domingo, 16 de abril de 2023

Lula acusa UE e EUA de prolongarem a guerra na Ucrânia

 

No âmbito da sua viagem de Estado à República Popular da China (RPC), desde 2009, o maior parceiro comercial do Brasil e uma das principais origens de investimentos em território brasileiro, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, preconizou, a 15 de abril, em Pequim, antes de partir para os Emiratos Árabes Unidos (EAU), que os Estados Unidos da América (EUA) “devem parar de encorajar a guerra e começar a falar de paz” e declarou que, “ao contrário de várias potências ocidentais, a China e o Brasil nunca impuseram sanções financeiras à Rússia e ambos estão a tentar posicionar-se como mediadores”.

Desta forma, como explicou, a comunidade internacional poderá “convencer” o presidente russo, Vladimir Putin, e o homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky, de que “a paz é do interesse de todo o mundo”.

Lula da Silva, que voltou ao poder em janeiro, após dois mandatos entre 2003 e 2010, fez uma visita de dois dias à RPC, para reforçar os laços económicos com o principal parceiro comercial e para dizer que o Brasil está de volta à cena internacional, esperando ter um papel na mediação no conflito na Rússia com a Ucrânia. Porém, terá de gerir o delicado equilíbrio entre os EUA, com os quais mantém fortes laços, e a China.

A viagem à RPC, que incluiu uma parte mais económica, em Xangai, e uma parte mais política, em Pequim, onde se encontrou com o presidente Xi Jinping, aconteceu depois de ter visitado Washington, em fevereiro. E Lula da Silva disse estar convencido de que o fortalecimento dos laços entre Brasília e Pequim não prejudicaria a relação do seu país com os EUA.

O presidente do Brasil está a promover a ideia de um grupo de países a trabalhar pela paz na Ucrânia; e, antes da visita à China, prometeu que este grupo seria “criado” quando regressasse a Brasília. “É necessária paciência” para falar com Putin e Zelensky”, disse. “Mas, acima de tudo, temos de convencer os países que fornecem armas, que encorajam a guerra, a parar”, acrescentou.

Entretanto, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil informou, no dia 14, que a reunião entre os chefes da diplomacia brasileiro e russo, no dia 17, em Brasília, terá como temas principais a guerra na Ucrânia e o desenvolvimento de potenciais parcerias.

Entretanto, o presidente do Brasil, concluída a visita à RPC, visitou os EAU, visita que terminou a 16 de Abril. No fim das duas visitas, propôs uma mediação conjunta do Brasil com a China e os Emirados Árabes Unidos (EAU) na guerra entre a Rússia e a Ucrânia, questão que disse ter discutido em Pequim e em Abu Dhabi. E reafirmou as acusações aos EUA e à União Europeia (UE) de prolongarem a guerra, provocada por “decisões tomadas por dois países”, a Rússia e a Ucrânia. Porém, disse esperar que China, EAU e outros países se juntem num “G20 político” para tentar pôr fim à guerra desencadeada pela invasão russa da Ucrânia. Como nem Putin nem Zelensky tomam a iniciativa de parar a guerra e como a UE e os EUA continuam a contribuir para a continuação da guerra, é preciso fazer com que sentem à volta da mesa e dizer: “basta”.

Lula da Silva disse ter sugerido aos presidentes dos EAU, Mohammed bin Zayed Al-Nahyane, e da China, Xi Jinping, a criação de um grupo de países que teriam a missão de mediar.

O G20 foi formado para salvar a economia mundial, que estava em crise. “Agora, é importante criar outro tipo de G20, para pôr fim a esta guerra e estabelecer a paz. Esta é a minha intenção e penso que vamos ser bem-sucedidos”, afirmou, revelando que já tinha discutido a iniciativa com o presidente dos EUA, Joe Biden, como o chanceler alemão, Olaf Scholz, com o presidente francês, Emmanuel Macron, e com os líderes dos países sul-americanos.

