sexta-feira, 28 de abril de 2023

Leigos e leigas também têm direito a voto no Sínodo dos Bispos

 

Não mudou a natureza nem o nome, pois mantém-se a designação de “Sínodo dos Bispos”, mas fica enriquecida a composição dos participantes na Assembleia Geral do próximo mês de outubro, no Vaticano, sobre o tema da sinodalidade: 70 não bispos (incluindo sacerdotes, religiosos e religiosas, leigos e leigas) participarão como membros votantes, identificados pelas Conferências Episcopais e pelos Conselhos das Igrejas Orientais, e, depois, nomeados pelo Papa. Pede-se que as mulheres estejam em 50% e que a presença dos jovens seja valorizada.

Todos os participantes terão direito a voto, chegando a um número de membros votantes na Sala Nova do Sínodo de cerca de 370, para um total de mais de 400 participantes. Até agora, havia um pequeno número de membros votantes não bispos e eram alguns membros de institutos religiosos clericais (portanto, só masculinos).

Os cardeais Mário Grech, atual secretário-geral do Sínodo dos Bispos, e Jean-Claude Hollerich, relator geral, rejeitam que se trate de revolução. Antes falam de “enriquecimento para a Igreja”. Assim o explicitaram num encontro na Sala de Imprensa da Santa Sé, a 26 de abril.

Essas são as principais mudanças e novidades introduzidas pelo Papa para o Sínodo que selará, no outono (e depois continuará em 2024), o caminho sinodal que ele lançou em 2021 e que envolveu as dioceses dos cinco continentes.

As novas disposições, que foram comunicadas, em carta, aos responsáveis das assembleias continentais celebradas na África, na Ásia, no Médio Oriente e na Oceânia, não revogam os regulamentos atuais, designadamente a Constituição Apostólica Episcopalis Communio de 2018, que já previa a presença de não bispos. Com as novidades de agora – justificadas no contexto do processo sinodal que Francisco queria que se começasse “de baixo para cima” – o número exato são 70, entre sacerdotes, religiosos e leigos, provenientes das Igrejas locais que representam o Povo de Deus. Portanto, não haverá mais “auditores”.

“Esta decisão”, como explica a Secretaria-Geral do Sínodo, “reforça a solidez do processo como um todo, incorporando na assembleia a memória viva da fase preparatória, através da presença de alguns dos que foram seus protagonistas. Deste modo, a especificidade episcopal da Assembleia Sinodal não é afetada, mas confirmada”. Trata-se de 21% da assembleia que continua a ser Assembleia de bispos, com uma certa participação de não bispos, cuja presença garante o diálogo entre a profecia do povo de Deus e o discernimento dos pastores, a circularidade colocada em prática durante todo o processo sinodal.

Mais pormenorizadamente, os membros “não bispos” são nomeados pelo Papa a partir de uma lista de 140 pessoas identificadas pelas Conferências Episcopais e pela Assembleia de Patriarcas das Igrejas Católicas Orientais (20 cada). Ou seja, cada assembleia continental proporá uma lista de 20 nomes e o Papa escolherá 10 de entre eles. Metade desses nomes devem de mulheres e os jovens devem ser também escolhidos: “porque o nosso mundo é assim”, vincam os cardeais.

Na escolha, leva-se em conta a cultura geral, a prudência, o conhecimento e a participação no processo sinodal. Como membros, têm o direito de votar. Um aspeto importante, embora o cardeal Grech espere “que um dia se possa dispensar o voto”, já que o sínodo é discernimento, oração, que não se apoia nos votos. O cardeal maltês também explicou que haverá uma única votação e não duas diferentes, uma para os bispos e outra para os não bispos.

As cinco religiosas e os cinco religiosos eleitos pelas respetivas organizações de Superioras Gerais e de Superiores Gerais (UISG, para o feminino; e USG, para o masculino) também terão direito a voto. Eles – outra novidade substancial – substituem os 10 clérigos dos Institutos de Vida Consagrada previstos no passado. As eleições – realizadas em plenário e por voto secreto pelos respetivos Sínodos, Conselhos e Conferências Episcopais – devem ser ratificadas pelo Papa. E, até que o Papa não confirme a eleição, os nomes dos eleitos não serão conhecidos pelo público.

Outra novidade é que a Assembleia também contará com a participação – mas sem direito a voto – de especialistas, pessoas competentes em vários aspetos, sobre o assunto em questão. E haverá delegados fraternos, membros de outras Igrejas e comunidades eclesiásticas. Pela primeira vez, as figuras dos facilitadores, também especialistas, facilitarão o trabalho nos vários momentos. É uma escolha que nasceu da experiência dos grupos de estudo e que mostrou como esses especialistas podem criar uma dinâmica que pode dar frutos. Há bispos que nunca participaram no Sínodo, pelo que é preciso facilitar a dimensão espiritual, explicou o cardeal Hollerich, enfatizando que, pela primeira vez, também haverá bispos de países que não têm uma Conferência Episcopal na Assembleia, como o Luxemburgo, a Estónia e a Moldávia. Dessa forma, “a Igreja será mais completa e será uma alegria tê-la toda reunida em Roma”.

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O cardeal Jean-Claude Hollerich, arcebispo de Luxemburgo, relator geral, explica em entrevista à media vaticana, a nova composição da assembleia de outubro e sublinha como a Igreja é chamada a ser missionária, com a sua diversidade, colocando Cristo no centro.

Não se trata de novidade absoluta, pois, já no passado, houve membros com direito a voto que não eram bispos. Não houve mulheres com direito a voto, mas membros não bispos, sim. Pode-se dizer que esse grupo está a tornar-se maior e inclui mulheres. O Sínodo continua a ser dos bispos, porque o bispo é sempre o pastor da sua Igreja, não se podendo ver a sua função separada do povo, das pessoas. Uma pequena parte dessas pessoas estará presente no Sínodo juntamente com os pastores. Terão uma missão especial, pois já tiveram a grande experiência de sinodalidade nas dioceses, depois, no âmbito de conferências episcopais e, por fim, no âmbito continental. Nem todos os bispos que participarão tiveram esta experiência. Portanto, a tarefa desses novos membros é ser testemunhas do que eles viveram para comunicá-lo.

Os bispos são a maioria. Cabe-lhes fazer um discernimento, que também já foi feito em vários níveis e que, no final, chegará ao Santo Padre. Esta é a etapa dos bispos, mas há uma questão de discernimento que foi oferecida pelo povo de Deus. Os novos membros do Sínodo representam, por assim dizer, a parcela não episcopal do povo de Deus.

É de não esquecer que os bispos pertencem ao povo de Deus. Mas é preciso entender os padres e os/as leigos/as mais como testemunhas e como memória do processo sinodal já realizado.

Sobre o tema do próximo Sínodo, o purpurado sustenta que, juntos, “podemos ser uma Igreja missionária, hoje e amanhã”. Para sermos uma Igreja sinodal e missionária, temos de experienciar viver “a Igreja como Deus quer no nosso tempo, para anunciar o Evangelho ao Mundo, aos nossos contemporâneos. A Igreja sempre foi sinodal, a ponto de São João Crisóstomo dizer que Sínodo e Igreja são sinónimos. O caminho que estamos fazendo, o envolvimento de todo o povo de Deus, mostra que o Espírito Santo nos conduz de maneira a colocar em prática o que o Concílio Vaticano II e, em particular, a Constituição “Lumen gentium” afirmaram.

No centro da próxima assembleia geral está este modo de ser Igreja, e não temas individuais, o que é também resposta à doença do nosso tempo, pós-moderno ou digital, mas eivado de crescente individualismo. E, como o individualismo impede a humanidade de subsistir, temos de apostar em elementos comunitários. Depois, há o crescente fenómeno da polarização, na sociedade e na mídia, mesmo nos que se referem ao catolicismo. O povo de Deus a caminhar junto é resposta a essas tendências. Porém, não fomos nós a inventar a sinodalidade: foi o Espírito Santo que despertou, agora, o desejo de sinodalidade experimentado pelas primeiras comunidades cristãs.

O Papa tem vincado a importância da escuta num tempo em que todos falam e todos fazem polémica, mas poucos escutam. E o cardeal revela que, às vezes, quando escuta, muda de ideias, o que lhe faz bem. Há evidências que não o são para todos no povo de Deus, pelo que é bom ter essa abertura, saber escutar. E é bom que as pessoas escutem os bispos, porque os bispos têm não só o papel de escutar, mas também de dar respostas e de serem pastores do povo. Não temos um parlamentarismo sinodal, onde a maioria decide e todos seguem, o sínodo não é um parlamento. Queremos discernir a vontade de Deus, deixar que o Espírito Santo nos guie.

É um processo espiritual, pelo que temos a conversa no Espírito: um modo de escutar e de dialogar, não com atitude de oposição, para conclusão comum. Há sempre necessidade de conversão neste processo: devem converter-se bispos, padres e leigos.

Devemos praticar a sinodalidade católica. Temos os ministérios ordenados, a colegialidade dos bispos, a responsabilidade da Igreja, o primado de Pedro. Tudo isso se mantém com a sinodalidade, que é o horizonte no qual se exerce a colegialidade dos bispos e o primado do Papa, para buscarem juntos a vontade de Deus.

Quando caminhamos, Cristo é o centro. Há gente à direita, à esquerda, na frente, mais trás: é normal, quando fazemos estrada, juntos. Certas tensões na Igreja são normais, significando que a Igreja está próxima das pessoas, que não pensam todas da mesma forma. Por isso, é importante escutar com respeito as diferentes culturas, buscando a vontade de Deus, para decidirmos, juntos, o rumo da viagem, pois todos fazemos parte da comunidade. Se Cristo é o centro e o Espírito Santo é o instrumento e a garantia de que o Senhor morto e ressuscitado está no centro, somos todos discípulos missionários e sinodais.

A Igreja não pode estar sempre ocupada a falar das próprias estruturas e da sua organização. A nossa fé vive servindo, na Igreja e fora da Igreja. Vive-se ao serviço de Deus e das pessoas.

No que as conferências episcopais propuseram a nível dos diversos continentes, também se viram as diferenças: por exemplo, na maioria das etapas continentais, gostou-se da imagem da tenda. Porém, na África, não, porque lá a tenda é dos refugiados, da miséria, da pobreza, pelo que se prefere a imagem da família de Deus. Se tentarmos ampliar a tenda, rasga. Mas a família pode ser aumentada. Por isso, não podemos apresentar uma única imagem, mas múltiplas imagens que falam às diferentes culturas religiosas dos nossos povos.

Sobre os oito documentos finais, Hollerich refere que o sínodo digital foi uma experiência maravilhosa. E diz que, de todos os documentos, emerge a experiência vivida, a alegria do povo, devendo nós olhar para o que é importante – a comunhão, a participação, a missão – e apresentá-lo ao Sínodo dos Bispos, em outubro.

Quanto ao Instrumentum laboris, diz que estará pronto no fim de maio e que será um texto breve, que ajudará na partilha, na participação, para que os membros do Sínodo possam expressar-se com liberdade, para compreendermos o chamamento de Deus à sua Igreja no Mundo de hoje. Será enviado e apresentado aos participantes. Não se deve dar por certo que as decisões dos relatores, do secretário-geral, do secretário especial sejam seguidas, pois tudo será submetido ao Conselho do Sínodo e ao Papa. Não há sinodalidade sem os bispos, nem contra os bispos, e não há sinodalidade sem Pedro ou contra Pedro. E o cardeal aponta duas tentações: a de assimilar tudo aos velhos padrões; e a de se querer que todas as questões consideradas importantes na Igreja sejam discutidas no Sínodo. O Sínodo tem um título, que é a tarefa para nós: sinodalidade, comunhão, participação, missão. O Sínodo concentrar-se-á nisso, não noutros temas.

Em relação ao modo como o Sínodo pode interpelar uma pessoa que não está diretamente envolvida, o cardeal pede-lhe oração. Com efeito, o trabalho sinodal precisa do apoio orante de toda a Igreja, que deve viver o Sínodo no coração, na sua comunidade de trabalho ou eclesial.

E, citando o cardeal Mario Grech, exortou a que “procuremos ter o estilo de Jesus”, pois, quando se vê a Igreja, deve-se reconhecer Jesus. E, para isso, precisamos de conversão. E esta conversão serve a todos, à direita, à esquerda e ao centro. Precisamos de nos unir à volta de Cristo.

2023.04.28 – Louro de Carvalho

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