É o mote do 8.º Congresso dos Advogados, que
arrancou esta manhã no Hotel
Montebelo, em Viseu, e que vai até ao fim
do dia 16.
Com
efeito, durante três dias, a cidade de Viseu acolhe, ao todo (entre delegados, organizadores,
jornalistas e personalidades diversas) cerca de 600 advogados e
personalidades nacionais e internacionais do setor da Justiça para
debater temas como a boa administração da Justiça, bem como os direitos,
liberdades e garantias dos cidadãos. As conclusões serão debatidas e votadas em cada uma
das secções organizadas, como adiante se discrimina, e submetidas a votação
final numa sessão plenária que aprovará as conclusões do Congresso.
Estava previsto que a Ministra da Justiça presidisse à
sessão de abertura do evento, que decorre de 5 em 5 anos, mas tal não
aconteceu, dado que foi chamada de urgência, a pedido do PSD, à Assembleia da
República para responder a questões dos deputados. Assim, o Governo esteve
representado pelo Ministro-adjunto Pedro Siza Vieira, que mantém a sua presença
no Congresso. Do programa
consta que o encerramento do congresso estará a cargo de Maria Manuel
Leitão Marques, Ministra da Presidência e da Modernização Administrativa,
logo após a apresentação das conclusões aprovadas.
Além do Bastonário da Ordem dos Advogados, Guilherme de Figueiredo, dos
Presidentes dos Conselhos Superior e Fiscal, e dos membros do
Conselho Superior, do Conselho Geral e do Conselho Fiscal, dos Presidentes dos
Conselhos Regionais e de Deontologia, estarão presentes vários representantes
de ordens internacionais, entre os quais, o Presidente da UIA (Union
Internationale des Advocats), Pedro
Pais de Almeida, o Presidente da UIBA (União Ibero-americana de Advogados), o argentino Carlos Andreucci, Cláudio Lamachia,
simultaneamente Presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e da UALP (União dos Advogados de Língua
Portuguesa), Luis Marti Mingarro, ex-Decano
dos Advogados de Madrid e atual Presidente do CIAR (Centro
Ibero-americano de Arbitraje), os
Bastonários de Angola, Cabo Verde, Guiné- Bissau, São Tomé e Príncipe, Macau,
Moçambique e a representante do Barreau des Avocats de Paris.
A seguir à sessão de abertura, foi prestada homenagem ao General Ramalho Eanes, antigo Presidente da República e figura central
da vida política portuguesa, e ao Professor Manuel da Costa Andrade,
Presidente do Tribunal Constitucional, aos quais foi atribuída pelo Bastonário a
Medalha de Ouro da Ordem dos Advogados.
No Congresso estão representados os 31 mil advogados inscritos, através dos
309 delegados eleitos para esse efeito e que votarão 200 comunicações. Os temas
em debate foram organizados em quatro Secções: Identidade da profissão – atos próprios, sigilo
profissional, publicidade, discussão pública de questões profissionais (1.ª Secção); A tutela dos direitos – duração e execução das penas, acesso
ao direito e aos tribunais, patrocínio judiciário (2.ª Secção); Administração da Justiça – organização judiciária, tribunais
e outras formas de jurisdição, outros temas (3.ª Secção); e Aperfeiçoamento da Ordem jurídica – ação Executiva, inventários,
procedimentos judiciários, outros temas (4.ª Secção).
Para lá do programa temático, o Congresso é emoldurado por um programa
cultural, cuja participação postula um donativo de 5€ em prol duma IPSS dedicada à proteção de
crianças. Os seus números são:
A 14 de junho, Cocktail de boas vindas (18,30 horas); e Sessão cultural “O Teatro e a Justiça”, no Teatro
Viriato – coorganização Teatro Viriato e Congresso dos Advogados Portugueses,
seguido de conversa com intervenção de Lúcio, Jorge Fraga (Encenador) e Guilherme Figueiredo (Bastonário
da Ordem dos Advogados)
e Álvaro Laborinho Lúcio (21,30 horas).
No dia 15, inauguração de Exposição “Diálogo e Traição” – Grão
Vasco/Resende Obras do Mestre Júlio Resende no Museu Grão Vasco (18,30); Sessão de Cinema – Exibição do filme “Custódia
Partilhada”, de Xavier Legrand, seguida de debate promovido pelo Cine
Clube de Viseu e moderado Advogado Luís Silva, com Maria Perquilhas e João
Perry da Câmara, no Auditório do Instituto Português do Desporto e da Juventude
(21,30
horas); e Magno
Concerto, na Sé de Viseu, com o Coro dos Antigos Orfeonistas da Universidade
de Coimbra e Coro Mozart (21,30 horas).
No dia 16, Jantar de Encerramento do Congresso, no Expocenter (21,30
horas).
