sexta-feira, 14 de abril de 2023

No início do 2.º trimestre de 2023, já arderam mais de 7000 hectares

 

Segundo os dados provisórios do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF, divulgados a 13 de abril, Portugal já registou mais de 7.000 hectares (ha) de área ardida, devido aos incêndios florestais em 2023 – o quinto valor mais elevado de área ardida desde 2013.

Os dados do ICNF, contabilizados desde o dia 1 de janeiro até ao passado dia 11 de abril, revelam que, de um total de 1.971 incêndios rurais, resultaram 7.366 ha de área ardida, entre povoamentos (1.826 ha), matos (5.454 ha) e agricultura (86 ha).

Comparando estes valores com os dos últimos dez anos, foram registados mais de 12% de incêndios rurais e mais de 48% de área ardida em relação à média anual do período.

Assim, o ano de 2023 apresenta, até ao dia 11 de abril, o 5.º valor mais elevado em número de incêndios e o 5.º valor mais elevado de área ardida, desde 2013.

Em apenas 11 dias de abril, já arderam mais 43 ha do que em todo o mesmo mês de 2022.

Em abril deste ano, até ao dia 11, foram queimados 1.208 ha, enquanto, no mês homólogo – em 30 dias – relativo ao último ano, registaram-se 1.165 ha de área ardida.

Retirando abril da equação, nos primeiros três meses do ano, foram contados 6.158 ha de aérea ardida, menos 1.986 ha do que os verificados em 2022 no mesmo período.

O ICNF explica que 73% do total dos incêndios rurais ocorridos, até ao momento, em 2023 são de pequena dimensão, com uma área ardida inferior a um hectare.

Até ao momento, fevereiro é o mês que apresenta o maior número de incêndios rurais, com um total de 1.025 de fogos, correspondendo a 52% do número total já registado.

Fevereiro é também o mês que tem a maior área ardida, com um total de 5.200 ha queimados, o que equivale a 71% do total de área ardida em 2023.

Sobre os incêndios de maior dimensão, o organismo que executa as políticas de conservação da natureza e das florestas verificou 13 incêndios com uma área ardida de entre 100 e 1.000 ha. Até 11 de abril de 2023, registaram-se 12 incêndios enquadrados nesta categoria, que resultaram em 1.898 hectares de área ardida, cerca de 26% do total da área ardida.

Do total de 1.971 incêndios rurais ocorridos este ano, 1.264 foram investigados e têm o processo de averiguação de causas concluído – 64% do total de incêndios responsáveis por 79% da área total ardida. Segundo o ICNF, as causas mais frequentes em 2023 são queimadas para gestão de pasto para gado (30%) e queimadas de sobrantes florestais ou agrícolas (28%).

Conjuntamente, as várias tipologias de queimas e queimadas representam 79% do total das causas apuradas. Os reacendimentos representam 3% do total das causas apuradas.

Analisando por distrito, destacam-se, por ordem decrescente, o Porto, Braga e Viana do Castelo como os que têm maior número de incêndios, indicando que “são maioritariamente de reduzida dimensão”, não ultrapassando um hectare de área ardida. Em relação ao distrito do Porto, a percentagem de incêndios com menos de um hectare de área ardida é de 87%.

Ainda no atinente à área ardida, o distrito mais afetado é Braga com 2.258 ha, cerca de 31% da área total ardida, seguido de Vila Real com 1.702 hectares (23% do total) e de Viana do Castelo com 1.361 hectares (18% do total).

Quanto à severidade meteorológica, o ICNF chegou ao valor total de “área ardida ponderada” de 4.618 ha, traduzindo a área ardida total que se obteria, se os incêndios tivessem o comportamento médio histórico, face à severidade meteorológica do dia/local da ocorrência.

O valor de área ardida real de 7.366 ha corresponde a 160% da “área ardida ponderada”, o que significa que a área ardida, neste ano, é “consideravelmente superior à área ardida '’expectável’, tendo em conta a severidade meteorológica verificada’.

É um cenário alinhado com a previsão do ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, que alertou para a especial perigosidade dos incêndios rurais no ano em curso, por via das condições climatéricas. O alerta foi lançado a 10 de janeiro, na sessão de abertura do seminário, coorganizado pela Comissão Europeia e por Portugal, “Programa de Lições Aprendidas da época de incêndios Rurais de 2022 do Mecanismo Europeu de Proteção Civil”, realizado no hotel Iberostar, em Lisboa, em que, versando sobre as lições aprendidas, os peritos europeus debateram as melhores práticas, os desafios enfrentados e os passos futuros.

Em conferência de imprensa conjunta de José Luís Carneiro e do Comissário Europeu da Gestão de Crises, Janez Lenarčič, foi destacada a necessidade de um esforço adicional na prevenção, que deve contar com o apoio da sociedade civil, ao mesmo tempo que deve haver um maior financiamento e cooperação entre todos os Estados-membros. E concluiu-se que o Mecanismo de Proteção Civil funciona e deve ser reforçado para diminuir desastres futuros. 

Contudo, desdiz de alguns itens do Balanço 2018-2022, da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF). Com efeito, em comparação com o período de 2007-2017, a ACIF assinala que, no período de 2018-2022, o número total de incêndios reduziu para metade, mesmo nos dias de pior meteorologia, e que se verificou a tendência para a redução do número médio de incêndios em dias de maior perigosidade. Também houve redução significativa de incêndios com mais de 500/1000 ha. Os incêndios de maior dimensão reduziram desde 2017. Com mais de 1000 ha, havia em média 19 e, nos últimos anos, foram oito, em média. E, entre 2018 e 2022, os cinco melhores anos consecutivos, a média foi três vezes menor do que entre 2001 e 2017.

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Ficou na memória coletiva o incêndio de enormes proporções, em agosto de 2022, que devastou 28 mil hectares na região da Serra da Estrela, 25% dentro do Parque Natural, consumindo a natureza, a paisagem e a biodiversidade da montanha, classificada como Geoparque pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Só escapou a Encosta de São Lourenço, onde se situa o bosque de faias, no Vale Glaciar do Zêzere.

Vale a pena refletir neste fogo, para colher lições para situações análogas.

Oito meses após esse grande incêndio, mais propriamente a 11 de abril, o prometido “Relatório das lições aprendidas” viu a luz do dia. O documento dá conta de que são necessárias “45 ações corretivas” no sistema de gestão integrada de incêndios rurais – bem como 12 medidas a adotar já este ano, sobretudo ligadas a aspetos organizacionais – que passam por melhorias na articulação entre as diferentes organizações, já que 81% das medidas sugeridas estão relacionadas com o que chamam “interoperabilidade, liderança, procedimentos e doutrina”.

O fogo, que deflagrou na madrugada de 6 de agosto, no Garrocho, na Covilhã, não tendo sido debelado na primeira hora e meia de combate, estendeu-se aos concelhos de Manteigas, de Gouveia, da Guarda e de Celorico da Beira, sofreu reacendimentos ou reativações e só foi dado como extinto ao fim de duas semanas. Para que situação idêntica não se repita, a Subcomissão Nacional de Lições Aprendidas recomenda a aplicação de 12 medidas, já este ano. Entre estas, consta “o empenhamento de agentes com formação especializada em comportamento do fogo, para apoio na definição de estratégias, táticas e manobras em dias de comportamento extremo do fogo, para acompanhamento das ocorrências e apoio aos comandos regionais”, tal como faz, ao nível nacional, o Núcleo de Apoio à Decisão (NADair). A ideia é ter, a nível regional, equipas especializadas para melhor apoio à decisão mais próxima do palco de operações e para tornar mais eficiente o ataque inicial.

Outra das recomendações passa pelo reforço de equipas especializadas para acionamento precoce para combate apeado em zonas de reduzida acessibilidade e de relevo acidentado. Como a maioria dos agentes das forças no terreno pouco se distanciavam das estradas e das povoações, o objetivo é formá-los, até ao verão, para que atuem mais na floresta e façam melhores rescaldos.

Também os manuais dos elementos das Forças Armadas que pilotam os meios aéreos devem ser atualizados e os pilotos formados sobre o comportamento do fogo, para evitar que a sua aproximação incremente a combustão e/ou projeções para zona critica, como terá acontecido a 15 de agosto, na recolha da equipa helitransportada. Com efeito, as faixas de gestão de combustível não fazem milagres perante incêndios extremos, como foi o caso.

Estas são algumas das sugestões, entre as 45 ações corretivas, de acordo com o relatório elaborado pela Subcomissão Nacional de Lições Aprendida, presidida pela AGIF e que integra membros da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), do ICNF, da Polícia Judiciária (PJ), da Guarda Nacional Republicana (GNR), das Forças Armadas (FA), do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) e da Liga dos Bombeiros de Portugal (LBP).

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O fogo na Serra da Estrela em 2022 foi o maior dos últimos 47 anos naquele território, que também regista um ciclo de grandes incêndios, disse o comandante nacional da ANEPC a 26 de dezembro de 2022. Olhando para o histórico desta área, desde 1975, verifica-se que, até ao dia do incêndio, 6 de agosto de 2022, não tinha havido um incêndio com estas proporções. Foi o maior alguma vez registado nesta área, apesar de terem existido bastantes incêndios.

Antes deste, o fogo maior ocorreu em 2017, afetando os concelhos de Seia e Gouveia.

Na linha cronológica, vê-se que a região teve grandes fogos nos anos de 1978, 2000, 2017 e 2022: nota-se um ciclo de grandes incêndios nesta área.

Relativamente ao fogo de agosto, esteve em causa um incêndio de montanha, iniciado de madrugada e cuja causa apontada é o “incendiarismo”. O fogo desenrolou-se, maioritariamente, acima dos 800 metros, obrigando os operacionais a enfrentar declives superiores a 30%, em metade da área ardida, e a confrontar-se com dificuldades, como vias sem saída ou sem largura suficiente para a passagem dos veículos.

Na área ardida, 39% dos solos eram ocupados por mato, 18% por pinhal adulto, 17% por folhosas e 11 % por vegetação herbácea. De resto, 75% da área afetada tinha taxa de acumulação de combustível muito elevada e 8% elevada. A taxa de expansão correspondeu a valores da ordem de grandeza da área ardida nos incêndios de 15 de outubro de 2017.

Sobre a atuação futura e tendo em conta que não se podem mudar a orografia e os declives, o comandante da ANEPC defendeu que é preciso tornar a paisagem mais resiliente (evitando espécies que façam acumular combustível); potenciar o papel fundamental da serra, como reserva de biodiversidade e fonte de absorção de água; mitigar as causas associadas às ignições, conjugando o uso florestal, agrícola e pastoril; incrementar capacidade de resposta local a incêndios rurais e outras emergências; capacitar recursos locais, apostar num plano integrado; apoiar o reforço das equipas de intervenção; e reforçar a formação em ambiente de montanha.

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Voluntários, provindos de vários pontos do país estão a reflorestar a Serra da Estrela, com a regeneração de espécies autóctones e com a plantação de milhares de outras folhosas. Semeia-se centeio e constroem-se barreiras naturais para travar o escorrimento de águas e o arrastamento de solos. Porém, acusa-se o ICNF de ter bloqueado as ações de reflorestação, apenas se preocupando com o Parque Natural. E o ICNF destaca os contratos programa com os municípios atingidos e o Programa de Revitalização do Parque Natural da Serra da Estrela, de 27 de setembro, com um grupo de trabalho para promover o desenvolvimento económico e social da região, o que está a acontecer muito lentamente.

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Face às ameaças climáticas, tudo o que se faça contra os incêndios será sempre insuficiente.

2023.04.13 – Louro de Carvalho

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