domingo, 23 de abril de 2023

Lula clarificou posição sobre a guerra na cimeira Portugal-Brasil

 

Os dias 21 e 22 de abril ficaram marcados, em Portugal, pela receção ao presidente do Brasil, no âmbito da sua visita de Estado ao nosso país, por onde começou a sua primeira viagem à Europa, depois da sua tomada de posse, pela terceira vez, na chefia deste grande país sul-americano; e pela realização da XIII Cimeira Portugal-Brasil, no Centro Cultural de Belém.

Dezenas de brasileiros (a maior comunidade estrangeira em Portugal é a brasileira) manifestaram-se nos Jerónimos e em frente ao Palácio de Belém, onde Lula da Silva foi recebido pelo Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, e com as devidas honras militares. Uns cantavam alegres, pela vinda do seu presidente, enquanto outros clamavam por ajuda para regressarem, ao Brasil, por não conseguem sobreviver em Portugal.

O Presidente da República, para caraterizar Lula, recorreu às palavras do antigo presidente e primeiro-ministro português, Cavaco Silva, quando este referiu Lula como “um lutador, um determinado, que luta por aquilo que pensa”. E o ilustre visitante brasileiro manifestou o seu grande contentamento por se encontrar de novo no país irmão, porta de entrada na Europa.

Da XIII Cimeira Portugal-Brasil, em que foram revistas várias matérias de interesse comum e se celebraram e assinalaram 13 instrumentos de cooperação, sobressai a declaração conjunta dos chefes de governo do Brasil, Lula da Silva, e de Portugal, António Costa, que o Portal do Governo transcreve e da qual se dá conta, sumariamente:

Após um interregno de mais de seis anos, os dois governantes procederam à “avaliação de todo o escopo do relacionamento bilateral entre os dois países e à discussão de temas da atualidade regional e internacional”. Reafirmaram “os laços únicos entre os dois países”, com “tradução nos campos histórico, social, cultural e económico e a partilha comum dos valores da democracia, do Estado de direito e dos direitos humanos, bem como do compromisso político em lutar contra a pobreza e combater todas as formas de descriminação racial em prol do bem-estar dos dois Povos e de um desenvolvimento económico-social equilibrado, justo, inclusivo, respeitador da igualdade de género e sustentável”. E reafirmaram o compromisso com a defesa do multilateralismo eficaz, “assente no direito internacional e na Carta das Nações Unidas e enfatizaram a necessidade de enfrentar os desafios globais das alterações climáticas e da segurança alimentar e de contribuir para o desenvolvimento sustentável, a erradicação da pobreza e a inclusão social”.

Saudaram a cerimónia de entrega do Prémio Camões 2019 a Chico Buarque (agendada para o dia 24, à tarde, no Palácio de Queluz, pelos presidentes de Portugal e do Brasil).

Reiteraram a natureza estruturante para o relacionamento bilateral do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta, assinado em 2000, e, coincidindo na importância de reforçar o trabalho conjunto em matéria de cooperação para o desenvolvimento com outros parceiros, recomendaram aos dois governos que se realize ainda no corrente ano a primeira reunião entre a Agência Brasileira de Cooperação e o Camões – Instituto da Cooperação e da Língua.   

Passaram em revista temas relevantes, como: cidadania e mobilidade na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP); temas económicos, financeiros e comerciais, com relevo para as trocas bilaterais e para a urgência da conclusão do acordo União Europeia (UE)/ MERCOSUL; importância do digital; energia e transição energética; clima, ambiente, mar e desenvolvimento sustentável; cultura e promoção da Língua Portuguesa; educação e ensino superior; ciência, tecnologia e inovação; saúde; defesa; administração interna e justiça; Ucrânia; empenho no cumprimento dos objetivos da CPLP; fortalecimento da Parceria Estratégica entre a Comunidade de Estados da América Latina e Caraíbas (CELAC) e a UE; importância da Cimeira Ibero-americana; reforma do conselho de segurança das Nações Unidas; e candidaturas – apoio do Brasil à recandidatura de António Vitorino a diretor-geral da OIM (Organização Internacional para as Migrações), apoio de Portugal às candidaturas de Thelma Krug à Presidência do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, de Bruno Dantas à Junta de Auditores das Nações Unidas, de Juliana Gaspar Ruas ao Comité Consultivo sobre Questões Administrativas e Orçamentárias da ONU e do Brasil ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH).

Também foram abordados os problemas atinentes a zonas de África, tais como ao Golfo da Guiné e a Cabo Delgado, bem como o aprofundamento da cooperação para promover o Atlântico como um espaço privilegiado de partilha de desafios e de oportunidades, visando a paz, a estabilidade e o bem-estar de todos os países que o integram, em particular os da CPLP.

Os dois chefes de Governo saudaram o entendimento quanto à reconfiguração das Subcomissões estabelecidas no quadro da Comissão Permanente para melhor traduzir o escopo das relações bilaterais, prevendo a instituição de uma nova Subcomissão sobre a Cooperação no Domínio da Justiça e Assuntos Internos, bem como a fusão da Subcomissão do Reconhecimento de Graus e Títulos Académicos e Questões Relativas ao Acesso a Profissões e da Subcomissão sobre Educação, Cultura, Comunicação Social, Juventude e Desporto.

Para aprofundar as relações bilaterais, foram assinados os seguintes instrumentos de cooperação: Acordo Complementar ao Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta, sobre a concessão de equivalência de estudos no Brasil (ensino fundamental e médio) e em Portugal (ensino básico e secundário); acordo em Matéria de Proteção de Testemunhas; e acordo sobre a instalação da Escola Portuguesa de São Paulo.

Memorandos de Entendimento (ME): para a criação de mecanismos de cooperação bilateral para o intercâmbio de boas práticas na promoção e defesa dos direitos de pessoas com deficiência; no domínio da Energia; no domínio da Geologia e Minas; para promover o Reconhecimento Mútuo de Títulos de Condução; para Cooperação Internacional entre o Ministério da Saúde, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o Ministério da Economia e do Mar e a Fundação Oswaldo Cruz-Fiocruz; e entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior da República Portuguesa, a Agência Espacial Portuguesa – Portugal Space, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação da República Federativa do Brasil e a Agência Espacial Brasileira, para Cooperação de Uso Pacífico do Espaço, Ciências Espaciais, Tecnologias e Aplicações.

Carta de Lisboa na área da Saúde.

Protocolo de Cooperação entre o Instituto do Cinema e do Audiovisual, de Portugal, e a Agência Nacional do Cinema – Ancine, do Brasil, para o fomento à coprodução cinematográfica; protocolo entre o Turismo de Portugal e a Embratur; e protocolo de cooperação entre a Lusa e a Empresa Brasileira de Comunicações.

E, como foram polémicas as declarações de Lula da Silva sobre a guerra – que alguns pensam ter agora retratado – é de atentar no teor da declaração conjunta sobre o tema:  

“Os chefes de Governo enfatizaram o seu compromisso com o direito internacional, a Carta das Nações Unidas e a resolução pacífica de conflitos. Deploraram a violação da integridade territorial da Ucrânia pela Rússia e a anexação de partes do seu território como violações do direito internacional. Lamentaram a perda de vidas humanas e a destruição da infraestrutura civil, bem como o imenso sofrimento humano e o agravamento das vulnerabilidades da economia mundial causados pela guerra. Expressaram preocupação com os efeitos globais do conflito na segurança alimentar e energética, especialmente nas regiões mais pobres do planeta. Convergiram no apoio ao pleno funcionamento da Iniciativa de Cereais do Mar Negro. Ressaltaram ainda a necessidade de promover uma paz justa e duradoura.”

Não há qualquer retratação. Lula nunca negou a responsabilidade do invasor, apenas entendeu que o dito Ocidente, em vez de fomentar a paz (que também quer), ajuda a guerra.

