sábado, 22 de abril de 2023

Contestada prestação de provas de aferição em formato digital

 

Diretores de agrupamentos de escolas, professores e encarregados de educação estão unidos na contestação à prestação de provas de aferição pelos alunos do 2.º ano de escolaridade.

As provas de aferição – no 2.º, 5.º e 8.º anos – visam: acompanhar o desenvolvimento do currículo nas diferentes áreas; fornecer informação detalhada às escolas, aos professores, aos encarregados de educação e aos alunos sobre o desempenho destes últimos; e potenciar uma intervenção pedagógica atempada, dirigida às dificuldades específicas de cada aluno.

Têm por referência o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (PASEO) e os documentos curriculares referentes às Aprendizagens Essenciais de cada disciplina, podendo mobilizar aprendizagens do ano de escolaridade anterior e refletindo uma visão integradora dos diferentes domínios/temas/áreas.

Fixando-nos pelas provas de aferição do 2.º ano, convém referir o seguinte:

As provas de Português e Estudo do Meio (a realizar a 15 de junho) e de Matemática e Estudo do Meio (a realizar a 20 de junho) são prestadas, unicamente, em formato digital. No primeiro trimestre, o Instituto de Avaliação Educativa, Instituto Público (IAVE, IP) forneceu informação específica relativa aos equipamentos requeridos e ao modo de realização das provas.

Os desempenhos de cada aluno são classificados através de códigos, que correspondem a níveis de desempenho diferenciados. A descrição do desempenho de cada aluno nas diferentes provas é feita nos Relatórios Individuais da Prova de Aferição (RIPA). Os RIPA contêm informação de natureza qualitativa e são disponibilizados às escolas, que devem assegurar a sua divulgação junto dos alunos, dos professores e dos respetivos encarregados de educação.

As escolas têm ainda acesso a um relatório com informação de natureza qualitativa e quantitativa, o Relatório de Escola da Prova de Aferição (REPA), que carateriza o desempenho do conjunto de alunos de cada turma, de cada escola ou de cada agrupamento. O RIPA e o REPA permitem a reflexão individual e coletiva sobre a concretização dos objetivos de aprendizagem, que pode fundamentar decisões que visem a melhoria das práticas pedagógicas e das aprendizagens.

As provas de Educação Artística e de Educação Física (a realizar entre 2 e 11 de maio) decorrem no contexto do grupo-turma e são constituídas por tarefas que requerem um desempenho prático em situações de participação individual, em pares ou em grupo. A avaliação do desempenho dos alunos, nestas provas, é feita, fundamentalmente, através da observação direta.   

As provas de Português e Estudo do Meio e de Matemática e Estudo do Meio, a realizar em formato digital, têm a duração de 90 minutos, repartidos em dois períodos de 45 minutos, com um intervalo de 20 minutos. Na prova de Português e Estudo do Meio, o domínio da Oralidade (compreensão) é avaliado no início da prova.

O IAVE, IP, além de formulários de prova, para conhecimento e treino, enviou às escolas uma lista de soluções para os casos em que o sistema digital falhe. As escolas podem optar por aplicar as provas online ou offline e é possível, em caso de necessidade, optar por dois turnos, desde que “os alunos não se cruzem na troca de turnos”. Se o computador avariar durante a realização da prova, o aluno poderá reiniciá-la noutro computador e as questões às quais tinha respondido não se perdem”. E, caso o estudante não tenha computador, é a escola que o deve disponibilizar.

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É a primeira vez que as provas de aferição dos 2.º, 5.º e 8.º anos serão feitas em formato digital, pois, em 2022, isso ocorreu só em escolas-piloto. Porém, o Ministério da Educação (ME) espera que, em 2025, todas as provas finais e exames nacionais sejam em suporte eletrónico.

Diretores, pais e professores não concordam com a realização das Provas de Aferição em formato digital para os alunos do 2.º ano, pois “ainda estão a apurar a motricidade fina e em processo de aquisição das competências de leitura e escrita”.

Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas (ANDAEP), acha prematuro aplicar as provas em suporte digital no 2.º ano. São crianças pequeninas “e, nestas idades, a caligrafia é importante”. E espera que “não se perca o hábito da escrita manuscrita”. Na verdade, “o computador e as tecnologias são essenciais atualmente, mas as crianças do 2.º ano ainda nem têm telemóvel e estão a apurar a caligrafia”, explica.

Também Manuel António Pereira, presidente da Associação Nacional de Diretores Escolares (ANDE), sustenta que se trata de crianças para as quais “o importante é escrever e ler com fluidez”, pelo que deveria haver solução diferente para os alunos do 2.º ano.

A mãe de uma aluna de 1.º ano já manifesta, antecipadamente, igual preocupação e afirma tratar-se de “um perfeito absurdo”. Defende que não faz sentido fazer provas em formato digital no 2.º ano, visto que “passamos o tempo todo a dizer aos nossos filhos que não podem passar tanto tempo em frente aos ecrãs e, depois, é a escola a remar em sentido oposto”. Sabe que já utilizam as tecnologias e diz que não é contra, “desde que o façam com um objetivo pedagógico, e não com esta intensidade”. Por outro lado, acha disparate o facto de a filha ter de levar, um dia por semana, o computador para a escola, em detrimento dos livros. 

Uma professora de 2.º ciclo (Português e História e Geografia de Portugal) está preocupada com as dificuldades na motricidade fina, que já se notam nos alunos. Na disciplina de Português (e em muitas outras), é importante escrever manualmente, mas estão a substituir-se, cada vez mais, o lápis e a caneta pelo tablet ou pelo computador. Para a docente, tal como para o conhecido professor Paulo Guinote, “até no 5.º ano, a prova em formato digital era dispensável”.

Também um encarregado, pai de um aluno que frequenta o 2.º ano, partilha a mesma opinião sobre o formato das provas e salienta a questão emocional subjacente. O filho está ainda a trabalhar a caligrafia, tal como a maioria das crianças de 7 e de 8 anos. Fazer as provas em formato digital no 2.º ano é inqualificável. Além disso, contesta a realização das provas no 2.º ano, por não haver ainda “estrutura emocional para a realização de um exame que, mesmo não contando para nota, implica pressão por parte das escolas e de alguns professores”. O filho andava ansioso e com alterações no sono, por causa das provas, apesar de, em casa, lhe dizerem que será um teste como outro qualquer e que não conta para nada. Por isso, optou por deixar o filho decidir se vai ou não realizar as provas, “para amenizar o stresse que já demonstrava”.

Com exceção dos aludidos presidentes da ANDAEP e da ANDE, estes são apenas testemunhos que estão à tona a revelar o sentir de muitos professores e pais.

Em meu entender, embora seja essencial a utilização normal das novas tecnologias em, praticamente, toda a atividade e, obviamente no ensino, o seu uso generalizado e obrigatório no 2.º ano, em ambiente de prova, tem efeito perverso. E dizer ao aluno que a prova não conta para nota ou para nada, é antipedagógico, como se a única justificação da atividade em aprendizagem fosse a nota. Além disso, legitimar a autodispensa da atividade marginaliza o aluno, que tende a estar com os colegas. Tudo contraindicações educativas e psicológicas!

Uma professora do 2.º ano não se posiciona contra as provas em formato digital, mas considera “necessário trabalhar, previamente, com os alunos, para que não haja problemas”. Diz ter feito, com a turma, em março, uma simulação de prova, que “correu muito bem”. Porém, os seus alunos “já têm uma rotina de literacia digital” que implementa nas aulas. O que a docente contesta não é a forma de aplicar a prova, mas a prova em si. Não contando para classificação, não se colhe nada dali. Vincando que os alunos de 2.º ano têm 7 ou 8 anos, sustenta que “a exigência e o stresse perturbam o seu desempenho”. Efetivamente, há crianças de 2.º ano que só agora estão a despertar para a leitura e para a escrita e, na prova, têm de interpretar dois tipos de textos. “Não têm, ainda, competências emocionais e arcabouço para lidar com este tipo de avaliação”, conclui.

E eu, além de estar de acordo com a necessidade de se trabalhar a dita escrita fina (manuscrita) e com a de iniciar os alunos no ambiente digital, mas não os obrigando, nestas idades, a um teste em suporte eletrónico, penso que estes alunos não estão preparados para um ambiente de prova e, mesmo, para dar conta da aquisição de alguns conteúdos. Pela análise de formulários emitidos pelo IAVE,IP, para o 2.º ano, há conteúdos que eles adquiriram em certa medida, mas que ainda têm dificuldade em manipular e aplicar em novas situações. 

Muitos professores e diretores consideram as provas dispensáveis. E Filinto Lima levanta as mesmas questões no atinente ao resultado prático das Provas de Aferição. Estão no sistema há algum tempo e a única novidade é o formato, o que é um grande desafio para as escolas. Porém, as provas não têm objetivo. Dão muito trabalho de preparação, administrativo e burocrático, face ao resultado que deveriam ter no contexto educativo. Não há nenhuma consequência para o aluno que não as faça. Até esse facto desvalorizar a prova.

Filinto Lima pede aos políticos que cheguem a um consenso sobre a importância das provas, até para “evitar que, nas mudanças de governo, se altere tudo de novo”. A esquerda e a direita querem as provas, mas “a direita defende que sejam feitas em anos de final de ciclo”, o que a esquerda também já defendeu (acrescento eu). Ora, era obrigação dos políticos a consecução de um consenso e a perceção a eficácia das provas para o sistema educativo. De facto, como penso, elas não têm implicação nos resultados. E a aferição, sendo feita por amostragem, através de amostra aleatória e representativa dos diversos contextos escolares e sociais, cumpriria os mesmos objetivos que o IAVE atribui aos atuais RIPA E REPA.   

As escolas não têm computadores suficientes para disponibilizar aos alunos que os não tenham. Porém, essa não é a opinião de Filinto Lima, que diz não acreditar em “grandes problemas”. “Se conseguimos na pandemia também acho que vamos conseguir nesta fase. As escolas com maior ou menor dificuldade estão a tentar tudo para que corra bem”, afirma.

Por seu turno, Manuel António Pereira acredita não ser a falta de computadores a dificultar a realização das provas, mas “a falta de técnicos informáticos”. Em sua opinião, “o maior problema será com o uso dos computadores” e com a não existência de quem resolva questões no decorrer das provas. Muitas escolas não têm técnicos suficientes e as de 1.º ciclo não os têm. Pode haver problemas informáticos e não haverá quem ajude. Até pode suceder que “se perca demasiado tempo a ajudar os alunos a resolver problemas e que o tempo não chegue para fazer as provas”. De facto, já há computadores com problemas, sem que haja quem os resolva (já não estão na garantia e estão encostados à espera de ser arranjados). Há escolas que só contam com a boa vontade dos professores de informática, porque não têm técnicos.

Também nisso acompanho as preocupações do presidente da ANDE.

Resta acrescentar que alguns professores já estão a solicitar a escusa de responsabilidade. Não sei se essa postura traz alguns resultados práticos.

***

Acho temerária a prestação das provas de aferição do 2.º ano em suporte eletrónico, pelas razões didáticas, pedagógicas e psicológicas indicadas. E vou mais longe, como a referida professora do 2.º ano. Provas no 2.º ano causam efeitos mais perversos do que utilidades. Duvido de que as escolas tenham computadores suficientes e em boas condições, bem como técnicos, apesar da promessa do seu recrutamento. Alguns PC entregues a alunos do 1.º ano e do 2.º não têm o Word instalado, pelo que o processamento de texto lhes é impossível.

O que importa é a educação para o desenvolvimento integral (paulatino e sólido) do aluno.

2023.04.22 – Louro de Carvalho

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