segunda-feira, 10 de abril de 2023

Taiwan não escalará conflito, mas responderá à China

 

Durante uma semana, com término a 10 de abril, as Forças Armadas da República Popular da China (RPC) desenvolveram atividades na forma de exercícios militares em redor de Taiwan.

Em resposta, três dias antes do término desses exercícios, ocorreram movimentações do exército de Taiwan em todo o território. Efetivamente, o governo deste país insular anunciou, a 6 de abril, ter detetado, no dia cinco, três navios de guerra chineses e um helicóptero antissubmarino perto da ilha, depois do encontro entre a líder taiwanesa e o presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos da América (EUA).

Efetivamente, Tsai Ing-wen, presidente de Taiwan desde 2016, que vem de um partido tradicionalmente defensor da independência da ilha – uma linha vermelha absoluta para a China –, encontrou-se com Kevin McCarthy, líder da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, na Biblioteca Presidencial Ronald Reagan, em Simi Valley, perto de Los Angeles, na Califórnia, apesar das repetidas ameaças de retaliação de Pequim, nas últimas semanas.

“Um avião do Exército Popular de Libertação [EPL] e três navios [do EPL] foram detetados às 06h00” [de quarta-feira], disse o Ministério da Defesa de Taiwan, em comunicado, do dia 6, acrescentando: “As forças armadas monitorizaram a situação e encarregaram um avião da Patrulha de Combate Aéreo, navios da marinha e sistemas de mísseis terrestres de responder a estas atividades.” E, no dia 9, Lee Hsi-ming, ministro de Defesa de Taiwan, disse que foram detetados, nos exercícios militares da RPC, 58 aeronaves chinesas e 9 navios com a bandeira da China. E garantiu que Taiwan não irá escalar no conflito, mas responderá, de forma apropriada, aos tais exercícios. Porém, não disse como nem quando.

O exército chinês confirmou, no dia 10, que mobilizara o porta-aviões Shandong como parte desta operação, chamada “Joint Sword”, horas antes do referido encontro de Tsai Ing-wen com Kevin McCarthy, na Califórnia.

O Shandong é um dos dois porta-aviões da China, o único totalmente construído no país e entrou em serviço em dezembro de 2019. E, segundo as declarações dos militares, esta é a primeira vez que o Shandong participa em manobras militares, que incluem o cerco de Taiwan.

Além do Shandong, a China, do seu arsenal, que inclui contratorpedeiros 052C e fragatas 054A, enviou alguns desses contratorpedeiros e algumas dessas fragatas para Taiwan. Com efeito, o Ministério da Defesa taiwanês declarou ter detetado 11 navios chineses ao redor da ilha.

De acordo com a Naval Technology, revista especializada em defesa, o modelo 054A é destinado ao combate antiaéreo e está equipado com mísseis terra-ar de médio alcance HQ-16, capazes de atingir alvos aéreos a 50 quilómetros de distância.

Além do predito porta-aviões, Pequim utilizou, nos exercícios em causa, dezenas de aeronaves no espaço aéreo em torno de Taiwan, incluindo caças J-16 e J-10C, que já foram usadas, no passado, em incursões chinesas na Zona de Identificação de Defesa Aérea de Taiwan (ADIZ).

Segundo o jornal Global Times, os jatos J-16, modelos de última geração projetados pela Shenyang Aircraft Corporation, são capazes de transportar mísseis de combate de curto alcance, bem como mísseis ar-ar de longo alcance. Por isso, como referem os especialistas, tornaram-se os caças preferidos de Pequim para testar a defesa antiaérea da ilha. No entanto, de acordo com a empresa Janes, também foram utilizados aviões de alerta e vigilância KJ-500, que têm cobertura de radar de 360 graus. E os meios de comunicação estatais chineses noticiaram o deslocamento de aeronaves Y-8, que permitem a deteção de submarinos, modelo já utilizado em patrulhas no Mar da China Oriental.

O exército chinês também utilizou, nesta operação, mísseis YJ-12B em exercícios a bordo de navios e em fogo simulado contra Taiwan.

Há poucas informações disponíveis sobre esse modelo, versão terrestre do míssil supersónico YJ-12, que tem alcance de 460 quilómetros e pode transportar ogivas nucleares e convencionais, segundo a Missile Defense Advocacy Alliance, um organismo sediado nos EUA.

Os mísseis balísticos DF-11 e DF-15, convencionais e de curto alcance, também foram mobilizados para estes exercícios. Ambos os modelos estão em uso há décadas, com o mais novo DF-15 capaz de “atingir Taiwan, a Península Coreana e o norte da Índia, a partir da China continental”, de acordo com o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais de Washington.

As forças armadas chinesas “simularam tiros de precisão conjuntos” sobre Taiwan no fim de semana da Páscoa, de acordo com a emissora estatal CCTV.

Não há dúvida de que a RPC quis amedrontar um pequeno país, ao mostrar a sua força militar.

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Não é a primeira vez que a RPC faz manobras militares de provocação sobre o território cuja capital é Taipé. Entre as várias operações de intimidação à Ilha, é de destacar o conjunto de manobras militares sem precedentes, desencadeado em torno de Taiwan, em agosto de 2022, quando a antecessora de McCarthy na Câmara, a democrata Nancy Pelosi, visitou Taiwan.

No dia 6 de abril deste ano, Pequim prometeu “medidas determinadas e eficazes para salvaguardar a soberania e integridade territorial”. O Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês comparou a reunião Tsai-McCarthy em solo norte-americano a “atos de conluio gravemente equivocados”, entre os EUA e Taiwan.

O anúncio chegou quando o presidente francês, Emmanuel Macron, se encontrava numa visita de estado a Pequim, tendo previsto um encontro, durante o dia, com o homólogo chinês, Xi Jinping.

O Taipei Mainland Affairs Council (MAC), o principal órgão de decisão política da ilha autónoma em relação à China, acusou Pequim de “obstruir o comércio” no estreito de Taiwan, através da realização de inspeções no local a navios de carga e de passageiros.

Anteriormente, as autoridades marítimas chinesas tinham dito que estavam a intensificar as patrulhas nas águas que separam a ilha da China continental, sem darem mais pormenores.

“A ação do lado chinês agrava deliberadamente as tensões entre os dois lados do estreito”, disse o MAC, que especificou: “Trata-se de uma violação flagrante do acordo de navegação entre os dois lados do estreito e das práticas marítimas, que terá um impacto negativo significativo no tráfego normal entre os dois lados do estreito.”

Face a estas ocorrências, os EUA apelam à moderação de Pequim; Taiwan mostra-se preparada para responder; e o presidente francês, no fim da visita à China, disse que preferia não interferir.

A aproximação entre Taiwan e os EUA, nos últimos anos, e a recente visita da presidente taiwanesa àquele país não acalmaram os ânimos da China, antes os acirraram, embora a Casa Branca não tenha laços diplomáticos oficiais com o Governo da ilha.

Por seu turno, o presidente francês recomendou, no regresso da visita a Pequim, que a Europa estabeleça a própria “estratégia de autonomia”, fora do padrão estabelecido pelos EUA e pela China, para evitar ser arrastada pelas tensões entre as duas potências.

A República Popular da China, governada a partir de Pequim, que sucedeu, no reconhecimento internacional, nomeadamente na Organização das Nações Unidas (ONU), à República da China, governada a partir de Taipé, considera que a ilha democrática e autónoma de Taiwan é uma das suas províncias a retomar, privilegiando a “reunificação pacífica”, mas não excluindo o uso da força. Por isso, entende que, em nome do princípio “uma só China”, nenhum país deve ter, ao mesmo tempo, laços oficiais com Pequim e com Taipé. Assim, apenas 13 Estados ainda reconhecem Taiwan, incluindo Belize e Guatemala, países latino-americanos que Tsai visitou, nos últimos dias, para cimentar a relação com os aliados oficiais, após a paragem em Nova Iorque.

Contudo, os EUA mantêm, há muito tempo, uma “ambiguidade estratégica” sobre a questão de Taiwan. Washington reconheceu Pequim desde 1979, mas continua, inconsequentemente, a ser o mais poderoso aliado de Taiwan e o seu principal fornecedor de armas.

Com Tsai Ing-wen, Taiwan aproximou-se dos EUA, tendo McCarthy apelado à “continuação das vendas de armas” à Ilha, defendendo ser esta a “melhor maneira” de evitar uma invasão chinesa a Taiwan. “Esta é uma lição-chave que aprendemos com a Ucrânia, que a ideia de meras sanções no futuro não irá deter ninguém”, disse o político republicano aos jornalistas.

Efetivamente, esta é a primeira vez que um líder da Câmara dos Representantes recebe, oficialmente, a presidente de Taiwan em solo norte-americano, desde que as relações diplomáticas diretas cessaram, há 44 anos.

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Estes exercícios militares da RPC em torno de Taiwan, a que Taipé prometeu responder, embora sem querer escalar o conflito, permitem a seguinte leitura, além de outras também prováveis: por um lado, a China não alinha militarmente no apoio à guerra da Rússia na Ucrânia, mas também não toma partido pelo dito Ocidente e, em particular pelos EUA, pelo que as provocações a Taiwan podem ser um chamariz para a intervenção norte-americana, na convicção de a RPC levará a melhor; e, por outro lado, os EUA estarão convencidos de que vencerão a China, se esta se envolver num conflito explícito com Taipé. Porém, neste caso, não bastará fornecer armas a Taipé. Terão que ser mobilizado para Taiwan um significativo contingente de militares.

Não creio que a RPC desista, nem esteja, com a força que detém, a fazer entretenimento.

Seja como for, as duas potências estão a brincar com o fogo, ao criarem as condições para a instauração de um conflito de dimensões incalculáveis em mais uma zona relevante do Globo. Até parece que ninguém quer a paz, tudo valendo para experimentar novos equipamentos e novas armas de guerra. Enfim, parece que está a ganhar cada vez mais terreno a indústria bélica.

E tudo isto será desnecessário, se o Kuomintang (Partido Nacionalista Chinês, PNCh), próximo de Pequim, vencer as eleições presidenciais taiwanesas de 13 de janeiro de 2024, caso em que a RPC conquistará Taiwan “sem um só tiro”.

2023.04.10 – Louro de Carvalho

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