitudes da Mãe-Maria, sairemos desta crise com mais vida e possibilidade de enfrentar os desafios que o futuro nos apresenta.”.

O presidente da CEP não ignorou um Recinto de Oração com uma configuração totalmente distinta da habitual, neste ano tão atípico, com marcas no chão para garantir uma maior perceção da distância física agora necessária. E, aludindo ao limite de 6.000 pessoas no Recinto do Santuário durante a peregrinação, considerou-o um “sinal claro das limitações e condicionalismos que atingem o mundo”, com consequências que afetam sobretudo os mais frágeis, e evocou o exemplo de quem se dedica ao próximo, “apesar das dificuldades e hostilidades que encontra”, apelando:

Pensemos, por exemplo, naqueles e naquelas que estão a fazer esforços incríveis, em condições dramáticas, para socorrer as pessoas atingidas pela pandemia, nos hospitais, nos lares, nas casas onde se vive em solidão, nos campos de refugiados sem condições, na busca soluções para todos e não apenas para alguns”.

Apresentou aos peregrinos a figura da Virgem Maria como “a imagem da proximidade com Aquele que foi injustamente rejeitado, caluniado, condenado e executado”, a imagem “materna de cuidar dos mais frágeis e dos descartados, da coragem de partilhar a sorte dos condenados, dos excluídos, dos incómodos”. E, referindo-se a Maria como o modelo da Igreja à imagem de Jesus, observou:  

Jesus pretende que a Igreja, que assim fundou, assuma a atitude de Maria: na fidelidade a Deus e à sua aliança com Israel ao longo da história; na fidelidade ao homem sofredor, excluído e condenado; na misericórdia para a acolher sem medo o escândalo da dor, da injustiça, da exclusão”.

E concluiu a sua homilia vigiliar com uma prece à intercessão de Santa Jacinta e São Francisco, os santos irmãos Marto:

Que eles nos ajudem a deixar-nos igualmente guiar pela mão da Mãe do Céu, pela mão da Mãe da Igreja, para podermos superar as dificuldades presentes e colaborar na construção de um mundo mais justo e solidário, aberto à grandeza e ao amor misericordioso do Pai do Céu”.

***

Na habitual mensagem aos peregrinos, o Cardeal António Marto, Bispo de Leiria-Fátima adjetivou de “espetáculo de beleza e exemplo cívico, de fé cristã e de amor ao próximo” a presença dos que estiveram física e espiritualmente na Cova da Iria. E elogiou o testemunho forte da fé dos peregrinos, pois, como disse, “a devoção filial a Nossa Senhora e o fervor da vossa oração enchem todo este Recinto, com o calor do vosso amor a Deus e aos irmãos”. Por outro lado, evocou o “sinal belo” da última Aparição que foi a visão que os Pastorinhos tiveram de Nosso Senhor a abençoar o mundo, para destacar a Mensagem de Nossa Senhora como portadora da bênção e da paz para o mundo, e disse:

É uma bênção para levar ao nosso mundo, com a compaixão, a ternura, o carinho, o cuidado de uns pelos outros e sobretudo pelos mais frágeis e necessitados”.

Agradeceu a presença de Dom José Ornelas e a “mensagem profunda, forte e cheia de interpelações muito prementes para estes tempos difíceis de pandemia” que trouxe a esta última Peregrinação Aniversária de 2020. Lembrou todos os doentes e todas as vítimas da covid-19, os que faleceram da doença e os seus familiares em luto, para quem pediu uma Ave-Maria.

O purpurado, por fim, saudou os membros da Guarda Nacional Republicana de Santarém, que hoje celebram o seu aniversário, a quem deixou um agradecimento por “todo o serviço generoso e incansável ao serviço da segurança dos peregrinos” e assinalou o 92.º aniversário do início da construção da Basílica de Nossa Senhora do Rosário, que se ergue no local onde os três Pastorinhos brincavam a 13 de maio de 1917, aquando da primeira Aparição de Nossa Senhora.

***

 O cardeal Dom António Marto, juntamente com o presidente da Peregrinação Internacional Aniversária de Outubro, Dom José Ornelas e o reitor do Santuário de Fátima, padre Carlos Cabecinhas, encontraram-se com os jornalistas na tarde do dia 12. No encontro, o Bispo de Leiria-Fátima apelou à oração do Rosário, à responsabilidade, à solidariedade e esperança para o momento atual, em que que a “gravidade da pandemia está a superar as previsões em números e em meios humanos e sanitários”. E declarou a este respeito:

Sem deixar de cumprir todas as exigências sanitárias e de praticar todo o nosso apoio caritativo e assistencial aos mais frágeis e necessitados, peço a todos e de todo o coração que voltemos o nosso olhar e a nossa prece para Nossa Senhora, de modo particular neste mês de outubro, através da oração do Rosário, seja individualmente, seja em família ou em comunidade, pedindo-Lhe que nos ajude a libertar da pandemia e a ser testemunhas responsáveis da solidariedade, da esperança e da confiança que superam todos os medos”.

