sexta-feira, 8 de junho de 2018

Faleceu o arquiteto Vassalo Rosa, provedor na Ordem dos Arquitetos


O arquiteto urbanista, que várias entidades têm motivo de orgulho para recordar, faleceu ontem, em Lisboa, com 83 anos de idade.  
Nascido em 1935, Luís Vassalo Rosa foi um dos responsáveis pela urbanização, coordenação e gestão urbanística da zona de intervenção que recebeu o evento Expo’98, faz este ano duas décadas. Licenciado pela Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, com especialização em Planeamento Urbanístico na Universidade de Sussex e estágios em Espanha, França, Reino Unido, Alemanha e Estados Unidos da América, desenvolveu atividade docente universitária como professor convidado em cursos de pós-graduação em Planeamento Urbanístico e Projeto de Áreas Habitacionais na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa e no Instituto Superior Técnico. Paralelamente à atividade de arquiteto urbanista integrou os órgãos dirigentes de organizações profissionais, como o Sindicato Nacional dos Arquitetos e a Associação dos Urbanistas Portugueses, da qual foi sócio fundador.
Como assegura Beja Santos,  Vassalo Rosa é nome proeminente da arquitetura portuguesa da segunda metade do século XX, com trabalho reconhecido por colegas de ofício e amigos como Fernando Peres, Armando Lucena, Maurício de Vasconcelos, Raul Chorão Ramalho, Nuno Teotónio Pereira, Manuel Tainha, entre outros. Começou a carreira profissional em Pangim, Goa, e tornou-se capitão de artilharia para serviço na Guiné, em 1966. Embarcou no Uíge em 1967 com a CART 1661, sendo-lhe atribuído o setor de Missirá, Enxalé, Porto Gole e Bissá, tendo sido posteriormente evacuado, por haver contraído a tuberculose, para o Hospital Militar de Bissau e transferido para o Hospital Militar de Lisboa.
A sua obra mais importante será a Sé de Bragança, Catedral de Nossa Senhora Rainha. Mas a Câmara Municipal de Almada dedicou-lhe na Casa da Cerca, entre finais de 2007 e março de 2008 uma exposição a pretexto de ter recebido o Prémio Municipal de Arquitetura Cidade de Almada, sendo que a exposição permitia ao visitante acompanhar o percurso desde o primeiro projeto, o Jardim-Escola João de Deus, em Torres Novas, de 1957, até ao estudo para a cidade desportiva de Sines, em 2007. Pelo caminho, as diversificadas intervenções no plano de urbanização de Chelas, no plano integrado de Almada – Monte da Caparica, no estudo preliminar para a recuperação e valorização conjunta do Castelo de Almourol e da Igreja de Nossa Senhora do Loreto em Vila Nova da Barquinha, o Palácio da Justiça de Setúbal, a recuperação do Palácio do Alvito, o Plano Diretor Municipal de Salvaterra de Magos, a Marina de Portimão e muito mais.
De acordo com a Ordem dos Arquitetos, o ilustre finado foi, até agora, Provedor da Arquitetura naquela entidade, cargo que ocupou desde dezembro de 2011, por deliberação unânime do Conselho Diretivo Nacional.
Em 2008, no contexto da 2.ª edição do Prémio Municipal de Arquitetura Cidade de Almada, de que foi presidente do júri, foi também homenageado, como se disse, numa exposição em torno da sua vida e obra, que esteve patente na Casa da Cerca, em Almada.
Foi chefe da Divisão de Planeamento Urbanístico e Edifícios do Fundo do Fomento da Habitação/Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (MOPTC), e responsável, como se disse, pelo Plano Integrado de Almada – Monte da Caparica.
Foi ainda coautor de projetos de habitação, administração e serviços, equipamentos coletivos, equipamentos turísticos e equipamentos industriais, publicações, estudos e comunicações.
Recebeu o Prémio Valmor em 1975, enquanto coautor da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa, e obteve o Primeiro Prémio nos Concursos para a Nova Sé Catedral de Bragança, Novos Tribunais de Monsanto e Recuperação do Palácio do Alvito de Lisboa.
Foi assessor do Secretário de Estado da Habitação e vogal da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Lisboa, após o 25 de Abril, e foi condecorado com as insígnias de Grande Oficial da Ordem de Mérito. E, apesar de ter assinado obras como a nova Sé Catedral de Bragança e os novos Tribunais de Monsanto, Vassalo Rosa ficará para sempre ligado à reconversão urbanística da zona de Lisboa que, mais tarde, se transformou na Expo’98.
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De acordo com a frase sentenciosa e emblemática de Fernando Pessoa, o poeta de “Mensagem”, “O homem sonha e a obra nasce”, surgiu a ideia que deu origem à Expo’98. Entre os vários obreiros da grandiosa obra esteve o arquiteto Vassalo Rosa como responsável pelo Plano de Urbanização, coordenação e gestão urbanística da zona de intervenção da Expo’98.
