sábado, 15 de abril de 2023

Presidente do Brasil discursa na AR a 25 de abril em sessão especial

 

O presidente do Brasil, Lula da Silva, não vai discursar na sessão solene comemorativa do 25 de Abril, que decorrerá na Assembleia da República (AR), mas vai ter um momento onde poderá fazer uma intervenção. A decisão foi tomada a 12 de abril, na Conferência de Líderes.

O momento de boas-vindas a Lula da Silva, marcado para as 10 horas, contará com intervenções do presidente do Brasil e do presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva.

Mais tarde, às 11h30, será iniciada a sessão solene comemorativa do 25 de Abril, provavelmente já sem a presença do chefe de Estado brasileiro.

Esta decisão de meio-termo surge no seguimento da polémica criada quando João Gomes Cravinho, ministro dos Negócios Estrangeiros, anunciou, a 23 de fevereiro, em solo brasileiro, que Lula da Silva discursaria na cerimónia solene do 25 de Abril, na AR.

No final da Conferência de Líderes, a deputada socialista Maria da Luz Rosinha transmitiu aos jornalistas que o presidente do Brasil falará no dia 25 de abril, na AR, mas não na sessão comemorativa. E revelou que o presidente da AR endereçou um convite para que Lula da Silva “possa assistir à sessão do 25 de Abril”, mas “ainda não veio a resposta”.

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“É a primeira vez que um chefe de Estado estrangeiro faz um discurso nessa data”, afirmou Gomes Cravinho, em conferência de imprensa, a 23 de fevereiro, em Brasília, no Palácio Itamaraty, ao lado do ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira.

O ministro dos Negócios Estrangeiros português encontrava-se em Brasília, no âmbito da preparação da cimeira luso-brasileira, que Portugal vai acolher entre 22 e 25 de abril, ocasião em que o Presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, visitará o país e onde entregará ao cantor e escritor brasileiro Chico Buarque o Prémio Camões, de 2019.

A entrega do Prémio Camões 2019 tem sido atribulada, pois já, antes do adiamento devido à pandemia, em outubro daquele ano, cinco meses após ser conhecido o vencedor, o então presidente Jair Bolsonaro disse que poderia não assinar o diploma de atribuição do prémio.

A visita do governante português a Brasília serviu, principalmente, para se identificarem os temas da agenda da cimeira luso-brasileira do final de abril, em Lisboa, que juntará os chefes de Estado e de Governo dos dois países: “Temos de recuperar o tempo perdido”, frisou Gomes Cravinho, lembrando que a anterior cimeira entre os dois países se realizou em 2016, entre o primeiro-ministro, António Costa, e o então Presidente do Brasil, Michel Temer.

Mauro Vieira frisou que a cimeira servirá para “fazer propostas para novos passos” nas “relações no futuro”, enaltecendo, ainda, o facto de que Lula da Silva “ao participar estará pela primeira vez visitando a Europa” desde que tomou posse como Presidente do Brasil a 1 de janeiro. Lembrou que, em 2022, o fluxo de comércio entre os dois países cresceu 50% em relação a 2021, reforçando que Portugal é o 15.º maior investidor estrangeiro no Brasil, com um investimento de cerca de 10 mil milhões de euros em áreas tão fundamentais como a transição energética.

Como referiu, Portugal é ainda uma “plataforma natural para a internacionalização das empresas brasileiras na área da tecnologia e inovação”.

Por sua vez, Gomes Cravinho sublinhou que “o Brasil tem um enorme potencial” na “temática das energias renováveis” e que os dois países ambicionam reforçar as relações na área da saúde e promover os negócios em vários setores.

Em relação à facilitação de vistos de Portugal para países falantes de Língua Portuguesa, Gomes Cravinho afirmou que o país acredita “que o espaço da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa] se deve tornar, passo a passo, um espaço comum”.

