quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Florilégio temático no 1.º debate bimestral com o Primeiro-Ministro

 

O Parlamento estreou, neste dia 7 de outubro, o novo modelo de debates com o Governo aprovado pelo PS e pelo PSD, em que os partidos questionam, de dois em dois meses o Primeiro-Ministro durante cerca de três horas sobre política geral (178 minutos), seguindo-se mais 44 minutos de debate europeu, nos dias que esse debate tiver lugar, ou seja, antes e depois do Conselho Europeu. Nos outros meses, o debate será ente os deputados e ministros.

O líder do PSD, no arranque do debate, questionou o Governo se tem consciência da evolução da taxa de mortalidade em Portugal, referindo que, em 2020, será maior do que em anos anteriores; apontou problemas nos rastreios, por exemplo do cancro, no excessivo atraso nas consultas e cirurgias; e quis saber o que pensa o Governo fazer para contrariar essa evolução. E Costa respondeu a Rio com um estudo preliminar que aponta para uma possível relação com “a particular incidência da elevada temperatura”. Ou seja, a causa foi o calor, segundo o Governo.

Rio insistiu na questão da evolução da mortalidade exigindo uma resposta concreta e interpelou o Chefe do Governo sobre a promessa de que todos os portugueses iriam ter acesso a médico de família, o qual respondeu que ainda não foi cumprida a promessa de um médico de família para cada português, mas admitiu ser possível cumprir com a promessa, com a contratação de novos médicos de saúde geral no SNS. Depois, falou sobre a assistência médica durante a pandemia e reforçou que vai partilhar com o PSD o estudo preliminar sobre a mortalidade.

A líder do Bloco de Esquerda, evocando a não recondução do Presidente do Tribunal de Contas (TdC), criticou a troca e perguntou se não poderia ter sido feita de forma “isenta de polémica”. Ao nível da saúde, apontou o fraco auxílio dos privados no combate à pandemia de Covid-19 e disse que o Governo precisa de arranjar forma de contratar novos médicos para reforçar o SNS (Serviço Nacional de Saúde). Costa respondeu que o Governo tem feito de tudo para reforçar o SNS e sublinhou que o Governo aplicou 1400 milhões de euros no SNS só em 2020; frisou que o SNS tem mais 5200 profissionais do que os que tinha no final de 2019 e afirmou que, até ao fim de 2021, o Governo quer cumprir com a promessa de contratar os 8400 profissionais previstos. Por outro lado, confessou a sua surpresa com a falta de confiança para com as instituições e afirmou que não será com este Governo que se verá o TdC como “uma força de bloqueio”.

O líder do PCP abordou António Costa sobre a questão do aumento do salário mínimo e quis saber se o Governo pretende seguir uma política de valorização geral dos salários ou se vai acompanhar as opiniões – PSD – que apostam num “agravamento da crise”. E Primeiro-Ministro retorquiu que o Governo está a fazer um esforço para conseguir um aumento do salário mínimo nacional, que será sempre abaixo dos valores conseguidos no ano passado, mas reassumindo o objetivo do aumento do salário mínimo nos 750 euros até ao final da legislatura.

E Jerónimo de Sousa, a sublinhando a necessidade de reforçar SNS, lembrou que existem milhares de portugueses sem médico de família e questionou o Governo sobre a forma como pretende recuperar e normalizar o funcionamento do SNS.

O líder parlamentar do CDS, Telmo Correia, disse que não compreende a saída do presidente do TdC, pelo que atirou: “Quem faz um trabalho sério e útil não é reconduzido. Se critica o PS leva um par de patins.”. Depois, criticou a proposta do Governo para a revisão da contratação pública, notando que “está a escandalizar muita gente” e frisando a existência de alguns aspetos “inaceitáveis”, como por exemplo o aumento em “35 vezes” do teto para não ser necessário concurso público, que “passa de 150 mil para 5.2 milhões de euros”. E o líder do Governo, explicou o critério para trocas na justiça, afirmando ter recorrido à máxima do Presidente da República sobre a renovação dos mandatos no caso de a nomeação ser feita pelo Presidente sob proposta do Governo e que isso já tinha sido feito no caso da saída de Joana Marques Vidal do cargo de PGR. A seguir, lembrou que o atual código foi aprovado por decreto-lei e assinalou que, “ao fim de 4 anos depois de avaliação” e de inúmeras críticas de várias entidades, o executivo decidiu “proceder à alteração desse diploma”. E, embora o pudesse fazer nos mesmos moldes, decidiu apresentar uma proposta de lei à AR, “para que toda a revisão fosse totalmente transparente e contasse com o contributo positivo dos senhores deputados”, ficando certo de que “a lei que sairá desta Assembleia da República será uma seguramente excelente lei” e que “irá assegurar a “máxima transparência com o mínimo de burocracia”, o que facilitará a captação e a gestão descentralizada dos fundos europeus para obviar à crise