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A vista do presidente do Brasil à China, secundada por uma grande delegação brasileira formada por cerca de 300 membros, começou a 12 de abril, com ambiciosa agenda que incluiu a celebração de muitos acordos. E, nos encontros, Lula da Silva tratou de temas económicos e diplomáticos, expondo a intenção do país sul-americano de retomar uma cooperação mais ampla com países em desenvolvimento e expandir a influência do Brasil no Mundo, após o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro, que foi marcado pelo grande isolamento internacional.

Um dos acordos da área económica que gerou espectativa diz respeito a ativação de um fundo de financiamento chinês de 20 mil milhões de dólares (18,6 mil milhões de euros) para investimentos em projetos no Brasil.

O Brasil também firmou parceria para desenvolver a sexta geração de satélite sino-brasileiro e, por iniciativa do governo Lula da Silva, houve uma declaração conjunta com a China sobre clima e sobre a criação de um fundo de financiamento binacional para combater as mudanças climáticas.

Os dois países discutiram temas de governança global, assuntos de interesse dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), e a proposta brasileira de criação de um grupo de países não envolvidos na guerra provocada pela invasão russa à Ucrânia para negociar a paz na região.

O presidente Xi Jinping retornara de uma visita de Estado a Moscovo, onde se reuniu com o presidente Vladimir Putin e apresentou as propostas chinesas de paz na Ucrânia, tema sensível e importante no encontro do líder chinês com o líder brasileiro.

A China é, desde 2009, o maior parceiro comercial do Brasil e uma das principais origens de investimentos em território brasileiro. Em 2022, a corrente de comércio entre os dois países atingiu o recorde de 150,5 mil milhões de dólares (139,4 mil milhões de euros).

As exportações de produtos brasileiros para a China mais do que duplicaram nos últimos dez anos, tendo chegado quase a 90 mil milhões de dólares em 2022, com minério de ferro, soja e petróleo a ocuparem o pódio. E Pequim é o principal destino das exportações do agronegócio brasileiro representando 31,9% das exportações do agronegócio brasileiro em 2022, num total de 47,20 mil milhões de euros. Entre os dez produtos mais exportados, a China foi o principal destino de seis: soja, carne bovina, carne de frango, celulose, açúcar de cana em bruto e algodão.

“Existe um anseio muito grande de ter a planta capacitada para vender na China”, afirmou um especialista em agronegócio. Para lá da relação pragmática na política externa brasileira, o objetivo é consolidar a relação Brasil-China “como uma relação central para se perceber como é que o Brasil se projeta na política internacional e, principalmente, num contexto de disputa entre Estados Unidos e China”. Com efeito, o Brasil está a jogar o jogo da política internacional para ter ganhos políticos e potencializar o Brasil como ator relevante.

Nesta visita, evidenciou-se o contraste com a ida de Lula da Silva aos EUA, para se encontrar com o presidente Joe Biden. No mês passado, o presidente do Brasil esteve em Washington menos de 48 horas e não se encontrou com empresários.

Os EUA estão preocupados com a aproximação do Brasil com a China, tanto assim que a comissão de relações exteriores do Senado norte-americano convidou autoridades do governo de Joe Biden para uma discussão sobre o futuro das relações entre os EUA e o Brasil.

Agora, os EUA reagiram mal às acusações declarações de Lula da Silva sobre a responsabilidade da administração norte-americana no prolongamento da guerra. Mas desvalorizaram o quase abandono do dólar americano por parte dos BRICS.

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Após a visita de dois dias à China, durante a qual assinou acordos no valor de 10 mil milhões de dólares (mais de nove mil milhões de euros), Lula da Silva chegou aos EAU no dia 15.

Os EAU também tomaram posição neutra no conflito, atraindo grande número de empresários russos que fogem do impacto das sanções ocidentais, particularmente no Dubai, um importante centro financeiro.

