quinta-feira, 20 de abril de 2023

Aparições populares da Mãe de Deus comportam simbolismo bíblico

 

O padre Stanley Smolenski, da arquidiocese de Hartford, Connecticut, nos Estados Unidos da América (EUA), através de passagens bíblicas, interpretou a relação entre as três aparições marianas mais populares do mundo, em artigo publicado no jornal National Catholic Register, do grupo EWTN (Eternal Word Television Network), o maior canal de televisão católico do mundo, fundado pela Madre Angélica (1923-2016), em 1981, e que alcança, atualmente, mais de 80 milhões de lares em 110 países.

O padre Smolenski sustenta que as várias “aparições da Virgem Maria estão cheias de imagens bíblicas”, que a Mãe de Deus usa para comunicar as suas mensagens à Humanidade. E, neste âmbito, foca-se nas aparições em Lourdes, em Fátima e em Guadalupe.

A Virgem Maria apareceu em Lourdes, na França, com rosas nos pés, um símbolo muito especial e pouco comum, que só pode ser entendido a partir da Bíblia.

Na verdade, as flores são usadas para embelezar as nossas igrejas, capelas e oratórios, bem como as casas e os jardins; e, embora “as mães recebam buquês de flores no Dia da Mãe, não é comum que sejam colocadas aos pés”.

Porém, Smolenski assegura que Nossa Senhora faz as coisas com inteligência. E, depois de ler a passagem bíblica “Como são belos sobre as montanhas os pés do mensageiro que anuncia a paz” (Is 52,7), diz ter percebido que Nossa Senhora usa a imagem bíblica do mensageiro da paz, assumindo-se como peregrina da paz.

Aliás, como é de recordar, em meu entender, a tradição eclesial habituou-se a presentear a Mãe de Deus com a cadeia das 150 ave-marias (agora são 200) – organizada em dezenas, iniciadas pelo Pai-nosso e rematadas pelo Glória ao Pai – a que se dá o nome de “rosário” (coleção de “rosas”), sendo considerada cada ave-maria uma rosa de espiritualidade mariana e cristológica (bendita és entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre, Jesus).  

Também o padre se interrogou sobre o motivo por que a Virgem falou com santa Bernadette Soubirous na Rocha de Massabielle e percebeu que se trata de mais um simbolismo bíblico. Com efeito, “as Escrituras falam de rochas tanto no Antigo como no Novo Testamento” e também de água. Moisés feriu um rochedo e a água jorrou (Nm 20,11). São Paulo comparou Cristo a essa rocha, mas que dá bebida espiritual (1Cor 1,4), o que nos reporta a Cristo Crucificado, que foi trespassado em seu lado, do qual brotou sangue e água (Jo 19,34), que significa a graça pela qual a Igreja nasce e os seus membros renascem pela água e pelo Espírito Santo, no batismo.

Não podemos esquecer que Jesus, quando pediu à Samaritana que Lhe desse de beber, prometeu-lhe a água viva, a qual matará a sede em definitivo (vd Jo 4,7-15). E o Evangelista João entende que Jesus, ao convidar todos a que bebam da água que lhes dará, estava a falar do Espírito Santo, que Deus prometeu e concede aos crentes (vd Jo 7,37-39). 

Segundo o padre Smolensk, “a Virgem Maria apresentou-Se a Bernadette como a Imaculada Conceição”, uma devoção que é um exemplo da “Igreja na sua perfeição nascida do coração ferido de Cristo”, embora sujeita à luta diária do bem contra as forças do mal.

A partir destas premissas, o sacerdote considera que “a água milagrosa que brota da Gruta de Lourdes se encaixa muito bem nessa imagem”, pois “Cristo amou a Igreja, e Se entregou por ela, para a santificar, e a purificar na lavagem da água pela palavra”, a fim de que ela se apresente a si mesma, como igreja gloriosa, sem mancha, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e imaculada.

Quanto a Nossa Senhora de Fátima, o padre Smolenski disse que a estrela que fica na parte de baixo do manto tem dois significados. Por um lado, “Estrela” é “Ester”, na língua persa. E Ester “foi a rainha judia que salvou seu povo do extermínio no dia 13 do mês hebraico de Adar”. Isso revela que a missão de Maria é a de uma Ester moderna que salva a Igreja no nosso tempo. Por outro lado, significa que a Virgem Maria é a “Estrela da Evangelização”, nome proclamado por são Paulo VI na exortação apostólica Evangelii Nuntiandi, de 1975, sobre a evangelização. “Assim como os Reis Magos foram guiados por uma estrela na busca de Cristo, Maria é capaz de nos guiar até Ele por causa da sua relação materna única com ele”, explicou.

Também o Papa Bento XVI  se referiu a Maria como a estrela dos católicos na sua encíclica Spe salvi, de 2007, sobre a esperança cristã: “Quem mais do que Maria poderia ser uma estrela de esperança para nós?”

E o padre Smolenski referiu-se ao milagre do Sol a 13 de outubro de 1917, que recebeu este nome porque, durante a aparição da Virgem em Fátima, foi possível ver o sol tremer, num tipo de baile, no que se vê uma “renovação milagrosa da terra”. Na verdade, o milagre “tem os símbolos da época de Noé: chuva, arco-íris e uma nova terra”, pois, “naquele dia choveu muito, em Fátima, durante o milagre do sol, a Cova da Iria estava coberta de várias cores e, no final, a terra e as roupas do povo foram purificadas na lama e na água”.

Também se verificou que a Cova da Iria era terreno árido, sem vegetação significativa e sem água. Porém, a seguir às aparições, começaram a descobrir vários lençóis de água, que possibilitaram, após a devida exploração, a permanência de milhares de peregrinos, até que se encontrasse uma solução mais abrangente para toda a atual cidade de Fátima.

Na história do Antigo Testamento, a antiga população imoral foi substituída pela família de Noé temente a Deus, como um novo começo; e desta vez, a Virgem Maria disse que, por fim, o seu Imaculado Coração triunfará, o que implica outro começo. Tudo isto foi revelado no milagre do Sol, em Fátima, no fim do qual apareceu Maria sob o ícone de Nossa Senhora do Carmo e São José, com o Menino Jesus a abençoar o Mundo.

E de Nossa Senhora de Guadalupe o padre Smolenski disse que imprimiu milagrosamente a sua imagem quando apareceu a são Juan Diego na colina Tepeyac, no México, e que “é representada com uma túnica rosa decorada com um padrão floral, segundo os hieróglifos religiosos astecas, e um manto azulado salpicado de estrelas de acordo com o padrão celeste daquele dia”.

Esses símbolos referem-se à passagem do livro do Apocalipse: “Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21,5), pois “o seu manto florido representa a terra e o seu manto cheio de estrelas representa o céu”.

Para o sacerdote, Nossa Senhora de Guadalupe apareceu a 9 de dezembro, dia seguinte à festa da Imaculada Conceição, “que comemora a sua completa liberdade sobre o pecado e a perfeita santidade para Deus e prefigura a criação totalmente restaurada para a Glória de Deus Pai”.

“Ela certamente derrubou a velha e maligna cultura mexicana, baseada no contínuo sacrifício humano, e a renovou através do Evangelho vivificante do seu Divino Filho”, concluiu.

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Por menos conhecida entre nós, cabe uma referência à Virgem de Guadalupe, denominação de uma aparição mariana da Igreja Católica de origem mexicana, cuja imagem tem como seu principal local de culto a Basílica de Guadalupe, localizada no sopé do monte Tepeyac, ao norte da cidade do México.

De acordo com a tradição oral mexicana e segundo textos de documentos históricos do Vaticano e outros encontrados ao redor do mundo em diferentes arquivos, crê-se que a Virgem Maria apareceu em quatro ocasiões ao índio São Juan Diego Cuauhtlatoatzin no monte Tepeyac e, numa quinta ocasião, a Juan Bernardino, tio de Juan Diego. O relato guadalupano conhecido como Nican Mopohua narra que, na primeira aparição, a Virgem ordenou a Juan Diego que se apresentasse diante do bispo do México, Juan de Zumárraga.

Juan Diego, na última aparição da Virgem e por ordem desta, levou no seu ayate (instrumento agrícola, de fibras, usado na Mesoamérica para recolher os frutos das colheitas) algumas flores que cortou no Tepeyac. Juan Diego desdobrou sua tilma (vestimenta externa usada pelos homens como capa) diante do bispo Juan de Zumárraga, descobrindo a imagem da Virgem Maria, morena e com traços mestiços.

Segundo o Nican Mopohua, as mariofanias aconteceram no ano de 1531, ocorrendo pela última vez em 12 de dezembro do mesmo ano. A fonte mais importante que as relatou foi o próprio Juan Diego que contou tudo o que havia acontecido. Posteriormente esta tradição oral foi recolhida em um escrito no idioma Náuatle, mas escrita com carateres latinos (técnica que nenhum espanhol sabia fazer e que só muito raramente usavam os indígenas); este escrito é chamado de Nican Mopohua e é atribuído ao indígena Antonio Valerinao (1522-1605). Posteriormente, em 1648, foi publicado o livro Imagen de la Virgen María Madre de Dios de Guadalupe, pelo presbítero Miguel Sánchez, contribuindo para recompilar tudo o que se sabia na época sobre a devoção guadalupana. Segundo diversos investigadores, o culto guadalupano é uma das crenças mais historicamente apegadas ao atual México, sendo parte da sua identidade. Tem estado presente com o desenvolvimento do país desde o século XVI, nos seus processos sociais mais importantes como a Independência do México, a Reforma ou Guerra dos Três Anos (guerra civil mexicana entre dezembro de 1857 e Janeiro de 1861) e a Revolução Mexicana, bem como na sociedade mexicana atual, onde conta com milhões de fiéis. E que alguns até professam o guadalupanismo sem serem católicos.

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De facto, Maria não é o caminho, mas aponta o caminho, que é Cristo, segue-O e é um nosso bom atalho até Ele (Per Mariam as Iesum). Não é objeto direto da fé segundo os diversos formulários do Credo, mas é comparte e modelo da fé pessoal e comunitária, em Igreja. E como a Igreja é objeto direto da fé, a seguir ao Pai, ao Filho encarnado e ao Espírito Santo, Maria faz parte integrante do objeto da fé.

Todas as gerações A proclamam e proclamarão bem-aventurada.

2023.04.19 – Louro de Carvalho

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