Passados 20 anos do termo das obras que deram origem à Exposição Universal sobre os Oceanos (EXPO’98), Vassalo Rosa, a convite do jornalista da Antena 1 José Guerreiro voltou ao Parque das Nações, designação de que discorda, revelando episódios que fizeram crescer a cidade a oriente através da criação do icónico espaço que deu a conhecer melhor Portugal ad intra e ad extra e a sua conexão com o mar. Tratava-se de estórias na 1.ª pessoa a relembrar o processo de candidatura da Expo’98 e a reconversão urbanística e paisagística daquela zona, bem como a implementação de toda a envolvência sociocultural. De facto, o Parque das Nações mostra que o planeamento e intervenção nesse espaço foram positivos e deram lugar a uma nova zona de destaque em Lisboa. E do que mais se orgulha o insigne urbanista é da nova ligação criada entre os lisboetas e o espaço público, resultante da maior intervenção feita na cidade de Lisboa desde o terramoto de 1755. Mas há aspetos que lhe desagradam bastante.
Depois de concluir uma obra, Luís Vassalo Rosa não costuma olhar para trás. Por isso mesmo, o coordenador do plano de urbanização da Expo’98 encarava a sua obra com grande distanciamento. Guarda como pontos mais positivos daquela experiência a vivacidade da zona e a forma como a transformação do espaço influenciou o relacionamento entre os lisboetas e o espaço público. Dizia à Rádio Renascença no passado dia 14 de maio:
Penso que esse foi mesmo o impacto mais importante da Expo, o tratamento do espaço público. É muito importante porque há que defender o espaço público que é o espaço da democracia e da cidadania.”.
Em contrapartida, o arquiteto lamentava que a plena ligação entre a antiga Expo e o resto da cidade esteja por concluir, impedindo a desejável miscigenação social. Com efeito, para ele, “a unidade da freguesia, ultrapassando a linha do caminho de ferro, era um fator decisivo para aquele espaço deixar de ser a ilha que foi sempre acusado de ser”; e “transportar a freguesia para os dois lados era um sinal evidente da sua integração na cidade”. Também lhe desagradou a designação encontrada para o novo bairro, pois, se “o tema eram os oceanos”, achava “que devia ser Bairro dos Oceanos ou então deixassem lá estar Expo’98”, mas “nunca Parque das Nações, que é um desastre”. E o terceiro desgosto prende-se com a utilização da Torre Vasco da Gama, pois não esquece que o objetivo era constituir um monumento evocativo dos 500 anos da chegada de Vasco da Gama à Índia, pelo que “a construção de um hotel desrespeita a memória”.
Nos últimos tempos, o coordenador do plano de urbanização da Expo’98 já pouco visitava a zona, mas antes das obras, costumava dar ali grandes passeios noturnos. Segundo disse “ia passear para lá à noite porque aquilo era a cidade fantasma” e “aquela torre com a chama, tudo aquilo era um lugar paradisíaco”.
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Em entrevista à Lusa por ocasião dos 15 anos da Expo’98, já o urbanista referia ter querido incluir o traço dos arquitetos Siza Vieira e Gonçalo Ribeiro Telles na obra  por “representarem o pensamento contemporâneo ligado à cidade”, pelo que lhes  atribuiu diretamente dois trabalhos: o Pavilhão de Portugal e o Cabeço  das Rolas, respetivamente. A respeito deste, afirmou:
Foi feito o projeto, mas a obra nunca foi completada e creio que o  Cabeço das Rolas está completamente abandonado. Tenho muita pena, quer pela  qualidade do projeto, quer por ser uma zona verde do Parque das Nações que tem uma posição muito importante pela sua relação com a frente do Tejo.”. 
Quanto ao Pavilhão de Portugal, o arquiteto classificou-o como “uma  tragédia” e questionou “como é possível deixá-lo cair e deixá-lo degradar-se sem qualquer utilização”. Perguntou:
Um edifício com o valor arquitetónico e o valor de memória que tem, como é possível estar abandonado?”. 
Vassalo Rosa criticou já na altura a transformação a que a Torre Vasco  da Gama foi sujeita, lembrando que o objetivo era ser um monumento  evocativo dos 500 anos da chegada de Vasco da Gama à Índia. E declarou:
Acho que nunca devia ter sido feito o hotel. São desrespeitos da  memória. Choca-me.”. 
Interpelado sobre as críticas de excesso de construção naquele bairro, o urbanista admitiu que podem ter sido construídos edifícios habitacionais para locais onde estavam inicialmente projetados outros espaços. E, frisando que não trabalha no Parque das Nações desde o termo da Expo’98, disse que “foram transferidas áreas que estavam programadas  para equipamentos para outros usos”, nomeadamente habitação, serviços e comércio. Todavia, vincou que aquele espaço “tem um rácio médio de casas em relação aos vários bairros da cidade de Lisboa”, porque “houve essa preocupação quando se fez o plano de urbanização”. E lembrou que as teorias da sustentabilidade urbana  defendem a “polarização, a concentração, a densidade”. 
