domingo, 30 de abril de 2023

Jesus não é o rei da coroa e do cetro, mas o pastor do cajado

 

Após três domingos de Páscoa, em que proclamamos textos evangélicos diretamente conexos com a ressurreição do Senhor – a aparição de Jesus às mulheres e, em particular, a Maria Madalena; a visão do sepulcro vazio da parte de Pedro e de João; a caminhada dos discípulos de Emaús, em que Jesus (sem eles O reconhecerem) lhes explicou, pela Bíblia, tudo o que se referia ao Messias e Se lhes deu a conhecer aquando da fração do pão; e as aparições de Jesus no Cenáculo aos Dez, na tarde do dia da ressurreição, e aos Onze (com o desafio a Tomé), oito dias depois – somos convidados a voltar aos discursos de Jesus anteriores à sua Paixão e Morte e a entendê-los à luz da Páscoa do próprio Jesus, que tem de ser a nossa Páscoa.

Nestes termos, a liturgia do 4.º domingo da Páscoa confronta-nos com o discurso de Jesus, o Belo Pastor, sendo esta a componente messiânica a que nos dá a singularidade do Messias que o Pai nos enviou, bastante diferente do que o Povo de Israel esperava. Não é o rei ou o imperador cercado de enorme corte e coadjuvado por numerosos exércitos, mas o rei-pastor. Não usa coroa, nem trono, nem espada, nem cetro, mas o cajado, não para bater nas ovelhas, mas para Se apoiar na caminhada e lhes apontar o caminho. Trono, coroa e cetro ficarão para o fim dos tempos.

É de salientar que, embora seja fundamental a cruz redentora, as representações de Jesus, na primeva comunidade cristã, não são o Crucificado, mas o pastor com a ovelha ao ombro. Quer dizer que os primeiros cristãos olhavam para o Ressuscitado como o pastor, o guia, o amparo.

Por isso, o 4.º Domingo da Páscoa é considerado o “Domingo do Bom Pastor”, pois todos os anos a liturgia propõe, neste domingo, um trecho do capítulo 10 do Evangelho de João, no qual Jesus é apresentado como o “Belo e Bom Pastor”.

Neste Ano A, o trecho do Evangelho a proclamar e a meditar (Jo 10,1-10) insere-se na catequese joânica do Belo Pastor (ho poimên ho kalós). Esta imagem é pretexto para identificarmos a missão de Jesus: a obra do Messias é conduzir o homem às pastagens verdejantes e às fontes cristalinas, onde nos saciamos e de onde brota a vida em plenitude, como fica plasmado no Salmo 23.

A imagem do Belo e Bom Pastor não foi inventada pelo autor do 4.º Evangelho. O seu discurso simbólico está construído com materiais do Antigo Testamento (AT), em especial, do capítulo 34 de Ezequiel (Ez 34), a chave para compreender a alegoria do pastor e do rebanho.

Aos exilados da Babilónia Ezequiel mostra que os líderes de Israel foram, ao longo da História, maus pastores, que guiaram o Povo por caminhos de desgraça e de morte. Ao invés, o próprio Deus assumirá a condução do Povo e porá à frente do Povo um Bom Pastor, o Messias, que o livrará da escravidão e o conduzirá à vida. E a catequese joânica sugere que a promessa – veiculada por Ezequiel – se cumpre em Jesus.

O trecho em referência deve ser entendido no contexto da denúncia da atuação dos dirigentes espirituais judeus. No episódio do cego de nascença, tinha ficado claro que os dirigentes não estavam interessados em acolher a luz e em deixar que o Povo escolhesse a liberdade que Jesus oferecia. E Jesus avisa os dirigentes de que veio chamá-los a juízo (krîma) por causa da sua má gestão como líderes do Povo de Deus: preferiram as trevas da sua autossuficiência e impediam o Povo de descobrir a luz libertadora que Jesus lhes trouxe.

O trecho referente a este 4.º domingo, no Ano A, está dividido em duas partes.

Na primeira (Jo 10,1-6), Jesus apresenta-se como o Pastor, cuja ação se contrapõe à dos dirigentes judeus, que se arrogam o direito de pastorear o rebanho do Povo de Deus, mas sem serem pastores. Esses são mercenários (não buscam o bem da grei) ladrões e bandidos, que se servem das suas prerrogativas para explorar o Povo e usam a violência para o manter sob escravidão. Aproximam-se do Povo de forma abusiva e ilegítima: “não entram pela porta”; foram eles que a usurparam; o seu objetivo não é o bem das ovelhas, mas o próprio interesse e o dinheiro. Ao contrário, Jesus é o Pastor, que entra pela porta: tem mandato de Deus e a missão foi-Lhe confiada pelo Pai.

Em Ezequiel, o papel do pastor correspondia, primeiro, a Deus; e, no futuro, ao enviado de Deus, o Messias, o descendente de David.

Ao apresentar-se como Aquele “que entra pela porta”, com autoridade legítima, Jesus declara-Se o Messias (Khristós) enviado por Deus, para guiar o Povo às pastagens onde há vida em abundância. Entra no redil das ovelhas, para cuidar delas, não para as explorar. A sua missão é libertá-las das trevas em que os dirigentes as trazem e conduzi-las ao encontro da luz libertadora.

Jesus exerce a sua missão, começando por chamar as ovelhas, pronunciando os seus nomes. Com efeito, conhece cada uma e com cada uma quer ter relação pessoal de amor, de proximidade, de comunhão. Para Jesus, não há a massa, mas pessoas concretas, com a sua identidade, riqueza e dignidade. Ninguém é obrigado a responder-Lhe, mas os que Lhe responderem farão parte do seu rebanho. Jesus conduzi-los-á “para fora”, para as pastagens verdejantes e para as águas cristalinas.  

Jesus não veio instalar-Se na instituição judaica, geradora de opressão, mas veio criar uma comunidade humana nova – a comunidade do novo Povo de Deus.

Depois, o pastor caminhará diante das ovelhas e estas segui-Lo-ão. Indica-lhes o “caminho”, que é Ele próprio (cf Jo 14,6), e que leva à vida. As ovelhas seguem-No. Seguir traduz a atitude do discípulo, instado a seguir Jesus no trilho do amor e do dom da vida, a fazer d’Ele a sua referência fundamental e a aderir a Ele de todo o coração. As ovelhas “escutam a sua voz”, porque sabem que só a voz de Jesus as conduz, com segurança, ao encontro da vida definitiva.

Na segunda parte (Jo 10,7-9), Jesus apresenta-Se como “a porta”. Aqui, Ele já não é o pastor legítimo que passa pela porta, mas é própria “porta”.

A imagem da porta pode aplicar-se aos líderes que pretendem o acesso ao redil ou às próprias ovelhas. No atinente aos líderes, sugere que ninguém pode ir ao encontro das ovelhas, se não tiver mandato de Jesus, e que ninguém pode ir ao encontro das ovelhas, se não tiver os sentimentos e a atitude de Jesus, que não é a da exploração das ovelhas, mas a de lhes dar vida. No respeitante às ovelhas, significa que Jesus é o único lugar de acesso para que as ovelhas encontrem as pastagens de vida. Passar pela porta significa aderir a Jesus, segui-Lo, acolher a sua proposta. As ovelhas que passam pela porta passam para a terra da liberdade, onde não mandam os chefes que exploram e roubam, e onde acharão pasto de vida em plenitude.

E o trecho em causa termina com a reafirmação do contraste entre Jesus e os dirigentes religiosos judaicos. Esses usam a grei para satisfazer os próprios interesses egoístas, despojam e exploram o povo; mas Jesus só procura que o rebanho viva em pleno.

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O trecho da primeira Carta de Pedro (1Pe 2,20b-25), utilizado como segunda leitura, apresenta-nos também Cristo como o Pastor que guarda e conduz as suas ovelhas. O catequista insiste em que os crentes devem seguir este Pastor. E segui-Lo é responder à injustiça com o amor.

Estamos perante um excerto de uma perícopa em que o autor apresenta aos seus destinatários um conjunto de conselhos sobre a conduta que os cristãos devem assumir em várias situações, mais especificamente, sobre os deveres dos servos para com os seus senhores.

No centro desta catequese, está o exemplo de Cristo: sofreu, sem ter feito mal nenhum; maltratado pelos inimigos, não respondeu com agressão e com vingança; pelo dom da vida, eliminou o pecado que afasta os homens de Deus e uns dos outros. É o Pastor que guia e guarda os crentes.

