Com a morte
do Cónego Rui Osório de Castro Alves, ocorrida aos 77 anos de idade na casa
paroquial da Boa Vista, pelas 10 horas do 31 maio, da solenidade do Corpo de
Deus, lavrou-se uma brecha significativa no jornalismo português e na Igreja
portucalense.
Natural de Vila Nova de Gaia (Diocese do Porto), onde nasceu a 27 de outubro de 1940, deixou a sua marca na
área da comunicação social; era ainda pároco da Foz do Douro, assistente
Diocesano da Ação Católica Rural (ACR) e
membro do Cabido da Catedral do Porto.
Estive com
ele uma única vez e numa jornada de trabalho. Foi no ano de 1975 em Fátima, na
então designada Casa do Beato Nuno, num encontro de representantes de jornais
de inspiração cristã, em que participei em representação da “Voz de Lamego” por incumbência do seu diretor,
o cónego Simão Morais Botelho e com a anuência de Monsenhor Ilídio Augusto
Fernandes.
Naturalmente
que eu, então muito pouco rodado nas lides da comunicação social, ouvi e
aprendi muito mais do que aquilo que exprimi. No entanto, recordo a pertinência
e acutilância do então padre doutor Rui Osório, ido do Porto, tal como a sábia
condução dos trabalhos por parte de Dom Manuel Franco da Costa de Oliveira Falcão,
então Bispo Coadjutor com direito de sucessão de Dom Manuel dos Santos Rocha, que
nos levou à reflexão sobre as vertentes da lei de imprensa recentemente
publicada.
***
O Cónego Rui Osório de Castro Rui Osório foi discípulo de Dom António Ferreira
Gomes, o Bispo do Porto que Salazar exilou, participou na criação do jornal “Voz Portucalense” (herdeiro das tradições de “Voz do
Pastor”), lutou contra a ditadura, designadamente contra a Censura (a detentora e utilizadora do “lápis azul”) e teve elementos da polícia política (PIDE) a vigiar-lhe
missas e a gravar-lhe homilias. Depois do 25 de Abril, com a conivência dos seus
prelados, foi, durante 28 anos, membro da redação no Jornal de Notícias (JN), onde chegou
a chefe de redação. Aos 65 anos, que completou em 2005, reformou-se e
estreou-se como pároco na paróquia da Foz Velha. Continuou, no entanto, a colaborar com o JN, onde assinava, com a chancela da qualidade, uma coluna semanal
habitualmente ao domingo sobre assuntos de religião. E colaborou com a Rádio Renascença, no programa “Terra
Prometida”, do Padre Jorge Duarte.
Por opção própria e cumprindo uma
promessa feita ao seu Bispo, nunca aceitou ser diretor do jornal, embora tenha
sido várias vezes convidado para exercer a função. Com efeito, Dom António
Ferreira Gomes entendia que o padre não devia dirigir um jornal laico, configurando
uma situação de clericalismo, e quis mudar a designação, a estrutura e a índole
do jornal “Voz do Pastor” por via da
alteração da perspetiva eclesial com o Concílio Vaticano II.
Dantes tendia-se a atribuir
ao Bispo todas as diretrizes diocesanas. O Vaticano II mudou perspetiva
eclesial e não só na linguagem. De estrutura piramidal, com o Papa no topo (e nas dioceses o bispo), passou a estrutura
circular – povo de iguais pelo Batismo e diverso nos serviços que se prestam à
comunidade. E, mais do que o pensamento do chefe, passou a ter relevo a opinião
do povo de Deus na sua diversidade: bispos, presbíteros e diáconos; religiosos
e leigos. Ao povo de Deus é reconhecido o direito e inculcado o dever de se
exprimir no seu esforço de discernir, no meio das vozes do mundo, a voz de
Deus. Dizia o prelado portuense:
“Do Pastor, será cada vez mais, assim o esperamos, a sua própria e
pessoal voz, quando a dever e puder fazer ouvir. O resto, as muitas e legítimas
vozes, serão, na sua plural tensão versus a harmonia e
consonância diocesana, serão... aquilo que queremos ser e chamar-nos.”.
***
Ordenado em 1964, Rui Osório começou a ganhar o gosto pela área da
comunicação social nos últimos anos de estudante e teve mesmo, durante dois
anos, um programa semanal na Rádio Renascença. Este programa radiofónico era
gravado previamente e transmitido, às quartas-feiras, na hora de almoço. Segundo
referiu numa entrevista à agência Ecclesia,
estava nos últimos dois anos letivos de Teologia e, enquanto se almoçava, os
professores e colegas ouviam o programa: “um teste todas as semanas”.
Ainda estudante começou a escrever prosas para alguns jornais e os
documentos do II Concílio do Vaticano foram objeto de muitas crónicas suas,
ainda estudante de Teologia.
Depois
de ordenado sacerdote em 1964, devido ao impacto do decreto conciliar “Inter Mirifica”, Dom Florentino Andrade e Silva, na altura
administrador apostólico do Porto devido ao exílio de Dom António Ferreira
Gomes, pediu-lhe para estudar jornalismo, pelo que partiu para Espanha.
Depois da formação em Espanha e cerca de um ano após a vinda
do padre Rui Osório, regressou do exílio o Bispo do Porto, Dom António Ferreira
Gomes. E, após várias conversas com o prelado portuense, o Padre Rui Osório
solicitou-lhe um trabalho pastoral – ficou como assistente diocesano da Ação
Católica – e disse-lhe que a partir daquele momento, o seu ministério sacerdotal
“é inteiramente gratuito”. E uma das
primeiras iniciativas de vulto em que participou, na área do jornalismo, foi,
como se disse, a da criação do semanário da Diocese do Porto, “Voz Portucalense”.
Com o consentimento de Dom António Ferreira Gomes, o padre resolveu
profissionalizar-se como jornalista e conseguiu trabalho no JN em 1977. Ali exerceu vários cargos
tendo chegado a chefe de redação. Com o seu exemplo e até com seu ensinamento,
muitos sacerdotes se capacitaram para intervir com mais proficiência nos órgãos
de comunicação social das diversas entidades eclesiásticas e nos órgãos de comunicação
social do Estado e de organizações particulares.
***
A Diocese do
Porto refere, em comunicado:
“Faleceu no dia 31 de maio o Cónego Rui Osório de Castro Alves. Natural
de Olival, Vila Nova de Gaia, nascido a 27 de outubro de 1940, foi ordenado
presbítero a 2 de agosto de 1964.
Foi Diretor Espiritual da Legião de Maria,
Diretor do Secretariado Diocesano das Comunicações Sociais até 2003 e Pároco de
São João da Foz. Dedicou grande parte da sua vida ao jornalismo, sendo fundador
do Jornal Voz Portucalense, colaborador do Jornal de Notícias e da Rádio
Renascença.”
O Presidente da República publicou, na página web da
Presidência da República, uma mensagem de condolências, lamentando a morte dum
“amigo”:
“Homem da Igreja e do Jornalismo, com uma
carreira de décadas no Jornal de Notícias e na Rádio Renascença, fundador da
Voz Portucalense, o Padre Rui Osório, desde há muito um amigo pessoal, foi
também um combatente pela Liberdade, discípulo de Dom António Ferreira Gomes,
perseguido pela Polícia Política antes do 25 de Abril. No livro ‘O Senhor escreva connosco’, por ocasião
do 50.º aniversário da sua ordenação, agradeceu ao Espírito Santo o dom da
Comunicação; um dom que pôs ao serviço do bem comum e que fica na memória dos
seus leitores e ouvintes, dos paroquianos da Foz Velha, dos amigos.
Neste dia de Corpo de Deus, o Presidente da República
envia a todos, bem como à Família, os seus mais sentidos pêsames.”.
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O corpo do
Cónego Rui Osório foi trasladado no próprio dia 31 à tarde para a igreja da
Foz, onde permaneceu em câmara ardente. Pelas 19 horas, foi celebrada missa de
corpo presente.
Hoje, dia 1
de junho, pelas 10 foi, foi trasladado para a Sé Catedral do Porto, onde
permaneceu até às 15 horas, início das celebrações fúnebres presididas pelo
Bispo do Porto, Dom Manuel Linda. O funeral seguiu para a freguesia do Olival,
em Vila Nova de Gaia, de onde o sacerdote era natural.
***
Aquando da celebração, a 2 de agosto de 2014, de 50 anos de
ordenação presbiteral, o sacerdote revelou alguns detalhes da sua vida.
Desempenhou várias funções no Jornal de Notícias “menos um, mas de propósito”, como disse.
Reconhece que foi convidado para ser diretor de vários
jornais, mas nunca esqueceu uma frase de D. António Ferreira Gomes: “O senhor nunca se ponha em bicos de pés para
ser diretor de um jornal laico porque isso é clericalismo”.
Este sacerdote desempenhou várias funções no Jornal de Notícias, onde trabalhou até
2005, e relatou que a opção em ser padre foi “íntima e pessoal” e mesmo aqueles
que o rodeavam “não esperavam por isso”. “Ninguém acreditava muito que aquele
menino traquina” e “brincalhão” escolhesse a vida sacerdotal.
O então menino Rui Osório ouvia relatos “cheios de
entusiasmo” dum amigo (tinha
feito a escola primária com ele) que estudava no Seminário do Porto e do parque desportivo do Colégio da
Formiga, em Ermesinde.
Compreende-se que o lado desportivo tenha pesado na decisão
de ir para o seminário e até ao quinto ano, o depois cónego Rui Osório só
“tinha uma preocupação: não reprovar nenhum ano porque em casa não havia
tradição de reprovações”. De facto, “sem grande aplicação no estudo”, o jovem
Rui Osório nunca reprovou nenhum ano, segundo confessou.
Considerando-se “envergonhado” e “um bocado tímido”, o jovem
Rui tentava sempre “evitar as orais” porque “tinha vergonha de falar” em
público. Porém, ao longo dos 12 anos de internato, o menino que se tornou
adulto foi refletindo sobre a sua vocação e foi dando sinais positivos ao
chamamento para o sacerdócio.
E, sim, com a sua obediência crítica ou crítica sem perder o
alinhamento com a autoridade que serve, foi uma voz e uma pena a intervir pela
liberdade e pela Igreja, mesmo que nem sempre tenha sido compreendido ou mesmo
que nem sempre tenha acertado.
As suas crónicas, as suas reflexões – no Jornal de Notícias e na Voz
Portucalense – sempre me fizeram bem e vale a pena relê-las.
Dos tímido e envergonhados Deus pode e sabe fazer grandes homens,
grandes referências.
2018.06.01
– Louro de Carvalho
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