O Parlamento
estreou, neste dia 7 de outubro, o novo modelo de debates com o Governo
aprovado pelo PS e pelo PSD, em que os partidos questionam, de dois em dois
meses o Primeiro-Ministro durante cerca de três horas sobre política geral (178 minutos), seguindo-se mais 44 minutos de debate europeu, nos
dias que esse debate tiver lugar, ou seja, antes e depois do Conselho Europeu. Nos
outros meses, o debate será ente os deputados e ministros.
O líder do
PSD, no arranque do debate, questionou o Governo se tem consciência da evolução
da taxa de mortalidade em Portugal, referindo que, em 2020, será maior do que
em anos anteriores; apontou problemas nos rastreios, por exemplo do cancro, no
excessivo atraso nas consultas e cirurgias; e quis saber o que pensa o Governo fazer
para contrariar essa evolução. E Costa respondeu a Rio com um estudo preliminar
que aponta para uma possível relação com “a particular incidência da elevada
temperatura”. Ou seja, a causa foi o calor, segundo o Governo.
Rio insistiu na questão da evolução da mortalidade exigindo
uma resposta concreta e interpelou o Chefe do Governo sobre a promessa de que
todos os portugueses iriam ter acesso a médico de família, o qual respondeu que
ainda não foi cumprida a promessa de
um médico de família para cada português, mas admitiu ser possível cumprir com
a promessa, com a contratação de novos médicos de saúde geral no SNS. Depois, falou
sobre a assistência médica durante a pandemia e reforçou que vai partilhar com
o PSD o estudo preliminar sobre a mortalidade.
A líder do
Bloco de Esquerda, evocando a não recondução do Presidente do Tribunal de
Contas (TdC), criticou a troca e perguntou se não poderia ter sido
feita de forma “isenta de polémica”. Ao nível da saúde, apontou o fraco auxílio
dos privados no combate à pandemia de Covid-19 e disse que o
Governo precisa de arranjar forma de contratar novos médicos para reforçar o
SNS (Serviço
Nacional de Saúde). Costa respondeu
que o Governo tem feito de tudo para reforçar o SNS e sublinhou que o Governo
aplicou 1400 milhões de euros no SNS só em 2020; frisou que o SNS tem mais 5200
profissionais do que os que tinha no final de 2019 e afirmou que, até ao fim de
2021, o Governo quer cumprir com a promessa de contratar os 8400 profissionais
previstos. Por outro lado, confessou a sua surpresa com a falta de confiança para
com as instituições e afirmou que não será com este Governo que se verá o TdC
como “uma força de bloqueio”.
O líder do
PCP abordou António Costa sobre a questão do aumento do salário mínimo e quis
saber se o Governo pretende seguir uma política de valorização geral dos
salários ou se vai acompanhar as opiniões – PSD – que apostam num “agravamento
da crise”. E Primeiro-Ministro retorquiu que o Governo está a fazer um esforço
para conseguir um aumento do salário mínimo nacional, que será sempre abaixo
dos valores conseguidos no ano passado, mas reassumindo o objetivo do aumento
do salário mínimo nos 750 euros até ao final da legislatura.
E Jerónimo
de Sousa, a sublinhando a necessidade de reforçar SNS, lembrou que existem
milhares de portugueses sem médico de família e questionou o Governo sobre a
forma como pretende recuperar e normalizar o funcionamento do SNS.
O líder
parlamentar do CDS, Telmo Correia, disse que não compreende a saída do presidente
do TdC, pelo que atirou: “Quem faz um
trabalho sério e útil não é reconduzido. Se critica o PS leva um par de patins.”.
Depois, criticou a proposta do Governo para a revisão da contratação pública,
notando que “está a escandalizar muita gente” e frisando a existência de alguns
aspetos “inaceitáveis”, como por exemplo o aumento em “35 vezes” do teto para
não ser necessário concurso público, que “passa de 150 mil para 5.2 milhões de
euros”. E o líder do
Governo, explicou o critério para trocas na
justiça, afirmando ter recorrido à máxima do Presidente da República sobre a renovação
dos mandatos no caso de a nomeação ser feita pelo Presidente sob proposta do
Governo e que isso já tinha sido feito no caso da saída de Joana Marques Vidal
do cargo de PGR. A seguir, lembrou que o atual código foi aprovado por decreto-lei e
assinalou que, “ao fim de 4 anos depois de avaliação” e de inúmeras críticas de
várias entidades, o executivo decidiu “proceder à alteração desse diploma”.
