sábado, 30 de junho de 2018

Uma cimeira europeia particularmente tensa: Isto é a Europa


Pelas 5 horas da manhã de hoje (4 de Lisboa), dia 29 de junho, o Conselho Europeu conseguiu assinar um acordo minimalista sobre as migrações, mas, com uma ação inédita na negociação europeia, tendo o Primeiro-Ministro italiano condicionado a aprovação da proposta, recusando-se a assinar o documento das conclusões sobre a 1.ª parte da reunião, em que se discutiram as questões de segurança e defesa, emprego, crescimento e competitividade, inovação e digital e outras questões como o alargamento, o relatório do voo MH-17 e o QFP (Quadro Financeiro Plurianual) – segundo o curtíssimo comunicado, divulgado pelo Presidente do Conselho Europeu.
Contudo, os líderes da UE acertaram em estabelecer centros de processamento de requerentes de asilo e restringir os movimentos de migrantes dentro da União. Porém, na prática, as promessas acordadas serão assumidas numa “base voluntária” pelos Estados-membros. Por outro lado, a declaração final prevê o endurecimento do controlo das fronteiras externas da UE, o fim das quotas migratórias e o aumento do financiamento destinado à Turquia, Marrocos e outros países do norte de África para impedir a migração para a Europa.
A chanceler alemã, Angela Merkel, tentou dar uma visão positiva do acordo sobre as medidas para gerir os fluxos migratórios, frisando o bom sinal dos líderes ao terem chegado a um texto comum sobre a controversa questão migratória. Mas reconheceu que ainda há “muito trabalho a fazer para ultrapassar as visões diferentes”. E não é certo que o acordo seja suficiente para apaziguar o parceiro de coligação de Merkel, a CSU, que ameaçou fechar a fronteira da Baviera aos migrantes, o que poria em risco o frágil Governo alemão, que tem apenas três meses e meio, e a livre circulação no Espaço Schengen.
Porém, o maior obstáculo ao sucesso proveio do Executivo italiano, de Giuseppe Conte, que logo à chegada ameaçou lançar mão do veto, advertindo:
Esperamos atos. Esta cimeira será uma escolha e estou disposto a tirar da reunião todas as consequências”.
No final, acabaria a dizer que “a Itália já não está sozinha”. No início da noite de ontem, dia 28, Merkel e Conte reservaram 45 minutos para uma conversa a dois, que acabaria passados 20 minutos com a rejeição das propostas de Merkel por Conte. Queria mesmo alterar radicalmente os acordos de Dublin, com vista a gerir as migrações no Mediterrâneo. Chegara a Bruxelas com uma proposta em que “trabalhou muito” nas últimas semanas.
As posições estiveram extremadas, com a possibilidade de “não haver acordo”, caso a proposta italiana não fosse aceite, como tinha ameaçado o italiano, que pretendia a criação de centros de imigrantes fora dos países da UE, indicando um via: lutar contra o “negócio da imigração”.
António Costa, por sua vez, considerara, no 1.º dia da cimeira, que “não é admissível” todos os anos morrerem “milhares de seres humanos”, nas rotas de migrantes, “por não haver capacidade da Europa”, para fazer uma gestão adequada para acolher “aqueles que carecem de proteção”.
O Primeiro-Ministro falava à entrada para a reunião do Conselho, em que se discutiram estratégias para fazer a gestão dos migrantes e dos refugiados. Sobre a mesa estava a proposta de criação das plataformas regionais de desembarque, apoiada pelo Governo de Portugal, desde que coordenada com entidades relevantes na área. Dizia então António Costa:
Não é aceitável que não trabalhemos com o ACNUR [e] com a OIM, tendo em vista encontrar plataformas do lado de cá ou do lado de lá do Mediterrâneo, que permitam a existência de esses canais legais e seguros, para que possamos cumprir a nossa obrigação de acolher todos aqueles que carecem de proteção”.
Também a chanceler alemã defendeu a colaboração do ACNUR e da OIM e considerou que a “Europa enfrenta muitos desafios, mas a questão das migrações pode decidir o destino da UE”.
O Presidente francês tentou desatar o nó-travão das negociações com uma proposta que foi, entretanto, recusada por Itália, por não contemplar as alterações exigidas em relação a Dublin.
A proposta contemplava uma série de medidas que introduziam um instrumento penalizador para os países que se recusam a cumprir as quotas de recolocação de migrantes, mas colhia algum apoio da aliança de Visegrado (Hungria, Eslováquia, Polónia e República Checa). Sustentava que os Estados que recusassem ceder a quota imposta por Bruxelas entrassem com mais dinheiro para a agência de gestão de fronteiras da UE ou para outros mecanismos de solução da crise.
Depois, o Governo italiano aceitou uma contraproposta para a criação de plataformas de desembarque nos países do mediterrâneo sul e nos países europeus que, numa “base voluntária”, aceitem criar centros semelhantes nos seus territórios. Conti tinha afirmado:
A Itália trabalhou muito na proposta enviada ao Conselho. É uma proposta que é razoável e está em conformidade com os valores da UE. Encontrei-me com outros Estados-membros e eles ofereceram o seu apoio. Agora esperamos que as palavras sejam transformadas em ações – nós queremos a dura realidade. Eu permaneço disponível.”.
Esta maratona negocial foi descrita como tensa e tortuosa, com grupos de líderes reunidos a tentar romper o impasse e evitar a humilhação de regressarem sem um acordo. Assim, o Presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, e o Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, cancelaram a conferência de imprensa conjunta que estava programada.
Para uns, o ambiente era “tóxico”, enquanto outros diziam tratar-se de “política pura”, com as emoções à flor da pele como em 2015, ano em que muitos milhares de migrantes entravam diariamente no espaço da UE. Segundo dados da ONU, esse número caiu consideravelmente com menos de 45 mil migrantes a chegarem este ano.
Apesar do texto comum, os países do leste, liderados pela Polónia e pela Hungria, recusam aceitar parte dos recém-chegados para aliviar o peso que a pressão migratória representa para países como a Itália e a Grécia. Não obstante, Emmanuel Macron, o Presidente francês, ainda conseguiu dizer que a cooperação europeia “ganhou o dia”.
Donald Tusk disse, no final do Conselho, ser demasiado cedo para se considerar que o acordo alcançado pelos Estados-membros sobre a questão migratória é um sucesso. E explicitou:
É demasiado cedo para se falar em sucesso. Conseguimos chegar a um acordo, mas essa foi a parte mais fácil da tarefa que nos espera no terreno, quando começarmos a pô-lo em obra.”.
