quarta-feira, 20 de junho de 2018

Obviamente, a reprivatização da TAP trazia mais riscos para o Estado


O Tribunal de Contas (TdC) vem agora criticar a recompra de 50% da companhia pelo Estado, o qual, apesar de voltar a ser o maior acionista, continua a não mandar, assume mais riscos do que os privados e é o único responsável pela dívida. Pelo que, segundo a ótica do órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas que a lei mandar submeter-lhe”, a reversão da privatização da TAP não foi eficiente.
Na verdade, o Estado recuperou o controlo acionista da TAP quando reverteu o processo de privatização feito pelo Governo de Passos Coelho, mas perdeu direitos económicos e passou a assumir mais responsabilidades financeiras. Na prática, o Estado é o maior acionista, pois detém 50% do capital face aos 45% do consórcio privado Atlantic Gateway, que a detinha após a privatização, e os 5% dos trabalhadores. Não obstante, não manda na empresa no âmbito da gestão corrente e assume mais riscos do que os acionistas privados, sendo mesmo o único responsável em caso de incumprimento da dívida por parte da companhia aérea nacional. São estas, grosso modo, as conclusões do TdC, que apreciou, a pedido da Assembleia da República, os processos de reprivatização e de recompra da TAP por parte do Estado.
No seu relatório, publicado esta quarta-feira, o TdC conclui que o processo de recomposição do capital social da TAP “foi regular no contexto de instabilidade legislativa e de sucessivas alterações contratuais em matérias complexas e de profunda tecnicidade em que se realizaram as operações”. E “foi eficaz porque atingiu os objetivos de viabilizar a empresa (prioritário para a reprivatização) e de recuperar o seu controlo estratégico (prioritário para a recompra)”. Todavia, segundo a predita entidade fiscalizadora, a recompra da TAP por parte do Estado “não conduziu ao resultado mais eficiente”, porque “não foi obtido o consenso necessário dos decisores públicos, tendo as sucessivas alterações contratuais agravado as responsabilidades do Estado e aumentado a sua exposição às contingências adversas da empresa”.
Como aponta o TdC, a recompra do capital da transportadora obrigou à renegociação da dívida do grupo, o que levou à celebração de novo acordo com os bancos credores, acordo de que resultou a constituição, por parte do Estado, duma garantia da dívida financeira da TAP, no valor de 615 milhões de euros. Diz, a este respeito, o relatório:
Apesar de a recompra ter reforçado a solidez financeira da TAP SGPS, subsistem responsabilidades significativas para o Estado, sobre o qual impende, por um lado, a obrigação de garantir que os capitais próprios não sejam inferiores a -571,3 milhões de euros e, por outro, a de assegurar a substituição da Atlantic Gateway na realização de prestações acessórias.”.
A Parpública, empresa estatal que controla a TAP, é agora a “única responsável por tal dívida perante as instituições financeiras, pelo que, “em caso de incumprimento da dívida por parte do grupo,  a Parpública, em último caso, devolverá ao consórcio Atlantic Gateway o valor integral da capitalização feita por este acionista, no valor de 217,5 milhões de euros. Além disso, a Parpública é a única responsável pela capitalização da TAP SGPS, sempre que os capitais próprios desçam abaixo do limiar mínimo definido no acordo assinado na operação de recompra, segundo o qual os capitais próprios da TAP não podem ser inferiores a 571,4 milhões de euros negativos.
Pesa ainda, segundo o TdC, o facto de o Estado ter recuperado o controlo acionista da empresa – é certo –, mas não os congruentes direitos económicos. Com efeito, revertida a privatização, o Estado ficou com 50% do capital da TAP, tornando-se no maior acionista, mas com apenas 5% dos direitos económicos. Na prática, a Parpública conseguiu maior representatividade no conselho de administração e o voto de qualidade do presidente do conselho de administração. Mas o Atlantic Gateway assume “papel reforçado” na gestão e indica os nomes do presidente da assembleia geral, do secretário da sociedade, dos principais titulares do conselho fiscal, dos membros da comissão de vencimentos, dos administradores da comissão executiva e ainda dos membros dos órgãos das empresas subsidiárias da TAP.
Também a Comissão Europeia alertara para os riscos da reversão da privatização da TAP. Em 2016, quando a operação ainda não estava concluída, os técnicos de Bruxelas avisavam que a inversão parcial da privatização da TAP poderia “implicar riscos orçamentais suplementares”, representando mais um risco para a meta do défice que estava definida para esse ano.
Em suma, só no conselho de administração existe equilíbrio entre o número de elementos indicados pela Parpública e pela Atlantic Gateway, em virtude da sua participação social, pois, nas restantes situações, o Estado tem uma intervenção limitada o que leva o TdC a concluir:
 A gestão do Grupo TAP é conduzida pela Atlantic Gateway”.
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É óbvio que obter posição maioritária no capital da TAP implicava a assunção de mais riscos, pelo que não se vê motivo para a estranheza manifestada agora ou para o aviso de outrora.
Também era de crer que, se os detentores da maioria do capital em resultado da privatização aceitaram o resultado da reprivatização, não estavam a ceder por um ato de misericórdia para com o Estado nem movidos por são patriotismo. Houve interesses económicos que lhes foram garantidos, sem que isso tenha significado uma ação perdulária do Estado na linha de tantas outras de má memória e de funestas consequências no presente e no futuro. Em linguagem popular, a coisa exprime-se do seguinte modo: os privados chegam-se à frente; e o Estado cá está depois, se for preciso.
Na verdade, se o Estado estivesse em condições de assumir no imediato e a prazo os encargos que a reestruturação efetiva impõe, era natural que tentasse adquirir, não os 50% do capital, mas a quase totalidade. Assim, é de pensar que o acordo terá algum gravame para o Estado a prazo, mas possibilita a rendibilização e o redimensionamento da transportadora aérea e dá ao acionista público uma palavra relevante, quiçá decisiva, na perspetivação e estratégia do grupo TAP. Por tudo, é aceitável que tenha sido instado ao papel de garante último, o que faz, sem escândalo, quando acode a instituição em risco, como tem sido o caso dos bancos, sem ali ter parte ativa na estratégia e muito menos na vertente da gestão. E a TAP é uma empresa de bandeira e que pode ser necessário mobilizar em tempo de crise.
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Tanto assim é que a TAP está a crescer e pode crescer 10% a 15% ao ano, embora com limites.
Com efeito, David Neeleman, que integra consórcio Atlantic Gateway com Humberto Pedrosa, defendeu, a 31 de maio, em Lisboa, que a companhia pode crescer entre 10 a 15% ao ano, ressalvando que existem limites associados a essa expansão, explicitando:
O que estamos a fazer é utilizar aeronaves maiores. [Substituindo] as 330-200 pelas 330-900, [bem como], as 319 velhas por 321. A única coisa que podemos fazer é criar aeronaves maiores e com isso crescer 10 a 15% ao ano, mas vamos chegar a um limite.”.
Para o empresário o crescimento da empresa não depende só do aumento da capacidade das aeronaves, mas também e sobretudo da criação de novas infraestruturas aeroportuárias. E ele fez aquelas previsões depois de Humberto Pedrosa ter comentado à Lusa esperar que o Grupo possa multiplicar, pelo menos, sete vezes, os resultados, a meta definida pelo presidente executivo, Antonoaldo Neves, em três ou quatro anos. Disse Humberto Pedrosa, em 14 de maio, em resposta à Lusa:
Num horizonte de três, quatro anos, temos de atingir esses resultados. São resultados que, normalmente, as boas companhias já têm. E a TAP agora com a frota nova que vai entrar, com as rotas novas que tem – apesar da dificuldade no seu crescimento por causa do aeroporto –, vai tentando. Mas, na realidade, no horizonte de três a quatro anos temos que estar a atingir o que o Antonoaldo propôs atingir.”.
Em mensagem enviada aos trabalhadores da TAP em abril, Antonoaldo Neves salientou que o lucro de 21,2 milhões de euros em 2017 alcançado pela TAP SGPS foi “o melhor resultado dos últimos dez anos”, num contexto de “prejuízos acumulados ao longo de muitos anos”, e traduz a “transição para um novo ciclo” de criação de valor na empresa. De facto, os lucros da TAP SGPS no ano passado contrastam com um prejuízo de 27,7 milhões, registado em 2016.
Mas há mais. A TAP, preocupada com a atual exiguidade do espaço, encomendou um estudo sobre a otimização do aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, e prevê ter resposta “em 4 ou 5 meses”, segundo o CEO da companhia, que disse:
A TAP, por ser uma empresa privada, tem facilidade em contratar e vamos contratar esse estudo e vai ser feito em conjunto, a oito mãos. Esperamos que em quatro ou cinco meses tenhamos uma visão mais clara e, dadas as aspirações da TAP e as necessidades de investimento, do que deve ser feito primeiro”.
Em declarações aos jornalistas a bordo do novo Airbus 330 neo, ainda num voo de teste desde a fábrica francesa até Lisboa, o responsável precisou que o estudo abordará o estacionamento de aeronaves, saídas rápidas, área de terminal, ou seja, a otimização do aeroporto atual de Lisboa. E, referindo que, para este estudo – de “avaliação das necessidades, num nível de detalhe muito grande”, incluindo infraestruturas e controlo de tráfego aéreo –, está a ser contratada uma empresa internacional, explicou: 
“A gente vai trabalhar junto com o Governo para que esse estudo possa estar à disposição do país, para o país definir as políticas públicas necessárias para que se possa [a TAP] continuar a crescer”.
Sobre a falta de capacidade no aeroporto de Lisboa, Antonoaldo Neves argumentou que “reclamar não adianta nada” e que o estudo servirá como base para se “trabalhar em conjunto” para a melhoria das condições no aeroporto. E notou ser comum “em todo o lado do mundo” a colaboração entre “empresas, órgãos públicos, ministérios e agências e grupos de trabalho, para conjuntamente compor o que é melhor”. Assentando que, por agora, o aeroporto de Lisboa “pode crescer e vai crescer, simplesmente com a TAP trazendo novos aviões maiores”, como é o caso do A330-900, que garante mais 30 lugares em relação aos modelos anteriores, referiu:
É um passo natural nas companhias aéreas que estão crescendo, não fazendo o crescimento da frota em quantidade somente de aviões, que na maioria das vezes é para ter novos destinos e novas frequências, mas também crescer o tamanho da aeronave para transportar mais passageiros”.
Assim, metade do crescimento futuro da TAP virá “do crescimento do tamanho da aeronave”, já que a companhia precisa de crescer “um pouco em movimentos, mas mais importante é ter a capacidade de processar todos os passageiros no aeroporto”. Antonoaldo diz ser necessário mais espaço para o SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), pois “o conceito de aumento de aeronave, hoje é um conceito para a TAP e para a Portela até mais importante que a quantidade de movimentos por hora no curtíssimo prazo”. A questão dos movimentos por hora é “mais para daqui a 2 ou 3 anos”, estimou o CEO, notando que pretende mesmo mais movimentos por hora.
E, para resolver alguns dos constrangimentos do aeroporto Humberto Delgado – outra preocupação –, David Saleeman vem sugerir a criação de “saídas rápidas”, dizendo:
O ano passado gastámos 12 milhões de euros [em combustível], enquanto andávamos às voltas no céu, [à espera] para poder aterrar. Agora com os combustíveis mais caros fica ainda mais difícil. […] Podíamos já ter feito aquilo que chamamos ‘saídas rápidas’, que todos os aeroportos já têm e que permitem, da mesma forma, operar com segurança.”.
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Depois, vem a questão salarial. Assim, foi já conseguido um acordo salarial na TAP. A administração fechou um acordo de aumento salarial com o SITAVA (Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos) para os próximos cinco anos, que prevê um aumento de 5% este ano, com retroativos a janeiro, e nos próximos quatro anos mais um aumento global de 7%, pelo menos.
Numa informação enviada a 12 de junho aos associados, a que a Lusa teve acesso, a direção do SITAVA considera que o acordo de atualização salarial, alcançado no dia 11, é “um bom acordo”, pois contempla “além da tabela salarial, todas as outras matérias de expressão pecuniária”, que entram em vigor no salário de junho, com efeito retroativo a 1 de janeiro pp.
A atualização da tabela salarial estipula um aumento maior, de 5%, em 2018, 3% em 2019, 2% em 2020 e 1%, acrescido de inflação, em 2021 e 2022, como se lê na predita informação. E, “para o ano de 2020, se a inflação for superior a 2%, a TAP garantirá que não haverá perda salarial pagando esse diferencial“, explicita a direção do sindicato que representa, na sua maioria, trabalhadores de terra da companhia aérea.
Em abril, quando foi conhecido o acordo salarial com os pilotos da TAP (que David Neeleman justificava como condição para evitar cancelamentos de voos), o SITAVA acusou a TAP de desprezar trabalhadores de terra e exigiu aumentos de 5% (igual ao dos pilotos). Como a Lusa noticiou, a atualização salarial dos pilotos prevê aumentos de 5% este ano e no próximo, de 3% em 2020 e de 1% em 2021 e 2022, num total de 15% em cinco anos, mais a correção da inflação estimada em 9,4%. O acordo prevê ainda para os próximos cinco anos uma revisão das anuidades, subsídio de turnos, subsídio de refeição e subsídio de certificação.
De acordo com a nota, não houve alterações nas horas noturnas nem nas férias. Além disso, “não haverá qualquer alteração” no pagamento dos três primeiros dias de baixa e ficou ainda definido um prémio de 450 euros atribuído a todos os trabalhadores de terra.
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Claramente, Antonoaldo Neves desvaloriza a auditoria do TdC, que é, segundo o presidente executivo da TAP, “assunto de acionista”. E diz estar “confiante” de que a Companhia reúne “todas as condições para cumprir o plano de negócios e o orçamento deste ano”.
Assim, escusou-se a comentar a auditoria, escudando-se na seguinte declaração:
Não analisei ainda o relatório e emitir uma opinião preliminar sobre o assunto, ainda mais um assunto que é da esfera dos acionistas, não é adequado para o CEO”.
Salientando que o relatório do TdC “é um assunto de acionista, não dos executivos”, recordou que “a TAP foi lucrativa no ano passado” e que o objetivo é “multiplicar sete vezes o lucro””. Da sua parte, preferiu destacar a boa relação entre a administração da TAP e o Estado e ressalvou que ninguém pode assegurar uma empresa do mundo não tem risco, porque “assegurar que não há risco é simplesmente impossível”. O risco faz parte do negócio e, como “também há retorno”, “todo o acionista busca uma equação adequada de risco e retorno”.
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Para o bem e para o Mal, “E assim se fazem as coisas!” (Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira).
2018.06.20 – Louro de Carvalho

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