O
panorama europeu é de guerra e de penúria, ao lado do privilegiado pequeno
número dos/as que, aproveitando, ao máximo, as oportunidades que o atual contexto
lhes propicia, aumentam desmedidamente a sua riqueza e o seu poder de
influência. E o estado do Mundo em que a Europa se encaixa prima pela angustiante
desolação criada pela ambição desenfreada, que gera cada vez maiores assimetrias
e desigualdades, em que a pobreza – e até a miséria – supera a riqueza e a
prosperidade. As injustiças sobrepõem-se à justiça, a guerra à paz, a migração
forçada à estabilidade, a violência à sã convivência, o autoritarismo à
democracia.
Não
sei se há Estados decentes hoje, quando a soberania (o poder político do Estado)
e os poderes locais, que deviam promover a proteção dos cidadãos e defender os
superiores interesses da comunidade, se deixam capturar pelo capitalismo
financeiro, de rosto oculto, que brita as economias, cava o mal-estar social e
provoca os diversos surtos de corrupção e outros flagelos congéneres, incluindo
um terrorismo cujo objetivo é criar a insegurança coletiva, por todos os meios
ao alcance, incluindo o homicídio suicida.
O
grito dos pobres, sobretudo dos pobres de última hora, ameaça, através dos
protestos de rua, o desmantelamento da arquitetura social, enquanto os detentores
do exercício do poder político cuidam se si próprios e os agentes económicos,
assobiando para o lado, vão continuando a cuidar dos seus poderosos interesses,
que julgam intocáveis. E, nisso, contam com a complacência de alguns dos intelectuais
da nossa praça, em nome da propalada inevitabilidade.
Porém,
em maré de Tríduo Pascal, a esperança de que as pessoas que vivem de acordo com
a sua consciência, retamente formada, venham a sobrepor à iniquidade que ameaça
o Globo Terrestre, as suas atitudes e comportamentos, que significam os altos valores
da genuína liberdade, da fraternidade, da solidariedade, da igualdade e da justiça
social, por um Mundo mais decente, porque menos egoísta e, portanto, mais
humano. Por isso, convém que se desalojem do seu silêncio e marquem a sua
influência benéfica neste contexto de podridão.
E
os cristãos, apesar de as várias Igrejas precisarem sempre de profunda e
contínua reforma e de terem de suportar a vergonha pelos crimes que alguns dos
seus membros mais proeminentes cometem, bem como pelas cumplicidades
silenciosas com o crime, não podem ter vergonha de pertencerem à comunidade dos
discípulos de Jesus, o Cristo, que os constituiu em luz do Mundo e sal da Terra,
lhes deu a força para serem fermento na massa e lhes recomendou a simplicidade
das pombas e a prudência das serpentes, porque os enviou como ovelhas para o
meio de lobos. E o lupismo anda, por vezes, de mão dada com a benevolência
justiçosa.
Na
verdade, ao invés do que muitos pensam, a Igreja não é, exclusiva, nem
principalmente, a Conferência Episcopal, os bispos, os presbíteros e os
diáconos. Esses são servidores especiais, que devem ser devidamente valorizados,
pela doutrina da fé, pelo múnus santificador e pelo eminente serviço à organização
da justiça e da caridade cristã. A Igreja é todo o Povo de Deus, ou seja, toda
a comunidade dos discípulos, os quais se incorporam em Cristo pelo Batismo,
incorporação que se reforça com a Confirmação ou Crisma e que se alimenta com a
Eucaristia, com a oração e com as boas práticas de vida. E esta comunidade, que
se alimenta na discrição da casa e do templo, subsiste quando testemunha o
Evangelho, respira na rua e no campo e afirma-se com a sua vida de valores,
afirmação a que as insígnias pessoais e coletivas podem dar uma preciosa ajuda.
Por outro lado, robustece-se, quando peregrina para o santuário e dele parte em
missão ao encontro dos mais pobres, dos doentes, dos deserdados da sorte e da ganância
dos grandes. É a Igreja em saída que, em referência permanente a Jesus Cristo,
não se importa de sujar os pés na lama da realidade, para que a realidade se
torne mais de acordo com o coração de Deus.
Olhando
para o contexto evocado e fundamentando o arrazoado vertido a modo de apelo,
devo refletir um pouco mais sobre a excelência do nosso Tríduo Pascal.
São
três dias celebrativos indissociáveis. A Quinta-Feira Santa, em que a tradição
latina introduziu a celebração da Missa Crismal – em que o bispo, com o seu
presbitério, benze o óleo dos catecúmenos e o óleo dos enfermos e consagra o
óleo do Crisma –, é o dia, por excelência, da Eucaristia, do Amor fraterno e do
Sacerdócio (valor que está ao serviço dos outros dois valores inestimáveis); a
Sexta-Feira Santa é, por excelência, o dia da Paixão, Morte e Sepultura do
Senhor; e o Sábado Santo é o dia da meditação na ausência corporal do Senhor
(se não fosse a recitação da Liturgia das Horas, seria um dia alitúrgico) e que
desemboca, à noite, na celebração da Vigília Pascal, em que, sob o esplendor do
lume novo e sob a clarividência da Palavra de Deus, se “confeciona” o
surgimento da Páscoa da Ressurreição, com a renovação das promessas do Batismo,
com a Eucaristia e com o cântico do Aleluia, o que nos põe em sintonia com o
rebentar da vida primaveril.
Só
vale a pena ser cristão com a força cafeinada e cafeinante da fé, com a coragem
da esperança e com o vigor da caridade, ultrapassando os ditames da justiça
comutativa e promovendo a justiça da vida, da dignidade e do conforto. O
cristão tem de ser obediente aos valores supremos, crítico do mal, da
insuficiência e da autossuficiência, e audaz no testemunho e na ação em favor
do próximo, falando claramente, quando deve, e calando, sempre que o superior interesse
do ser humano em concreto e o da comunidade o exijam. Enfim, tem de ser
discreto, mas eficaz.
O
mistério pascal, especialmente celebrado no Tríduo Pascal, faz de nós herdeiros
e compartícipes da Eucaristia como sacrifício incruento do Senhor, como comunhão
no pão da Vida e do Vinho da Salvação, ou seja, do Corpo e do Sangue de Cristo,
como banquete e alimento dos fracos e como construtura da comunidade; da
Paixão, Morte, Sepultura e Ressurreição de Cristo, presentificadas na celebração
eucarística; da promessa de que havemos de compartilhar da sua Glória pela
eternidade sem fim; e, entretanto, da missão de, em cada tempo e em cada lugar,
testemunhar o núcleo fundamental do Reino dos Céus, que é o arrependimento e o perdão
dos pecados. Os cristãos são filhos de Deus com Jesus Cristo (que Ele, pela ressurreição,
constituiu em irmãos), seres animados pelo Espírito de Deus, pessoas
eucarísticas, investidas no discipulado, com vista ao apostolado, com vista à
missão. Enfim, partilham da efemeridade do século, mas são peregrinos e
caminheiros do Além. Por isso, estão em permanente “mais alto e mais além”.
É
com este sentido de fraternidade que desejo a todos/as – família, amigos/as e
demais pessoas com quem a vida nos faz encontrar – os melhores votos de Feliz e
Santa Páscoa, em prol de um Mundo mais solidário e mais humano, de uma
sociedade mais livre, mais igual, mais justa e mais fraterna!
E
aos crentes incumbe não deixar que a Páscoa se perca na penumbra do
mercantilismo que se vem apoderando dos grandes momentos em que o Espírito quer
pontificar. Porém, há que aceitar que os não crentes e os crentes não
praticantes vivam a Páscoa à sua maneira, pois o Cristo ressuscitado quer que
todos estejam bem e em paz, sendo que todo o bem tem a sua fonte e a sua razão
em Deus.
2023.04.06 – Louro de Carvalho
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