No dia 17 (Pós-Congresso), Missa Solene presidida
pelo Bispo de Viseu e participação de Coros, na Sé Catedral de Viseu (11
horas).
14, 15 e 16 de Junho – Exposição de Fotografia,
no Hotel Montebelo, nos dias do Congresso; e Mostra dos trabalhos fotográficos
da autoria de Advogados, organizada pela Comissão para as Letras e as Artes da
Ordem dos Advogados.
***
A Ordem dos Advogados (OA) classifica este encontro como “um dos mais importantes
momentos da advocacia portuguesa, durante o qual serão debatidos os temas mais
relevantes para o exercício da profissão, para a boa administração da Justiça,
bem como os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”, como já foi
referido, mas a reunião magna, que só se realiza de 5 em 5 anos, já carrega uma
nuvem negra mesmo antes de começar. Concretizando: uma recusa pelo secretariado de 26
comunicações – entre as quais, uma que versava sobre um dos temas mais quentes
do momento: a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), decisão
que acabou por ser rejeitada por alguns Conselhos Regionais e pelo Conselho
Superior, o que motivou que a Comissão organizadora presidida pelo bastonário
tivesse que as vir admitir; ou a falta de logística para acolher todos os
advogados que queriam participar no Congresso; ou ainda o facto de algumas
propostas serem consideradas inconstitucionais, como a de Pedro Alhinho,
advogado do Porto, que versa sobre um rendimento mínimo de três mil
euros líquidos obrigatórios para que um advogado pudesse exercer em nome da
“dignidade da classe”.
Mas a mais marcante nuvem negra, politicamente, é mesmo a da ausência,
pela primeira vez, de um titular da pasta da Justiça. A Ministra Francisca Van
Dunem fez saber dois dias antes do evento que não poderia estar presente por
questões de agenda, aliás como já foi esclarecido. Por outro lado, inicialmente,
o bastonário teria ainda de lidar com uma manifestação marcada para o 1.º dia
do Congresso – com protestos contra o regime da CPAS e contra a forma como as
comunicações foram aceites –, mas acabou por ser cancelada por falta de quórum.
Em declarações ao Diário de Notícias,
Guilherme de Figueiredo, que preside à Comissão Organizadora do congresso,
desvaloriza as polémicas, enquadrando-as no “dinamismo dos conteúdos” que
sempre surgem por alturas desta reunião.
Uma proposta em discussão será a de equiparar o estatuto dos advogados ao
dos juízes e magistrados do Ministério Público no momento em que são
constituídos arguidos.
“Considerando que tem sido crescente
o número de advogados constituídos como coarguidos em processos-crime com os
seus clientes, sem que existam indícios sérios e fortes da prática de qualquer
ilícito penal, apenas para acobertar a angariação de prova contra os seus
constituintes” e “considerando que
que a constituição instrumental dos advogados como arguidos para obter prova
contra os seus clientes, tem necessariamente como consequência impedi-los de
exercer o mandato em processos nos quais tenham sido constituídos defensores,
pondo em causa o direito de defesa dos cidadãos, além da dignidade e da
integridade dos advogados”, é pedido (e será discutido na reunião magna) que deve, aquando da constituição de advogados como
arguidos com vista ao seu julgamento em processo penal, sempre que tal resulte
do exercício da sua profissão, ser-lhes aplicado um regime de garantia em tudo
idêntico ao dos magistrados judiciais e magistrados do Ministério Público”. A proposta
é levada pelos advogados António Jaime Martins (líder da Regional de Lisboa da Ordem
dos Advogados), Paulo Sá
e Cunha, João Massano, Rui Tavares, João Sampaio, Bernardo Seruca Mendes e Vasco
Pais Brandão.
Quanto à prestação da Ministra da Justiça,
ausente do Congresso, mas presente no Parlamento, diga-se, em síntese, que as
questões suscitadas na discussão parlamentar, segundo a governante, “não são
problemas de justiça de há 2 anos e meio, mas de há 39 anos”. E disse que o número de
processos judiciais pendentes nos tribunais é o mais baixo dos últimos 10 anos,
enfatizando:
A resposta surgia depois das críticas do deputado socialdemocrata José Silvano a mais de uma dezena de grupos de trabalho criados pelo Governo
na área da Justiça sem resultados expressivos. O PSD apontou para o
“desapontamento generalizado, com um clima de crispação como há muito não se
via”, pois alegadamente “todos os dias se anunciam contestações, muitas delas
com marcação de greves e outras formas de lutas”, exemplificando com os guardas
prisionais e funcionários judiciais.
Em discurso que apelava à colaboração mútua entre os partidos, essencial
para a reforma da justiça, o deputado referiu que tal mudança “deve ser feita
pelos partidos e agentes como um todo”, já que “nenhum governo ou partido
consegue fazê-lo sozinho”. Entre os vários pontos de aposta socialdemocrata na
reforma do setor, destacam-se: maior celeridade, maior rapidez e melhor
cumprimento do segredo de justiça.