Para este “momento de provação e de escolha”, que obriga os católicos a gritarem “contra a injustiça global” e não ficarem “paralisados pelo medo”, o prelado apontou a “responsabilidade de cidadãos e de cristãos” e o “contágio pelo amor” como a resposta ao perigo da infeção, tomando como exemplo o comportamento que os católicos e, em particular, os peregrinos de Fátima, têm dado, ao longo dos últimos meses. E lembrou, transmitindo a sua “proximidade afetuosa e orante” a todos os infetados pelo SARS-CoV-2 e doentes da covid-19, a todos os que morreram desta “enfermidade”, assim como aos seus “familiares em luto”:

Em maio, respeitaram o nosso apelo para não virem [ao Santuário] e estou certo de que agora o vão respeitar na mesma, vindo, mas faseadamente, como aliás tem acontecido nestes últimos dias. O comportamento da Igreja e dos cristãos em geral tem sido exemplar. Prescindindo, até com sacrifício, da celebração da sua fé nos moldes comunitários a que estávamos habituados e preservando a saúde dos outros.”.

E deixou uma referência à nova encíclica do Papa Francisco, “Fratelli Tutti”, dedicada à fraternidade e amizade social, documento que perspetivou como uma mensagem “que apresenta a doutrina social da Igreja numa nova narrativa, na linguagem, no estilo, no método e na sua atualização com o mundo atual”.

Numa intervenção centrada na vida do Santuário de Fátima, o Padre Carlos Cabecinhas abordou a redução do número de peregrinos durante os últimos meses, face à situação pandémica atual, e apresentou números que resultaram numa “diminuição drástica do fluxo de trabalho neste que “tem sido um dos anos mais difíceis” da instituição.

Segundo dados apresentados, entre março e agosto, 436 grupos de peregrinos cancelaram a sua vinda à Cova da Iria e, entre outubro e novembro, registaram-se apenas 97 grupos inscritos, o que se traduziu numa quebra de donativos na ordem dos 47%, até final do mês passado. Num exercício de comparação, o reitor do Santuário referiu que, no ano passado, só em outubro, estiveram 733 grupos de peregrinos (559 estrangeiros e 174 portugueses). E, ao abordar o plano de reestruturação que a instituição tem vindo a concretizar desde meados de 2020 para reduzir os custos fixos, considerou:

A pandemia veio criar constrangimentos grandes à mobilidade das pessoas, sobretudo entre continentes e isso não ficará resolvido de um dia para o outro. Sem peregrinos não tivemos receitas e, portanto, no final do ano teremos certamente um resultado negativo. (…) Para evitarmos despedimentos, tivemos de equacionar ajustamentos e isso levou a que procurássemos soluções, como qualquer gestão criteriosa faria em qualquer instituição, para redução da massa salarial.”.

Ao anunciar os 14 acordos amigáveis de rescisão que resultaram desta ação, disse:

Vários destes trabalhadores que se desvincularam por acordo inscreveram-se como voluntários do Santuário de Fátima e estão já a participar na equipa de acolhedores desta Peregrinação”.

E, frisando o aumento da resposta social da instituição nestes “tempos difíceis”, revelou:

Temos procurado estar atentos às situações de carência que têm emergido, aumentando em 60% os apoios a pessoas e famílias. Estes apoios e os apoios a instituições de solidariedade social totalizam cerca de 800 mil euros, em que não está incluído o apoio que damos à Igreja em Portugal.”.

O reitor do Santuário falou ainda dos “muitos condicionamentos” desta última Peregrinação Aniversária de 2020, ao afirmar que é “sempre doloroso ter de pedir aos peregrinos que não venham ou que venham em número reduzido”. Ainda assim, deixou a garantia  de uma “celebração digna de Fátima, com uma fé renovada e uma confiança fortalecida”. E concluiu:

Tal como em maio, quando não tivemos peregrinos, estivemos ligados ao mundo inteiro, hoje e amanhã particularmente tenho a certeza de que seremos do tamanho do mundo e estaremos ligados de modo especial aos peregrinos que não podem cá estar”.

É de registar, a este propósito, que as celebrações puderam ser seguidas em direto em www.fatima.pt e nos órgãos de comunicação social em sinal aberto- RTP 1 e TVI- e também na TV Canção Nova, no Cabo.

Por seu turno, o Bispo de Setúbal e presidente da CEP, que presidiu à Peregrinação Internacional Aniversária de outubro, apelou à união de esforços e a “um sentido de esperança” e de ajuste para enfrentar o “tempo que nos é dado a viver”. E, alertando para as consequências sociais “dramáticas” que derivam da situação atual, vincou:

Na Igreja e na vida de cada um, é preciso reencontrar novas energias, é preciso redimensionar os objetivos, mas o importante é que se viva. Se conseguirmos criar sinergias, sairemos desta situação ainda mais fortes”.

O prelado setubalense apresentou Nossa Senhora como exemplo de alguém que encontrou “soluções de transformação do mundo a partir das dificuldades”. E concluiu dizendo que “Nossa Senhora foi habituada a refazer agendas, constantemente, pois, no confronto com os seus dramas, “habituou-se a percorrer espaços geográficos, mentais e de fé que abriram horizontes e criaram um mundo novo, que nos surge como luz e esperança para nós, hoje”.

***

E lá continua Fátima de vento em popa impulsionada pelo Espírito na dedicada humildade do serviço à evangelização ao culto e atividade sócio-caritativa, com as cautelas recomendadas e com todos os meios disponíveis. A causa o exige!

2020.10.13 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário