sábado, 15 de abril de 2023

Estados Unidos querem chefe “inovador, assertivo e eficaz” na OIM

 

O Departamento de Estado dos Estados Unidos da América (EUA) revelou que a Casa Branca aposta na advogada americana Amy Pope, de 49 anos, para chefiar a Organização Internacional das Migrações (OIM), por ser “mais adequada” do que o líder atual, “para mobilizar a instituição e os seus Estados-membros”.

A eleição, na qual o antigo ministro português António Vitorino concorre a um segundo mandato, está marcada para o próximo dia 15 de maio, prevendo-se que a OIM enfrente “uma encruzilhada fundamental nos próximos anos”.

O porta-voz do Departamento de Estado, questionado sobre se há outras razões para a opção americana não ter recaído no também ex-comissário europeu socialista, evitou formular críticas a António Vitorino, mas vincou que Amy Pope terá um “papel fundamental” para iniciar uma “resposta aos desafios que se anteveem, de forma inovadora, assertiva e eficaz”. E recordou que a Administração Biden espera, acima de tudo, que o sufrágio seja “justo e competitivo” e que resulte de uma “análise das diferentes visões para o futuro da Organização”.

Em entrevista à agência de notícias France Press (AFP), no mês de março, Amy Pope, que é, há cerca de ano e meio, vice-diretora-geral daquela agência da Organização das Nações Unidas (ONU), foi direta: “É um pouco estranho concorrer contra o meu chefe.” E indicou: “Não é uma situação ideal, mas candidato-me a bem do futuro da organização.”

O português António Vitorino, de 66 anos, líder da OIM desde 2018, enfrenta, assim, uma situação de regresso à postura habitual, pois, ao longo de mais de 70 anos, com apenas duas exceções, o cargo foi sempre assumido por um americano. Contudo, Pope garantiu, na conversa com a AFP, que o apoio de Washington não representa a tentativa de repor a norma: “Penso que a nacionalidade interessa menos do que a forma de pensar, o nível de energia, a visão estratégica e a vontade de trabalhar muito. Não se trata de um trabalho para alguém na reforma.” Nesta última asserção, foi cáustica.

A advogada integrou a administração liderada pelo antigo presidente dos Estados Unidos Barack Obama, dedicando-se, em exclusivo, aos dossiês relacionados com as migrações.

Confessando-se “entusiasmada” com a possibilidade de vencer as eleições de 15 de maio, afirmou que, após ano e meio de experiência como vice-diretora-geral, ficou claro para si que, “para existir progresso, urge, necessariamente, eleger uma nova chefia”.

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Por seu turno, o recandidato António Vitorino mostra-se positivo quanto ao resultado da eleição que vai escolher o novo diretor-geral da OIM. Há cinco anos no cargo, o português apresentou a recandidatura no final de 2022, pouco depois de os EUA terem avançado com o nome de Amy Pope. Agora, a um mês da escolha, o jornal suíço The Geneva Observer dá conta de algum mal-estar entre diplomatas europeus, que consideram que os EUA estão a comprar um conflito. “Estou confiante na eleição”, diz Vitorino, que face à notícia do jornal, recusa prestar mais declarações.

O artigo em causa, que dá conta dessa tensão diplomática, já desmentida pelos diplomatas, sublinha que a reeleição pode estar em causa, devido à candidata norte-americana. E refere que os diplomatas europeus receberam com desagrado a apresentação da nova candidatura, pois não é habitual que novos nomes entrem na corrida para cargos de liderança de organismos da ONU, quando há possibilidade de reeleição.

Porém, há quem desvalorize o artigo e reforce que o mesmo não põe em causa a continuidade de António Vitorino no cargo, apenas podendo ser mais difícil o processo do que em 2018, quando foi eleito para liderar a OIM.

A candidatura de Amy Pope, atualmente adjunta de António Vitorino com responsabilidade em áreas como gestão e reforma, foi apresentada a 3 de outubro de 2022. Amy Pope esteve nas administrações de Joe Biden e Barack Obama, assim como no Departamento de Justiça dos EUA.