Para descrever a atitude de Cristo, o catequista recorre ao quarto cântico do Servo de Javé, o servo sofredor que não cometeu pecado algum e em cuja boca não se encontrou mentira, que suportou pacientemente as injustiças e de cuja entrega resultou vida para o seu Povo.

Estamos perante um hino cristão da liturgia primitiva, que compara o sofrimento de Cristo ao sofrimento do servo de Javé e o valor salvífico da morte de Cristo ao da morte do servo.

O catequista utiliza também imagem do pastor, de Ez 34. O profeta falava de Deus como “o bom pastor”, que viria cuidar das ovelhas fracas, doentes e tresmalhadas. Ao ligar o tema do pastor ao do sofrimento de Cristo, a Carta sugere que foi do sofrimento de Cristo que resultou vida e salvação para a grei.

Do exemplo de Cristo, tiram-se as consequências para a vida dos cristãos: como Cristo, os crentes são instados a responder às ofensas e injustiças com bondade e com mansidão. Isto é “uma graça” para Deus, ou seja, é uma atitude agradável a Deus e que resulta da graça de Deus. Por isso os servos são aconselhados a suportar, com paciência, as provações a que são sujeitos pelos seus senhores (a luta contra a servidão não se faz de súbito: requer tempo). E mais ainda: o cristão, seguidor de Jesus que sofreu sem culpa e que suportou os sofrimentos com amor, deve rejeitar, em absoluto, o recurso à violência. É na mansidão que a graça de Deus se manifesta.

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No entanto, não podemos desvalorizar o facto de a Liturgia da Palavra se ter iniciado com a exortação de Pedro no dia de Pentecostes (At 2,14a.36-41).

Pedro é o porta-voz de uma comunidade que, iluminada pelo Espírito, toma consciência da necessidade de testemunhar Jesus, a sua vida, morte e ressurreição. O segmento textual hoje meditado constitui uma catequese sobre a atitude correta para acolher a salvação que Deus faz aos homens, por meio dos discípulos de Jesus. Os homens e mulheres, sobretudo provenientes da diáspora, que escutaram, no dia do Pentecostes, o discurso petrino representam a comunidade do antigo Povo de Deus, destinatária primeira desse kérigma que a comunidade cristã primitiva é chamada a propor.

Em nome da comunidade, Pedro, convida a comunidade do antigo Povo de Deus a reconhecer que rejeitou o Senhor (kýrios – nome grego que traduz o nome “Adonai” hebraico – dado pelos judeus a Javé), o Messias (Khristós, o “ungido” de Deus, que veio concretizar as promessas de Javé ao seu Povo) e a tirar daí as consequências. Face a essa interpelação, os ouvintes sentiram o coração “trespassado” (do verbo “katanyssô” – “afligir-se profundamente”). Sentiram o “pesar”, sentiram “pontadas no coração”, por terem contrariado a justiça. Estão arrependidos, abertos à mudança de vida, à “metanoia”.

Por conseguinte, com total disponibilidade, face à interpelação perguntam: “Que havemos de fazer, irmãos?” É a atitude de quem reconhece, nas acusações, os seus erros e limitações, de quem está disposto a reequacionar a vida. E Pedro tem a resposta para cada crente: converter-se, ser batizado em nome de Cristo, receber o Espírito Santo, entrar na comunidade e salvar-se desta geração perversa.

A conversão implica a mudança radical da mente, dos valores, das atitudes e dos comportamentos, de modo que o coração se volte para Deus. No contexto neotestamentário, a conversão é a renúncia à autossuficiência e a atitude de quem acolhe Jesus como o salvador e O segue.

Pedir o batismo é reconhecer que Jesus tem a salvação e a vida nova, optar por essa vida que Jesus propõe e incorporar-se na comunidade dos que O seguem. Receber o batismo significa receber o Espírito Santo, pois, ao optar por Cristo, o crente acolhe, no coração, a vida de Deus, e a sua existência passa a ser animada pelo dinamismo divino, que o recria, o vivifica.

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Por fim, acolher Jesus implica implorar que haja muitos que aceitem a liderança da grei à maneira de Cristo, o único Pastor; reconhecer os que são bons líderes (bons pastores) e cooperar com eles; rezar para que os maus líderes (que agem com a mira no prestígio, no dinheiro ou no poder) se convertam; facilitar o trabalho daqueles que têm de ir à frente da grei, para rasgar caminho, aparar os primeiros embates e chamar as ovelhas para as boas pastagens e para as águas puras; pedir aos condutores da grei que se coloquem no meio, como aglutinadores do rebanho; solicitar aos líderes que se coloquem na cauda do rebanho, a incitar as ovelhas que andam mais devagar e a amparar as mais doentes e pô-las a salvo; ver os pastores e o rebanho com os olhos de Deus, não ignorando o mal, mas relevando o bem. Acolher Jesus implica tornar-se, segundo a condição de cada um, integrado na comunidade e assumir a sua tarefa de participação ativa no bom pastoreio.

O bom pastoreio – o apostolado do Reino – é um belo fruto da Páscoa!

2023.04.30 – Louro de Carvalho

sábado, 29 de abril de 2023

Provedora de justiça acusa perda de confiança dos pensionistas

 

A 29 de abril, o Expresso online publicou um texto da jornalista Liliana Valente, que pouco esclarece em relação à matéria em causa, sobretudo no atinente à asserção de que a provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, decidiu não enviar para o Tribunal Constitucional (TC) “a suspensão da atualização das pensões em 2022”..  

Refere que provedora não concorda com a forma como o governo decidiu fazer a atualização das pensões ou com os métodos como está a atribuir apoios sociais, para fazer face à inflação, sustentando que está a haver uma perda de confiança. Porém, diz a jornalista, decidiu não enviar para o TC a suspensão da lei (?) de atualização das pensões que lhe tinha sido pedida pela Associação de Aposentações, Pensionistas e Reformados (APRe!).

Por outro lado, anota que a atualização das pensões não é a única medida do governo a ser avaliada pela provedora, mas que todas as medidas de apoios diretos do Estado, nos últimos meses, estão debaixo do seu escrutínio, visto que a sua atuação não se esgota na legalidade das medidas, mas visa também a avaliação da sua justiça. E, no caso das pensões, entende que o governo não foi claro e que isso causou incerteza nos pensionistas, causando perda de confiança, como consta em missiva de resposta à queixa da APRe!.

Esta associação tinha pedido, em janeiro, à provedora que avaliasse a decisão do governo, do ano passado, de aumentar as pensões de 2023, apenas pela metade do valor da inflação e atribuindo o remanescente numa prestação extraordinária, antecipada em outubro de 2022. Todavia, apesar de considerar que esta metodologia viola a “confiança” dos pensionistas, Maria Lúcia Amaral não entende que esteja em causa a violação do princípio constitucional da proteção da confiança, princípio que os juízes do TC, sendo a atual provedora, nessa altura, sua vice-presidente, julgaram ter sido posto em causa, quando decidiram, em 2013, pela inconstitucionalidade da convergência dos sistemas de pensões – da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações, que levaria a um corte de 10% nas pensões que estavam em pagamento, acima de 600 euros.

Porém, o TC não se pronunciou sobre eventual decisão de cortes em pensões futuras. Além disso, o seu presidente de então, Sousa Ribeiro, esclarecia que nunca se afirmou, nem se afirmava “a intangibilidade das pensões”. Ou seja, entendiam os juízes do Palácio Ratton que mexer em todas as pensões podia, legitimamente, ocorrer no âmbito da restruturação de todo o regime por via parlamentar.  

Diz a jornalista que o envio do diploma para o TC, pela provedora, era a última esperança da APRe!, para que tal fosse avaliado, uma vez que o Presidente da República não o fez, tendo ponderado apenas fazê-lo, se, para 2024, não fosse reposta a base integral para atualização das pensões. Por sua vez, os deputados, até agora, não se uniram para requerer ao TC a apreciação sucessiva da constitucionalidade ou da legalidade do diploma ou dos diplomas em causa.

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Ora, como se joga com a ambiguidade do termo “confiança”, é oportuno refletir sobre o caso.

A provedora sustenta que os pensionistas estão a perder a “confiança” no governo (há violação da confiança), mas não vislumbra que haja violação da proteção constitucional da “confiança” (não há violação da confiança). Dá para ficarmos a pensar que, se os pensionistas perderam a confiança no governo, o problema é deles (nosso, que eu também pertenço ao clube, embora não integre a APRe!). Mas não é assim.

A legislação que serve de respaldo aos anúncios do governo sobre a matéria não suspende a fórmula da atualização das pensões, nos termos da Lei n.º 53-B/2006, de 29 de dezembro, que institui o indexante dos apoios sociais (IAS) e fixa as regras da sua atualização e das pensões e de outras prestações atribuídas pelo sistema de segurança social (SS), e na Lei n.º 52/2007, de 31 de agosto, que adapta o regime da Caixa Geral de Aposentações (CGA) ao regime geral de SS em matéria de aposentação e de cálculo de pensões. O que sucede, em meu entender, é que o governo, escudado no Parlamento, se furtou ao cumprimento dessas leis, invocando o disparo da inflação, então galopante, e a necessidade de ter as contas certas, face à incerteza criada pela guerra e pela crise energética e alimentar. Por outro lado, criou um grupo de missão para estudar o regime de pensões e para, eventualmente, surgir a alteração da fórmula da sua atualização.  

Sem falar dos apoios que o governo entendeu atribuir às empresas, no contexto da presente crise (não sei se a provedora os inclui no seu escrutínio), está em causa o Decreto-Lei n.º 57-C/2022, de 6 de setembro, que procede à criação e à definição do âmbito e das condições específicas do apoio extraordinário a titulares de rendimentos e prestações sociais; à criação e à definição do âmbito e condições específicas do complemento excecional a pensionistas; e ao estabelecimento da obrigatoriedade de menção, na fatura ou em documento equiparado, da redução efetiva da carga fiscal nos consumos de gasolina sem chumbo e de gasóleo rodoviário, refletindo-se no preço de venda ao público destes produtos.

O diploma em referência, no atinente às pensões, criou um complemento excecional a pensionistas, para compensação do aumento conjuntural de preços, correspondente a 50 % do valor total auferido em outubro de 2022, excetuando os pensionistas cuja pensão seja superior a 12 vezes o IAS.

Mais tarde, o artigo 5.º da Lei n.º 19/2022, de 21 de outubro – que determina o coeficiente de atualização de rendas para 2023, cria o apoio extraordinário ao arrendamento, reduz o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) no fornecimento de eletricidade, estabelece o regime transitório de atualização das pensões, estabelece um regime de resgate de planos de poupança e determina a impenhorabilidade de apoios às famílias – criou o regime transitório de atualização das pensões.

Nos termos desse regime, as pensões regulamentares de invalidez e de velhice do regime geral de SS e da CGA e demais pensões, subsídios e complementos, atribuídos anteriormente a 1 de janeiro de 2022, são atualizados nos termos seguintes: em 4,43 %, as pensões de valor igual ou inferior a duas vezes o valor do IAS; em 4,07 %, as pensões de valor superior a duas vezes o valor do IAS, até seis vezes o valor do IAS; e em 3,53 %, as pensões de valor superior a seis vezes o valor do IAS, até 12 vezes o valor do IAS. O valor das pensões é atualizado com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2023.

Mais tarde, o artigo 87.º da Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2023, estabelece que o governo atualiza, através de portaria, as pensões e demais prestações acima das percentagens previstas no n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 19/2022, de 21 de outubro, em função da evolução do Índice de Preços no Consumidor (IPC) e do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

Na sequência das referidas leis, em que fica estabelecido o regime transitório de atualização das pensões, foi publicada a Portaria n.º 24-B/2023, de 9 de janeiro, que procede à atualização anual das pensões para o ano de 2023, revisitando todos os tipos de pensões em vigor, em cujo pagamento têm responsabilidades organismos do Estado.

Nos termos do artigo 2.º da portaria em referência, as pensões estatutárias e regulamentares de invalidez e de velhice do regime geral de segurança social e as pensões de aposentação, de reforma e de invalidez, do regime de proteção social convergente, atribuídas anteriormente a 1 de janeiro de 2022, são atualizadas pela aplicação das percentagens seguintes: 4,83 %, para as pensões de montante igual ou inferior a 960,86 euros; 4,49 %, para as pensões de montante superior a 960,86 euros e igual ou inferior a 2882,58 euros; e 3,89 %, para as pensões de montante superior a 2882,58 euros. Por sua vez, os artigos 3.º e 4.º estabelecem valores mínimos de atualização e valores mínimos de pensão de invalidez e de velhice, respetivamente.

A atualização das pensões não abrangia os que a elas adquiram direito no ano de 2022, nem as que superem 12 vezes o valor do IAS.

Perante estas medidas, levantaram-se os razoáveis clamores de que os pensionistas – grupo social sem capacidade reivindicativa – perdiam poder de compra, ficando em crescente risco de empobrecimento. E esta verdade, clamada à direita e à esquerda do partido do governo, foi enfatizada pela campanha, supostamente hipócrita, dos partidos mais à direita, que tinham a solução na manga.

Tanto assim foi que, mercê dos casos e dos casinhos protagonizados ou secundados pelo governo, este, que atirava para 2024 a resolução definitiva sobre a atualização das pensões, em função da evolução da economia e da inflação, talvez devido ao decréscimo do partido do governo nas sondagens, lançou a ideia de possível aumento intercalar das pensões em outubro próximo.

Entretanto, surpreendentemente, o primeiro-ministro anunciou um novo aumento de pensões (cujos valores percentuais superam os anteriores), a vigorar a partir de julho, garantindo que esta atualização abrangia os pensionistas que entraram nessa condição em 2022 e que a fórmula, que era tida por suspensa, se manteria.

Assim, o Decreto-Lei n.º 28/2023, de 28 de abril, estabelece um regime de atualização intercalar das pensões. No quadro deste regime, as pensões atualizáveis (ou seja, as que não superem 12 vezes o valor do IAS), incluindo as definidas no ano de 2022, são aumentadas em 3,57%, a partir de 1 de julho. Só é de esperar que a portaria regulamentadora não nos faça esperar meses ou anos para que os pensionistas possam ver a sua carteira mais bem almofadada.

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Resta perguntar qual dos diplomas deveria ser submetido ao TC. O problema não é de confiança no governo, mas de incerteza em tempos de crise (de guerra e económica) subsequente à crise de covid-19, de que o Mundo ainda não estava refeito e de obsessão governativa pelas contas certas (redução da dívida e do défice). Sofre-se com a penúria, mas duvida-se de que os atuais corifeus da mudança fizessem melhor. Prometeram alívios ficais e fizeram o contrário. Prometeram melhoria do nível de vida e correção de assimetrias e as bolsas ficaram mais vazias, tendo melhorado apenas as dos mais ricos. Só Deus faz milagres!

2023.04.29 – Louro de Carvalho

Ouvimos demasiado a voz das armas e pouco as vozes do diálogo

 

A Câmara Municipal de Mafra e o Instituto para a Promoção da América Latina e Caraíbas (IPDAL) organizaram, para os dias 27 e 28 de abril, o III “Mafra Dialogues – Diálogo Inter-religioso e Paz Global”, que reuniu, no Palácio Nacional de Mafra, influentes personalidades e organizações mundiais, para debate das ameaças à paz e à segurança internacional.

Face à emergência de novos desafios globais, surge a necessidade da elaboração de um roteiro de propostas que mantenham a humanidade no caminho da procura partilhada de soluções pacíficas.

No programa, destacam-se dois painéis – Desafios à Paz Global: Europa e Indo-Pacífico” e Diálogo Inter-religioso”; a mensagem especial da Santa Sé, através de videomensagem do arcebispo Monsenhor Paul Gallagher, secretário para as Relações com os Estados, da Santa Sé; e as palestras do cardeal Dieudonné Nzapalainga, perito do Centro Internacional Rei Abdullah bin Abdulaziz para o Diálogo Inter-religioso e Intercultural (KAICIID, na sigla inglesa) e Bispo de Bangui, e de José Ramos-Horta, Presidente da República de Timor-Leste.

Merece, ainda, destaque a presença de Paulo Neves, presidente do IPDAL, de Hélder Sousa Silva, presidente da Câmara Municipal de Mafra – a entidade anfitriã –, de Irene Fellin, Special Representative for Women, Peace and Security, da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN/NATO), e de José Múcio, ministro de Estado da Defesa do Brasil, que intervieram na sessão de abertura; de Elizabeth Spehar, UN (United Nations) Assistant Secretary-General for Peacebuilding Support, que presidiu ao encerramento dos trabalhos, no dia 27; e de Helena Carreiras, ministra da Defesa Nacional de Portugal, que presidiu à sessão de encerramento.

No 1.º painel, participaram Susana Malcorra, copresidente do International Crisis Grou; Duarte Pacheco, presidente da União Interparlamentar; Jyun-yi Lee, Associate Research Fellow, do Institute for National Defense and Security Research (INDSR), Taiwan; Emilio Cassinello, diretor-geral do Centro Internacional de Toledo para a Paz; Serge Stroobants, diretor para a Europa do Institute for Economics and Peace; e Hanna Shelest, Security Studies Program Director, Ukranian Prism.

No 2.º painel, participaram Mónica Ferro, diretora do Escritório de Genebra, do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA); o embaixador Adelino Silva, diretor executivo do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa; o rabino Daniel Goldman, copresidente do Instituto de Diálogo Inter-religioso (IDI) da Argentina; Agustin Nuñez, diretor-sénior do Programa de África, do KAICIID; e o Embaixador Arif Lalani, antigo Enviado Especial do Canadá para a Organização de Cooperação Islâmica (este participou online).

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O cardeal e arcebispo de Bangui, que tem desempenhado papel crucial na recuperação da paz no seu país, a República Centro-Africana (RCA) sustentou que, se queremos a paz na Ucrânia, precisamos de redirecionar as energias, que têm estado focadas apenas num eixo, o do armamento, e passar às linguagens do diálogo e da paz.

“Ouvimos demasiado a voz das armas, mas também há a voz do diálogo para a paz”, afirmou, na sua palestra, no dia 28, frisando que esse diálogo deve ser visto como “técnica de resolução de conflitos, que não se foca no resultado final, mas na transformação que ocorre durante o diálogo”. “Durante uma sessão de diálogo, em vez de nos focarmos em questões materiais, o foco deve estar nas emoções. É apenas porque se concentra na esfera emocional que o diálogo transforma as pessoas”, defendeu.

O cardeal exemplificou, praticamente, como as “emoções tiveram um papel fundamental” na resolução de crises na RCA. Em 2017, na cidade de Bangassou, a 750 km da capital Bangui, “os antiballakas, milícias que se dizem cristãs, preparavam-se para atacar o seminário menor da cidade, onde os muçulmanos se refugiavam. Estava o arcebispo em missão, naquela cidade, com Clarice Manehou, presidente da coordenação feminina da plataforma das denominações religiosas da RCA. Durante uma semana, dialogaram com os líderes dos antiballakas para os dissuadirem do projeto. Ao oitavo dia, Clarice Manehou ajoelhou-se diante do líder dos antiballakas, para lhe dizer, em lágrimas, que era uma mulher, mas, acima de tudo, uma mãe e que todos eles tinham nascido de uma mulher e que ela era como a mãe deles, pelo que os exortava a interromper aquele projeto desastroso. Após alguns momentos de silêncio, a emoção tomou conta do líder, que foi junto daquela mulher e lhe disse: “Mamã, ouvimos o teu recado”. No dia seguinte, não só desistiram do plano, como também depuseram as armas, o que “possibilitou o regresso dos muçulmanos à cidade”.

O cardeal Nzapalainga, que é um dos líderes da Plataforma Inter-religiosa da RCA, com o líder da Comunidade Islâmica e com o presidente da Aliança Evangélica do país, sustenta que experiências como esta podem ser transpostas para a realidade europeia. E sugeriu tentar unir a sociedade civil russa e ucraniana, em que muitas pessoas são contra a guerra; e mostrar, na televisão, exemplos dessas pessoas unidas, como famílias russas e ucranianas a rezar em conjunto. Na verdade, na ótica do cardeal e arcebispo, “há pessoas que estão inativas e que podem dar o seu contributo” para este diálogo.

A posição do arcebispo de Bangui, no seu muito aplaudido discurso, foi corroborada por Monsenhor Paul Gallagher, secretário para as Relações com os Estados, da Santa Sé, que, numa mensagem em vídeo, abriu os trabalhos do segundo dia do encontro.

Paul Gallagher defendeu que a paz “não se baseia na dissuasão das armas”, mas exige um trabalho ao nível da educação. Ou seja, “a paz está também nas mãos de cada um de nós”.

“A paz é algo mais desejado do que procurado, – afirmou na sua mensagem – e esta é uma das razões pelas quais o Papa acredita que se está a viver uma terceira Guerra Mundial”, com 27 conflitos em curso em todo o Mundo e com os níveis de violência a aumentar.

Por isso, o chefe da diplomacia do Vaticano lançou um apelo: “Temos de fazer mais. A paz precisa de especialistas, mas está também nas mãos de cada um de nós”, adiantou, considerando que essa paz “não se baseia na dissuasão das armas”, mas exige um trabalho ao nível da educação.

“Esperar que um conflito comece, para procurar a paz, é recorrer a remédios, quando surge uma emergência”, disse, para vincar que “a paz deve ser procurada dia a dia”, fazendo de cada pessoa “um arauto da paz” e construindo “uma ordem segundo a justiça e a caridade”.

Quanto às religiões, destacou, “devem estar na linha da frente da promoção da paz”. Até porque, na sua perspetiva, “é inegável que a humanidade precisa da religião para alcançar uma paz duradoura, pois a religião é uma bússola que nos orienta para o bem e nos afasta do mal”.

“As religiões ajudam a discernir o bem e a pô-lo em prática”, referiu Paul Gallagher. E, se isso não acontece, é porque são, muitas vezes, “instrumentalizadas”, o que “nunca deveria acontecer”. E é por isso que o terrorismo, associado à acumulação de interpretações incorretas dos textos religiosos”, é “deplorável”, acentuou.

E, concluindo que é muito importante que os líderes religiosos sejam “verdadeiros homens de diálogo”, atuando como “mediadores”, disse o que é o mediador: “Aquele que não retém nada para si, mas que se gasta generosamente até se consumir, sabendo que o único ganho é a paz.”

O Papa Francisco é o melhor exemplo desse tipo de mediador, avançou o rabino Daniel Goldman, copresidente do IDI da Argentina, que se juntou ao evento por videoconferência. O rabino disse ter conhecido o então cardeal Jorge Bergoglio, quando este era arcebispo de Buenos Aires, e partilhou como foi importante que tivesse sido criado, com o seu impulso, o organismo a que preside atualmente.

“Bergoglio organizou a primeira visita de um arcebispo católico ao centro islâmico de Buenos Aires” e foi na sequência dessa visita, em que Daniel Goldmann também participou, que o diálogo inter-religioso assumiu um papel mais relevante na Argentina. “Ele, depois, transportou isso para o nível internacional” e “é esse o caminho”, defendeu o rabino.

Também o arcebispo de Bangui havia referido o Papa como um exemplo a seguir. “Desde 2013, o Papa Francisco enfatiza o diálogo e a cooperação inter-religiosa como forma de promover a paz e a harmonia entre as diferentes comunidades religiosas. Em particular, trabalhou para construir pontes entre a Igreja Católica e o Islão, reconhecendo a importância dessa relação no atual contexto global”, assinalou.

Dieudonné Nzapalainga recordou que, em 2014, Francisco organizou uma reunião de oração no Vaticano com o presidente israelita, Shimon Peres, e com o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, com o objetivo de promover a paz no Médio Oriente e que essa reunião incluiu orações de líderes judeus, muçulmanos e cristãos, tendo sido vista “como um símbolo de esperança e unidade”.

“Em 2019, – assinalou – fez uma visita histórica aos Emirados Árabes Unidos [EAU], onde conheceu o Grande Imã de Al-Azhar, xeque Ahmed el-Tayeb, uma das figuras mais importantes do Islão sunita”. Foi durante esta visita que ambos assinaram o “Documento sobre a Fraternidade Humana para a Paz Mundial e Coexistência Comum”, que apelava precisamente a uma maior cooperação e compreensão inter-religiosa.

A chave está, pois, em fazer como Francisco: “reconhecer o outro como dom de Deus” e identificar os nossos “denominadores comuns” – concluiu o rabino Daniel Goldman. Estas são as tarefas “indispensáveis para alcançar a paz”.

