quinta-feira, 27 de abril de 2023

Governo pôs em marcha a reprivatização da TAP

 

De acordo com o respetivo comunicado, o Conselho de Ministros aprovou, a 27 de abril, a resolução que mandata a Parpública para que proceda às diligências necessárias com vista à seleção e contratação dos serviços de avaliação independente, necessários no âmbito da potencial privatização da TAP – Transportes Aéreos Portugueses, S.A. (TAP).

A resolução governamental foi tomada na sequência do processo da sua viabilização financeira, suportada por um plano de reestruturação, mostrando-se necessário encontrar solução que garanta a sustentabilidade da companhia, a longo prazo, e a manutenção da sua importância estratégica para o país, em particular, através do “hub nacional”, privilegiando a caraterística de “companhia de bandeira”.

Na conferência de imprensa subsequente à sessão do Conselho de Ministros, o ministro das Finanças, Fernando Medina, frisou que a dita resolução mandata as Finanças e a Parpública para a realização de duas “avaliações financeiras independentes” à companhia aérea, prevendo-se para julho o decreto-lei da reprivatização. E, acentuando que está dado o primeiro passo para a reprivatização da TAP, declarou: “Esta resolução tem a importância de mandatar o Ministério das Finanças para a realização dos atos necessários para a avaliação da companhia e a partir da qual o Governo depois estará habilitado à aprovação e definição das peças legais seguintes.”

Os passos legais seguintes, como especificou, são “um decreto-lei e uma nova resolução, onde ficarão definidos os aspetos fundamentais do processo, e também o caderno de encargos, mas que exigem este passo prévio da avaliação por duas entidades independentes”.

Fernando Medina afirmou que “ainda é cedo para calendarizar o andamento” do processo, mas a expectativa governativa é que o Conselho de Ministros aprove “o decreto-lei que inicia a privatização antes do verão”, “por volta de julho”. “O que se espera é que a avaliação seja o mais completa possível do valor da companhia nas suas diferentes formas que a companhia apresenta.”

Por sua vez, o ministro das Infraestruturas, João Galamba, também interveniente na conferência de imprensa, salientou que “a avaliação tem duas dimensões da maior importância”: a aeronáutica, da dimensão do hub e da conectividade, isto é, a valorização de companhia de aeronáutica; e a atinente ao contexto hodierno e às oportunidades criadas pela transição energética, pois, “hub do Humberto Delgado já e será, no futuro, um hub de produção e distribuição de combustíveis sintéticos para a aviação”. “Este é um grande desafio para a aviação europeia e comporta uma grande oportunidade para a TAP, que importa incluir como dimensão a avaliar”, vincou.

O ministro das Infraestruturas confirmou que há interessados na entrada no capital da companhia aérea. Grupo IAG, Air France-KLM e Lufthansa são os mais apontados, mas a operação estará também a despertar o interesse de fundos de investimento. “A TAP é uma grande companhia. Já era uma grande companhia pela sua dimensão puramente aeronáutica. No contexto da transição enérgica significa um potencial de valorização acrescida”, reforçou.

E o ministro das Finanças adiantou: “Temos a expectativa de que elas [as manifestações de interesse] se venham a concretizar no maior número possível, na fase de apresentação de propostas”, para “termos a melhor escolha”. Haverá “uma primeira fase mais abrangente e, depois, numa segunda fase com propostas vinculativas”, precisou.

Questionado pelos jornalistas sobre o impacto da comissão parlamentar de inquérito (CPI) à tutela pública da gestão da TAP no valor da companhia, Fernando Medida desvalorizou e disse: “A TAP tem um valor intrínseco que decorre […] do que é a sua existência enquanto companhia aérea, enquanto elemento de geração de valor a partir do hub de Lisboa. Queria, aqui, valorizar, de novo, os resultados positivos que a companhia aérea teve em 2022, antecipando as metas do plano de restruturação, o que mostra capacidade de criação intrínseca de valor significativa.”

Depois, assinalou que a TAP tem “uma componente de valor que é variável, em função das sinergias que possam existir para o adquirente”.

João Galamba sublinhou que “o governo tem feito sempre um discurso de defesa do interesse púbico” – discurso em que se insere o mandato à Parpública para fazer estas duas avaliações – e não a utilização da TAP como arma de arremesso político.

“Estamos a fazê-lo de forma muito clara e transparente, levando a decisão ao Conselho de Ministros, ao contrário do que aconteceu no passado, em 2015, para que seja cumprido escrupulosamente o que a lei determina”, atalhou o ministro das Finanças.

E o ministro das Infraestruturas abordou a importância do aeroporto de Lisboa para a TAP, no dia em que a Comissão Técnica Independente (CTI) anunciou as opções finalistas para reforço da região. “A questão da capacidade aeronáutica da região de Lisboa é uma dimensão muito importante na valorização da TAP e é por isso que o Governo está empenhado na definição da solução de longo prazo para a região de Lisboa e, entretanto, na melhoria operacional do Humberto Delgado como ele está”, disse João Galamba, acrescentando que, independentemente da solução futura, o Humberto Delgado será, durante bastantes anos, o aeroporto principal da região de Lisboa”, estando a tutela a tomar medidas para a melhoria operacional do Humberto Delgado, nomeadamente na libertação de espaço aéreo e na pista.

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É de recordar que o Governo de Passos Coelho aprovou, em junho de 2015, a privatização de 61% da TAP à Atlantic Gateway, de David Neeleman e de Humberto Pedrosa, operação que gerou polémica, devido à utilização de fundos da Airbus para a capitalização pelos privados.