A confirmação de que António Vitorino se recandidatava só chegou um mês depois, em novembro de 2022, contando, de novo, com o apoio do governo português. “A decisão de ­apoiar traduz a prioridade atribuída por Portugal a uma abordagem humanista das migrações e à cooperação multilateral nesta matéria.”

Desde os anos 60 até 2018, a liderança da OIM esteve nas mãos de norte-americanos. O português derrotou o candidato Ken Isaacs, apoiado pelo então presidente dos EUA, Donald Trump.

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Num organismo como aquele que está em causa, o titular de topo não poderá fazer muito, se não se rodear de uma boa equipa. Nada tenho contra a candidata norte-americana, mas censuro a sua arrogância, quando diz, referindo-se aos 66 anos do incumbente, que “não se trata de um trabalho para alguém na reforma”. É demasiada insolência, a meu ver.

Não quero dizer que António Vitorino seja insubstituível. E o simbolismo político de o líder ser um português, além de as suas competências ser inegáveis, embora discutíveis, assenta no facto de Portugal ser, para o acolhimento de refugiados, uma zona de passagem milenar, estando hoje a ter uma diversidade que sempre foi a nossa.

Isto não justifica tudo, mas colide com o desdém pelo desempenho do atual líder, o que encaixa no pensamento expresso por Joe Biden sobre António Guterres, de que o secretário-geral da ONU é demasiado complacente com Vladimir Putin, na questão da Guerra na Ucrânia, quando todos nos lembramos de que António Guterres chegou, no princípio, a ter uma posição que parecia tendenciosa a pender para o lado da Ucrânia, o que, se foi verdade, foi sendo corrigido.

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Apesar da capacidade do acolhimento português, há casos notórios de trabalho de imigrantes em condições precárias e degradantes, como se registam casos de tortura e de morte, tal como está na ordem do dia o ataque, entre imigrantes, ao Centro Ismaelita de Lisboa, que, apesar de ser considerado um caso isolado e de não configurar um caso de terrorismo, não deixa de ser preocupante. Não pode colocar em causa “anos e anos de convivência pacífica entre diferentes comunidades provenientes de diversas partes do mundo”. Porém, Paulo Mendes Pinto, coordenador da área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona, receia que possa iniciar um período de divisões, a que Portugal se vinha mantido alheio, apesar das fortes pressões da extrema-direita. E adverte para a “confusão que facilmente se faz entre o mundo muçulmano e as áreas migratórias dos últimos anos”, uma tendência exacerbada pelos movimentos de extrema-direita, que recorrem a discursos de generalização facilitista e preguiçosa.

Portugal, segundo o especialista, pela sua tradição milenar de variedade cultural e sendo um ponto em que confluem os fluxos do Mediterrâneo e do Atlântico, tem-se mantido mais cauteloso em embarcar em discursos de ódio do que muitos países da Europa. Mas episódios como aquele devem ser contextualizados e explicados à sociedade, para que não se cometam equívocos.

Em casos como este, a OIM no respetivo país deve ajudar ao seu enquadramento. Não se trata de extremismo religioso ou de violência religiosa, mas, provavelmente, da situação de alguém num quadro de grande fragilidade emocional, não rara em pessoas que viajam por metade do globo em situações terríveis, que perdem parte da família e se veem num país distante, completamente diferente, com filhos novos, no desemprego, sem saber como sobreviver.

A OIM, através dos seus serviços presentes nos diversos países, deve ajudar ao acolhimento, à integração e à inclusão dos imigrantes e das suas comunidades, bem como apoiar os países de acolhimento a discernir entre o nível de obrigação do cumprimento das leis nacionais e a margem para a vivência da idiossincrasia de cada comunidade migrante, promovendo equilíbrios saudáveis e convivências plausíveis, no respeito integral pelas diversas culturas – autóctones e adventícias. Há desígnios políticos (porventura expansionistas: as guerras hoje são feitas de forma subtil), religiosos, económicos e sociais. E há, sobretudo, a necessidade de sobreviver.

Resta saber qual dos candidatos à liderança da OIM responderá melhor a estes desideratos, concitando as maiores e melhores sinergias, em situações complexas que postulam o diálogo e a correta educação para a paz e pela paz.

2023.04.15 – Louro de Carvalho

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