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É necessário que estas iniciativas se multipliquem e levem os decisores internacionais a pensar mais na paz e menos nos nas vindictas, nos interesses territoriais parcelares e nos negócios dos equipamentos bélicos – sejam estes os das armas, os das munições, os dos mísseis e das bombas, os dos veículos, os dos drones e dos robôs ou os dos computadores.

É preciso ouvir e seguir a vozes do diálogo e das pontes. A paz acima de tudo!

2023.04.29 – Louro de Carvalho

sexta-feira, 28 de abril de 2023

Leigos e leigas também têm direito a voto no Sínodo dos Bispos

 

Não mudou a natureza nem o nome, pois mantém-se a designação de “Sínodo dos Bispos”, mas fica enriquecida a composição dos participantes na Assembleia Geral do próximo mês de outubro, no Vaticano, sobre o tema da sinodalidade: 70 não bispos (incluindo sacerdotes, religiosos e religiosas, leigos e leigas) participarão como membros votantes, identificados pelas Conferências Episcopais e pelos Conselhos das Igrejas Orientais, e, depois, nomeados pelo Papa. Pede-se que as mulheres estejam em 50% e que a presença dos jovens seja valorizada.

Todos os participantes terão direito a voto, chegando a um número de membros votantes na Sala Nova do Sínodo de cerca de 370, para um total de mais de 400 participantes. Até agora, havia um pequeno número de membros votantes não bispos e eram alguns membros de institutos religiosos clericais (portanto, só masculinos).

Os cardeais Mário Grech, atual secretário-geral do Sínodo dos Bispos, e Jean-Claude Hollerich, relator geral, rejeitam que se trate de revolução. Antes falam de “enriquecimento para a Igreja”. Assim o explicitaram num encontro na Sala de Imprensa da Santa Sé, a 26 de abril.

Essas são as principais mudanças e novidades introduzidas pelo Papa para o Sínodo que selará, no outono (e depois continuará em 2024), o caminho sinodal que ele lançou em 2021 e que envolveu as dioceses dos cinco continentes.

As novas disposições, que foram comunicadas, em carta, aos responsáveis das assembleias continentais celebradas na África, na Ásia, no Médio Oriente e na Oceânia, não revogam os regulamentos atuais, designadamente a Constituição Apostólica Episcopalis Communio de 2018, que já previa a presença de não bispos. Com as novidades de agora – justificadas no contexto do processo sinodal que Francisco queria que se começasse “de baixo para cima” – o número exato são 70, entre sacerdotes, religiosos e leigos, provenientes das Igrejas locais que representam o Povo de Deus. Portanto, não haverá mais “auditores”.

“Esta decisão”, como explica a Secretaria-Geral do Sínodo, “reforça a solidez do processo como um todo, incorporando na assembleia a memória viva da fase preparatória, através da presença de alguns dos que foram seus protagonistas. Deste modo, a especificidade episcopal da Assembleia Sinodal não é afetada, mas confirmada”. Trata-se de 21% da assembleia que continua a ser Assembleia de bispos, com uma certa participação de não bispos, cuja presença garante o diálogo entre a profecia do povo de Deus e o discernimento dos pastores, a circularidade colocada em prática durante todo o processo sinodal.

Mais pormenorizadamente, os membros “não bispos” são nomeados pelo Papa a partir de uma lista de 140 pessoas identificadas pelas Conferências Episcopais e pela Assembleia de Patriarcas das Igrejas Católicas Orientais (20 cada). Ou seja, cada assembleia continental proporá uma lista de 20 nomes e o Papa escolherá 10 de entre eles. Metade desses nomes devem de mulheres e os jovens devem ser também escolhidos: “porque o nosso mundo é assim”, vincam os cardeais.

Na escolha, leva-se em conta a cultura geral, a prudência, o conhecimento e a participação no processo sinodal. Como membros, têm o direito de votar. Um aspeto importante, embora o cardeal Grech espere “que um dia se possa dispensar o voto”, já que o sínodo é discernimento, oração, que não se apoia nos votos. O cardeal maltês também explicou que haverá uma única votação e não duas diferentes, uma para os bispos e outra para os não bispos.

As cinco religiosas e os cinco religiosos eleitos pelas respetivas organizações de Superioras Gerais e de Superiores Gerais (UISG, para o feminino; e USG, para o masculino) também terão direito a voto. Eles – outra novidade substancial – substituem os 10 clérigos dos Institutos de Vida Consagrada previstos no passado. As eleições – realizadas em plenário e por voto secreto pelos respetivos Sínodos, Conselhos e Conferências Episcopais – devem ser ratificadas pelo Papa. E, até que o Papa não confirme a eleição, os nomes dos eleitos não serão conhecidos pelo público.

Outra novidade é que a Assembleia também contará com a participação – mas sem direito a voto – de especialistas, pessoas competentes em vários aspetos, sobre o assunto em questão. E haverá delegados fraternos, membros de outras Igrejas e comunidades eclesiásticas. Pela primeira vez, as figuras dos facilitadores, também especialistas, facilitarão o trabalho nos vários momentos. É uma escolha que nasceu da experiência dos grupos de estudo e que mostrou como esses especialistas podem criar uma dinâmica que pode dar frutos. Há bispos que nunca participaram no Sínodo, pelo que é preciso facilitar a dimensão espiritual, explicou o cardeal Hollerich, enfatizando que, pela primeira vez, também haverá bispos de países que não têm uma Conferência Episcopal na Assembleia, como o Luxemburgo, a Estónia e a Moldávia. Dessa forma, “a Igreja será mais completa e será uma alegria tê-la toda reunida em Roma”.

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O cardeal Jean-Claude Hollerich, arcebispo de Luxemburgo, relator geral, explica em entrevista à media vaticana, a nova composição da assembleia de outubro e sublinha como a Igreja é chamada a ser missionária, com a sua diversidade, colocando Cristo no centro.

Não se trata de novidade absoluta, pois, já no passado, houve membros com direito a voto que não eram bispos. Não houve mulheres com direito a voto, mas membros não bispos, sim. Pode-se dizer que esse grupo está a tornar-se maior e inclui mulheres. O Sínodo continua a ser dos bispos, porque o bispo é sempre o pastor da sua Igreja, não se podendo ver a sua função separada do povo, das pessoas. Uma pequena parte dessas pessoas estará presente no Sínodo juntamente com os pastores. Terão uma missão especial, pois já tiveram a grande experiência de sinodalidade nas dioceses, depois, no âmbito de conferências episcopais e, por fim, no âmbito continental. Nem todos os bispos que participarão tiveram esta experiência. Portanto, a tarefa desses novos membros é ser testemunhas do que eles viveram para comunicá-lo.

Os bispos são a maioria. Cabe-lhes fazer um discernimento, que também já foi feito em vários níveis e que, no final, chegará ao Santo Padre. Esta é a etapa dos bispos, mas há uma questão de discernimento que foi oferecida pelo povo de Deus. Os novos membros do Sínodo representam, por assim dizer, a parcela não episcopal do povo de Deus.

É de não esquecer que os bispos pertencem ao povo de Deus. Mas é preciso entender os padres e os/as leigos/as mais como testemunhas e como memória do processo sinodal já realizado.

Sobre o tema do próximo Sínodo, o purpurado sustenta que, juntos, “podemos ser uma Igreja missionária, hoje e amanhã”. Para sermos uma Igreja sinodal e missionária, temos de experienciar viver “a Igreja como Deus quer no nosso tempo, para anunciar o Evangelho ao Mundo, aos nossos contemporâneos. A Igreja sempre foi sinodal, a ponto de São João Crisóstomo dizer que Sínodo e Igreja são sinónimos. O caminho que estamos fazendo, o envolvimento de todo o povo de Deus, mostra que o Espírito Santo nos conduz de maneira a colocar em prática o que o Concílio Vaticano II e, em particular, a Constituição “Lumen gentium” afirmaram.

No centro da próxima assembleia geral está este modo de ser Igreja, e não temas individuais, o que é também resposta à doença do nosso tempo, pós-moderno ou digital, mas eivado de crescente individualismo. E, como o individualismo impede a humanidade de subsistir, temos de apostar em elementos comunitários. Depois, há o crescente fenómeno da polarização, na sociedade e na mídia, mesmo nos que se referem ao catolicismo. O povo de Deus a caminhar junto é resposta a essas tendências. Porém, não fomos nós a inventar a sinodalidade: foi o Espírito Santo que despertou, agora, o desejo de sinodalidade experimentado pelas primeiras comunidades cristãs.

O Papa tem vincado a importância da escuta num tempo em que todos falam e todos fazem polémica, mas poucos escutam. E o cardeal revela que, às vezes, quando escuta, muda de ideias, o que lhe faz bem. Há evidências que não o são para todos no povo de Deus, pelo que é bom ter essa abertura, saber escutar. E é bom que as pessoas escutem os bispos, porque os bispos têm não só o papel de escutar, mas também de dar respostas e de serem pastores do povo. Não temos um parlamentarismo sinodal, onde a maioria decide e todos seguem, o sínodo não é um parlamento. Queremos discernir a vontade de Deus, deixar que o Espírito Santo nos guie.

É um processo espiritual, pelo que temos a conversa no Espírito: um modo de escutar e de dialogar, não com atitude de oposição, para conclusão comum. Há sempre necessidade de conversão neste processo: devem converter-se bispos, padres e leigos.

Devemos praticar a sinodalidade católica. Temos os ministérios ordenados, a colegialidade dos bispos, a responsabilidade da Igreja, o primado de Pedro. Tudo isso se mantém com a sinodalidade, que é o horizonte no qual se exerce a colegialidade dos bispos e o primado do Papa, para buscarem juntos a vontade de Deus.

Quando caminhamos, Cristo é o centro. Há gente à direita, à esquerda, na frente, mais trás: é normal, quando fazemos estrada, juntos. Certas tensões na Igreja são normais, significando que a Igreja está próxima das pessoas, que não pensam todas da mesma forma. Por isso, é importante escutar com respeito as diferentes culturas, buscando a vontade de Deus, para decidirmos, juntos, o rumo da viagem, pois todos fazemos parte da comunidade. Se Cristo é o centro e o Espírito Santo é o instrumento e a garantia de que o Senhor morto e ressuscitado está no centro, somos todos discípulos missionários e sinodais.

A Igreja não pode estar sempre ocupada a falar das próprias estruturas e da sua organização. A nossa fé vive servindo, na Igreja e fora da Igreja. Vive-se ao serviço de Deus e das pessoas.

No que as conferências episcopais propuseram a nível dos diversos continentes, também se viram as diferenças: por exemplo, na maioria das etapas continentais, gostou-se da imagem da tenda. Porém, na África, não, porque lá a tenda é dos refugiados, da miséria, da pobreza, pelo que se prefere a imagem da família de Deus. Se tentarmos ampliar a tenda, rasga. Mas a família pode ser aumentada. Por isso, não podemos apresentar uma única imagem, mas múltiplas imagens que falam às diferentes culturas religiosas dos nossos povos.

Sobre os oito documentos finais, Hollerich refere que o sínodo digital foi uma experiência maravilhosa. E diz que, de todos os documentos, emerge a experiência vivida, a alegria do povo, devendo nós olhar para o que é importante – a comunhão, a participação, a missão – e apresentá-lo ao Sínodo dos Bispos, em outubro.

Quanto ao Instrumentum laboris, diz que estará pronto no fim de maio e que será um texto breve, que ajudará na partilha, na participação, para que os membros do Sínodo possam expressar-se com liberdade, para compreendermos o chamamento de Deus à sua Igreja no Mundo de hoje. Será enviado e apresentado aos participantes. Não se deve dar por certo que as decisões dos relatores, do secretário-geral, do secretário especial sejam seguidas, pois tudo será submetido ao Conselho do Sínodo e ao Papa. Não há sinodalidade sem os bispos, nem contra os bispos, e não há sinodalidade sem Pedro ou contra Pedro. E o cardeal aponta duas tentações: a de assimilar tudo aos velhos padrões; e a de se querer que todas as questões consideradas importantes na Igreja sejam discutidas no Sínodo. O Sínodo tem um título, que é a tarefa para nós: sinodalidade, comunhão, participação, missão. O Sínodo concentrar-se-á nisso, não noutros temas.

Em relação ao modo como o Sínodo pode interpelar uma pessoa que não está diretamente envolvida, o cardeal pede-lhe oração. Com efeito, o trabalho sinodal precisa do apoio orante de toda a Igreja, que deve viver o Sínodo no coração, na sua comunidade de trabalho ou eclesial.

E, citando o cardeal Mario Grech, exortou a que “procuremos ter o estilo de Jesus”, pois, quando se vê a Igreja, deve-se reconhecer Jesus. E, para isso, precisamos de conversão. E esta conversão serve a todos, à direita, à esquerda e ao centro. Precisamos de nos unir à volta de Cristo.

2023.04.28 – Louro de Carvalho

Crescimento económico de Portugal ultrapassou as expectativas

 

O crescimento da nossa economia, no primeiro trimestre de 2023, superou a média da Zona Euro e a da União Europeia (UE), e foi um dos mais elevados entre os países da UE, para os quais já há dados disponíveis. São dados da autoridade estatística da UE (Eurostat) e do Instituto Nacional de Estatística (INE), nas respetivas estimativas rápidas, publicadas a 28 de abril.

A expansão do Produto Interno Bruto (PIB) português foi a terceira maior, em termos homólogos, e a mais elevada, em cadeia, isto é, na comparação com o trimestre anterior.

O PIB português avançou 2,5% em termos homólogos, ou seja, por comparação com o mesmo período do ano passado, como indicam o Eurostat e o INE. É quase o dobro do crescimento homólogo de 1,3%, estimado tanto para a zona euro como para o conjunto da UE.

À frente de Portugal ficam apenas a Espanha (3,8%) e a Irlanda (2,6%).

A Alemanha, considerada a maior economia europeia, segundo o Eurostat, ficou no vermelho. Caiu 0,1% em termos homólogos, nos primeiros três meses de 2023, raiando a estagnação em dois trimestres consecutivos.

Numa análise em cadeia, o desempenho da economia portuguesa nos primeiros três meses deste ano, fica ainda mais bem colocado na UE. O PIB português avançou 1,6%, o que compara com 0,3%, no conjunto da UE, e apenas 0,1%, na Zona Euro.

No extremo oposto ficaram Irlanda e Áustria, com contrações de 2,7% e de 0,3%, respetivamente.

Comparativamente com os Estados Unidos da América (EUA), a economia da Zona Euro e a do conjunto da UE cresceram mais do que a daquele país norte-americano, no primeiro trimestre de 2023, em termos homólogos, segundo a dita estimativa rápida pelo Eurostat. Entre janeiro e março deste ano, o espaço da moeda única europeia cresceu 1,3%, em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto a economia norte-americana se ficou por 1,1%, sofrendo, ao longo dos últimos seis meses, um abrandamento mais violento do que o da Zona Euro.

Porém, é a que China lidera o crescimento entre as grandes potências económicas que já publicaram as estimativas para o primeiro trimestre deste ano. A aceleração do crescimento económico chinês deve-se ao abandono da política da “Covid Zero” pelas autoridades de Pequim.

A UE cresceu ao mesmo ritmo que a Zona Euro. Não obstante, é de relevar que o crescimento na Zona Euro abrandou de 1,8%, no quarto trimestre de 2022, para 1,3% nos primeiros três meses de 2023, enquanto a desaceleração, nos EUA, foi ainda mais acentuada, com a taxa de crescimento a cair para menos de metade, de 2,6% para 1,1%, no mesmo período.

Entre as economias com melhor desempenho na Zona Euro, entre janeiro e março deste ano, contam-se, como já foi indicado, a Espanha (3,8%), Irlanda (2,6%) e Portugal (2,5%).

Na variação em cadeia, as estimativas apontam para a saída do risco de dinâmica de recessão. A variação em cadeia foi de 0,1% entre janeiro e março, para a Zona Euro, e de 0,3%, para a UE, no mesmo período. No trimestre anterior, a dinâmica registada na Zona Euro foi de estagnação (crescimento zero) e, na UE, foi mesmo recessiva (-0,1%). Para a saída do risco recessivo contribuiu a Alemanha, cuja economia registou um crescimento mínimo, em cadeia, de 0,05%, no primeiro trimestre de 2023, depois da recessão de 0,5%, entre outubro e dezembro de 2022.