De acordo com a agência oficial WAM, este rico país do Golfo é o segundo maior parceiro comercial do Brasil no Médio Oriente. O comércio entre os dois países, excluindo produtos petrolíferos, ascendeu a mais de quatro mil milhões de dólares (3,6 mil milhões de euros) em 2022, mais 32% do que no ano anterior.

No dia 15, os dois países assinaram uma série de acordos sobre a luta contra as alterações climáticas e sobre os biocombustíveis.

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Em Portugal, as declarações do presidente do Brasil mereceram reparo do Partido Social Democrata (PSD), pela voz do vice-presidente Paulo Rangel. O PSD acha oportuna e importante a visita de Lula da Silva, “para relançar fortemente os laços entre os dois países”. Porém, entende que “o Governo português – enquanto órgão de soberania responsável pela condução da política externa –, respeitando por inteiro a soberania do Brasil, através do primeiro-ministro, António Costa, e do ministro dos Negócios Estrangeiros, não pode deixar de se demarcar, pelas vias diplomáticas adequadas mas também publicamente”, da afirmação de que a UE, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) e os EUA “estão a fomentar e a estimular a guerra”.

Assim, com a franqueza com que Lula fala da cumplicidade e da intervenção da UE e suaviza ou omite a responsabilidade do regime de Putin (o que não é verdade, a meu ver), o primeiro-ministro deverá, segundo Paulo Rangel, “afirmar a posição de Portugal a favor do direito internacional, da integridade territorial da soberania ucraniana e da paz”.  

O Chega, que prometera que o presidente do Brasil teria a vida difícil em Portugal, critica o PSD por saudar a visita de Lula da Silva ao nosso país.

Já o Partido Socialista, pela voz da vice-presidente da sua bancada parlamentar, Jamila Madeira, respondeu: “Aquilo que nós vemos – como vimos fomentada, nos últimos dias, pelo Presidente Macron e agora também fomentada pelo Presidente Lulaé uma preocupação legítima de Portugal, dos portugueses, dos cidadãos do mundo que é a busca pela paz.” Para o PS, Lula tem procurado fomentar “a busca pela paz” na Ucrânia e as suas preocupações e declarações são legítimas. “Sem prejuízo de condenar veementemente o momento de violação do direito internacional de provocação desta guerra pela Rússia”, é necessário “tentar procurar o mais possível que, no quadro mundial, se retome a premissa da paz” – reforçou Jamila Madeira.

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É óbvio que as declarações de Lula da Silva iriam melindrar os que pensam que toda a dinâmica de guerra parte da Rússia – um pensamento quase único que se construiu no dito Ocidente, que dá todos os sinais de querer prolongar a guerra, com sanções económicas e com envio de equipamento bélico. Ninguém, em Portugal, desvaloriza o facto de o agressor ser a Rússia, na sua ambição expansionista e controladora, e o agredido a Ucrânia, que pretende manter a soberania e cujo povo nunca pediu à Rússia que o libertasse. Mas Portugal leva por tabela pelo sua indiscutida obediência à NATO e por ser um dos países mais insistentemente pró-ucraniano, mais do que alinhado com a UE, sem hiatos como sucede com a França e com a Alemanha.

Ora, é preciso dizer, como Lula da Silva fez, que o rei vai nu. O dito Ocidente também teve culpas. Não cumpriu os acordos (NATO, UE) decorrentes da queda da União Soviética, patrocinou a queda de um governo saído de eleições democráticas e fez vista grossa à anexação da Crimeia em 2014. Pelo menos, pagou com a mesma moeda, porque está em causa o controlo do Ártico e do Báltico. É uma questão geoestratégica que ceifa vidas, destrói património e intoxica o ambiente.

Ora, quando nem a Rússia, nem a Ucrânia, nem o dito Ocidente querem negociar, tem de haver alguém a urgir negociações com vista à paz, que não surge por geração espontânea, mas, para que todos saiam de cabeça erguida, exige esforço, diálogo e talvez cedências de parte a parte.

2023.04.16 – Louro de Carvalho

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