***

Entretanto, em entrevista a Paulo Dentinho, da RTP, Lula esclareceu a ideia que envolve a visita de que a sua posição sobre a guerra na Ucrânia se inclina para o apoio à Rússia. Rejeitou ser esse o seu posicionamento, antes lançando a ideia de que é fundamental colocar os países a trabalhar num plano de paz que sente os líderes russos e ucranianos à mesa, para negociações patrocinadas pelos Estados Unidos da América (EUA), pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) e pela UE. Sobre a situação no Brasil, vincou a necessidade de uma política de diálogo que combata a polarização e faça o país regressar à sua verdadeira natureza, que Jair Bolsonaro destruiu com uma polarização extrema. E, sobre a polémica da vinda a Portugal, diz que as pessoas não são obrigadas a gostar de Lula ou do Presidente do Brasil e que tem de respeitar as posições dos portugueses.

Quanto à guerra na Ucrânia, frisou que “o Brasil não tem uma posição ambígua”: “O Brasil condena a Rússia por invadir o espaço territorial da Ucrânia.” Porém, frisou que o país não quer alinhar-se à guerra, mas aliar-se “a um grupo de países que trabalhem para construir a paz”, pois, se toda a gente se envolve diretamente na guerra”, é de perguntar “quem é que vai conversar sobre paz”. Por isso, frisando a importância de construir um grupo de países que trabalhe no processo para colocar fim ao conflito, sustenta que “é preciso construir uma narrativa que convença Putin e Zelensky de que a guerra não é a melhor maneira para resolver os problemas” e que também a NATO, os EUA e a UE “comecem a falar em paz e a discutir a questão da paz”. E, em relação à polémica suscitada em Portugal, privilegia a aceitação: a opinião das pessoas é um direito que lhes cabe em democracia, limitando-se ele a “cumprir uma visita a um país irmão com quem o Brasil tem relações privilegiadas”. Porém, apontou que, também em Portugal, há polarização com um lado “mais extremista de direita” do que os outros partidos, mas que não veio para entrar na polémica com o Parlamento português”, mas para “cumprir uma agenda”.

Questionado sobre o tempo na prisão, declarou-se “vítima da mais grave mentira já contada na política brasileira”, uma tentativa, conseguida, de o tirarem da eleição presidencial.

Sublinhando que o Brasil que tinham construído em três mandatos e meio, um país com a maior inclusão social da história do Brasil, foi desmontado, admite que, na reconstrução, a ausência de maioria parlamentar do seu partido o levará a privilegiar a “arte de conversar” e a capacidade de extrair desse diálogo “o que é melhor para o povo brasileiro”. Assim, aponta o caminho de uma política de diálogo que combata a polarização e faça Brasil o “povo generoso que sempre foi, que gosta de música, que gosta de futebol, que gosta de ser alegre, que gosta de ser educado e que perdeu isso, por causa de um presidente fascista que governou o país durante quatro anos”.

Porfiou que tem um país de paz: com divergências, mas sem guerra, sem confronto armado.

O grande projeto político de Lula da Silva, segundo o próprio, assenta numa ideia simples, ainda que difícil de realizar: “que todos os brasileiros possam fazer três refeições por dia”.

Questionado sobre como quer acabar com a fome no Brasil, admite que há 33 milhões de brasileiros nessa situação, mas a questão é solucionar o problema do dinheiro mal distribuído no orçamento: “Cuidar dos pobres é investimento, aumentar o salário mínimo é investimento.” E lembrou o seu passado: em 2003, a inflação era de 12,5% e reduziu para 4,5%; o desemprego era 12% e reduziu para 4,3%, gerando 22 milhões de empregos; a dívida interna, de 67% diminuiu para 37%; e a dívida ao Fundo Monetário Internacional (FMI) de 30 biliões de dólares foi paga, como se emprestaram 15 biliões ao FMI e se criou a reserva internacional de 370 biliões.

Por fim, é realçar a periodicidade anual das cimeiras e a data de 22 de abril, escolhida por Lula da Silva, por ter sido nesse dia que, em 1500, os primeiros portugueses chegaram ao Brasil.

2023.04.23 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário