domingo, 10 de junho de 2018

Diáspora do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades


O 10 de junho é desde há muitos anos o Dia de Portugal. É certo que este dia chegou a ser comemorado a 25 de abril por opção do Conselho da Revolução para dar um sentido de totalidade ao dia comemorativo da revolução abrilina. Porém, no primeiro mandato do primeiro Presidente da República eleito na vigência da atual Constituição, o 10 de junho voltou a ser o Dia de Portugal; recuperou a antiga denominação de Dia de Camões, por supostamente ter sido o dia da morte do príncipe dos poetas lusógrafos; e, com inspiração nos versos da Canção IX (Junto de um seco, fero e estéril monte), em que o insigne vate afirma ter querido que a sua “vida breve /Também de si deixasse um breve espaço, /Por que ficasse a vida /Pelo mundo em pedaços repartida”, acoplou-se-lhe o designativo “das comunidades”. E assim passou a designar-se como Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
Com efeito, ou à maneira de Camões ou à de tantos outros, os portugueses ficam nos anais da História como os das “sete partidas do mundo”, que Aquilino Ribeiro tão bem caraterizou em “Portugueses das Sete Partidas”. É a diáspora da vida portuguesa criada por motivos vários, como a aventura, os desígnios económicos, sociais e políticos, a missionação ou a sobrevivência demográfica. O certo é que muitos e muitas portuguesas emigraram, tiveram a respetiva prole, muita dela em longes terras, mas não esqueceram as raízes de que brotaram. E, enquanto o capital contemporâneo teima em campear sem rosto de país ou de outra origem pátria e mátria, os portugueses lá por onde andam, estacionam e vivem, mantêm rosto português.
A celebração da efeméride passou a ser feita numa cidade portuguesa escolhida anualmente e onde era propalada a genuinidade e qualidade do trabalho dos portugueses no estrangeiro. Cedo, porém, o Estado começou a ser apontado como o requerente das poupanças dos emigrantes nacionais, parecendo ser de favor semiegoísta o tratamento que lhes era dispensado. Não obstante, o tempo e as circunstâncias atinentes à emigração encarregaram-se de desfazer o equívoco e a diáspora começou a receber um tratamento genuíno e de apoio público quando as necessidades de proteção se impunham. E, apesar de a festa se centrar em território português, era estimulada a comemoração junto das comunidades portuguesas com figuras relevantes do Estado a juntarem-se a focos de presença significativa de portugueses aqui e ali.
Entretanto, Marcelo Rebelo de Sousa, pouco tempo depois de tomar posse como Presidente da República fez saber do seu desejo de que o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas fosse celebrado em terras da nossa diáspora. A ideia amadureceu, fez-se decreto e a celebração tem decorrido em regime misto: parte do programa realiza-se em território português em cidade a definir anualmente; e outra parte realiza-se em comunidade da diáspora também a definir anualmente. Assim, em 2016, o Presidente e o Primeiro-Ministro estiveram em Lisboa e em Paris, na França; em 2017, no Porto e nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, no Brasil; e, este ano, nos Estados Unidos da América.
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As comemorações, que se prolongam até ao dia 11, entre os Açores e os Estados Unidos da América, começaram no dia 9, de manhã, em Ponta Delgada (ilha de São Miguel, Açores), com o Chefe de Estado a presidir à cerimónia do içar da bandeira nacional, nas Portas da Cidade, dando assim início ao cumprimento do programa comemorativo. Depois de passar pelas Portas do Sol, onde está instalada uma zona com “atividades militares complementares”, o Presidente seguiu para os Paços do Concelho para receber do presidente da autarquia de Ponta Delgada, José Manuel Bolieiro, a “chave de honra do município”.
Entrementes, Marcelo aproveitou uma pausa na agenda para tomar banho em Ponta Delgada numa piscina urbana com água do mar onde dezenas de açorianos aproveitavam o dia de sol.
“Vir aos Açores e não mergulhar é ofensivo”, considerou o Presidente, falando aos jornalistas cerca das 16 horas locais (menos uma hora do que em Lisboa), pouco antes de entrar na água da piscina do Pesqueiro. E, após cerca de 15 minutos de banho, o Chefe de Estado tirou dezenas de fotografias com outros banhistas e elogiou a temperatura da água, “nos 21, 22 graus”, acima dos 14 com que tomou “nas últimas vezes” no Continente.
E, no final da tarde, o Presidente da República esteve no Palácio de Sant’Ana para a apresentação de cumprimentos pelo corpo diplomático acreditado em Portugal, tendo-se seguindo uma receção comemorativa do 10 de Junho, oferecida pelo presidente do Governo Regional, Vasco Cordeiro, e onde já estava presente o Primeiro-Ministro, António Costa. E, juntos, Marcelo e Costa assistiram, já à noite, a um concerto na igreja paroquial de São José e a um espetáculo de fogo-de-artifício, os dois últimos pontos da agenda das comemorações oficiais do 10 de Junho, que só terminam segunda-feira, nos EUA, com passagens do Presidente da República e o Chefe do Executivo por Boston e Providence. De facto, trata-se dum país onde vivem cerca de 1,4 milhões de portugueses e luso-descendentes, estimando-se que 70% sejam de origem açoriana.