Inês Sousa Real, do PAN, interpelou o Governo sobre a “preocupante” forma como Vítor Caldeira foi afastado do TdC, pois teve um mandato “corajoso” e lamentou que a AR tenha ficado de fora do processo de nomeação do novo presidente do TdC. Além disso, mostrou-se preocupada com o fraco aumento do salário médio em Portugal e sustentou que é necessário rever os escalões do IRS. E António Costa mostrou-se irónico relativamente aos unânimes elogios ao antigo presidente do TdC referindo que foi uma escolha feita pelo seu Governo. Admitiu que o Governo não tem conseguido promover um aumento do salário médio nacional ao nível do salário mínimo, mas garantiu que o Governo tem tentado promover outras compensações por via fiscal ou, por exemplo, pelo arrendamento acessível.

André Ventura, líder do Chega, mostrou-se irónico sobre os critérios do Governo e PR na recondução de cargos judiciais. E Costa repetiu que há um conjunto de cargos cuja nomeação cabe ao PR por iniciativa do Governo e o critério que tem sido definido é o que vale.

João Cotrim Figueiredo, do Iniciativa Liberal, critica o facto de o Primeiro-Ministro só voltar a um debate no Parlamento daqui a dois meses, quando “nas próximas 24 horitas” vai ser finalizada em Conselho de Ministros a proposta do Orçamento do Estado para 2021. E António Costa diz que não é preciso esperar dois meses porque no próximo dia 27 o Primeiro-Ministro vai voltar ao Parlamento para apresentar o Orçamento do Estado.

João Paulo Correia, do PS, acusou o PSD de ter recuperado “o discurso de Passos Coelho, quase de convite aos jovens para que emigrassem” e defendido um modelo económico do país que não resolve os problemas. Disse que o partido quer “saudar o Governo pelo sucesso nas negociações com os parceiros parlamentares” quanto ao próximo OE, documento que “não representaria um recuo” face ao “conquistado nos últimos cinco anos”. E garantiu “as negociações com o PCP e o BE estão a construir avanços significativos”.

Costa, reportando-se à questão da contratação pública, disse que, “para usar bem o dinheiro e não o gastar mal”, temos de “ser capazes de adotar um sistema de contratação que assegure também a possibilidade de executar a tempo e horas, sob pena de perdemos esse recurso”.

Maria Antónia de Almeida Santos, deputada do PS, questionou o Primeiro-Ministro sobre o futuro dos profissionais contratados a termo certo no âmbito do combate à Covid-19. E Ricardo Batista Leite, do PSD, sustentou que o combate passa pelas vacinas contra a gripe e contra as pneumonias, dizendo que sobre as últimas “não há uma única linha no plano outono-inverno” e que é incompreensível que mais de dez mil profissionais de saúde não acedam à vacina da gripe”. A isto, a pedido de Costa, a Ministra da Saúde, assegurando que o Governo está a preparar-se para garantir respostas à Covid e não Covid neste outono/inverno, explicou:

Recuperando a atividade no SNS e acreditando nos profissionais de saúde, dando-lhes mais meios. Continuaremos a combinar com aquilo que é o recurso a outros setores, sempre que for necessário, como nos testes e diagnóstico.”.

Batista Leite perguntou se o prémio aos profissionais de Saúde vai ser pago “em outubro ou em novembro”. Depois, disse que “ainda não apareceram 400 camas” que tinham sido prometidas para os Cuidados Intensivos e que estas são precisas “no inverno de 2020” e não “até ao final de 2021”. E Marta Temido garantiu que os profissionais de Saúde vão receber o prémio em 2020, “que é isso que está legislado e que esta casa determinou”. Além disso, referiu que o Governo se comprometeu e cumpriu com o reforço de ventiladores no Serviço Nacional de Saúde, tendo o Estado adquirido mais 966, dos quais 703 já estão instalados nas unidades de saúde.

O deputado Maló de Abreu, também do PSD, lembrou a criação das brigadas de ação rápida para perguntar se o número previsto destas é “suficiente”. E Ana Mendes Godinho, Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, falando a pedido de Costa, revelou que, “nos lares, houve reforço dos recursos humanos e financeiros”, que foi identificada, em relação às brigadas, a necessidade de criar 18 brigadas com 443 pessoas – enfermeiros e médicos –, cuja contratação é feita através da Cruz Vermelha”, e que “já foram ativadas dez vezes”.

Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda, trouxe a debate a proibição do corte de serviços essenciais ao debate para lembrar que esta terminou “na passada quinta-feira” e perguntou ao Governo se é possível decidir “proteger as famílias” nestas situações. Depois, defendeu que o problema das famílias não pode esperar por janeiro e pelo próximo OE e chamou a atenção  para o Estatuto do Cuidador Informal, aprovado no final de 2019. E, lamentando que apenas 32 dos candidatos tenham conseguido aceder ao subsídio do cuidador, disse que “devíamos cuidar de quem cuida”. António Costa, por seu turno, respondeu dizendo que “aquilo que é absolutamente fundamental nesta fase é apoiar as empresas para proteger o emprego e as famílias nos seus rendimentos”. E, afirmando que o Orçamento foi muito condicionado pela pandemia, justificou os atrasos no apoio aos cuidadores informais.

João Oliveira, do PCP, recordou dados de agosto que suscitam “preocupação” por indicarem que o investimento público vai ficar “mil milhões de euros abaixo do orçamentado”, depois de já ter sido reforçado no Orçamento Suplementar. E o líder do executivo afirmou que o Governo aumentou em 14% as verbas previstas para investimento público este ano e garantiu continuar a fazer um esforço no que toca ao investimento público.

Cecília Meireles, do CDS, dirigiu-se ao Primeiro-Ministro para se mostrar “surpreendida” ao perceber que, “nos últimos 5 anos, não houve cativações, mas sim problemas de contratação pública” – ao que o Chefe do Governo, acusando a deputada de falta de memória, lembrou que ela apoiou um Governo responsável por uma enorme carga fiscal.

Bebiana Cunha, do PAN, revelando preocupação com a saúde mental, trouxe ao debate o aumento da toma de medicamentos antidepressivos e ansiolíticos em Portugal durante a pandemia – ao que Marta Temido reagiu dizendo que a saúde mental é uma preocupação do Governo e revelando várias ferramentas que têm sido criadas, entre as quais uma linha de apoio.

A deputada do PAN falou sobre a “crueldade no transporte de animais vivos por via marítima a partir de Portugal”, referindo “terror” e animais “amontoados, feridos e doentes” e dizendo que o Governo “não pode continuar a varrer para debaixo do tapete”. E o Primeiro-Ministro disse que os animais não foram esquecidos, que têm sido aplicadas várias medidas para os proteger, e que “esta matéria tem merecido a melhor atenção e fiscalização do conjunto destes navios”.

André Ventura acusou a “falta claríssima de apoios aos setores mais necessitados” enquanto o Governo promete “1250 milhões para a habitação pública” e perguntou se esta era “para os mesmos de sempre, que andaram sem pagar impostos nos últimos anos ou, finalmente, para a classe média”. Além disso, falou da dívida do setor público às empresas, sendo que esta regista um aumento de 64 milhões de euros. E o Primeiro-Ministro, em reposta, revelou que vai haver descida do IVA da eletricidade para todas as famílias e empresas de uma forma sustentável.

João Cotrim Figueiredo disse ter sabido durante este plenário de “mais uma situação de uma grávida que teve de dar à luz sem poder estar acompanhada” e interrogou o Governo sobre quanto demorará a passar à DGS a recomendação para que os partos possam ser acompanhados.

E Marta Temido respondeu afirmando que “a orientação da DGS é muito clara”. E disse:

As grávidas têm direito a acompanhante na realização do trabalho de parto, mas está em curso um aclaramento que ficará disponível ainda esta semana. Só em situações epidemiológicas é que tal poderá não se verificar.”.

***

Com a rarefação dos debates parlamentares com o Chefe do Governo, a par das incertezas sobre a evolução da crise, os temas em discussão saem da cartola a rodos – um verdadeiro florilégio temático. E, apesar da sua diversidade e importância, os parlamentares parece que dão mais enfâse à troca de cadeiras em certos lugares cimeiros na orgânica do Estado que na verdadeira, útil, urgente e eficaz solução dos problemas do país.

Outra questão que move os deputados, tal como a sociedade civil, é a conexa com a capacidade de escrutínio da captação e gestão dos fundos comunitários para obviar à crise sistémica, agravada com a pandemia. Transparência máxima, burocracia mínima, capacidade de execução física e financeira dos projetos – diz o Governo. Mas as pessoas, olhando para a experiência passada, ficam céticas. E eu pergunto: “O Governo, tão pródigo a engrossar o elenco governativo e a engordar os gabinetes, em diálogo com os deputados que pouco se incomodam com a ética republicana, será capaz de afiançar a sua credibilidade junto dos cidadãos numa resposta eficaz à crise, acelerando a justiça, prevenindo e combatendo a corrupção, produzindo leis bem elaboradas e justas e criando mecanismos eficazes e équos de avaliação e controlo? Continuará a promiscuidade entre a política e as empresas, a política e a banca, a política e o futebol profissional? Que dizem a isto as oposições? Terão ou teriam melhores soluções?

2020.10.07 – Louro de Carvalho

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