E, embora o pudesse fazer nos mesmos moldes, decidiu apresentar uma proposta de
lei à AR, “para que toda a revisão fosse totalmente transparente e contasse com
o contributo positivo dos senhores deputados”, ficando certo de que “a lei que
sairá desta Assembleia da República será uma seguramente excelente lei” e que “irá
assegurar a “máxima transparência com o mínimo de burocracia”, o que facilitará
a captação e a gestão descentralizada dos fundos europeus para obviar à crise
Inês Sousa
Real, do PAN, interpelou o Governo sobre a “preocupante” forma como Vítor
Caldeira foi afastado do TdC, pois teve um mandato “corajoso” e lamentou que a
AR tenha ficado de fora do processo de nomeação do novo presidente do TdC. Além
disso, mostrou-se preocupada com o fraco aumento do salário médio em Portugal e
sustentou que é necessário rever os escalões do IRS. E António Costa mostrou-se
irónico relativamente aos unânimes elogios ao antigo presidente do TdC
referindo que foi uma escolha feita pelo seu Governo. Admitiu que o Governo não
tem conseguido promover um aumento do salário médio nacional ao nível do
salário mínimo, mas garantiu que o Governo tem tentado promover outras
compensações por via fiscal ou, por exemplo, pelo arrendamento acessível.
André Ventura,
líder do Chega, mostrou-se irónico sobre os critérios do Governo e PR na
recondução de cargos judiciais. E Costa repetiu que há um conjunto de cargos
cuja nomeação cabe ao PR por iniciativa do Governo e o critério que tem sido
definido é o que vale.
João Cotrim
Figueiredo, do Iniciativa Liberal, critica o facto de o Primeiro-Ministro só
voltar a um debate no Parlamento daqui a dois meses, quando “nas próximas 24
horitas” vai ser finalizada em Conselho de Ministros a proposta do Orçamento do
Estado para 2021. E António Costa diz que não é preciso esperar dois meses
porque no próximo dia 27 o Primeiro-Ministro vai voltar ao Parlamento para
apresentar o Orçamento do Estado.
João Paulo
Correia, do PS, acusou o PSD de ter recuperado “o discurso de Passos
Coelho, quase de convite aos jovens para que emigrassem” e defendido um modelo
económico do país que não resolve os problemas. Disse que o partido quer “saudar
o Governo pelo sucesso nas negociações com os parceiros parlamentares” quanto
ao próximo OE, documento que “não representaria um recuo” face ao “conquistado
nos últimos cinco anos”. E garantiu “as negociações com o PCP e o BE estão a construir
avanços significativos”.
Costa, reportando-se
à questão da contratação pública, disse que, “para usar bem o dinheiro e não o
gastar mal”, temos de “ser capazes de adotar um sistema de contratação que
assegure também a possibilidade de executar a tempo e horas, sob pena de
perdemos esse recurso”.
Maria
Antónia de Almeida Santos, deputada do PS, questionou o Primeiro-Ministro
sobre o futuro dos profissionais contratados a termo certo no âmbito do combate
à Covid-19. E Ricardo Batista Leite, do PSD, sustentou que o combate passa
pelas vacinas contra a gripe e contra as pneumonias, dizendo que sobre as últimas
“não há uma única linha no plano outono-inverno” e que é incompreensível que
mais de dez mil profissionais de saúde não acedam à vacina da gripe”. A isto, a
pedido de Costa, a Ministra da Saúde, assegurando que o Governo está a
preparar-se para garantir respostas à Covid e não Covid neste outono/inverno,
explicou:
“Recuperando a atividade no SNS e
acreditando nos profissionais de saúde, dando-lhes mais meios. Continuaremos a
combinar com aquilo que é o recurso a outros setores, sempre que for necessário,
como nos testes e diagnóstico.”.
Batista
Leite perguntou se o prémio aos profissionais de Saúde vai ser pago “em outubro
ou em novembro”. Depois, disse que “ainda não apareceram 400 camas” que tinham
sido prometidas para os Cuidados Intensivos e que estas são precisas “no
inverno de 2020” e não “até ao final de 2021”. E Marta Temido garantiu que os
profissionais de Saúde vão receber o prémio em 2020, “que é isso que está
legislado e que esta casa determinou”. Além disso, referiu que o Governo se
comprometeu e cumpriu com o reforço de ventiladores no Serviço Nacional de
Saúde, tendo o Estado adquirido mais 966, dos quais 703 já estão instalados nas
unidades de saúde.
O deputado
Maló de Abreu, também do PSD, lembrou a criação das brigadas de ação rápida
para perguntar se o número previsto destas é “suficiente”. E Ana Mendes
Godinho, Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, falando a pedido
de Costa, revelou que, “nos lares, houve reforço dos recursos humanos e
financeiros”, que foi identificada, em relação às brigadas, a necessidade de
criar 18 brigadas com 443 pessoas – enfermeiros e médicos –, cuja contratação é
feita através da Cruz Vermelha”, e que “já foram ativadas dez vezes”.
Pedro Filipe
Soares, do Bloco de Esquerda, trouxe a debate a proibição do corte de serviços
essenciais ao debate para lembrar que esta terminou “na passada quinta-feira” e
perguntou ao Governo se é possível decidir “proteger as famílias” nestas
situações. Depois, defendeu que o problema das famílias não pode esperar por
janeiro e pelo próximo OE e chamou a atenção para o Estatuto do
Cuidador Informal, aprovado no final de 2019. E, lamentando que apenas 32
dos candidatos tenham conseguido aceder ao subsídio do cuidador, disse que “devíamos
cuidar de quem cuida”. António Costa, por seu turno, respondeu dizendo que “aquilo
que é absolutamente fundamental nesta fase é apoiar as empresas para proteger o
emprego e as famílias nos seus rendimentos”. E, afirmando que o Orçamento foi
muito condicionado pela pandemia, justificou os atrasos no apoio aos cuidadores
informais.
João
Oliveira, do PCP, recordou dados de agosto que suscitam “preocupação” por
indicarem que o investimento público vai ficar “mil milhões de euros abaixo do
orçamentado”, depois de já ter sido reforçado no Orçamento Suplementar. E o líder
do executivo afirmou que o Governo aumentou em 14% as verbas previstas para
investimento público este ano e garantiu continuar a fazer um esforço no que
toca ao investimento público.
Cecília
Meireles, do CDS, dirigiu-se ao Primeiro-Ministro para se mostrar “surpreendida”
ao perceber que, “nos últimos 5 anos, não houve cativações, mas sim problemas
de contratação pública” – ao que o Chefe do Governo, acusando a deputada de
falta de memória, lembrou que ela apoiou um Governo responsável por uma enorme
carga fiscal.
Bebiana
Cunha, do PAN, revelando preocupação com a saúde mental, trouxe ao debate o
aumento da toma de medicamentos antidepressivos e ansiolíticos em Portugal durante
a pandemia – ao que Marta Temido reagiu dizendo que a saúde mental é uma preocupação
do Governo e revelando várias ferramentas que têm sido criadas, entre as quais
uma linha de apoio.
A deputada
do PAN falou sobre a “crueldade no transporte de animais vivos por via marítima
a partir de Portugal”, referindo “terror” e animais “amontoados, feridos e doentes”
e dizendo que o Governo “não pode continuar a varrer para debaixo do tapete”. E
o Primeiro-Ministro disse que os animais não foram esquecidos, que têm sido
aplicadas várias medidas para os proteger, e que “esta matéria tem merecido a
melhor atenção e fiscalização do conjunto destes navios”.
André
Ventura acusou a “falta claríssima de apoios aos setores mais necessitados”
enquanto o Governo promete “1250 milhões para a habitação pública” e perguntou
se esta era “para os mesmos de sempre, que andaram sem pagar impostos nos
últimos anos ou, finalmente, para a classe média”. Além disso, falou da dívida
do setor público às empresas, sendo que esta regista um aumento de 64 milhões
de euros. E o Primeiro-Ministro, em reposta, revelou que vai haver descida do
IVA da eletricidade para todas as famílias e empresas de uma forma sustentável.
João Cotrim
Figueiredo disse ter sabido durante este plenário de “mais uma situação de uma
grávida que teve de dar à luz sem poder estar acompanhada” e interrogou o
Governo sobre quanto demorará a passar à DGS a recomendação para que os partos
possam ser acompanhados.
E Marta
Temido respondeu afirmando que “a orientação da DGS é muito clara”. E disse:
“As grávidas têm direito a acompanhante na
realização do trabalho de parto, mas está em curso um aclaramento que ficará
disponível ainda esta semana. Só em situações epidemiológicas é que tal poderá
não se verificar.”.
***
Com a
rarefação dos debates parlamentares com o Chefe do Governo, a par das
incertezas sobre a evolução da crise, os temas em discussão saem da cartola a
rodos – um verdadeiro florilégio temático. E, apesar da sua diversidade e
importância, os parlamentares parece que dão mais enfâse à troca de cadeiras em
certos lugares cimeiros na orgânica do Estado que na verdadeira, útil, urgente
e eficaz solução dos problemas do país.
Outra questão
que move os deputados, tal como a sociedade civil, é a conexa com a capacidade
de escrutínio da captação e gestão dos fundos comunitários para obviar à crise
sistémica, agravada com a pandemia. Transparência máxima, burocracia mínima, capacidade
de execução física e financeira dos projetos – diz o Governo. Mas as pessoas, olhando
para a experiência passada, ficam céticas. E eu pergunto: “O Governo, tão pródigo
a engrossar o elenco governativo e a engordar os gabinetes, em diálogo com os
deputados que pouco se incomodam com a ética republicana, será capaz de
afiançar a sua credibilidade junto dos cidadãos numa resposta eficaz à crise,
acelerando a justiça, prevenindo e combatendo a corrupção, produzindo leis bem elaboradas
e justas e criando mecanismos eficazes e équos de avaliação e controlo? Continuará
a promiscuidade entre a política e as empresas, a política e a banca, a política
e o futebol profissional? Que dizem a isto as oposições? Terão ou teriam
melhores soluções?
2020.10.07 –
Louro de Carvalho
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