Recordando o tempo de criação da Expo, Vassalo Rosa disse  que “um dos primeiros grandes desafios era o deserto que ia ser aquele território depois de acabar a exposição”. E afirmou:
Era o nosso grande drama. Daí a nossa estratégia da localização central  da Estação do Oriente, do centro comercial, dos hotéis, das sedes de serviço  e até da habitação.”. 
Em jeito de balanço, disse que o testemunho mais importante da exposição mundial consiste em ter sido possível consolidar aquele como um espaço público, de fruição da população, onde houve muita inovação e criatividade nas soluções  arquitetónicas. E explicitou:
Depois houve a memória da exposição. A cidade é feita das pessoas e da memória. Ficou o suporte que proporciona a vivência da memória e o perpetuar dessa memória, da festa. […] A recordação que me fica foi tudo o de positivo que houve. As coisas  difíceis estão muito bem arrumadas e foram ultrapassadas. Houve momentos  difíceis e com certeza que houve erros também, não tenho ilusões. A Expo foi um passo nesta conquista do futuro. Já passou, agora vêm outros.”. 
Orgulhoso da obra, Vassalo Rosa fez questão de frisar que não é  o único responsável porque aquele foi um grande “projeto coletivo que passa por todos os que lá trabalharam, do mais alto responsável ao menos qualificado  trabalhador”. 
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Se é certo que o empreendimento que dá maior nome ao arquiteto e urbanista Luís Vassalo Rosa, ora finado, é a requalificação da zona oriental de Lisboa, que abrigou a Expo’98, a sua mais importante obra é a Sé de Nossa Senhora Rainha, de São Bento e da Nova Europa, Catedral de Bragança – obra que representa um desejo eclesial de 230 anos. Em 1963, o Bispo Dom Abílio Augusto Vaz das Neves, apoiado pelo Ministro das Obras Públicas, Eduardo Arantes e Oliveira, anunciou ter encarregado o MRAR de promover um concurso público de anteprojetos para a nova Sé de Bragança, iniciativa subsidiada pela Fundação Calouste Gulbenkian. Venceu a equipa liderada por Vassalo Rosa. Porém, o projeto foi posteriormente rejeitado pelo Governo. Em 1981, o Bispo Dom António José Rafael retomou o projeto e voltou ao contacto com o autor, considerando uma nova implantação e a adaptação do projeto, sendo que, em 1987, o mesmo prelado solicitou a elaboração de um novo estudo, a que se seguiram outros até à configuração atual: “um elemento arquitetónico e escultórico dialogante” com referências ao casario velho (Torre de Menagem, Torre da Sé Velha e Mosteiro de Castro Avelãs). No exterior, oferece em três plataformas os altos de São Bento, de Miranda e de Bragança; as duas asas laterais abraçam a cidade e a volumetria é simplificada; no interior, a planta, em leque, desenvolve-se em anfiteatro e a sua estrutura assenta em betão armado.
No dia 7 de outubro de 2001, Dom António José Rafael dedicou a nova Catedral, vindo a dizer, depois de mencionar alguns Bispos que historicamente ali estavam presentes:
Está connosco Dom Abílio, que, outros tantos anos depois, retoma, pela quarta vez, o projeto em linhas modernas e nos legou, com Dom Manuel, a equipa projetista de Vassalo Rosa – para ser o prestigiado e feliz autor da Catedral: o arquiteto da Catedral”.
E Vassalo Rosa, no final, disse-se satisfeito com o resultado final, mas referiu que, “se pudesse recomeçar hoje, eu queria ir mais além”. E disse aquele ser um dia de grande alegria para si, uma alegria apenas atenuada pelo facto de muitos colegas, da equipa de projetistas inicial, não poderem estar presentes por motivos de saúde, para compartilhar o momento. Porém, o arquiteto quis fazer explicitamente justiça a Dom António Rafael, assegurando:
Se não tem sido a sua tenacidade, a sua perseverança, o seu entusiasmo, de facto, penso que não poderíamos estar hoje aqui a celebrar esta alegria”.
Com efeito, se o Bispo atribuía aos “problematistas” (de tudo fazem um problema, até do que não é problemático) o facto de a Catedral ter demorado 230 anos a finalizar (tendo começado a sério em 1981), a Dedicação da Catedral significa a vitória contra o problematismo. E, nessa luta, Vassalo Rosa esteve até ao fim com aquele Bispo e com Bragança. (cf Henrique Pereira, “Na nossa Catedral para sempre nos encontraremos!”, ed. Diocese de Bragança e Miranda, 2016).
2018.06.08 – Louro de Carvalho


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