Salientou que o reforço das fronteiras externas, embora polémico, passou a ser uma prioridade na política externa da UE. Por outro lado, anunciou a transferência de 500 milhões de euros para o Fundo Fiduciário da UE para África, convidando os 28 a aumentarem a sua participação, pois, para enfrentar o problema da migração no seu cerne é fundamental a parceria com África.
Assim, a criação de plataformas de desembarque regionais de migrantes e de centros controlados nos Estados-membros e o reforço do controlo das fronteiras externas são os pontos principais do acordo para “desmantelar definitivamente o modelo de negócio dos passadores, evitando assim a trágica perda de vidas humanas”.
Para isso, os líderes da UE querem ver rapidamente explorado o conceito de tais plataformas, em estreita cooperação com os países terceiros envolvidos, bem como com o ACNUR (Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) e a OIM (Organização Internacional para as Migrações), que tem agora como Diretor-Geral o português António Vitorino.
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A Oxfam defendeu que o acordo, ora firmado no Conselho Europeu, põe as responsabilidades em países fora da UE e traz consigo “a criação, de facto, de mais centros de detenção de imigrantes”. Em comunicado, Raphael Shilhav, assessor para a imigração da ONG explicitava:
Quando mais se necessita da liderança europeia para enfrentar os problemas globais, mais a UE só responde aos seus problemas internos e não corrige os erros do seu atual sistema de asilo”.
Shilhav afirmou que um sistema de asilo eficaz e bem gerido “vai muito para lá dos centros de desembarque” e que é fundamental “para promover a saúde da cultura e economia europeias”.
O predito representante da organização não-governamental apontou o dedo:
A política europeia sobre esta questão não deve ser utilizada em jogos políticos entre os Estados-Membros, em detrimento daqueles que mais necessitam. Faz falta um acordo que melhore a vida de todas as pessoas na Europa, sejam estes cidadãos, refugiados ou recém-chegados.”.
Assim, a ONG concluiu que o Conselho “não conseguiu chegar a acordo sobre uma reforma do sistema comum de asilo” e que, embora acolha favoravelmente qualquer acordo sobre migração, este não deveria ter um impacto negativo sobre os refugiados e os migrantes.
Com efeito, os líderes da UE chegaram a acordo para criar voluntariamente nos Estados-membros centros “controlados” para separar os refugiados, com direito de permanecer na UE, dos imigrantes económicos, que serão inexoravelmente devolvidos aos seus países de origem.
Também a MSF (Médicos Sem Fronteiras), uma outra ONG, criticou o acordo europeu sobre migrações e acusou os países da UE de defenderem “o bloqueio das pessoas às portas da Europa” e “a diabolização” do salvamento de náufragos. A este respeito, Karline Kleijer, responsável das operações de emergência da MSF, declarou:
Os únicos elementos em que os Estados europeus parecem estar de acordo são, por um lado, o bloqueio das pessoas às portas da Europa, independentemente da sua vulnerabilidade e dos horrores de que fogem, e, por outro, a diabolização das operações de busca e salvamento”.
E acusou perentoriamente:
Sem pestanejar, formalizaram [...] a utilização da guarda-costeira líbia para intercetar as pessoas e as reenviarem para a Líbia, sabendo que isso equivale a condená-las à detenção arbitrária e a abusos de todo o tipo”.
Segundo a predita responsável da MSF, tais ações impedem a MSF “de fazer o trabalho que os governos da UE recusam assumir desumanizando as pessoas”. Por isso, “a responsabilidade de cada morte que resultar [destas medidas] será deles”.
Segundo a leitura da MSF, o acordo europeu propõe uma “nova abordagem” com a criação de plataformas de desembarque de migrantes fora da UE para dissuasão da travessia mediterrânica. Para os migrantes resgatados em águas europeias, os líderes europeus propõem a criação de “centro controlados”, a estabelecer pelos Estados-membros “numa base voluntária”, onde deve ser feita rapidamente a separação dos migrantes ilegais dos que estão em condições de obter asilo, expulsando-se os primeiros e recolocando-se os segundos em países europeus também “numa base voluntária”.
E os líderes europeus advertem as ONG:
Todos os navios a operar no Mediterrâneo devem respeitar as leis aplicáveis e não obstruir as operações das guarda-costeira líbia”.
Assim, segundo a MSF, as políticas migratórias dos governos europeus “condenam as pessoas a ficarem fechadas na Líbia ou a afogarem-se no mar”. Só na semana passada, pelo menos 220 pessoas morreram afogadas no Mediterrâneo. Desde janeiro deste ano, de acordo com os números da OIM, mais de 800 pessoas morreram ao tentar a travessia, vindo a engrossar de forma supina o volume deste cemitério marítimo da morte.
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O Primeiro-Ministro António Costa lembrou que Portugal assumiu uma quota de aceitação de refugiados “largamente superior” à quota obrigatória da UE e declarou que o país não é candidato a acolher centros controlados, previstos no acordo sobre migrações obtido agora no Conselho Europeu, explicitando que “Portugal não se candidata, nem havia razões para isso”. Em declarações aos jornalistas, à saída do Conselho, recordou que “Portugal é um país que tem tido uma política coerente e constante em matéria de migrações”, tendo inclusivamente assumido “uma quota de aceitação de refugiados que é largamente superior à quota obrigatória da União Europeia”. E defendeu a existência de canais legais e seguros para a entrada de refugiados na Europa, desde que não sejam campos de contenção que desresponsabilizem a UE.
E confessou que o acordo sobre migrações “não disfarça as divisões profundas que hoje ameaçam a UE”, dizendo que não se lembra de uma cimeira onde as mesmas tenham sido tão evidentes. Eis os termos do seu comentário:
Esta foi uma cimeira seguramente muito difícil e onde o aparente consenso expresso no documento não disfarça as divisões profundas que hoje ameaçam a União Europeia em matéria de valores e em matéria de migrações”.
Sobre o teor do compromisso obtido ao fim da longa maratona, Costa observou desvalorizando:
Quem ler atentamente as conclusões, verificará que o Conselho não fez mais do que mandatar a Comissão e o Conselho para dialogarem com as Nações Unidas, com a Organização Internacional para as Migrações, com países terceiros para explorar uma ideia, e nada mais do que isso”.
Classificando o debate de muito difícil, comentou ainda a propósito das conclusões adotadas quanto à gestão dos fluxos migratórios, sustentando a criação de canais “que permitam aos refugiados entrar na Europa sem ser por via das redes ilegais e sem porem a sua vida em risco”, o que deve ser assegurado, desde que “não sejam campos de contenção que desresponsabilizem a UE, fazendo um ‘outsourcing’ para países terceiros de responsabilidades da UE, mas que seja, pelo contrário, uma forma de encontrar um canal aberto e positivo”.
Por outro lado, o Primeiro-Ministro português elogiou Angela Merkel e censurou a postura de Giuseppe Conte, o Chefe do Governo italiano, nestes termos:
Desejo à chanceler Angela Merkel as maiores felicidades porque tem estado do lado certo dos valores da Europa. Quanto a outras atuações para fins mediáticos, não faço comentários…”.
Foi dizendo sem dizer, que António Costa definiu o que move Conte, o Primeiro-Ministro de Itália empossado no início deste mês, indicado pelo movimento 5 Estrelas e a Liga Norte, um partido de extrema-direita. Antes, Costa já havia dado conta, como se disse, do clima de tensão entre Estados-membros.
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A este respeito, Marcelo Rebelo de Sousa referiu que o acordo poderia ter sido muito melhor. No entanto, sustentou que é melhor ter havido um acordo, o possível, do que não ter havido acordo nenhum e salientou que o texto aprovado leva a que todos os países da UE tenham uma postura mínima comum ao menos em termos de linguagem.
Ora, do meu ponto de vista, por mais loas que se teçam ao famigerado acordo e por mais que se escamoteiem as divisões na UE, prefiro a visão realista e quase amarga do Primeiro-Ministro português, que já foi considerado como um otimista irritante. A Europa que hoje temos não é mais do que uma intenção. É isto que vimos e, pelos vistos, continuaremos a ver. É só isto ou pouco melhor que isto. Os cidadãos, os direitos e o progresso, por este caminho podem esperar sentados!
2018.06.29 – Louro de Carvalho

sexta-feira, 29 de junho de 2018

“Una carezza della Madonna”


Como previsto, Dom António Augusto dos Santos Marto, Bispo de Leiria-Fátima, foi ontem, dia 28 de junho, criado cardeal da Santa Igreja Romana com o título de Santa Maria sobre Minerva, basílica menor e uma das principais igrejas dominicanas de Roma.
O nome desta basílica é uma referência à primeira igreja construída no local, diretamente sobre (em latim: supra) as ruínas ou fundações dum templo dedicado à deusa egípcia Ísis, incorretamente identificada com a deusa greco-romana Atena/Minerva. A basílica está localizada na PIazza della Minerva , um quarteirão atrás do Panteão, no bairro Pigna (Rione IX), no antigo distrito conhecido como Campus Martius. Já é visível o edifício atual e a disposição das estruturas vizinhas em detalhes no Mapa de Nolli de 1748.
Na cerimónia, integrada numa celebração da Palavra, preparada para o efeito, os novos cardeais emitiram o compromisso de fidelidade a Cristo e ao Evangelho, de obediência à Igreja na pessoa do Sucessor de Pedro, de comunhão com a Igreja Católica por palavras e atitudes, de sigilo sobre o que lhes vier a ser confiado dada a sua nova condição, da determinação de nunca prejudicar a Igreja ou ferir a sua honorabilidade e do exercício proficiente das obrigações de que forem incumbidos. Depois, foram-lhes entregues o anel e o barrete próprios do cardinalato, bem como o título ou a diaconia a que fica adscrito cada um.
Sobre o decurso das cerimónias e do modo como as viveu falou o novo cardeal português. De facto, nas primeiras declarações após a sua elevação ao cardinalato, confessou ter sentido “um peso que não tinha sentido antes” quando se aproximou do Papa para receber as insígnias cardinalícias. E explicou aos jornalistas portugueses no Vaticano:
À medida que a gente se aproxima para ser investido, a gente sente um peso. Parece que não sentiu antes, mas sente assim como que um peso cá dentro a dizer assim: ‘Vais assumir uma nova missão’. Mas depois chega-se lá, àquela comemoração, na entrega das insígnias, a gente saúda o Papa e fica satisfeito.”.
E acrescentou quase em tom repetitivo:
Naquele momento anterior, enquanto sobe as escadas, se está ali à espera um bocadinho e sobe as escadas até lá chegar… Eu falo por mim, os outros não sei o que sentiram. Parece que senti um peso que não tinha sentido antes. Quando desci, aí já estava sereno e aliviado”.
Dom António Marto revelou ainda a conversa que teve com o Papa no minibus que transportou os novos cardeais para a Aula Paulo VI – depois duma breve visita ao Papa emérito Bento XVI, que encontrou com poucas forças, mas bem de saúde:
Agora no minibus em que vínhamos, eu entrei e ele disse assim: ‘O teu cardinalato foi uma carícia della Madonna’. E eu disse assim: ‘Acredito, porque eu ainda não compreendi porque é que foi!’.”.
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Ora, este último segmento que reporta um minidiálogo entre Francisco e António vem ao encontro dos que entendem que Fátima e o seu centenário terão pesado na decisão do Papa com vista à distinção do Bispo de Leiria-Fátima, como o próprio admitiu, bem como os responsáveis pela dinâmica do Santuário. Foi efetivamente uma carícia da Mãe ao seu mais proeminente servidor na Cova da Iria, embora sejam de ter em conta as aptidões de Marto na cooperação para a reforma da Igreja na linha do Papa Francisco, em todos os aspetos, mas em especial, como ele disse, na doutrina, na família, no desenvolvimento humano integral e na cultura. 
A este respeito, Dom Carlos Azevedo, delegado do Conselho Pontifício para a Cultura, sustenta que a ascensão do Bispo de Leiria-Fátima a cardeal não está conexa com Fátima, mas com o contacto direto que o Papa teve com o prelado e com as suas posições relativas à reforma da Igreja. Não terá toda a razão, mas tem o mérito de salientar o fundamental no pensamento e na ação de Francisco, quando refere que “o Papa escolhe pessoas dentro da perspetiva de Igreja que ele tem, sendo, portanto, muitas pessoas escolhidas pessoalmente por ele”. E diz que “não tem a razão de ser de Portugal e não tem a razão de ser de Fátima, até me atrevo a dizer”.
É óbvio que ser de Portugal ou de Fátima não é determinante, mas pode, neste caso, ter sido um adjuvante. Quem leu a carta que Francisco dirigiu a António Marto a agradecer a receção em Fátima, pôde pensar de forma humorística como eu pensei, que o fez cardeal já que, neste momento, não o podia canonizar. No entanto – e mais uma vez o Bispo português que trabalha na Cúria Romana como delegado para os bens culturais da Igreja e como membro da Comissão de Arqueologia tem um mérito, o de chamar a atenção para algo relevante, agora na figura do Bispo de Leiria-Fátima, quando dele diz:
A escolha do Papa recaiu sobre Dom António porque o bispo de Leiria-Fátima ‘é um homem que se identifica com a reforma da Igreja que é preciso fazer e, portanto, é alguém que pode ser membro ativo dessa mudança e dessa reforma da Igreja’.”.
Mais sublinhou que “é uma decisão pessoal”. E Dom Carlos Azevedo sabe do que fala, neste aspeto, pois foi colega de António Marto na equipa de formadores do seminário do Porto. Ora, questionado sobre a possibilidade de se ler a nomeação como forma de destacar a importância de Fátima, considerou que “o Papa não é muito sensível a essa perspetiva” e que essa é uma forma “bairrista” de analisar a escolha de Francisco.
Quanto ao bairrismo, era de concordar se a atenção a Fátima fosse determinante para a escolha. Porém, como apontei, tudo leva a crer que, mesmo sem bairrismo, o fenómeno Fátima esteve presente. Não obstante, Carlos Azevedo é categórico e tem razão ao insistir que “o Papa é Papa da Igreja universal” e ao fazer reparo em que “ nós às vezes temos uma visão muito nacionalista da Igreja”. Ora, como muito bem observa, “é preciso ter uma visão universal da Igreja”; e o Papa Francisco, como Pastor de toda a Igreja “não quer valorizar este aspeto ou aquele, privilegiar” um ou outro local de culto. Todavia, como lembrou, quando o Papa vai a um Santuário mariano, “ele próprio manifesta a sua devoção e a sua relação pessoal com Maria”. E o Papa Francisco “é muito sensível do ponto de vista da religiosidade popular”.
Seja como for, Carlos Azevedo reconhece que “o Santuário de Fátima tem tido uma projeção internacional acima de qualquer outro e há que perceber – e as pessoas que rodeiam o Papa ajudam-no a perceber – a importância que tem não só para Portugal mas para todo o mundo”.
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Dom António Marto, na manhã da sua elevação ao cardinalato, em conferência de imprensa no Vaticano, sustentou que Fátima não institui uma tradição como existente em Lisboa, pelo que não será de esperar que os próximos bispos da diocese de Leiria-Fátima sejam todos nomeados cardeais. E tornou a sublinhar, ante a imprensa portuguesa e internacional, que a sua elevação a cardeal é uma oportunidade de continuar a ser “um colaborador próximo” na “reforma da Igreja que o Papa Francisco quer levar para a frente”. Contudo, a horas da celebração que o iria formalmente elevar a cardeal, não sabia ainda qual a missão concreta que lhe vai ser atribuída e diz não querer antecipar-se à escolha do líder da Igreja Católica, mostrando-se “em total disponibilidade de serviço para o que o Papa quiser”.
Hoje, dia 29, o da Solenidade dos Apóstolos Pedro e Paulo, Marto concelebrou com o Papa e os demais cardeais e foi homenageado na embaixada de Portugal junto da Santa Sé.
Em todas as cerimónias cardinalícias, o Governo esteve representado pela Ministra da Justiça.
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Em entrevista à agência Ecclesia, António Marto disse da surpresa da nomeação, mas frisou que não se pode dizer “não” ao Papa. E, chamado a ser colaborador mais próximo do Papa no que Ele lhe confiar, está com tranquilidade e paz de espírito na aceitação deste encargo e missão
Quanto ao significado de ser cardeal no pontificado de Francisco, que pede bispos com cheiro a ovelhas, frisou que este Papa “trouxe um estilo novo de ser pastor, de ser bispo” e mesmo de ser cardeal – “um estilo de pastor que leva o seu tempo a ser interiorizado por todos” ou “um estilo de pastor próximo, cheio de simplicidade”, no modo de apresentação, na forma de falar às pessoas e na forma como se torna próximo. “É sinal duma imagem de Igreja evangélica, ao estilo de Jesus”, que se aproxima das pessoas, que sai pelas ruas. A Igreja em saída é “a que vai ao encontro de todos sem exceção, sem descriminações, que não aborda as pessoas logo com condenações, mas que se põe à escuta e procura entrar no coração das pessoas e aí abrir caminhos novos de vida com misericórdia, paciência e compreensão”. E enfatiza:
É uma imagem de Igreja próxima, misericordiosa, em saída no sentido missionário. A palavra missionário pode, às vezes, dar o sentido de proselitismo, mas nãoÉ a Igreja em saída que se quer fazer próxima e, por isso, encontrar caminhos novos para ir o encontro das pessoas, nas várias periferias que são sobretudo as periferias humanas existenciais, daqueles que sofrem, dos mais pobres, dos descartados, destes problemas agora mais urgentes a cair no nosso mundo como são os migrantes, os prófugos – e o seu acolhimento. Construir pontes de encontro porque vivemos um momento de muita competição e competitividade, de crispação a nível mundial, entre relações e entre os povos. O Papa tem sido um construtor de pontes, de encontro e entendimento entre os povos. Penso que é uma imagem de Igreja muito bela, muito mais próxima do Evangelho, muito evangélica.”. “
Da reforma da Igreja acionada e incrementada por Francisco diz que o povo católico se deixa contagiar por este modo de ser e por esta imagem de Igreja que o Papa veicula. São hoje naturais as resistências, como sempre o foram, só que agora ganham mais notoriedade. E nós devemos relevar a “quase totalidade ou grande maioria do povo de Deus que acolhe com alegria e entusiasmo esta reforma”.
Garante que os bispos portugueses, no atinente à Amoris Laetitia, estão em sintonia com o Papa, embora as linguagens sejam um pouco diferentes. É, de facto, importante o esforço em ordem a maior integração dos fiéis divorciados em nova união. Na verdade, o Papa “fala da alegria do amor que transparece no matrimónio entre homem e mulher e na própria família, que daí deriva, mas não pode fechar os olhos e esconder as fragilidades a que muitos fiéis estão sujeitos, muitos com grande sofrimento porque desejam continuar a viver a sua fé, uma fé convicta, numa boa relação com Deus e com a Igreja”. E Francisco, com efeito, aprofundou o que vinha de outros Papas e descobriu, na grande tradição da Igreja, quer no Evangelho, quer em Tomás de Aquino e na tradição do discernimento inaciano, “um caminho para discernir com seriedade”, ou seja, um itinerário (pessoal e pastoral, responsável e etápico) para, em consciência, as pessoas se porem diante de Deus e decidirem por uma maior integração dentro da comunidade cristã, que pode chegar ou não ao acesso aos sacramentos. É o primado da consciência pessoal, que deve ser constantemente iluminada e formada, no que pode ajudar o aconselhamento, na esteira da abertura do Concílio Vaticano II, que está ainda muito por cumprir.
Em relação à juventude de hoje o novo cardeal discorre:  
A juventude, hoje, é uma galáxia. Não se pode definir todo o mundo juvenil com uma configuração concreta. É um mundo novo que está a nascer, sobretudo marcado pela era digital, e, quando falamos de digital, não falamos em meras técnicas, mas numa nova cultura – uma nova cultura de comunicação, de relação, de trabalho até, empresarial, da visão do mundo. Isso levanta questões, até na vivência da fé.”.
Considerando ser este o panorama do mundo ocidental, frisa o que se passa na África e na Ásia:
Eu vejo nos peregrinos que vêm desses pontos geográficos e que aqui chegam com uma interioridade da fé que nos deixa maravilhados porque no Ocidente vivemos no imediato. Eles vêm e manifestam a interioridade da fé na atitude e no rosto, uma interioridade que lhes dá gozo, serenidade, alegria e paz.”.
Desejando que este intercâmbio esteja presente no próximo Sínodo, reconhece que não conhece bem o mundo juvenil, embora gostasse de o conhecer, mas diz que a idade parece já não lho permitir. Procura estar conectado com as novas técnicas da comunicação, mas pensa que tem de vir gente nova que estabeleça melhor esta conexão com o mundo juvenil numa linguagem nova.
No entanto, frisou que o ambiente geral – e não só o do mundo jovem – é o da fragmentação da cultura: é preciso voltar, mas vai levar tempo, “aos valores fundamentais partilhados, a consensos sociais partilhados para não vivermos numa sociedade fragmentada e dividida, sobretudo numa sociedade que cai na cultura da indiferença, de quem passa à frente e não olha para o irmão ao lado, à cultura do descarte”. E o Papa está a propor a cultura do encontro”.
Do muito que diz a propósito de Fátima na entrevista, é de reter, a meu ver, o seguinte:
O Papa percebe muito bem “o sentido, o significado e o alcance de Fátima, da sua mensagem”.
António Marto é um convertido a Fátima. Não gostava da expressão “altar do mundo”. Porém, ao ver peregrinos de todo o mundo, de todos os continentes cada um com a expressão da sua fé, reconhece Fátima como o espelho dos vários modos de viver a fé entre o nosso povo. A experiência da universalidade de Fátima fá-lo aceitar Fátima como santuário mundial. Tanto assim é que não exclui ninguém, nem o pomposo cardeal Burke nem os lefebvrianos. Só se lhes pediu que não criticassem o Vaticano II nem o Papa.  
Independentemente de ter ou não um cardeal, Fátima já se impôs por si mesma – já o dizia o Cardeal Cerejeira.
Em termos das preocupações mundiais, António Marto está com as reformas lideradas pelo Papa Francisco, quer dentro da Igreja e da Cúria Romana, quer na relação com o mundo eivado dum capitalismo feroz e necessitado de líderes e da dimensão da solidariedade, diálogo e partilha. Frisa a dimensão social do Evangelho e a dimensão da paz na ótica de Paulo VI, que disse: “O novo nome da paz é o desenvolvimento. E refere que um dos inspiradores do Papa Francisco é o Papa Paulo VI.
Para António Marto, João XXIII deu início a toda a abertura à Igreja, salientando terem sido os anciãos a fazer as grandes reformas, baseados na experiência de vida acumulada, no testemunho de fé e de amor à Igreja e no discernimento. E não esquece a frase joanina que Francisco retomou: “A Igreja prefere usar a medicina da misericórdia às armas da condenação.
Finalmente, o novo cardeal salienta o cariz mariano de Francisco, pelo que admite, em resposta a Paulo Rocha, que o Papa goste de pôr uma nota da mensagem fatimita no colégio cardinalício, já que o Papa diz que o colégio cardinalício procura exprimir a universalidade da Igreja e das caraterísticas de cada Igreja particular. Diz a este respeito:
Todos sabemos que o Papa tem um grande cariz mariano. Possivelmente quer também que esse cariz mariano esteja presente com esta mensagem de Fátima, que é sempre atual porque acompanha a história de cada século e de cada década, iluminando-a. Quando o Papa regressou ao Vaticano, após a visita a Fátima, na primeira intervenção no Angelus disse: ‘procuremos viver na luz que vem de Fátima.”.
E, assim, Evangelho, Igreja, Fátima, Papa e novo Cardeal vão de vento em popa, mas não em bico se pés! A carícia da Mãe é inestimável.
2018.06.29 – Louro de Carvalho

quinta-feira, 28 de junho de 2018

“Que Ele Cresça e eu diminua”


No outono do ano passado, a comunicação social portuguesa relevava a situação das dioceses que estavam à beira de serem providas de Bispo próprio. Era o caso do Porto, pelo falecimento repentino do prelado diocesano, Dom António Francisco dos Santos; e eram os casos de Santarém, Évora e Funchal, cujos prelados, Dom Manuel Pelino Domingues, Dom José Francisco Sanches Alves e Dom António José Cavaco Carrilho, respetivamente, tinham ultrapassado o limite canónico de idade, Viseu, cujo titular, Dom Ilídio Pinto Leandro, solicitara dispensa por motivos de saúde, e Vila Real, caso em que Dom Amândio José Tomás estava prestes a atingir o limite canónico de idade, o que sucedeu em 23 de abril pp. Também se falava em questões de saúde da parte do Bispo de Viana do Castelo, Dom Anacleto Cordeiro Gonçalves de Oliveira, o que deixou de ser mencionado. E surgiram vozes a clamar pela provisão do Porto, cuja Igreja estava a ser conduzida, embora com mérito, pelo então Administrador Diocesano Dom António Maria Bessa Taipa, também à beira do limite de idade.
Entretanto, as dioceses portuguesas vão sendo providas, ainda que paulatinamente. E a primeira foi a de Santarém com a entrada solene de Dom José Augusto Traquina Maria, que era Bispo Auxiliar do Patriarcado. A seguir, foi provida a Diocese do Porto com a transferência de Dom Manuel da Silva Rodrigues Linda da Diocese das Forças Armadas e das Forças de Segurança para ali. Foi depois eleito e criado Bispo de Viseu o Cónego António Luciano dos Santos Costa, oriundo da Diocese da Guarda, que recebeu a ordenação episcopal na Sé da Guarda, a 17 de junho pp, e entrará solenemente no próximo dia 22 de julho.
A 27 de junho, foi eleito Arcebispo de Évora Dom Francisco José Villas-Boas Senra Faria Coelho, até agora Bispo Auxiliar de Braga e que entrará solenemente na Sé arquidiocesana a 2 de setembro. A ele será feita referência mais adiante.
Falta, assim, prover à Diocese do Funchal, à de Vila Real, em que os respetivos prelados se mantêm em funções, e a das Forças Armadas e das Forças de Segurança, que tem, até à provisão de ordinário próprio, como Administrador Apostólico o Bispo do Porto.
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Não conheço pessoalmente o Arcebispo de Évora eleito. Porém, ouvi-o algumas vezes em homilias e no programa “Ecclesia”, que passa diariamente na RTP 2, e li alguns textos de que me recordo um excursus sobre o culto mariano em Portugal a par da nossa História.
Agora, que há poucos dias escrevi a reflexão “Do precursor ao apóstolo”, apreciei com outros olhos o seu lema episcopal “Que Ele Cresça e eu diminua” (Jo 3,30) a encimar a saudação que dirigiu à “Igreja de Cristo, presente em Évora”.
Penso que o Arcebispo eleito, se quiser efetivamente assumir o despojamento humilde e a missão arrojada do precursor à maneira do Batista, pode ser, na linha da sucessão apostólica, um verdadeiro apóstolo e líder duma eficiente Igreja em saída. Tem, a meu ver, estatura e condições para isso, contando para tanto com a colaboração de todos quantos nomeia na sua mensagem.
Obviamente que, entre muitos outros, saúda o Papa Francisco e lhe manifesta a comunhão e vontade “de com ele cooperar no esforço de a todos testemunhar a Alegria do Evangelho” no esforço de que, “pela humanização da sociedade, se leia o Evangelho de Cristo na vida de cada cristão”. Mas saúda sobretudo a Igreja em Évora – que se estende por terras alentejanas e ribatejanas – “como quem se sente chamado a servir e a compartilhar a vida com todos: as alegrias e esperanças, e também as tristezas e apreensões, as horas de sol e de sal” – dando nela e com ela o “sim à Igreja e à humanidade. E saúda “cada família da Arquidiocese, cada jovem, cada criança, os idosos, os doentes, os sós, os frágeis ou carentes de humanização, e aqueles que experimentam a carência ou a pobreza”; “todo o Povo de Deus – as Paróquias, Movimentos Eclesiais e todas as pessoas de Boa Vontade, que se Irmanam na construção da Justiça e da Solidariedade” – bem como “todas as instituições de cariz social” e “todos os cuidadores da saúde e da qualidade da vida humana, todos os voluntários, todos os jovens que pressentem o chamamento à dádiva da vida e não pactuam com propostas banais e fúteis de vida e todos os que promovem a Doutrina Social da Igreja”; e salienta a característica mariana comum às duas arquidioceses: a veneração de Nossa Senhora Conceição, venerada “em Vila Viçosa e no Monte Sameiro como Mãe e Rainha de Portugal e Padroeira desta terra e cultura que somos todos nós” e através de quem o Arcebispo eleito se coloca “na oração de todos os crentes” e em cujo “colo maternal” coloca todos.
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O Arcebispo Primaz de Braga, Dom Jorge Ferreira da Costa Ortiga, referindo, em mensagem ocasional, que a Arquidiocese, durante o seu múnus episcopal, já teve ao seu serviço oito bispos auxiliares, declara que estes bispos auxiliares trouxeram consigo experiências diocesanas que muito enriqueceram a comunidade eclesial de Braga e que “também a sua capacidade intelectual foi um contributo precioso para orientar a Arquidiocese na senda da nova evangelização”.
Em relação a Dom Francisco José Villas-Boas Senra de Faria Coelho, oriundo de Braga, destacou que “foi ordenado e trabalhou numa Arquidiocese com um contexto social e eclesial diferente”. Não obstante, a sua experiência sacerdotal e humana constituiu para Braga “um contributo de inegável valor”. Por outro lado, “a sua inteligência e carreira académica dotaram-no com uma visão ímpar dos problemas”, oferecendo “sempre sugestões oportunas em ordem a opções pastorais adequadas ao tempo em que vivemos” e “o seu zelo apostólico e alegria no anúncio do Evangelho deixaram marcas num número significativo de comunidades, leigos e sacerdotes que o conheceram de perto”.
Assim, o Primaz, vincando que o espírito do ora eleito fica com Braga e que levará consigo a amizade das comunidades bracarenses, garante que juntos, dado que “a messe é a mesma”, sentirão e mostrarão a beleza do anúncio do Evangelho neste tempo de tanta perplexidade.
Juntos, em oração e colaboração, testemunharão que a missão consiste em semear esperança.
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O Arcebispo eleito disse à Ecclesia continuar a apostar na “pegada laical” e na “atenção a cada pessoa” como estratégia para uma “caridade ativa” na região. Por isso, é mister orientar “todos os dias” o trabalho da Igreja “na linha da consciencialização laical”, numa arquidiocese onde ganha relevo a “dimensão missionária” desenvolvida por sacerdotes de outras regiões do país e de congregações religiosas. Por outro lado, deseja continuar o “trabalho” que a arquidiocese tem sabido fazer com os sacerdotes, o ISTE (Instituto Superior de Teologia de Évora) e os últimos arcebispos. Disse que se requer “a humanização e uma Igreja muito presente na proximidade, porque a solidão é uma das marcas que acontece em terra alentejana”. E acrescentou:  
Temos de ter uma atenção muito grande ao acompanhamento de cada pessoa, nomeadamente os idosos, à problemática da solidão, à interioridade que faz com os montes alentejanos estejam perdidos na charneca da planície e é necessário uma Igreja muito atenta ao testemunho de uma caridade, ativa, com capacidade e criatividade para situações novas”.
Dom Francisco Senra Coelho, embora nascido em Maputo, é considerado natural de Barcelos.
Fez a formação para o sacerdócio na Arquidiocese de Évora, no Seminário Maior e no Instituto Superior de Estudos Teológicos, onde foi presbítero durante 28 anos, até ser nomeado Bispo Auxiliar de Braga, em 2014.
Para o novo prelado eborense, Braga mostrou-se uma “diocese criativa, empreendedora, pascal, com um espírito festivo, com um povo participativo, com um calendário popular de uma religiosidade muito fértil”. Mais, como adiantou, “foi um alargar horizontes a uma outra Igreja” que também conhece, já que as suas “raízes familiares são minhotas”, e o constatar um conjunto de experiências que podem ser muito úteis para o seu “ministério episcopal”.
Em relação ao trabalho que o espera em Évora, diz que ultrapassa “a apreensão com e em paz”: “põe a sua “mão na mão de Deus” e vai. Não sabe “como será o caminho”, mas acredita que, “com a sua mão, vai ser bom”.
Como sacerdote, Senra Coelho liderou o início duma nova paróquia na cidade de Évora, onde foi necessário “edificar uma comunidade” e construir tudo “passo a passo”. Vincou a este respeito:
Tudo isto me deu uma relação de muita proximidade e uma vivência grande com a população, com a Igreja local e compreendi as potencialidades do povo alentejano e ribatejano”.
E porfiou:
Há uma esperança latente naquela Igreja e, por aquilo que me foi dado experimentar, me desafia a dar a vida com eles, a irmos juntos, a fazermos a estrada e o percurso sem receio, porque o Senhor vai connosco”.
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Dom Francisco José nasceu a 12 de março de 1961 em Maputo (Moçambique), de pais naturais de Adães, concelho de Barcelos, na Arquidiocese de Braga. Frequentou o Liceu Nacional de Barcelos e o Liceu Sá de Miranda em Braga enquanto estava já no Seminário Conciliar da cidade minhota. E, em 1980, ingressou no Seminário Maior de Évora, onde concluiu o curso superior de Teologia, sendo posteriormente ordenado a 29 de junho de 1986 pelo então arcebispo de Évora, Dom Maurílio Jorge Quintal de Gouveia, antecessor de Dom José Alves.
Foi assistente religioso dos estúdios da Rádio Renascença e da Rádio Sim em Évora, assistente diocesano do Movimento da Mensagem de Fátima, da Associação dos Missionários de Cristo Sacerdote, do Movimento dos Cursos de Cristandade e membro do Conselho Presbiteral e do Cabido da Basílica Metropolitana de Évora, na qualidade de cónego capitular, assumindo as funções de tesoureiro-mor. Agora é vogal da Comissão Episcopal do Laicado e Família.
De 1990 a 2000, foi diretor e editor do boletim ‘Igreja Eborense, Vida e Cultura da Arquidiocese de Évora’; tem várias obras publicadas, a última das quais sobre ‘Nossa Senhora e a História de Portugal”. E, a nível académico, é doutorado em História pela Universidade Internacional de Phoenix (EUA), tendo como tema da tese a vida do Arcebispo de Évora, Dom Augusto Eduardo Nunes, no contexto da Primeira República em Portugal.
Em abril de 2014, foi nomeado pelo Papa Francisco como bispo auxiliar de Braga; era então pároco de Nossa Senhora de Fátima e de São Manços, em Évora, e de Nossa Senhora da Consolação, em Arraiolos, além de ser o vigário forâneo da Vigararia de Évora e o moderador da Zona Pastoral Centro/Sul da Arquidiocese de Évora. A ordenação episcopal decorreu a 29 de junho de 2014 na Sé de Évora e foi presidida pelo arcebispo Dom José Alves, tendo como coordenantes os arcebispos Dom Jorge Ortiga e Dom Maurílio de Gouveia.
Enfim, que tenha um ministério episcopal como a Igreja deseja e o mundo necessita.
2018.06.28 – Louro de Carvalho

O assalto à carteira dos contribuintes é no mínimo negligência grosseira


Iniciou-se ontem, dia 27, como previsto, a primeira audição da comissão parlamentar de inquérito (CPI) às rendas da energia na tarefa de ouvir 100 personalidades e mais 17 entidades, abrangendo os governos de Durão Barroso a António Costa, cujos depoimentos serão feitos na “fita do tempo”, começando, assim, em 2004. E começou por ser ouvido o professor Pedro Miguel Sampaio Nunes, um dos cinco especialistas convocados, a que acrescem João Peças, Mira Amaral, Clemente Nunes e David Newbery.
Maria das Mercês Borges, do PSD e presidente desta CPI adiantou, a 14 de junho, que se vai “tentar preencher o mais possível todas as disponibilidades” que tem até ao final da presente sessão legislativa e que “seria um bom número” se conseguisse fazer 20 audições neste período.
Entre os nomes chamados, à CPI destacam-se Manuel Pinho e Ricardo Salgado, que estão no centro do caso depois de o antigo banqueiro ter sido constituído arguido, suspeito de ter pago mais de um milhão de euros a Pinho para que o Governo favorecesse a EDP, de quem o BES era acionista. Além destes, prestarão depoimento no Parlamento dos CMEC (Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual) José Sócrates, Santana Lopes, Álvaro Barreto, Carlos Tavares, Henrique Gomes, João Talone, António Mexia, João Manso Neto, João Conceição e Rui Cartaxo.
O objeto da comissão é determinar “a dimensão dos pagamentos realizados e a realizar” no âmbito dos CMEC e o efeito sobre os custos do sistema elétrico produzido pelas alterações legislativas e atos administrativos realizados no âmbito dos CMEC e dos CAE (Contratos de Aquisição de Energia). Analisará ainda as condições da tomada de decisões governativas, designadamente, face a estudos e pareceres de entidades reguladoras, ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos) e AdC (Autoridade da Concorrência), e a existência de falha comportamental de relevo ou omissão no cumprimento das obrigações dos serviços e entidades reguladoras.
Desde a sua entrada em vigor, em 2007, e até 2017, os CMEC representaram um custo de 2.500 milhões de euros para os consumidores de eletricidade. Em setembro do ano passado, a ERSE propôs que o valor a pagar à EDP ao longo dos próximos 10 anos seja de 829 milhões de euros, equivalente a 82,9 milhões de euros por ano. Esse montante é inferior em 167,1 milhões, por ano, relativamente às rendas de 250 milhões que a EDP recebeu anualmente na última década.
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Isto foi o que sucedeu. Agora, veja-se um juízo de valor lançado sobre os factos.
O especialista em energia, ouvido ontem, considera que o pagamento dos CMEC às produtoras de eletricidade viola princípios da legislação europeia, constituindo “uma flagrante e massiva infração das regras previstas no tratado europeu em matéria de concorrência”.
Tendo sido um dos autores da denúncia junto da Comissão Europeia, em 2012, sobre a extensão do prazo de concessão das barragens da EDP em 2007, sem concurso público, o especialista foi diretor daquela Comissão para a Energia, entre 2000 e 2003 (pelo que deu contributo à elaboração da legislação que liberalizou o mercado da eletricidade), e Secretário de Estado da Ciência e Inovação no Governo de Santana Lopes. Ora, logo na sua intervenção inicial de ontem, Sampaio Nunes deixou duras críticas a este sistema de rendas pagas às produtoras, referindo:
Trabalhei durante muito tempo na Comissão Europeia, responsável por esta área, onde iniciámos o processo de colocação em concorrência do setor do gás e da energia, com o objetivo de beneficiar os consumidores. É com grande tristeza que vejo que, no meu país, esse processo é subvertido e, em vez de serem beneficiados, os consumidores são prejudicados.”.
E, apontando a diferença de preços da energia entre Portugal e Europa, criticando a disparidade, questionou como, num contexto de descida da matéria-prima e das tecnologias, os preços em Portugal cresceram muito acima da média europeia. Mas deu a resposta:
É a mistura explosiva entre rendas que são dadas ilegalmente a título de CMEC, as rendas que são dadas a título duvidoso de CAE e um apoio muito massificado a energias renováveis”.
Isto, sem contar com a dívida tarifária, que atualmente ascende a 3.600 milhões de euros. Com efeito, é também esse quase o valor já pago a título de CMEC às produtoras de eletricidade. Desde 2007 e até hoje, os contribuintes pagaram 3.163 milhões em CMEC. E explicou:
O valor dos CMEC pago até hoje é muito próximo do valor da dívida tarifária, o que significa que estivemos a colocar uma dívida em cima dos consumidores, sobretudo os mais frágeis, que corresponde exatamente aos subsídios que demos às produtoras, em cima dos lucros. Isto é profundamente anormal e merece uma análise jurídica cuidadosa. […] Se lermos a metodologia que a Comissão Europeia produziu, tudo o que ali é enunciado como princípio é violado por Portugal.”.
A pari, acusa sem papas na língua a Comissão Europeia de “complacência e conivência” no processo dos CMEC, sobretudo pelas “visões tão contraditórias, tão pouco claras”. E diz:
A Comissão Europeia tem um comportamento um pouco cíclico. Depende da força do colégio, quando bate o pé ou quando não bate o pé aos Estados membros. Mas a Comissão tem larguíssimos poderes em termos de concorrência e tem de ser extremamente rigorosa na forma como os aplica.”.
Por isso, apela à CPI a que envie o processo para o Tribunal de Justiça da União Europeia, que pode “pronunciar-se sobre este facto duma forma definitiva e sem recurso”, para se perceber porque é que a Comissão Europeia tem visões tão contraditórias, tão pouco claras”, neste caso, dado que a atribuição destas “rendas ilegais” é “uma situação que brada aos céus e que não encontra paralelo em nenhum outro setor da economia”.
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Era bom, em meu entender, que isto tivesse sido dito alto e bom som já em 2004 e, depois, em 2007. Por onde andavam os jornalistas e as oposições políticas?
A postura de falar em tempo não útil é bem recorrente. Tantos casos poderiam ser mencionados. Recordo, a título de exemplo, o dum Conselheiro do TdC (Tribunal de Contas) que publicou, após a jubilação, um livro a demonstrar como o Estado esbanja o dinheiro dos contribuintes; e recentemente o do próprio TdC que vem criticar a ineficiência da reversão da privatização da TAP, dando “uma no cravo, outra na ferradura”, como fizera em tempos sobre a “Parque Escolar, EPE” – e sem solicitar a promoção de inquérito para que se fizesse justiça. Até um antigo Presidente da República acusou a posteriori de falta de lealdade institucional um seu antigo primeiro-ministro.
Quanto à postura pouco clara, ambígua, contraditória, e pressões indevidas da Comissão Europeia e da sua Direção-Geral da Concorrência (DGcomp), bem como do BCE, atente-se no que se passou com a resolução do BES e a pressão para a venda do Novo Banco ou a obrigatoriedade de venda do Banif e do Banco Popular (este por um euro) ao Banco Santander. Claro, quem acaba por pagar tudo é o acionista enganado, o cliente, o contribuinte.
Isto para não falarmos do custo de oportunidade ou do “roubo”, no primeiro caso, através das tabelas mensais de retenção na fonte para IRS e do pagamento por conta, e, no segundo, pela duplicação de imposto IA+IVA sobre a venda/compra de automóvel e duplicação de imposto ISP+IVA na venda/compra dos produtos petrolíferos e pela taxa do audiovisual na fatura da eletricidade mesmo para quem paga serviço de televisão por cabo ou wireless.
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Por outro lado, somos quase diariamente confrontados com informação dos contratos swap e das PPP (Parcerias Público-Privadas), sobretudo na rodovia, e respetivos custos, em que era preciso tudo correr muito bem para o Estado não sair defraudado da cilada, vindo posteriormente a integrar governos alguns dos responsáveis técnicos. E quem não se lembra das declarações a posteriori do que então era Ministro das Obras Públicas sobre os custos da construção do Centro Cultural de Belém para receber, pela primeira vez em Portugal, a presidência europeia rotativa? Questionado, quando já era presidente da Luso-Ponte, sobre a derrapagem orçamental de então, disse que naquela altura não se fizera um orçamento, mas uma estimativa. E o que por aí vai sobre atividade na administração central e, sobretudo em termos proporcionais, na gestão autárquica, em função de interesses particulares? E, se falarmos em falta de inspeção, auditoria e fiscalização? É de questionar como se deixam andar anos e anos casos, por exemplo, de fraude fiscal, de negócios em medicamentos.
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E não posso deixar de fazer reparo à administração da Justiça, em que todos dizem confiar, quando ela é lenta, se torna complexa e, sobretudo, quando se faz espetáculo ou quando caprichosamente não se deixam anexar no processo meios de prova supervenientes ou alegadamente redundantes.
Detêm-se presumíveis arguidos frente a câmaras televisivas no Parlamento ou na manga do aeroporto; investigam-se instalações residenciais ou escritórios frente à comunicação social; dão-se entrevistas, falando de tudo e de todos, mas confessando que não se fala de processos em concreto; deixam-se passar para a comunicação social informação sobre processos, incluindo excertos de interrogatórios mesmo videogravados. E não se investiga eficazmente o atropelo ao segredo de justiça e, consequentemente, os prevaricadores não podem ser punidos.  
Depois, se a acusação aos arguidos não é deduzida ou o é de forma não sustentada, só temos que esperar o momento certo para os contribuintes serem notificados para pagarem a conta. É o Estado que paga – fico horrorizado com os processos intentados contra o Estado (Até os de objetor de consciência!) –, mas o Estado com o seu verbo convincente vai sempre buscar as verbas aos contribuintes através de contribuições, impostos, taxas, tarifas, emolumentos, vinhetas, etc. ou até de cortes salariais ou em subsídios. Ora, se aplicasse bem as verbas e tivesse verbo contido…
As indemnizações por erros processuais não são nada raras. E, recentemente, tivemos a sancionada pelo TEDH em relação a Paulo Pedroso. Virá aí alguma, a seu tempo, para Carlos Cruz? E porque não para Sócrates, Pinho, Salgado, Vara ou Oliveira e Costa?
Por fim, voltando à CPI, pergunto-me quais as consequências práticas dos inquéritos parlamentares havidos até hoje? Ganhou-se em informação sobre responsabilidades e responsáveis? Houve consequências significativas no foro judicial?
Nada se deslindou por via das CPI sobre Camarate; o caso BPN, apesar do trabalho insano dos deputados, não passou de uma paródia; nada se concluiu de prático sobre o caso GES, ressaltando pouco mais que o zeinal-bavismo crasso; um relatório sobre Domingues e CGD não mereceu aprovação final; e pouco mais.
É mesmo de questionar se fará sentido desenvolver-se um inquérito parlamentar sobre matérias que deviam andar pela alçada da Justiça. Porém, como a discussão é livre e os deputados têm uma palavra a dizer, seja. Mas então não se insista muito, a propósito destes casos, na independência ou separação dos poderes.
2018.06.28 – Louro de Carvalho