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A declaração de João Gomes Cravinho, que deu como certo que Lula discursaria na AR a 25 de abril, incendiou o espectro parlamentar, com exceção do Partido Socialista (PS) e do Partido Comunista Português (PCP), alegadamente por o ministro não ter em conta a separação dos poderes, pois cabe à AR agendar os seus trabalhos e formular os convites às entidades que bem entender. Porém, os partidos mais à direita rejeitavam a intervenção do presidente brasileiro pelos seus precedentes políticos, nomeadamente o envolvimento em casos mediáticos a contas com a Justiça. Além disso, o anúncio da participação de Lula da Silva na sessão comemorativa do 25 de Abril já tinha sido feito, havia dois meses, pelo Presidente da República (PR).

A 30 de dezembro, em Brasília, aonde se deslocou para assistir à posse do seu homólogo brasileiro, Marcelo Rebelo de Sousa foi claro: “Foi já marcado o encontro em Portugal, de 22 a 25 de abril, com a cimeira entre o Presidente Lula e o primeiro-ministro português e a visita de Estado a meu convite, que culmina na participação na cerimónia do 25 de Abril.” E acrescentou que também constaria do programa da visita a entrega do Prémio Camões, “que, há muito, está para ser entregue a três premiados”, sendo um deles o cantor Chico Buarque, autor da música “Tanto Mar”, alusiva à revolução dos cravos.

Tal anúncio passou despercebido e o PR deixou de se referir ao assunto, por saber que, institucionalmente, cabe ao presidente da Assembleia da República definir, em colaboração com os partidos, o modelo da cerimónia comemorativa do 25 de Abril. Não obstante, a hipótese de o presidente brasileiro discursar na AR nas comemorações da revolução seria bem vista pelo PR e estava longe de ter sido totalmente abandonada pelo presidente da AR.

Mais tarde, o chefe de Estado desmultiplicou-se em chamadas de atenção para o facto de não estar em causa gostar-se ou não “do Senhor A ou do Senhor B”, mas o de zelar pelas boas relações institucionais com um país com a importância do Brasil, vendo, além do mais, no gesto de deixar Lula discursar na AR, a retribuição do convite que lhe fizeram a ele. Com efeito, em setembro de 2022, o presidente português discursou na sessão comemorativa do bicentenário da independência do Brasil, a convite do presidente do Senado brasileiro, que viera a Lisboa formular o convite. Foi no Senado e nessa data histórica, para o Brasil, que o chefe de Estado português fez um discurso emotivo sobre as relações entre os dois países. E, nessa sessão, Fáfá de Belém cantou os hinos do Brasil e de Portugal, “sem que viesse daí mal ao mundo”.

Porém, os políticos portugueses, sobretudo à direita, não mostraram essa naturalidade de postura.

Primeiro, o Chega protestou veementemente; depois a Iniciativa Liberal (IL) ameaçou abandonar o hemiciclo; e, por último, o líder do Partido Social Democrata (PSD) considerou “inaceitável” um chefe de Estado estrangeiro discursar na AR, na comemoração do 25 de Abril.

Augusto Santos Silva, que referiu caber à AR tomar a decisão, tinha de assumir a tarefa de desatar o nó passando, antes de mais, por inverter a “precipitação” que, nos bastidores, vários agentes políticos apontavam a João Cravinho, voltando a remeter o processo à descrição que era suposto continuar a presidir às negociações diplomáticas em curso.

Com o Chega e a IL em forte contestação à presença de Lula na sessão solene, tudo acabou num plano B, que passou por haver uma sessão parlamentar exclusivamente dedicada à receção ao presidente do Brasil – como aconteceu quando o presidente de Angola ou o rei de Espanha ali foram recebidos e discursaram. A dúvida era se isso aconteceria antes do 25 de abril ou nesse mesmo dia, a hora diferente. E Marcelo Rebelo de Sousa deixava um recado à direita e sobretudo ao PSD: “As pessoas têm memória curta, o presidente Lula da Silva já cá veio a Portugal e foi recebido na Assembleia da República. O Presidente da República Cavaco Silva, de uma área bem mais conservadora, fez rasgados elogios a Lula da Silva.

Remetendo a decisão final para a AR, o chefe de Estado voltou a apelar a que todos se foquem no interesse do país: “Está formulado um convite, vamos tentar fazer com que corra bem. Há quem não goste ou goste muito por razões de política interna, e não de interesse nacional.”

No PSD, havia quem temesse que Lula, face à radicalizada polarização instalada na sociedade brasileira, aproveitasse o ensejo para “fazer política brasileira cá dentro”. Porém, Marcelo Rebelo de Sousa acentuava a importância de ter o Presidente do Brasil a ser recebido em Lisboa como o chefe de Estado de um país irmão. Com efeito, sendo a descolonização um pilar central do 25 de Abril e tendo sido o Brasil a primeira das ex-colónias portuguesas a obter a independência, não é difícil justificar um discurso de Lula nas celebrações da Revolução dos Cravos.

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Está resolvido o impasse.  Lula da Silva discursará na AR, mas não na sessão solene do 25 de Abril. Terá, como vários outros chefes de Estado, uma “sessão solene de boas-vindas” própria, anunciou aos jornalistas o presidente da AR, no final da Conferência de Líderes, depois de uma semana de polémica acesa. “Não há visita de Estado sem visita ao Parlamento. E é isso que acontecerá com o Presidente da República federativa do Brasil”, disse Augusto Santos Silva aos jornalistas, dando o exemplo de outros presidentes brasileiros que tiveram o mesmo tratamento no passado, de Fernando Collor de Mello a Fernando Henrique Cardoso, passando pelo próprio Lula da Silva, no mandato anterior. A proposta partiu do presidente da AR e foi aceite por todos os grupos parlamentares, à exceção do Chega.

É de recordar que a polémica eclodiu quando a IL afirmou que não cabia ao governo decidir quem discursa ou não na AR, decisão que cabe ao presidente da AR, ouvidos os partidos na Conferência de Líderes. Agora, a decisão foi, segundo Santos Silva, quase consensual – com apenas um partido a ficar de fora do entendimento. Porém, o líder da IL, face à hipótese de a sessão de boas-vindas a Lula da Silva ser no mesmo dia e o chefe de Estado do Brasil poder participar na sessão comemorativa, advertiu que o partido só estaria representado institucionalmente, ou seja, com a presença do seu líder.

O PS, o PSD e o partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) mostraram-se satisfeitos com a solução encontrada, com o líder parlamentar do PSD, Joaquim Miranda Sarmento, a frisar que a fórmula obtida vai ao encontro do que o PSD propusera. Só o PCP não se pronunciou.

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É verdade que um convite formal para alguém participar e discursar na AR é competência exclusiva do presidente da AR, ouvidos os partidos na Conferência de líderes. Também é verdade que as visitas de Estado dos Chefes de Estado são feitas por convites de chefes de Estado. Todavia, cabem ao membro do governo encarregado dos assuntos exteriores os contactos exploratórios e aa preparação das visitas de Estado. Os contactos entre Estados fazem-se através dos executivos.

O preciosismo da separação dos poderes, invocado no caso, escondeu a “birra” do Bloco de Esquerda (BE) e do Livre, tal como trouxe à flor da pele partidária da direita a animosidade para com o passado recente de Lula da Silva e contra Gomes Cravinho, caído em desgraça.

Celebramos a revolução abrilina, que nos catapultou para a democracia, caminho que desejamos irreversível. Porém, a gestão da revolução e a da democracia, com as virtudes, oferecem também escolhos e ambiguidades. E, infelizmente, os democratas e os governos democráticos de Portugal não têm sido menos insuficientes do que os do Brasil (foi pior o governo de Jair Bolsonaro). Por isso e porque a democracia não é o reino do egoísmo e do fechamento, seria aceitável que Lula da Silva celebrasse, com Portugal, embora com atraso, o bicentenário da independência e a democracia do Brasil, recuperada um pouco mais tarde do que a de Portugal.

Neste âmbito, do meu ponto de vista, Marcelo Rebelo de Sousa teve sempre razão. 

2023.04.15 – Louro de Carvalho

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