A economia germânica escapou ao que os economistas designam por recessão técnica, a queda em cadeia do PIB em dois trimestres consecutivos, mas, praticamente, estagnou entre janeiro e março.

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Os números relativos a Portugal excedem as expectativas de alguns economistas da praça, expressas na semana anterior, que apontavam, em média, para o crescimento de 1,5%, em termos homólogos, e de 0,6%, em cadeia.

O INE remete a explicação das razões destes números para o final de maio. Não obstante, antecipa já as grandes linhas sobre a evolução da economia portuguesa nos primeiros três meses.

O contributo da procura interna para a variação homóloga do PIB manteve-se positivo no primeiro trimestre, mas inferior ao observado no precedente, em resultado “da desaceleração do consumo privado e da redução do investimento, determinada por um contributo negativo da variação de existências”. E, na frente externa, verificou-se “uma aceleração das exportações de bens e de serviços e um abrandamento das importações de bens e de serviços”, aponta o INE, referindo que, em consequência, o contributo positivo da procura externa líquida para a variação homóloga do PIB “foi superior ao do trimestre anterior”.

O INE salienta que, no primeiro trimestre, se observou “um abrandamento significativo do deflator das importações em termos homólogos, mais intenso que o do deflator das exportações, traduzindo-se em ganhos dos termos de troca” – uma evolução positiva “que não acontecia desde o primeiro trimestre de 2021”.

Na prática, isto significa que se verificou um abrandamento dos preços das importações mais forte do que o abrandamento do preço das exportações. Uma evolução indissociável da baixa de preço dos produtos energéticos.

Já o crescimento em cadeia de 1,6%, nos primeiros três meses de 2023, reflete “o contributo positivo expressivo da procura externa líquida (que tinha sido negativo no quarto trimestre de 2022), em larga medida resultante do dinamismo das exportações”, revela o INE. Em sentido oposto, “o contributo da procura interna passou a negativo”.

As exportações portuguesas de bens aumentaram 13,3% e as importações subiram 8,7%, no primeiro trimestre deste ano, face ao mesmo período de 2022, abrandando pelo terceiro trimestre consecutivo. “No primeiro trimestre de 2023, de acordo com a estimativa rápida do Comércio Internacional de bens, as exportações aumentaram 13,3% e as importações cresceram 8,7%, em relação ao mesmo período de 2022, registando-se, pelo terceiro trimestre consecutivo, um abrandamento do crescimento das transações de bens”, refere o INE, lembrando que, no quarto trimestre de 2022, as exportações e as importações aumentaram16,0% e 17,8%, respetivamente.

Esta estimativa rápida é incorporada no cálculo da estimativa rápida das Contas Nacionais Trimestrais do INE e será atualizada no próximo destaque mensal das estatísticas do Comércio Internacional.

Por sua vez, a inflação em Portugal voltou a recuar em abril, para os 5,7%. Este valor compara com 7,4% em março, traduzindo o sexto mês consecutivo de descida da inflação no país.

Recorde-se que este mês de abril fica marcado pela entrada em vigor, em meados do mês, do IVA zero (a suspensão temporária do imposto sobre o valor acrescentado), em 44 produtos alimentares. Contudo, o INE alerta que “os eventuais efeitos desta medida só terão efetivamente impacto no Índice de Preços no Consumidor (IPC) em maio”. Isto, porque “a grande maioria dos preços considerados no apuramento do IPC de abril foram recolhidos antes da entrada em vigor da isenção de IVA num conjunto de bens alimentares essenciais”, adverte o INE.

Assim, esta desaceleração é, segundo a autoridade estatística nacional, “em parte, explicada pelo efeito de base resultante do aumento de preços da eletricidade, do gás e dos produtos alimentares verificado em abril de 2022”. Com efeito, os preços dos produtos energéticos caíram 12,7%, em abril, em termos homólogos, intensificando a queda de 4,4%, registada em março.

Já os preços dos produtos alimentares não transformados continuaram a subir, mas desaceleraram, com a variação homóloga de 14,1%, em abril, o que compara com o aumento de 19,3%, em março.

Além disso, o indicador de inflação subjacente (que exclui os produtos alimentares não transformados e energéticos, que têm preços mais voláteis) terá registado uma variação homóloga de 6,6%, segundo a estimativa do INE. Este valor compara com 7%, em março, e traduz o segundo mês consecutivo de redução deste indicador em Portugal.

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Tem alguma razão – mas sem embandeirar em arco – o ministro das Finanças, Fernando Medina, ao reagir aos dados do INE. Em declarações aos jornalistas portugueses, em Estocolmo (Suécia), no final da reunião informal do Eurogrupo, o governante vincou: “Este é um crescimento acima do esperado pela generalidade dos observadores e um crescimento que assenta, sobretudo, no crescimento das exportações.” E prosseguiu: “Este é um crescimento que demonstrou a capacidade de compensar o abrandamento da procura interna por um crescimento robusto das exportações e, por isso, [são] bons resultados na frente da economia acima do que tínhamos esperado.”

Por fim, salientou que este foi “o maior crescimento da zona Euro”, na variação em cadeia.

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Contudo, a situação da Europa e do Mundo é incerta e o bem-estar da grande maioria da população – os pobres, os pequenos assalariados, os beneficiários de pensões baixíssimas e a classe média baixa – mantém-se em lista de espera.

2023.04.28 – Louro de Carvalho

quinta-feira, 27 de abril de 2023

Governo pôs em marcha a reprivatização da TAP

 

De acordo com o respetivo comunicado, o Conselho de Ministros aprovou, a 27 de abril, a resolução que mandata a Parpública para que proceda às diligências necessárias com vista à seleção e contratação dos serviços de avaliação independente, necessários no âmbito da potencial privatização da TAP – Transportes Aéreos Portugueses, S.A. (TAP).

A resolução governamental foi tomada na sequência do processo da sua viabilização financeira, suportada por um plano de reestruturação, mostrando-se necessário encontrar solução que garanta a sustentabilidade da companhia, a longo prazo, e a manutenção da sua importância estratégica para o país, em particular, através do “hub nacional”, privilegiando a caraterística de “companhia de bandeira”.

Na conferência de imprensa subsequente à sessão do Conselho de Ministros, o ministro das Finanças, Fernando Medina, frisou que a dita resolução mandata as Finanças e a Parpública para a realização de duas “avaliações financeiras independentes” à companhia aérea, prevendo-se para julho o decreto-lei da reprivatização. E, acentuando que está dado o primeiro passo para a reprivatização da TAP, declarou: “Esta resolução tem a importância de mandatar o Ministério das Finanças para a realização dos atos necessários para a avaliação da companhia e a partir da qual o Governo depois estará habilitado à aprovação e definição das peças legais seguintes.”

Os passos legais seguintes, como especificou, são “um decreto-lei e uma nova resolução, onde ficarão definidos os aspetos fundamentais do processo, e também o caderno de encargos, mas que exigem este passo prévio da avaliação por duas entidades independentes”.

Fernando Medina afirmou que “ainda é cedo para calendarizar o andamento” do processo, mas a expectativa governativa é que o Conselho de Ministros aprove “o decreto-lei que inicia a privatização antes do verão”, “por volta de julho”. “O que se espera é que a avaliação seja o mais completa possível do valor da companhia nas suas diferentes formas que a companhia apresenta.”

Por sua vez, o ministro das Infraestruturas, João Galamba, também interveniente na conferência de imprensa, salientou que “a avaliação tem duas dimensões da maior importância”: a aeronáutica, da dimensão do hub e da conectividade, isto é, a valorização de companhia de aeronáutica; e a atinente ao contexto hodierno e às oportunidades criadas pela transição energética, pois, “hub do Humberto Delgado já e será, no futuro, um hub de produção e distribuição de combustíveis sintéticos para a aviação”. “Este é um grande desafio para a aviação europeia e comporta uma grande oportunidade para a TAP, que importa incluir como dimensão a avaliar”, vincou.

O ministro das Infraestruturas confirmou que há interessados na entrada no capital da companhia aérea. Grupo IAG, Air France-KLM e Lufthansa são os mais apontados, mas a operação estará também a despertar o interesse de fundos de investimento. “A TAP é uma grande companhia. Já era uma grande companhia pela sua dimensão puramente aeronáutica. No contexto da transição enérgica significa um potencial de valorização acrescida”, reforçou.