Por seu turno, a Ministra da Justiça explicava:
“O criticismo ao sistema judiciário
centra-se em duas dimensões essenciais: aparência de desigualdade e
tempestividade, mas a realidade está a mudar”.
Francisca Van Dunem estribava a sua explicação nas estatísticas da
Justiça referentes ao último trimestre de 2017, recém-publicadas. Assim,
garantiu:
“E temos uma trajetória descendente, já que
menos de 300 mil processos estão nos tribunais portugueses. Registamos a menor
pendência dos últimos dez anos, abaixo de um milhão. […] No passado mês de maio foram publicadas as
estatísticas de justiça respeitantes ao quarto e último trimestre de 2017, que
confirmam uma trajetória consistentemente descendente das pendências
processuais, que passaram de 1 311 579 no quarto trimestre
de 2015 para 983 610 no quarto trimestre de 2018, o que traduz uma redução
global de 327 969 processos, e uma descida acumulada de 25 pontos
percentuais.”.
Aduzindo que “todos contestam a ação
ou mesmo a omissão da Ministra da Justiça”, José Silvano criticou o atraso
de inúmeros diplomas como os estatutos dos vários grupos de profissionais da
área da Justiça e vincou:
“A senhora Ministra garantiu que os
estatutos estariam em vigor em janeiro deste ano e até ao momento a única
proposta que existe em abril é a do Estatuto dos Magistrados Judiciais”.
Por outro lado, apontou a demora na avaliação do sistema da CPAS, que
“está em cima da mesa desde fevereiro de 2016 e desde então não houve nenhuma
alteração até ao momento”.
Entre as diferentes reações às críticas socialdemocratas, Filipe Neto
Brandão, do PS, mencionou o encerramento dos tribunais pelo Governo de Passos
Coelho, mesmo “quando prometeu nunca o fazer”. E José Manuel Pureza, do Bloco
de Esquerda, pediu medidas concretas ao PSD: “na verdade, o grupo parlamentar do PSD será o menos credível dos grupos
parlamentares para vir falar de justiça, pois o governo do PSD colocou a
justiça em estado de Citius” – jogou o deputado bloquista, fazendo
referência ao portal dos tribunais. E acusou:
“O PSD diz que pretende uma reforma global,
mas e uma proposta concreta? Não sabemos. Ficamos na expectativa, senhor
deputado. Gostaria que houvesse uma referência a isso.”.
José Silvano ripostou, concretizando que o partido não traz hoje medidas
concretas. Mas atirou:
“Trazemos é a vontade que de fazer medidas
que tenham a aceitação de todos. Acham que os portugueses estão
satisfeitos com o funcionamento do atual sistema de justiça? É preciso existir
um acordo de todos para que esse sistema fique implantado e seja eficaz.”.
E, enfatizando a situação dramática do anterior Governo, interrogou:
“Se numa época de crise a crispação foi
expressiva, como é que não estando numa época de crise esta crispação continua?”
Confrontada com as várias críticas dos deputados no plenário parlamentar,
focados no acesso difícil à justiça, nas contribuições mensais altas dos
advogados para a CPAS, na precariedade da profissão e na demorada progressão de
carreira nas profissões judiciárias, a Ministra da Justiça voltou aos números:
“Estes não são problemas de há
dois anos e meio, mas de há 39 anos. Estamos a trabalhar no pilar da eficiência
e a desenvolver a introdução de automatismos.”.
Francisca Van Dunem deixou claro que não gosta de falar no passado e sustentou
que “devemos focar-nos no presente e procurar investir no futuro”. E, em
relação às questões relativas à CPAS e à morosidade dos funcionários da justiça,
realçou que esses pontos estão a ser discutidos e trabalhados, mas não adiantou
qualquer medida específica.
***
Enfim,
dois areópagos – um ordinário e soberano, outro extraordinário e
científico-operacional – a discutir matéria de justiça. Qual deles será o mais
produtivo? Uns (os do segundo) sabem do que falam, mas não têm
poder decisório; outros (os do primeiro) têm poder decisório, mas podem
não saber do que falam. E era bom que se entendessem.
Nem percebo
por que motivo os homens e mulheres do direito se picaram pela ausência da Ministra
da Justiça, quando o Governo se faz presente através de dois ministros próximos
do gabinete primoministerial. Aliás todos os membros do Governo partilham a
solidariedade institucional do Executivo que integram
Quanto ao
mais, quem governa que o faça ultrapassando as dificuldades, que serão sempre
muitas e, da oposição, a que foi Governo que não atire pedras ao “Deus dará”,
sabendo, antes, reconhecer os erros passados e oferecer contributos concretos.
2018.06.14 –
Louro de Carvalho
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