Foi ainda em Ponta Delgada que hoje, domingo se fez a tradicional Cerimónia Militar Comemorativa do Dia de Portugal, que contou com a participação de mais de mil militares dos três ramos das Forças Armadas.
Ausentes da cerimónia estiveram os líderes partidários, exceto o presidente do PS, o açoriano Carlos César. O presidente do PSD, Rui Rio, está na Guiné-Bissau, a líder do CDS-PP, Assunção Cristas, em Paris, a coordenadora do BE, Catarina Martins, em Lisboa, e o secretário-geral comunista, Jerónimo de Sousa, no Alentejo. A Ponta Delgada, em representação do PSD foi Paulo Mota Pinto, presidente do Conselho Nacional do partido, pelo CDS-PP esteve Telmo Correia (deputado). Os comunistas escolheram Vítor Silva, coordenador regional do PCP/Açores. O BE não está representado nas cerimónias oficiais do 10 de Junho, como é habitual.
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A horas de partir para a costa leste dos EUA, para a segunda parte das comemorações do 10 de Junho em Boston e Providence, Marcelo deu uma alfinetada implícita ao Presidente Donald Trump, na sequência da imposição das taxas aduaneiras a produtos da UE.
O Presidente da República, que discursava em ponta Delgada, na ilha açoriana de São Miguel, disse que Portugal abraça “quem chega, migrantes ou refugiados”, sendo um país que procura “pontes, diálogos, entendimentos” e que aqui se prefere “a paciência dos acordos, mesmo se difíceis, à volúpia das ruturas, mesmo se tentadoras”. Sem nunca falar das recentes opções da Administração Trump sobre liberdade de circulação e livre comércio, ou mesmo da recusa do Presidente norte-americano em assinar o acordo do G7, Marcelo foi claro ao dizer que essa preferência vai no sentido do “multilateralismo realista” contra “o unilateralismo revivalista”.
Porém, não se pode esquecer que o Presidente da República também falou ad intra e, neste sentido, teceu elogios aos “muitos Portugais” que garantem “riqueza” ao país, frisando que não pode ser tolerada discriminação nesta diversidade identitária. E valorizou a realidade de “um só Portugal” que existe, mas que é “feito de muitos Portugais, que podem e devem ser diversos”.
“Não toleraremos que [os vários Portugais] sejam discriminados naquilo que de essencial assinala o estatuto da nossa cidadania cívica, económica, social e cultural”, sublinhou.
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O Primeiro-Ministro ouviu o curto discurso do Presidente e, questionado, `margem das comemorações, se estas declarações ganham ainda mais significado com a deslocação de ambos a Boston e Providence para a segunda parte das comemorações do 10 de Junho, relativizou a questão. Disse que “o mundo enfrenta desafios que não se imaginava que se voltassem a viver”, como é o caso do “fomento do unilateralismo” e “a forma como se vão criando barreiras à liberdade de comércio e os muros para travar a liberdade de circulação”. Esses são desafios que – disse – se julgavam “enterrados no passado e que afirmam como nunca a importância de reviver o espírito da cultura europeia e aquilo que é também o universalismo próprio dos portugueses”. E Costa garante que Portugal tem um “enorme contributo a dar”, pelo que apela a que não se confunda “o que são as conjunturas dos governos ou dos presidentes que estão em funções aqui ou ali, com aquilo que são os vínculos permanentes e históricos duradouros que existirão sempre entre nós”.
Aduzindo que Portugal foi o primeiro país neutral a reconhecer os Estados Unidos da América e que será “sempre o país onde o vinho da Madeira brindou a independência dos Estados Unidos”, ressalvou que há “quase um milhão e meio de portugueses de luso-descendentes” naquele país e que hoje se está “a reinventar essa relação”, destacando os acordos assinados com universidades daquele país.
Quanto ao papel da Europa nisto, Costa entende que os desafios não são só em relação aos EUA, mas também dentro da própria Europa, dizendo que “talvez o que seja mais ameaçador é a permeabilidade” que se tem verificado “existir nalguns Estados-membros em relação a alguns desses valores, do unilateralismo à quebra de alguma impaciência”, que é preciso gerir. Nestes termos, a Europa assume um papel importante na promoção de consensos, numa altura em que o mundo enfrenta novos desafios, que colocam em causa “valores humanistas”. Na perspetiva de Costa, “é precisa uma Europa forte para que objetivos tão importantes como o cumprimento do Acordo de Paris seja possível, para que a liberdade comece e possa persistir, para que os valores humanistas que recusam a construção de muros continuem”.