Em 2016, o primeiro Executivo de António Costa reverteu parcialmente a privatização, ficando o Estado com 50% do capital. Com a pandemia da covid-19, em 2020, o Governo comprou a posição de David Neeleman, elevando a participação para 62,5%. Com as recapitalizações feitas no âmbito do plano de reestruturação, a TAP SA, dona da companhia aérea, ficou integralmente detida pelo Estado, no final de 2021, através da Direção-Geral do Tesouro e Finanças. Já em 2022 foi a vez da TAP SGPS passar para o controlo total do Estado.

A 13 de abril, soube-se que o grupo IAG, dono da Iberia e da British Airways, já tinha selecionado assessores jurídicos e de comunicação, sinal de que pretende entrar na corrida à compra de uma participação na companhia aérea. Julga estar em condições de cumprir os objetivos de Portugal, designadamente as rotas para a lusofonia e para as comunidades da diáspora portuguesa. E a única objeção é estar muito ligado ao aeroporto de Madrid.

Porém, o chanceler alemão, Olaf Scholz, admitiu, a 19 de abril, num encontro com o primeiro-ministro, António Costa, que, se não tivesse havido a pandemia de covid-19, se calhar, a TAP já seria da Lufthansa, pois encaixa-se no âmbito da empresa alemã e cumpre os objetivos de Portugal.

A conclusão que se tira das palavras dos ministros que tutelam a companhia aérea é que a privatização nunca deixou de estar no horizonte dos governos, mesmo dos socialistas. E a reversão feita pelo primeiro governo de António Costa tem a ver com o oportunismo abusivo de uma resolução tomada por um governo que estava em fim de mandato e pela utilização, de regularidade duvidosa, dos dinheiros da Airbus, com eventuais prejuízos para a TAP.

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Porém, não é certo que a discussão política à volta da empresa pública (mesmo os depoimentos na CPI) não a desvalorize. A este respeito, o presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Aviação Civil (SINTAC), Pedro Figueiredo, observando que as lutas partidárias à volta da TAP lhe tiram valor e dificultam novas contratações, antecipou, na CPI, um verão difícil. “É inaceitável que a TAP seja utilizada como instrumento de lutas políticas. Afasta clientes, desvaloriza a TAP e quem paga são os trabalhadores”, afirmou, vincando que “muitas famílias dependem” da companhia e muitas empresas “gravitam à sua volta”. “Este clima está a levar à saída de pessoas e a afetar a capacidade de contratação. Com o verão que se adivinha a TAP dificilmente conseguirá cumprir a sua função”, reforçou o sindicalista.

Por seu turno, Tiago Faria Lopes, presidente do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC), durante a audição na CPI, apelou a que não continue a interferência política na TAP. E disse que a companhia não pode continuar a ser gerida de forma ligeira, “por WhatsApp”.

E Ricardo Penarróias, dirigente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), afirmando, na CPI, que os trabalhadores da companhia aérea foram enganados com a aplicação do plano de reestruturação, contestou “a narrativa ideológica que se tentou fazer de que os salários eram os responsáveis pela crise na TAP”. E clamou: “Esta sala veio-nos dar razão. O que temos vindo a assistir nesta sala é uma vergonha. Fomos enganados nos últimos dois anos. A palavra não é forte, até é fraca.”

O dirigente sindical observou que o plano de reestruturação foi concebido pelo governo e pela TAP com base em “cenário pessimista”, completamente desajustado. E contestou a manutenção do Acordo Temporário de Emergência (ATE), assinado em 2021. “Os ATE já não são benéficos para a própria empresa. Tem dificuldade em contratar, em crescer e em consolidar-se no mercado. Está a deixar sair pessoas qualificadas. Para se conseguir manter concorrencial tem necessidade de contratar serviços externos que não atingem os padrões da TAP”, apontou.

Afirmando que a redução dos salários não fora imposta pela Comissão Europeia, antes pela vontade de o governo “ser bom aluno”, entregou aos deputados um documento de 2021, que disse comprovar que Bruxelas propôs, como alternativa aos cortes salariais, a imposição de perdas aos acionistas e aos obrigacionistas, o que revela que “a retórica imposta aos trabalhadores do grupo TAP foi de má-fé”, pois, nunca houve “imposição da Comissão Europeia”, que até questionou os cortes salariais do grupo, perguntando se não deviam ser os acionistas e obrigacionistas” a suportar a reestruturação.

Além disso, criticou a gestão da TAP por David Neeleman, subordinada à companhia aérea brasileira Azul, de que esta personalidade era grande acionista, e apontou o caso de a TAP estar a pagar leasings de aviões mais caros à Azul, questionando a cedência da posição para a compra de aviões Airbus A350. Ainda ninguém explicou a saída dos A350, aviões que a Ibéria utiliza.

Os deputados questionaram Ricardo Penarróias sobre as perdas da TAP na Manutenção e Engenharia Brasil, a antiga Varig Manutenção e Engenharia (VEM), o que azou o reconhecimento de mil milhões de euros em perdas nas contas de 2021. E o dirigente do SNPVAC respondeu:

O mercado brasileiro é muito importante para a operação da TAP. É uma das joias para a privatização. A ideia até podia ser interessante, mas muito rapidamente percebemos que não seria rentável. Fomos enterrando dinheiro. Durante anos a fio, a VEM foi uma âncora que não deixou descolar a companhia. Era um buraco negro.”

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Enfim, por motivos ínvios, a TAP rodopia de público para privado e vice-versa. A reestruturação segue a regra das demais empresas públicas e privadas: cortes salariais, encerramento de balcões (serviços), despedimentos, compensação choruda a ex-administradores e salários megalómanos (e prémios) a novos gestores. Acresce que os sucessivos saneamentos de empresas públicas implicam a injeção de avultada quantia de dinheiro público. E vendem-se por uma bagatela.

Assim também eu fazia!

2023.04.27 – Louro de Carvalho

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