sexta-feira, 14 de abril de 2023

Manuel Pinho, a mulher e Ricardo Salgado vão a julgamento

 

Por considerar que há forte probabilidade de condenação dos acusados, o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa (TICL) decidiu pronunciar Manuel e a esposa, Alexandra Pinho, e Ricardo Salgado nos termos em que estão acusados pelo Ministério Público (MP).

A juíza Gabriela Assunção entendeu que os indícios reunidos pelo MP são suficientes para levar os arguidos a julgamento e que é forte a probabilidade de virem a ser condenados, pelo que, se a defesa quiser fazer prova, terá de o fazer em sede de julgamento.

Pinho sustenta que é próprio do Terceiro Mundo andar “quase 12 anos a investigar” um “processo de elevada complexidade” e dispor só de “49 dias para fazer a instrução”. Assim, praticamente, “não houve instrução”, segundo ele, pois não foram prestadas declarações, não foram ouvidas testemunhas, cada interveniente teve pouco mais de meia hora para exprimir os seus pontos de vista e, em tudo o que era importante, a juíza decidiu a favor do MP. Todavia, não é por o acusarem e à mulher, nos termos da acusação do MP, que a realidade muda, com a instrução de 49 dias. Só muda o poder defender-se com armas iguais, consistindo a defesa em provar que não recebeu nada de indevido do Banco Espírito Santo (BES), nem lhe fez “nenhum favor”.

Citados pela SIC, o advogado de Manuel Pinho, Ricardo Sá Fernandes, e o de Ricardo Salgado, Francisco Proença de Carvalho, dizem que “não houve uma verdadeira instrução”.

O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) acusa o ex-ministro de quatro crimes: corrupção passiva para ato ilícito, corrupção passiva, branqueamento (este em coautoria com a mulher Alexandra Pinho e com o ex-banqueiro Ricardo Salgado) e fraude fiscal (este em coautoria com Alexandra Pinho). E, para Manuel Pinho, o MP pede ainda como pena acessória a proibição de exercício de qualquer cargo político, por um período de dez anos. E Alexandra Pinho incorre em coautoria com o marido dos crimes de branqueamento e de fraude fiscal.

Já Ricardo Salgado é acusado de um crime de corrupção ativa para ato ilícito, de um de corrupção ativa e um de branqueamento (este em coautoria com Manuel e Alexandra Pinho).

Segundo a acusação, “era o arguido Ricardo Salgado que punha e dispunha no GES [Grupo Espírito Santo] e no BES, comandava os destinos do grupo, do banco, da família e dos respetivos patrimónios, exercendo um verdadeiro poder absoluto, tendo a última palavra e impondo as suas decisões”, como sucedeu na nomeação de Manuel Pinho como administrador do BES África, em compensação pela impossibilidade legal de passar, em 2010, à reforma com 100% do salário pensionável, como ambos acordaram ao início do mandato como ministro da Economia.

O MP alega que Manuel Pinho recebeu, desde 1994, do “saco azul” do GES o valor mensal de cerca de 15 mil euros, que só declarou, em 2012, ao abrigo do regime excecional de regularização tributária (RERT), e que foi recebido numa conta offshore, oculta das autoridades nacionais. Terá recebido 1,5 milhões de euros. Segundo os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto, encarregados do processo, Manuel Pinho era um agente infiltrado ao serviço do BES.

Manuel Pinho confessou os crimes de fraude fiscal, mas nega ter sido corrompido: “Os atos de favorecimento do BES de que me acusam são tão estapafúrdios que não merecem comentários e provarei em tribunal que são falsos. Sou um dos muito poucos que, antes de aceitar um cargo público, já tinha assegurado a minha independência financeira. Aceitei-o porque senti ser meu dever retribuir à sociedade o muito que dela recebi.”

Por decisão da juíza de instrução, Manuel Pinho continua em prisão domiciliária.

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Pinho começou a ser investigado por causa da EDP, mas é pelo BES que vai a julgamento.

Em março de 2005, Manuel Pinho entrou no governo de José Sócrates. Aceitou ser ministro, mas continuou a receber quase 15 mil euros mensais do GES. Investigado, primeiro, pelas relações com a EDP, é pelos laços com o GES que responde em tribunal.

Com quase 30 mil páginas em mais de 80 volumes, o processo 184/12, do DCIAP, ocupou 11 anos da vida de dois procuradores, atirou o antigo governante para prisão domiciliária, afastou António Mexia da gestão da EDP e introduziu Ricardo Salgado em mais um processo.

No despacho de pronúncia, de dezembro de 2022, o MP imputa ao ex-ministro dois crimes de corrupção passiva, um crime de branqueamento de capitais e outro de fraude fiscal, pedindo, além da condenação por estes ilícitos, a pena acessória de proibição de exercício de qualquer cargo político por 10 anos. À esposa são imputados um crime de branqueamento e outro de fraude fiscal. E ao antigo banqueiro são imputados dois crimes de corrupção e um de branqueamento.

Além destes, o processo em referência visou mais suspeitos. Ganhou especial expressão pública em 2017, com buscas à EDP, à REN e à Boston Consulting Group (BCG), incidindo as suspeitas na relação de Manuel Pinho com a EDP. Mas a acusação pré-julgamento eclipsou a elétrica, deixando, para fase posterior, eventual acusação em torno da EDP.

A investigação teve um percurso acidentado, num longo caminho iniciado em 2012.

O processo nasceu da averiguação preventiva sobre a privatização da EDP, que havia ocorrido no final de 2011, com a venda da participação de 21,35% do Estado português à China Three Gorges, por 2,7 mil milhões de euros. Essa averiguação arrancou a 17 de fevereiro de 2012, após denúncia anónima de alguém que se apresentava como ex-funcionário da EDP.

Nessa averiguação, o MP debruçou-se, particularmente, sobre o envolvimento dos assessores financeiros nas privatizações da EDP e da REN, processos em que o Estado foi assessorado pela Caixa BI e Perella Weinberg e em que os compradores (China Three Gorges, na EDP, e State Grid of China, a REN) foram apoiados pelo BES Investimento.

A seguir, o DCIAP estendeu a investigação às decisões que alimentaram as receitas da elétrica, nomeadamente os contratos CMEC (Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual) e a extensão das concessões do domínio público hídrico – decisões de 2007 e de 2008.

A privatização da EDP deixou de ser o foco do MP, que centrou as atenções na investigação das suspeitas de favorecimento da elétrica pela governação socialista. E, embora a investigação tenha arrancado em 2012, já desde o verão de 2010, era do conhecimento público o patrocínio da EDP à Universidade de Columbia, que viabilizou a contratação de Manuel Pinho, pouco depois de este ter deixado o governo de José Sócrates.

A partir de 2012 e nos primeiros anos do processo 184/12, a investigação centrou-se na tese de que a EDP tinha sido favorecida nas decisões dos CMEC e do domínio hídrico.

As suspeitas levaram o DCIAP a solicitar, em 2013, à Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) uma peritagem técnica sobre os CMEC. No ano seguinte, os procuradores inquiriram as primeiras testemunhas. Entre elas, esteve o antigo secretário de Estado da Energia Henrique Gomes, ouvido a 23 de maio de 2014 e que saíra do Governo, em 2012, depois de ter denunciado publicamente o excessivo poder da EDP. Portugal estava sob assistência da troika e Henrique Gomes quis lançar uma contribuição especial que visava, em particular, a EDP, que se defendeu. E o Governo, para não beliscar a privatização, transformou a contribuição na Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE), abrangendo um leque maior de empresas energéticas e diminuindo o fardo que caberia à EDP.

Em 2015, um relatório do núcleo de assessoria técnica da Procuradoria-Geral da República (PGR) resumia os termos centrais das suspeitas de favorecimento da EDP nos CMEC e na extensão do domínio hídrico. Todavia, só ao fim de mais de cinco anos, o processo 184/12 saiu dos gabinetes do DCIAP para a rua. Em fevereiro de 2017, uma inspetora da Unidade de Combate à Corrupção (UCC) da Polícia Judiciária (PJ) sugeria aos procuradores a realização de buscas nas empresas acima referidas e na Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG). Em abril, a PJ vigiou a casa de Rui Cartaxo (ex-presidente da REN e ex-assessor de Pinho no Ministério da Economia). A 30 de maio de 2017, foram emitidos três mandados de busca à EDP, à REN e à BCG.

António Mexia, presidente executivo (CEO) da EDP, e João Manso Neto, administrador da elétrica, ficaram com termo de identidade e residência, passando a ter de informar o MP e os autos do processo de cada vez que se ausentassem de Portugal por mais de cinco dias.

Manuel Pinho, que estava fora do país, só mais tarde, nesse ano, seria constituído arguido, estatuto que viria a contestar nos tribunais, durante vários anos. Outras figuras do setor energético, como o antigo diretor-geral de Energia Miguel Barreto, também foram constituídas arguidos.

Já Ricardo Salgado apenas seria constituído arguido em abril de 2018. No rol de arguidos entraram, por diferentes motivos, a mulher de Manuel Pinho, o ex-secretário de Estado da Energia Artur Trindade, o administrador da REN João Conceição e outros. Se Salgado, Alexandra e Manuel Pinho veem uma definição no processo, após a instrução, os outros aguardam.

Devido às buscas de 2 de junho de 2017, as ações da EDP afundaram-se 4%, pois, em julho de 2020, o juiz de instrução Carlos Alexandre aceitou o pedido dos procuradores para suspender de funções António Mexia e João Manso Neto. A partir daí, os dois gestores ficaram judicialmente impedidos de entrar na sede da empresa, uma decisão inédita na vida da maior empresa da bolsa portuguesa. Esta decisão levou a EDP a passar a CEO interino o administrador financeiro, Miguel Stilwell de Andrade, que foi, em 2021, confirmado, em definitivo, como líder do grupo.

No final de 2020, a elétrica acordou com Mexia a saída, com uma cláusula milionária: o ex-gestor não trabalharia para empresa concorrente, a troco de 800 mil euros anuais, durante três anos.

Por fim, as suspeitas em torno da elétrica e de Manuel Pinho saltaram para segundo plano, quando os procuradores incorporaram na investigação uma série de elementos extraídos do processo do Grupo Espírito Santo (GES), designadamente a avença de quase 15 mil euros da qual Manuel Pinho beneficiava (incluindo entre 2005 e 2009, quando foi ministro), paga pela Espírito Santo Enterprises (sociedade offshore, o “saco azul” do GES), através de empresas em paraísos fiscais.

A partir de então, com base na informação extraída de outra investigação ao GES, os procuradores intensificaram a recolha de informação sobre as ligações entre o GES e a governação de Manuel Pinho, imputando a este atos de favorecimento dos interesses económicos do GES, grupo com o qual Pinho já trabalhava, há vários anos, antes de ser nomeado ministro.

Foi o apuramento das relações de Pinho com o GES que levou o DCIAP a apontar a mira à mulher do antigo governante, que também chegou a trabalhar com o GES.

Sem capacidade para pagar os seis milhões de euros da caução, o antigo ministro ficou em prisão domiciliária: primeiro numa residência no Algarve, depois numa outra em Braga. E aqui recebeu, longo de 2022, a PJ e os procuradores do DCIAP para várias buscas, incluindo as que lhe levaram uma máquina de ‘flippers’ e um conjunto de garrafas de vinho.

E, em dezembro de 2022, o MP deduziu acusação contra Manuel Pinho, Ricardo Salgado e Alexandra Pinho, mas deixou as suspeitas relativas à EDP de fora do despacho. Os procuradores optaram pela estratégia de avançar, primeiro, contra Pinho, devido aos recebimentos do GES enquanto ministro, para, a partir daí, mais tarde, extraírem certidão e formularem acusação relacionada com as suspeitas originais do processo, que envolvem o favorecimento à EDP.

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Ainda bem que o MP separou os processos, que estavam embrulhados em megaprocesso. Assim, pode-se fazer alguma justiça. É lenta, mas vale a pena, se imparcial e eficaz.

2023.04.14 – Louro de Carvalho

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