Na relação entre Portugal e os EUA, o Primeiro-Ministro afiançou a possibilidade de criar “outras formas de cooperação” para lá da base das Lajes, nos Açores, porque “as realidades vão mudando”, destacando dois projetos de parceria entre os dois países: o Centro de Defesa Atlântico e o Air Center. E salientou que “a ciência será seguramente uma nova ponte e os grandes desafios que a humanidade enfrenta, as alterações climáticas e a descoberta da profundeza do mar”, realçando a “enorme valia que os Açores podem representar” nessas áreas.
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O Cardeal Sean O’Malley, arcebispo de Boston – convidado para participar nas celebrações, mas impedido de participar devido à coincidência de datas com a próxima reunião do Conselho de Cardeais, um órgão consultivo do Papa Francisco, em Roma – disse, em conversa telefónica com a agência Ecclesia que a celebração do Dia de Portugal no Estado norte-americano de Massachusetts é um momento “muito especial” para a comunidade lusófona:
Vai ser muito especial ter o Presidente Rebelo de Sousa aqui, em Boston, neste dia. Sei que as pessoas estão muito entusiasmadas e ansiosas por esta visita.”.
O Cardeal-Arcebispo de Boston manifesta o seu “entusiasmo” com a visita do presidente de Portugal numa data que é também “Dia de Camões”, recordando:
Aqui, em Massachusetts, é onde a língua de Camões é mais falada nos Estados Unidos, temos uma enorme comunidade açoriana, bem como uma grande comunidade brasileira e cabo-verdiana”.
D. Sean O’Malley foi bispo de Fall River e estudou português para acompanhar a grande comunidade lusófona presente na região, com quem celebrava o 10 de Junho. E desta vez disse:
A vinda do Presidente a Massachusetts vai ser um grande estímulo, não só para a comunidade portuguesa, mas para a população lusófona, que é muito considerável”.
Este colaborador do Papa assinala que os emigrantes “sentem uma forte ligação aos Açores, a Portugal”, elogia as “maravilhosas tradições” do povo português, no seu país e no mundo e diz:
Para os católicos, sabemos também que é o dia do Anjo Custódio de Portugal, há uma dimensão de fé nesta data”.
Ao final da tarde de hoje, decorre a cerimónia do içar da bandeira na Praça Municipal (‘City Hall’) de Boston, onde decorrerão várias iniciativas promovidas por associações da comunidade portuguesa e luso-descendentes em Massachusetts, Estado norte-americano que acolhe perto de 400 mil portugueses e luso-descendentes. Dia 11, as comemorações continuarão com a sessão solene na ‘State House’ de Massachusetts, seguindo-se uma receção no navio-escola Sagres.
Registe-se também que a UCP (Universidade Católica Portuguesa) vai atribuir, a 15 de junho, o título de ‘Doutor Honoris Causa’ ao Arcebispo de Boston, em cerimónia marcada para as 17 horas, no Auditório Cardeal Medeiros, destacando do Cardeal Sean O’Malley, presidente da Comissão Pontifícia para a Tutela dos Menores (Santa Sé), o “apoio à comunidade portuguesa” nos EUA, bem como o apoio à UCP por parte da sua diocese.
Por seu turno, Eugénia Quaresma, diretora da OCPM (Obra Católica Portuguesa de Migrações) afirmou que as comemorações junto dos emigrantes nos EUA são uma oportunidade para que estes se sintam lembrados e como parte do país. E sustentou:
É muito emocionante receber as altas figuras do Estado português. Eles sentem que não estão esquecidos e continuam a fazer parte de Portugal”.
Depois, salientando a importância da construção de pontes nesta área de trabalho, disse:
Do que vou conhecendo os portugueses ficam muito sensibilizados quando alguém, de longe, se desloca para os ver. Já tive essa experiência e quem está lá fora vive com mais fervor a importância deste dia.”.
É, segundo ela, oportunidade de reviver e juntar a comunidade, sobretudo junto das novas gerações: “encontrar as raízes”. É, de facto, “importante para as gerações mais novas terem presente que se pertence a algum lugar, perceber donde vêm, qual a sua história”, pois, entre a aculturação e a herança surge uma tensão, mas coexistindo duas situações: “netos que se afastaram das tradições culturais; e outros que dão continuidade”. E, admitindo que a origem da tensão possa estar na identidade pessoal em diálogo com a identidade cultural dos pais e cultural do país onde se insere ou já se nasceu e assinalando que as tradições religiosas são, na diáspora, um elo ao país natal, que importa preservar, e constituem um fator de evangelização, realçou:
Os nossos migrantes são agentes evangelizadores e não têm essa consciência. Ao levar as tradições religiosas estão a fazer evangelização. O grande desafio que é feito aos nossos missionários é aprofundar esta piedade popular e perceber a espiritualidade que está por detrás.”.
O objetivo da OCPM é que onde esteja um português e não se fale a nossa exista uma missão católica que ajude a acolher e a fazer a ponte entre o migrante e o país de acolhimento.
É efetivamente ver políticos e agentes da pastoral com objetivos semelhantes: “fazer pontes”!
2018.06.10 – Louro de Carvalho

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