De acordo com o
respetivo comunicado, o Conselho de Ministros aprovou, a 27 de abril, a
resolução que mandata a Parpública para que proceda às diligências necessárias
com vista à seleção e contratação dos serviços de avaliação independente,
necessários no âmbito da potencial privatização da TAP – Transportes Aéreos
Portugueses, S.A. (TAP).
A resolução
governamental foi tomada na sequência do processo da sua viabilização
financeira, suportada por um plano de reestruturação, mostrando-se necessário
encontrar solução que garanta a sustentabilidade da companhia, a longo prazo, e
a manutenção da sua importância estratégica para o país, em particular, através
do “hub nacional”, privilegiando a caraterística de “companhia de bandeira”.
Na conferência de imprensa subsequente à sessão
do Conselho de Ministros, o ministro das Finanças, Fernando Medina, frisou que
a dita resolução mandata as Finanças e a Parpública para a realização de duas “avaliações financeiras independentes” à companhia aérea, prevendo-se para julho o decreto-lei
da reprivatização. E, acentuando que está dado o primeiro
passo para a reprivatização da TAP, declarou: “Esta resolução tem a importância
de mandatar o Ministério das Finanças para a realização dos atos necessários
para a avaliação da companhia e a partir da qual o Governo depois estará
habilitado à aprovação e definição das peças legais seguintes.”
Os passos legais seguintes, como especificou, são “um
decreto-lei e uma nova resolução, onde ficarão definidos os aspetos
fundamentais do processo, e também o caderno de encargos, mas que exigem este
passo prévio da avaliação por duas entidades independentes”.
Fernando Medina afirmou que “ainda é cedo para calendarizar o andamento” do processo,
mas a expectativa governativa é que o Conselho de Ministros aprove “o
decreto-lei que inicia a privatização antes do verão”, “por volta de
julho”. “O que se espera é que a avaliação seja o mais completa
possível do valor da companhia nas suas diferentes formas que a companhia
apresenta.”
Por sua vez, o ministro das Infraestruturas, João Galamba, também interveniente
na conferência de imprensa, salientou que “a avaliação tem duas dimensões da
maior importância”: a aeronáutica, da dimensão do hub e da conectividade, isto é, a valorização de companhia
de aeronáutica; e a atinente ao contexto hodierno e às oportunidades criadas
pela transição energética, pois, “o hub do
Humberto Delgado já e será, no futuro, um hub de produção e
distribuição de combustíveis sintéticos para a aviação”. “Este é um
grande desafio para a aviação europeia e comporta uma grande oportunidade para
a TAP, que importa incluir como dimensão a avaliar”, vincou.
O ministro das Infraestruturas confirmou que há
interessados na entrada no capital da companhia aérea. Grupo IAG, Air France-KLM e Lufthansa são os mais
apontados, mas a operação estará também a despertar o interesse de fundos de
investimento. “A TAP é uma grande companhia. Já era uma grande companhia pela
sua dimensão puramente aeronáutica. No contexto da transição enérgica significa
um potencial de valorização acrescida”, reforçou.
E o ministro das Finanças adiantou: “Temos a expectativa de que elas
[as manifestações de interesse] se venham a concretizar no maior número
possível, na fase de apresentação de propostas”, para “termos a melhor
escolha”. Haverá “uma primeira fase mais abrangente e, depois, numa segunda
fase com propostas vinculativas”, precisou.
Questionado pelos jornalistas sobre o impacto da comissão parlamentar de
inquérito (CPI) à tutela pública da gestão da TAP no valor da companhia, Fernando
Medida desvalorizou e disse: “A TAP tem um valor intrínseco que decorre […] do
que é a sua existência enquanto companhia aérea, enquanto elemento de geração
de valor a partir do hub de
Lisboa. Queria, aqui, valorizar, de novo, os resultados positivos que a
companhia aérea teve em 2022, antecipando as metas do plano de restruturação, o
que mostra capacidade de criação intrínseca de valor significativa.”
Depois, assinalou que a TAP tem “uma componente de valor que é variável, em
função das sinergias que possam existir para o adquirente”.
João Galamba sublinhou que “o governo tem feito sempre um
discurso de defesa do interesse púbico” – discurso em que se insere o mandato à
Parpública para fazer estas duas avaliações – e não a utilização da TAP
como arma de arremesso político.
“Estamos a fazê-lo de forma muito clara e transparente, levando a decisão
ao Conselho de Ministros, ao contrário do que aconteceu no passado, em 2015,
para que seja cumprido escrupulosamente o que a lei determina”, atalhou o ministro
das Finanças.
E o ministro das Infraestruturas abordou a importância do aeroporto de
Lisboa para a TAP, no dia em que a Comissão Técnica Independente (CTI) anunciou
as opções finalistas para reforço da região. “A questão da capacidade
aeronáutica da região de Lisboa é uma dimensão muito importante na valorização
da TAP e é por isso que o Governo está empenhado na definição da solução de
longo prazo para a região de Lisboa e, entretanto, na melhoria
operacional do Humberto Delgado como ele está”, disse João Galamba,
acrescentando que, independentemente da solução futura, o Humberto Delgado será,
durante bastantes anos, o aeroporto principal da região de Lisboa”, estando a
tutela a tomar medidas para a melhoria operacional do Humberto Delgado, nomeadamente
na libertação de espaço aéreo e na pista.
***
É de recordar que o Governo de Passos Coelho aprovou, em junho de 2015, a
privatização de 61% da TAP à Atlantic Gateway, de David Neeleman e de Humberto
Pedrosa, operação que gerou polémica, devido à utilização de fundos da Airbus
para a capitalização pelos privados.
Em 2016, o primeiro Executivo de António Costa reverteu parcialmente a
privatização, ficando o Estado com 50% do capital. Com a pandemia da covid-19,
em 2020, o Governo comprou a posição de David Neeleman, elevando a participação
para 62,5%. Com as recapitalizações feitas no âmbito do plano de reestruturação,
a TAP SA, dona da companhia aérea, ficou integralmente detida pelo Estado, no
final de 2021, através da Direção-Geral do Tesouro e Finanças. Já em 2022 foi a
vez da TAP SGPS passar para o controlo total do Estado.
A 13 de abril, soube-se que o grupo IAG,
dono da Iberia e da British Airways, já tinha selecionado assessores jurídicos
e de comunicação, sinal de que pretende entrar na corrida à compra de uma
participação na companhia aérea. Julga estar
em condições de cumprir os objetivos de Portugal, designadamente as rotas para a lusofonia e para as
comunidades da diáspora portuguesa. E a única
objeção é estar muito ligado ao aeroporto de Madrid.
Porém, o chanceler alemão, Olaf Scholz, admitiu, a 19 de abril, num encontro com o
primeiro-ministro, António Costa, que, se não tivesse havido a pandemia de
covid-19, se calhar, a TAP já seria da Lufthansa, pois encaixa-se no âmbito da empresa
alemã e cumpre os objetivos de Portugal.
A conclusão que se tira das palavras dos ministros que
tutelam a companhia aérea é que a privatização nunca deixou de estar no
horizonte dos governos, mesmo dos socialistas. E a reversão feita pelo primeiro
governo de António Costa tem a ver com o oportunismo abusivo de uma resolução tomada
por um governo que estava em fim de mandato e pela utilização, de regularidade duvidosa,
dos dinheiros da Airbus, com eventuais prejuízos para a TAP.
***
Porém,
não é certo que a discussão política à volta da empresa pública (mesmo os
depoimentos na CPI) não a desvalorize. A este respeito, o presidente do
Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Aviação Civil (SINTAC), Pedro
Figueiredo, observando que as lutas partidárias à volta da TAP lhe tiram valor e
dificultam novas contratações, antecipou, na CPI, um verão difícil. “É inaceitável que a TAP seja utilizada como instrumento de lutas
políticas. Afasta clientes, desvaloriza a TAP e quem paga são os trabalhadores”,
afirmou, vincando que “muitas famílias dependem” da companhia e muitas empresas
“gravitam à sua volta”. “Este clima está a levar à saída de pessoas e
a afetar a capacidade de contratação. Com o verão que se adivinha a TAP
dificilmente conseguirá cumprir a sua função”, reforçou o sindicalista.
Por seu turno, Tiago
Faria Lopes, presidente do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC), durante
a audição na CPI, apelou a que não continue a interferência política na TAP.
E disse que a companhia não pode continuar a ser gerida de forma ligeira, “por
WhatsApp”.
E Ricardo Penarróias, dirigente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da
Aviação Civil (SNPVAC), afirmando, na CPI, que os trabalhadores da companhia
aérea foram enganados com a aplicação do plano de reestruturação, contestou “a
narrativa ideológica que se tentou fazer de que os salários eram os
responsáveis pela crise na TAP”. E clamou: “Esta sala veio-nos dar razão. O que temos vindo a assistir nesta sala é uma vergonha. Fomos
enganados nos últimos dois anos. A palavra não é forte, até é fraca.”
O dirigente sindical observou que o plano de reestruturação
foi concebido pelo governo e pela TAP com base em “cenário pessimista”, completamente
desajustado. E contestou a manutenção do Acordo Temporário de Emergência (ATE),
assinado em 2021. “Os ATE já
não são benéficos para a própria empresa. Tem dificuldade em contratar, em
crescer e em consolidar-se no mercado. Está a deixar sair pessoas qualificadas.
Para se conseguir manter concorrencial tem necessidade de contratar serviços
externos que não atingem os padrões da TAP”, apontou.
Afirmando que a redução dos salários não fora imposta pela Comissão Europeia, antes pela vontade de o governo “ser bom aluno”,
entregou aos deputados um documento de 2021, que disse comprovar
que Bruxelas propôs, como alternativa aos cortes salariais, a imposição de
perdas aos acionistas e aos obrigacionistas, o que revela que “a retórica imposta aos trabalhadores do grupo TAP foi de má-fé”,
pois, nunca houve “imposição da Comissão Europeia”, que até questionou os
cortes salariais do grupo, perguntando se não deviam ser os acionistas e
obrigacionistas” a suportar a reestruturação.
Além disso, criticou a gestão da TAP por David Neeleman, subordinada à companhia
aérea brasileira Azul, de que esta personalidade era grande acionista, e
apontou o caso de a TAP estar a pagar leasings de aviões mais caros à Azul, questionando a cedência da
posição para a compra de aviões Airbus A350. Ainda ninguém explicou a saída dos A350, aviões que a
Ibéria utiliza.
Os deputados questionaram Ricardo Penarróias sobre as perdas
da TAP na Manutenção e Engenharia Brasil, a antiga Varig Manutenção e
Engenharia (VEM), o que azou o reconhecimento de mil milhões de euros em perdas
nas contas de 2021. E o dirigente do SNPVAC respondeu:
“O mercado brasileiro é muito importante para a
operação da TAP. É uma das joias para a privatização. A ideia até podia
ser interessante, mas muito rapidamente percebemos que não seria rentável.
Fomos enterrando dinheiro. Durante anos a fio, a VEM foi uma âncora que não
deixou descolar a companhia. Era um buraco negro.”
***
Enfim, por motivos ínvios, a TAP rodopia de público
para privado e vice-versa. A reestruturação segue a regra das demais empresas
públicas e privadas: cortes salariais, encerramento de balcões (serviços),
despedimentos, compensação choruda a ex-administradores e salários megalómanos (e
prémios) a novos gestores. Acresce que os sucessivos saneamentos de empresas
públicas implicam a injeção de avultada quantia de dinheiro público. E
vendem-se por uma bagatela.
Assim também eu fazia!
2023.04.27 – Louro de
Carvalho
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