O arquiteto urbanista, que
várias entidades têm motivo de orgulho para recordar, faleceu ontem, em Lisboa,
com 83 anos de idade.
Nascido em 1935, Luís
Vassalo Rosa foi um dos responsáveis pela urbanização, coordenação e gestão
urbanística da zona de intervenção que recebeu o evento Expo’98, faz este ano
duas décadas. Licenciado pela Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, com
especialização em Planeamento Urbanístico na Universidade de Sussex e estágios
em Espanha, França, Reino Unido, Alemanha e Estados Unidos da América,
desenvolveu atividade docente universitária como professor convidado em cursos
de pós-graduação em Planeamento Urbanístico e Projeto de Áreas Habitacionais na
Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa e no Instituto Superior
Técnico. Paralelamente à atividade de arquiteto urbanista integrou os órgãos
dirigentes de organizações profissionais, como o Sindicato Nacional dos
Arquitetos e a Associação dos Urbanistas Portugueses, da qual foi sócio
fundador.
Como assegura Beja Santos, Vassalo Rosa é nome proeminente da arquitetura portuguesa
da segunda metade do século XX, com trabalho reconhecido por colegas de ofício
e amigos como Fernando Peres, Armando Lucena, Maurício de Vasconcelos, Raul
Chorão Ramalho, Nuno Teotónio Pereira, Manuel Tainha, entre outros. Começou a
carreira profissional em Pangim, Goa, e tornou-se capitão de artilharia para
serviço na Guiné, em 1966. Embarcou no Uíge em 1967 com a CART 1661, sendo-lhe
atribuído o setor de Missirá, Enxalé, Porto Gole e Bissá, tendo sido
posteriormente evacuado, por haver contraído a tuberculose, para o Hospital
Militar de Bissau e transferido para o Hospital Militar de Lisboa.
A
sua obra mais importante será a Sé de Bragança, Catedral de Nossa Senhora
Rainha. Mas a Câmara Municipal de Almada dedicou-lhe na Casa da Cerca, entre
finais de 2007 e março de 2008 uma exposição a pretexto de ter recebido o
Prémio Municipal de Arquitetura Cidade de Almada, sendo que a exposição
permitia ao visitante acompanhar o percurso desde o primeiro projeto, o
Jardim-Escola João de Deus, em Torres Novas, de 1957, até ao estudo para a
cidade desportiva de Sines, em 2007. Pelo caminho, as diversificadas
intervenções no plano de urbanização de Chelas, no plano integrado de Almada –
Monte da Caparica, no estudo preliminar para a recuperação e valorização
conjunta do Castelo de Almourol e da Igreja de Nossa Senhora do Loreto em Vila
Nova da Barquinha, o Palácio da Justiça de Setúbal, a recuperação do Palácio do
Alvito, o Plano Diretor Municipal de Salvaterra de Magos, a Marina de Portimão
e muito mais.
De acordo com a Ordem dos
Arquitetos, o ilustre finado foi, até agora, Provedor da Arquitetura naquela entidade,
cargo que ocupou desde dezembro de 2011, por deliberação unânime do Conselho
Diretivo Nacional.
Em 2008, no contexto da
2.ª edição do Prémio Municipal de Arquitetura Cidade de Almada, de que foi
presidente do júri, foi também homenageado, como se disse, numa exposição em
torno da sua vida e obra, que esteve patente na Casa da Cerca, em Almada.
Foi chefe da Divisão de
Planeamento Urbanístico e Edifícios do Fundo do Fomento da Habitação/Ministério
das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (MOPTC), e responsável, como se disse, pelo Plano Integrado de Almada – Monte da
Caparica.
Foi ainda coautor de
projetos de habitação, administração e serviços, equipamentos coletivos,
equipamentos turísticos e equipamentos industriais, publicações, estudos e
comunicações.
Recebeu o Prémio Valmor em
1975, enquanto coautor da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa, e
obteve o Primeiro Prémio nos Concursos para a Nova Sé Catedral de Bragança,
Novos Tribunais de Monsanto e Recuperação do Palácio do Alvito de Lisboa.
Foi assessor do Secretário
de Estado da Habitação e vogal da Comissão Administrativa da Câmara Municipal
de Lisboa, após o 25 de Abril, e foi condecorado com as insígnias de Grande
Oficial da Ordem de Mérito. E, apesar de ter
assinado obras como a nova Sé Catedral de Bragança e os novos Tribunais de
Monsanto, Vassalo Rosa ficará para sempre ligado à reconversão urbanística da
zona de Lisboa que, mais tarde, se transformou na Expo’98.
***
De acordo com a
frase sentenciosa e emblemática de Fernando Pessoa, o poeta de “Mensagem”, “O homem sonha e a obra nasce”, surgiu a
ideia que deu origem à Expo’98. Entre os vários obreiros da grandiosa obra
esteve o arquiteto Vassalo Rosa como responsável pelo Plano de Urbanização,
coordenação e gestão urbanística da zona de intervenção da Expo’98.
Passados 20 anos do termo das obras que deram origem à
Exposição Universal sobre os Oceanos
(EXPO’98), Vassalo Rosa, a convite do jornalista da Antena 1
José Guerreiro voltou ao Parque das Nações, designação de que discorda, revelando
episódios que fizeram crescer a cidade a oriente através da criação do icónico
espaço que deu a conhecer melhor Portugal ad
intra e ad extra e a sua conexão
com o mar. Tratava-se de estórias na 1.ª pessoa a relembrar o processo de
candidatura da Expo’98 e a
reconversão urbanística e paisagística daquela zona, bem como a implementação
de toda a envolvência sociocultural. De facto, o Parque das Nações mostra que o
planeamento e intervenção nesse espaço foram positivos e deram lugar a uma nova
zona de destaque em Lisboa. E do que mais se
orgulha o insigne urbanista é da nova ligação criada entre os lisboetas e o
espaço público, resultante da maior intervenção feita na cidade de Lisboa desde
o terramoto de 1755. Mas há aspetos que lhe desagradam bastante.
Depois
de concluir uma obra, Luís Vassalo Rosa não costuma olhar para trás. Por isso
mesmo, o coordenador do plano de urbanização da Expo’98 encarava a sua obra com
grande distanciamento. Guarda como pontos mais positivos daquela experiência a
vivacidade da zona e a forma como a transformação do espaço influenciou o
relacionamento entre os lisboetas e o espaço público. Dizia à Rádio Renascença
no passado dia 14 de maio:
“Penso que esse foi mesmo o impacto mais
importante da Expo, o tratamento do espaço público. É muito importante porque
há que defender o espaço público que é o espaço da democracia e da cidadania.”.
Em
contrapartida, o arquiteto lamentava que a plena ligação entre a antiga Expo e
o resto da cidade esteja por concluir, impedindo a desejável miscigenação
social. Com efeito, para ele, “a unidade da freguesia, ultrapassando a linha do
caminho de ferro, era um fator decisivo para aquele espaço deixar de ser a ilha
que foi sempre acusado de ser”; e “transportar a freguesia para os dois lados
era um sinal evidente da sua integração na cidade”. Também lhe desagradou a
designação encontrada para o novo bairro, pois, se “o tema eram os oceanos”,
achava “que devia ser Bairro dos Oceanos ou então deixassem lá estar Expo’98”,
mas “nunca Parque das Nações, que é um desastre”. E o terceiro desgosto
prende-se com a utilização da Torre Vasco da Gama, pois não esquece que o objetivo
era constituir um monumento evocativo dos 500 anos da chegada de Vasco da Gama
à Índia, pelo que “a construção de um hotel desrespeita a memória”.
Nos
últimos tempos, o coordenador do plano de urbanização da Expo’98 já pouco
visitava a zona, mas antes das obras, costumava dar ali grandes passeios
noturnos. Segundo disse “ia passear para lá à noite porque aquilo era a cidade
fantasma” e “aquela torre com a chama, tudo aquilo era um lugar paradisíaco”.
***
Em entrevista à Lusa por ocasião dos 15 anos da Expo’98, já o urbanista referia ter
querido incluir o traço dos arquitetos Siza Vieira e Gonçalo Ribeiro Telles na
obra por “representarem o pensamento contemporâneo ligado à cidade”, pelo
que lhes atribuiu diretamente dois trabalhos: o Pavilhão de Portugal e o Cabeço
das Rolas, respetivamente. A respeito deste, afirmou:
“Foi feito o projeto, mas a obra nunca foi
completada e creio que o Cabeço das Rolas está completamente abandonado.
Tenho muita pena, quer pela qualidade do projeto, quer por ser uma zona
verde do Parque das Nações que tem uma posição muito importante pela sua
relação com a frente do Tejo.”.
Quanto ao Pavilhão de Portugal, o
arquiteto classificou-o como “uma tragédia” e questionou “como é possível
deixá-lo cair e deixá-lo degradar-se sem qualquer utilização”. Perguntou:
“Um edifício com o valor arquitetónico e o
valor de memória que tem, como é possível estar abandonado?”.
Vassalo Rosa criticou já na altura a
transformação a que a Torre Vasco da Gama foi sujeita, lembrando que o
objetivo era ser um monumento evocativo dos 500 anos da chegada de Vasco
da Gama à Índia. E declarou:
“Acho que nunca devia ter sido feito o
hotel. São desrespeitos da memória. Choca-me.”.
Interpelado sobre as críticas de
excesso de construção naquele bairro, o urbanista admitiu que podem ter sido
construídos edifícios habitacionais para locais onde estavam inicialmente
projetados outros espaços. E, frisando que não trabalha no Parque das Nações
desde o termo da Expo’98, disse que “foram transferidas áreas que estavam
programadas para equipamentos para outros usos”, nomeadamente habitação,
serviços e comércio. Todavia, vincou que aquele espaço “tem um rácio
médio de casas em relação aos vários bairros da cidade de Lisboa”, porque
“houve essa preocupação quando se fez o plano de urbanização”. E lembrou que
as teorias da sustentabilidade urbana defendem a “polarização, a
concentração, a densidade”.
Recordando o tempo de criação da Expo,
Vassalo Rosa disse que “um dos primeiros grandes desafios era o deserto
que ia ser aquele território depois de acabar a exposição”. E afirmou:
“Era o nosso grande drama. Daí a nossa
estratégia da localização central da Estação do Oriente, do centro
comercial, dos hotéis, das sedes de serviço e até da habitação.”.
Em jeito de balanço, disse que o
testemunho mais importante da exposição mundial consiste em ter sido
possível consolidar aquele como um espaço público, de fruição da
população, onde houve muita inovação e criatividade nas soluções
arquitetónicas. E explicitou:
“Depois houve a memória da exposição. A
cidade é feita das pessoas e da memória. Ficou o suporte que proporciona a
vivência da memória e o perpetuar dessa memória, da festa. […] A recordação que
me fica foi tudo o de positivo que houve. As coisas difíceis estão muito
bem arrumadas e foram ultrapassadas. Houve momentos difíceis e com
certeza que houve erros também, não tenho ilusões. A Expo foi um passo
nesta conquista do futuro. Já passou, agora vêm outros.”.
Orgulhoso da obra, Vassalo Rosa fez
questão de frisar que não é o único responsável porque aquele foi um
grande “projeto coletivo que passa por todos os que lá trabalharam, do
mais alto responsável ao menos qualificado trabalhador”.
***
Se é certo que o empreendimento que dá
maior nome ao arquiteto e urbanista Luís Vassalo Rosa, ora finado, é a
requalificação da zona oriental de Lisboa, que abrigou a Expo’98, a sua mais
importante obra é a Sé de Nossa Senhora
Rainha, de São Bento e da Nova Europa, Catedral de Bragança – obra que
representa um desejo eclesial de 230 anos. Em 1963, o Bispo Dom Abílio Augusto
Vaz das Neves, apoiado pelo Ministro das Obras Públicas, Eduardo Arantes e
Oliveira, anunciou ter encarregado o MRAR de promover um concurso público de
anteprojetos para a nova Sé de Bragança, iniciativa subsidiada pela Fundação
Calouste Gulbenkian. Venceu a equipa liderada por Vassalo Rosa. Porém, o
projeto foi posteriormente rejeitado pelo Governo. Em 1981, o Bispo Dom António
José Rafael retomou o projeto e voltou ao contacto com o autor, considerando
uma nova implantação e a adaptação do projeto, sendo que, em 1987, o mesmo prelado
solicitou a elaboração de um novo estudo, a que se seguiram outros até à
configuração atual: “um elemento arquitetónico e escultórico dialogante” com
referências ao casario velho (Torre de Menagem, Torre da Sé Velha e Mosteiro de Castro Avelãs). No exterior, oferece em três plataformas os altos de São Bento, de
Miranda e de Bragança; as duas asas laterais abraçam a cidade e a volumetria é
simplificada; no interior, a planta, em leque, desenvolve-se em anfiteatro e a
sua estrutura assenta em betão armado.
No dia 7 de outubro de 2001, Dom
António José Rafael dedicou a nova Catedral, vindo a dizer, depois de mencionar
alguns Bispos que historicamente ali estavam presentes:
“Está connosco Dom
Abílio, que, outros tantos anos depois, retoma, pela quarta vez, o projeto em
linhas modernas e nos legou, com Dom Manuel, a equipa projetista de Vassalo
Rosa – para ser o prestigiado e feliz autor da Catedral: o arquiteto da
Catedral”.
E Vassalo Rosa, no final, disse-se
satisfeito com o resultado final, mas referiu que, “se pudesse recomeçar hoje,
eu queria ir mais além”. E disse aquele ser um dia de grande alegria para si,
uma alegria apenas atenuada pelo facto de muitos colegas, da equipa de
projetistas inicial, não poderem estar presentes por motivos de saúde, para
compartilhar o momento. Porém, o arquiteto quis fazer explicitamente justiça a
Dom António Rafael, assegurando:
“Se não tem sido a
sua tenacidade, a sua perseverança, o seu entusiasmo, de facto, penso que não
poderíamos estar hoje aqui a celebrar esta alegria”.
Com efeito, se o Bispo atribuía aos
“problematistas” (de
tudo fazem um problema, até do que não é problemático) o facto de a Catedral ter demorado 230 anos a finalizar (tendo começado a sério em 1981), a Dedicação da Catedral significa a vitória contra o problematismo.
E, nessa luta, Vassalo Rosa esteve até ao fim com aquele Bispo e com Bragança. (cf Henrique Pereira, “Na nossa Catedral para sempre nos encontraremos!”, ed. Diocese de Bragança
e Miranda, 2016).
2018.06.08 – Louro de Carvalho
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