domingo, 9 de abril de 2023

Não é lícito os cristãos ficarem agarrados ao túmulo de Cristo

 

Sepultado o Senhor, rolaram uma enorme pedra para a entrada do monumento e puseram uma escolta de militares a guardar o morto. Porém, de nada valeu a pedra, de nada valeu a escolta. É certo que as mulheres iam ao sepulcro para darem ao corpo sepultado os últimos tratamentos que a piedade judaica impunha, mas o anjo do Senhor questionou-as: “Porque procurais entre os mortos Aquele que está vivo?” E anunciou: “Não está aqui. Ressuscitou!”

O túmulo do Senhor dá-nos a lição da soledade, mas com a esperança, não gorada, da ressurreição de Cristo e da nossa, o que é basilar para nossa fé. E os apóstolos Pedro e João, que experienciaram o túmulo vazio, começaram a acreditar. E Ele apareceu redivivo aos Onze no Cenáculo, onde foram instados a passar da situação de medo à situação de iluminados pela Palavra, que tinham escutado, e de fortalecidos pelo Espírito Santo, neles insuflado pelo sopro recriador de Cristo, que os envia a pregar o perdão. São os discípulos, virados a apóstolos, testemunhas e pregoeiros, não do tumulado, mas do Ressuscitado, o mesmo que fora glorificado na cruz. São portadores da Vida, não da mensagem da morte, que foi vencida, não na vertente fenoménica, mas nos efeitos de raiz.      

Esta mensagem é tão importante que Santo Isaac de Nínive, nos Sermões ascéticos, citado pelo Papa Francisco na alocução que precedeu a bênção pascal Urbi et Orbi, neste dia de Páscoa, escreveu que “o maior pecado é não acreditar nas energias da Ressurreição”.

Por isso, proclamamos que Ele, o Senhor da nossa vida, é “a ressurreição e a vida” (Jo 11,25) do Mundo. E a Páscoa significa “passagem” que Jesus realizou, fazendo que a Humanidade passe “da morte à vida, do pecado à graça, do medo à confiança, da desolação à comunhão”, como vincou o Pontifice na mensagem Urbi et Orbi.

Todavia, a Páscoa não é para esbanjar na onda de mercantilização que assola as nossas sociedades, ou para encerrar nos templos e nas sacristias, mas para fermentar a vida das pessoas e das famílias, dar novo sentido e nova força ao dinamismo das comunidades, resistir sabiamente aos cataclismos, às guerras, às calamidades, às doenças, e modificar as estruturas de pecado, sejam elas políticas, sociais, financeiras ou económicas.

Na Páscoa, a atenção dos crentes tem de voltar-se, em particular, para os doentes e para os pobres, para os idosos e para quantos atravessam momentos de provação e dificuldade, de modo que passem da tribulação à consolação. É o que nos exige o Sumo Pontífice, que nos garante:

“Não estamos sozinhos: Jesus, o Vivente, está connosco para sempre. Alegrem-se a Igreja e o Mundo, porque, hoje, as nossas esperanças já não se quebram contra o muro da morte, mas o Senhor abriu-nos uma ponte para a vida. Sim, irmãos e irmãs! Na Páscoa, mudaram as sortes do Mundo, e hoje (dia que coincide com a data mais provável da ressurreição de Cristo) podemos alegrar-nos de celebrar, por pura graça, o dia mais importante e belo da história.”

“Cristo ressuscitou, ressuscitou verdadeiramente”, como proclamam as Igrejas Orientais. E o Papa diz que o termo verdadeiramente nos revela que “a esperança não é uma ilusão”, mas que, “a partir da Páscoa, o caminho da Humanidade assinalado pela esperança é percorrido com passo mais rápido”. Com efeito, os Evangelhos assinalam “a pressa boa” com que, no dia de Páscoa, “as mulheres correram a dar a notícia aos discípulos” (Mt 28,8); que Maria de Magdala, “correndo, foi ter com Simão Pedro” (Jo 20,2); que João e Pedro “corriam os dois juntos” (Jo 20,4) para atingirem o lugar onde Jesus fora sepultado; e que, ao entardecer, depois de terem encontrado o Ressuscitado no caminho para Emaús, os dois discípulos “voltaram imediatamente para Jerusalém” (Lc 24,33) percorrendo, apressados, “vários quilómetros em subida e na escuridão, movidos pela alegria irrefreável da Páscoa que inflamava os seus corações” (cf Lc 24,32).

Por isso, a Páscoa faz acelerar o passo na caminhada que se torna uma corrida, porque a Humanidade vê Jesus Cristo como a sua meta, o sentido do seu destino, pelo que se apressa a ir ao encontro d’Ele, esperança do mundo. Assim, o convite de Francisco é: “Apressemo-nos, também nós, a crescer num caminho de confiança recíproca: confiança entre as pessoas, entre os povos e as nações. Deixemo-nos surpreender pelo anúncio feliz da Páscoa, pela luz que ilumina as trevas e obscuridades em que, demasiadas vezes, se encontra envolvido o mundo.”

Depois, o Sumo Pontífice, querendo-nos apostados na superação dos conflitos e das divisões, insta à abertura dos nossos “corações aos mais necessitados”, à pressa em “percorrer sendas de paz e de fraternidade”, à alegria “com os sinais concretos de esperança que nos chegam de tantos países, a começar pelos que oferecem assistência e hospitalidade a quem foge da guerra e da pobreza. E, verificando que ainda “há ainda muitas pedras de tropeço, que tornam árduo e fadigoso este apressarmo-nos para o Ressuscitado”, reza – e quer que rezemos – ao Senhor, para que nos ajude a correr ao seu encontro, “a abrir os nossos corações”.

E, nesta prece, menciona o povo ucraniano e o povo russo, pedindo o conforto dos feridos e de quantos perderam os seus entes queridos com a guerra, bem como o regresso dos prisioneiros, sãos e salvos, para as suas famílias e a abertura dos corações de “toda a Comunidade Internacional, para que [todos] se esforcem por fazer cessar esta guerra e todos os conflitos que ensanguentam o mundo, a começar pela Síria, que ainda espera a paz”.

Recorda os atingidos pelo terremoto na Turquia e na Síria, que ceifou vidas e causou destruição.

Dirige um olhar de afeto orante pela cidade de Jerusalém, a primeira testemunha da Ressurreição e que tem sido palco de ataques que “ameaçam o desejado clima de confiança e de respeito mútuo, necessário para se retomar o diálogo entre israelenses e palestinos, de modo que a paz reine na Cidade Santa e em toda a região”.

Implora ajuda para o Líbano, “ainda à procura de estabilidade e de unidade, para que supere as divisões e todos os cidadãos trabalhem, juntos, pelo bem comum do país”.

Roga ao Senhor que não esqueça o povo da Tunísia, especialmente os jovens e os que sofrem por causa dos problemas sociais e económicos, para que não percam a esperança e para que colaborem na “construção dum futuro de paz e de fraternidade”.

Reza pelo Haiti, que sofre, há vários anos, “uma grave crise sociopolítica e humanitária”, para que o Senhor sustente “o empenho dos atores políticos e da Comunidade Internacional” na busca de solução definitiva para “os inúmeros problemas que afligem aquela população tão atribulada”.

Almeja a consolidação dos processos de paz e de reconciliação na Etiópia e no Sudão do Sul e a cessação das violências na República Democrática do Congo.

Pede a Cristo, o Senhor, ajuda para o Myanmar, a fim de que percorra caminhos de paz, e iluminação dos corações dos responsáveis “para que o martirizado povo roynga encontre justiça”.

Recomenda ao Senhor “as comunidades cristãs que, hoje, celebram a Páscoa em circunstâncias particulares”, como sucede na Nicarágua e na Eritreia, lembrando-Lhe “todos aqueles a quem é impedido professar, livre e publicamente, a sua fé”.

Suplica o conforto “às vítimas do terrorismo internacional, especialmente no Burkina Faso, no Mali, em Moçambique e na Nigéria.

E não esquece a petição pelo conforto aos refugiados, aos deportados, aos prisioneiros políticos e aos migrantes, especialmente aos mais vulneráveis, bem como a “todos aqueles que sofrem com a fome, com a pobreza e com os efeitos nocivos do narcotráfico, do tráfico de pessoas e de toda a forma de escravidão”. (Não é admissível que haja escravidão). Implora do Senhor inspiração aos responsáveis das nações, “para que nenhum homem ou mulher seja discriminado e espezinhado na sua dignidade; para que, no pleno respeito dos direitos humanos e da democracia, se curem estas chagas sociais, se procure, sempre e só, o bem comum dos cidadãos, se garanta a segurança e as condições necessárias para o diálogo e para a convivência pacífica”.

Por fim, o Santo Padre apela a todos a que reencontremos o gosto do caminho, pois os cristãos são os pegureiros do caminho dos que peregrinam neste Mundo; a que aceleremos o pulsar da esperança, pois somos os artesãos da esperança; e a que saboreemos a beleza do Céu, pois somos peregrinos do Além e para o Além, com Cristo e no Espírito.

E exorta a que “tiremos deste Dia as energias para continuarmos a ir ao encontro do Bem que não desilude”. “Hoje acreditemos! Sim, temos a certeza: ‘verdadeiramente Cristo ressuscitou’ (Sequência). Acreditamos em Vós, Senhor Jesus, acreditamos que convosco renasce a esperança, o caminho continua. Vós, Senhor da vida, encorajai os nossos caminhos e repeti, também a nós, como aos discípulos, na noite de Páscoa: A paz esteja convosco (Jo 20,19.21).”

***

Em suma, que a nossa Páscoa seja como a de Cristo ou a do Papa, não agarrada ao sepulcro, mas viva, na senda do Pai e aberta ao sofrimento e às esperanças e às justas aspirações dos homens de todos os povos, a começar pela colmatação das suas necessidades mais prementes.

Continuação de Santa Páscoa! Que ela não morra, que se mantenha atuante! Haja paz!

2023.04.09 – Louro de Carvalho

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