E o ministro das Finanças adiantou: “Temos a expectativa de que elas [as manifestações de interesse] se venham a concretizar no maior número possível, na fase de apresentação de propostas”, para “termos a melhor escolha”. Haverá “uma primeira fase mais abrangente e, depois, numa segunda fase com propostas vinculativas”, precisou.

Questionado pelos jornalistas sobre o impacto da comissão parlamentar de inquérito (CPI) à tutela pública da gestão da TAP no valor da companhia, Fernando Medida desvalorizou e disse: “A TAP tem um valor intrínseco que decorre […] do que é a sua existência enquanto companhia aérea, enquanto elemento de geração de valor a partir do hub de Lisboa. Queria, aqui, valorizar, de novo, os resultados positivos que a companhia aérea teve em 2022, antecipando as metas do plano de restruturação, o que mostra capacidade de criação intrínseca de valor significativa.”

Depois, assinalou que a TAP tem “uma componente de valor que é variável, em função das sinergias que possam existir para o adquirente”.

João Galamba sublinhou que “o governo tem feito sempre um discurso de defesa do interesse púbico” – discurso em que se insere o mandato à Parpública para fazer estas duas avaliações – e não a utilização da TAP como arma de arremesso político.

“Estamos a fazê-lo de forma muito clara e transparente, levando a decisão ao Conselho de Ministros, ao contrário do que aconteceu no passado, em 2015, para que seja cumprido escrupulosamente o que a lei determina”, atalhou o ministro das Finanças.

E o ministro das Infraestruturas abordou a importância do aeroporto de Lisboa para a TAP, no dia em que a Comissão Técnica Independente (CTI) anunciou as opções finalistas para reforço da região. “A questão da capacidade aeronáutica da região de Lisboa é uma dimensão muito importante na valorização da TAP e é por isso que o Governo está empenhado na definição da solução de longo prazo para a região de Lisboa e, entretanto, na melhoria operacional do Humberto Delgado como ele está”, disse João Galamba, acrescentando que, independentemente da solução futura, o Humberto Delgado será, durante bastantes anos, o aeroporto principal da região de Lisboa”, estando a tutela a tomar medidas para a melhoria operacional do Humberto Delgado, nomeadamente na libertação de espaço aéreo e na pista.

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É de recordar que o Governo de Passos Coelho aprovou, em junho de 2015, a privatização de 61% da TAP à Atlantic Gateway, de David Neeleman e de Humberto Pedrosa, operação que gerou polémica, devido à utilização de fundos da Airbus para a capitalização pelos privados.

Em 2016, o primeiro Executivo de António Costa reverteu parcialmente a privatização, ficando o Estado com 50% do capital. Com a pandemia da covid-19, em 2020, o Governo comprou a posição de David Neeleman, elevando a participação para 62,5%. Com as recapitalizações feitas no âmbito do plano de reestruturação, a TAP SA, dona da companhia aérea, ficou integralmente detida pelo Estado, no final de 2021, através da Direção-Geral do Tesouro e Finanças. Já em 2022 foi a vez da TAP SGPS passar para o controlo total do Estado.

A 13 de abril, soube-se que o grupo IAG, dono da Iberia e da British Airways, já tinha selecionado assessores jurídicos e de comunicação, sinal de que pretende entrar na corrida à compra de uma participação na companhia aérea. Julga estar em condições de cumprir os objetivos de Portugal, designadamente as rotas para a lusofonia e para as comunidades da diáspora portuguesa. E a única objeção é estar muito ligado ao aeroporto de Madrid.

Porém, o chanceler alemão, Olaf Scholz, admitiu, a 19 de abril, num encontro com o primeiro-ministro, António Costa, que, se não tivesse havido a pandemia de covid-19, se calhar, a TAP já seria da Lufthansa, pois encaixa-se no âmbito da empresa alemã e cumpre os objetivos de Portugal.

A conclusão que se tira das palavras dos ministros que tutelam a companhia aérea é que a privatização nunca deixou de estar no horizonte dos governos, mesmo dos socialistas. E a reversão feita pelo primeiro governo de António Costa tem a ver com o oportunismo abusivo de uma resolução tomada por um governo que estava em fim de mandato e pela utilização, de regularidade duvidosa, dos dinheiros da Airbus, com eventuais prejuízos para a TAP.

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Porém, não é certo que a discussão política à volta da empresa pública (mesmo os depoimentos na CPI) não a desvalorize. A este respeito, o presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Aviação Civil (SINTAC), Pedro Figueiredo, observando que as lutas partidárias à volta da TAP lhe tiram valor e dificultam novas contratações, antecipou, na CPI, um verão difícil. “É inaceitável que a TAP seja utilizada como instrumento de lutas políticas. Afasta clientes, desvaloriza a TAP e quem paga são os trabalhadores”, afirmou, vincando que “muitas famílias dependem” da companhia e muitas empresas “gravitam à sua volta”. “Este clima está a levar à saída de pessoas e a afetar a capacidade de contratação. Com o verão que se adivinha a TAP dificilmente conseguirá cumprir a sua função”, reforçou o sindicalista.

Por seu turno, Tiago Faria Lopes, presidente do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC), durante a audição na CPI, apelou a que não continue a interferência política na TAP. E disse que a companhia não pode continuar a ser gerida de forma ligeira, “por WhatsApp”.

E Ricardo Penarróias, dirigente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), afirmando, na CPI, que os trabalhadores da companhia aérea foram enganados com a aplicação do plano de reestruturação, contestou “a narrativa ideológica que se tentou fazer de que os salários eram os responsáveis pela crise na TAP”. E clamou: “Esta sala veio-nos dar razão. O que temos vindo a assistir nesta sala é uma vergonha. Fomos enganados nos últimos dois anos. A palavra não é forte, até é fraca.”

O dirigente sindical observou que o plano de reestruturação foi concebido pelo governo e pela TAP com base em “cenário pessimista”, completamente desajustado. E contestou a manutenção do Acordo Temporário de Emergência (ATE), assinado em 2021. “Os ATE já não são benéficos para a própria empresa. Tem dificuldade em contratar, em crescer e em consolidar-se no mercado. Está a deixar sair pessoas qualificadas. Para se conseguir manter concorrencial tem necessidade de contratar serviços externos que não atingem os padrões da TAP”, apontou.

Afirmando que a redução dos salários não fora imposta pela Comissão Europeia, antes pela vontade de o governo “ser bom aluno”, entregou aos deputados um documento de 2021, que disse comprovar que Bruxelas propôs, como alternativa aos cortes salariais, a imposição de perdas aos acionistas e aos obrigacionistas, o que revela que “a retórica imposta aos trabalhadores do grupo TAP foi de má-fé”, pois, nunca houve “imposição da Comissão Europeia”, que até questionou os cortes salariais do grupo, perguntando se não deviam ser os acionistas e obrigacionistas” a suportar a reestruturação.

Além disso, criticou a gestão da TAP por David Neeleman, subordinada à companhia aérea brasileira Azul, de que esta personalidade era grande acionista, e apontou o caso de a TAP estar a pagar leasings de aviões mais caros à Azul, questionando a cedência da posição para a compra de aviões Airbus A350. Ainda ninguém explicou a saída dos A350, aviões que a Ibéria utiliza.

Os deputados questionaram Ricardo Penarróias sobre as perdas da TAP na Manutenção e Engenharia Brasil, a antiga Varig Manutenção e Engenharia (VEM), o que azou o reconhecimento de mil milhões de euros em perdas nas contas de 2021. E o dirigente do SNPVAC respondeu:

O mercado brasileiro é muito importante para a operação da TAP. É uma das joias para a privatização. A ideia até podia ser interessante, mas muito rapidamente percebemos que não seria rentável. Fomos enterrando dinheiro. Durante anos a fio, a VEM foi uma âncora que não deixou descolar a companhia. Era um buraco negro.”

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Enfim, por motivos ínvios, a TAP rodopia de público para privado e vice-versa. A reestruturação segue a regra das demais empresas públicas e privadas: cortes salariais, encerramento de balcões (serviços), despedimentos, compensação choruda a ex-administradores e salários megalómanos (e prémios) a novos gestores. Acresce que os sucessivos saneamentos de empresas públicas implicam a injeção de avultada quantia de dinheiro público. E vendem-se por uma bagatela.

Assim também eu fazia!

2023.04.27 – Louro de Carvalho