sexta-feira, 29 de junho de 2018

“Una carezza della Madonna”


Como previsto, Dom António Augusto dos Santos Marto, Bispo de Leiria-Fátima, foi ontem, dia 28 de junho, criado cardeal da Santa Igreja Romana com o título de Santa Maria sobre Minerva, basílica menor e uma das principais igrejas dominicanas de Roma.
O nome desta basílica é uma referência à primeira igreja construída no local, diretamente sobre (em latim: supra) as ruínas ou fundações dum templo dedicado à deusa egípcia Ísis, incorretamente identificada com a deusa greco-romana Atena/Minerva. A basílica está localizada na PIazza della Minerva , um quarteirão atrás do Panteão, no bairro Pigna (Rione IX), no antigo distrito conhecido como Campus Martius. Já é visível o edifício atual e a disposição das estruturas vizinhas em detalhes no Mapa de Nolli de 1748.
Na cerimónia, integrada numa celebração da Palavra, preparada para o efeito, os novos cardeais emitiram o compromisso de fidelidade a Cristo e ao Evangelho, de obediência à Igreja na pessoa do Sucessor de Pedro, de comunhão com a Igreja Católica por palavras e atitudes, de sigilo sobre o que lhes vier a ser confiado dada a sua nova condição, da determinação de nunca prejudicar a Igreja ou ferir a sua honorabilidade e do exercício proficiente das obrigações de que forem incumbidos. Depois, foram-lhes entregues o anel e o barrete próprios do cardinalato, bem como o título ou a diaconia a que fica adscrito cada um.
Sobre o decurso das cerimónias e do modo como as viveu falou o novo cardeal português. De facto, nas primeiras declarações após a sua elevação ao cardinalato, confessou ter sentido “um peso que não tinha sentido antes” quando se aproximou do Papa para receber as insígnias cardinalícias. E explicou aos jornalistas portugueses no Vaticano:
À medida que a gente se aproxima para ser investido, a gente sente um peso. Parece que não sentiu antes, mas sente assim como que um peso cá dentro a dizer assim: ‘Vais assumir uma nova missão’. Mas depois chega-se lá, àquela comemoração, na entrega das insígnias, a gente saúda o Papa e fica satisfeito.”.
E acrescentou quase em tom repetitivo:
Naquele momento anterior, enquanto sobe as escadas, se está ali à espera um bocadinho e sobe as escadas até lá chegar… Eu falo por mim, os outros não sei o que sentiram. Parece que senti um peso que não tinha sentido antes. Quando desci, aí já estava sereno e aliviado”.
Dom António Marto revelou ainda a conversa que teve com o Papa no minibus que transportou os novos cardeais para a Aula Paulo VI – depois duma breve visita ao Papa emérito Bento XVI, que encontrou com poucas forças, mas bem de saúde:
Agora no minibus em que vínhamos, eu entrei e ele disse assim: ‘O teu cardinalato foi uma carícia della Madonna’. E eu disse assim: ‘Acredito, porque eu ainda não compreendi porque é que foi!’.”.
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Ora, este último segmento que reporta um minidiálogo entre Francisco e António vem ao encontro dos que entendem que Fátima e o seu centenário terão pesado na decisão do Papa com vista à distinção do Bispo de Leiria-Fátima, como o próprio admitiu, bem como os responsáveis pela dinâmica do Santuário. Foi efetivamente uma carícia da Mãe ao seu mais proeminente servidor na Cova da Iria, embora sejam de ter em conta as aptidões de Marto na cooperação para a reforma da Igreja na linha do Papa Francisco, em todos os aspetos, mas em especial, como ele disse, na doutrina, na família, no desenvolvimento humano integral e na cultura. 
A este respeito, Dom Carlos Azevedo, delegado do Conselho Pontifício para a Cultura, sustenta que a ascensão do Bispo de Leiria-Fátima a cardeal não está conexa com Fátima, mas com o contacto direto que o Papa teve com o prelado e com as suas posições relativas à reforma da Igreja. Não terá toda a razão, mas tem o mérito de salientar o fundamental no pensamento e na ação de Francisco, quando refere que “o Papa escolhe pessoas dentro da perspetiva de Igreja que ele tem, sendo, portanto, muitas pessoas escolhidas pessoalmente por ele”. E diz que “não tem a razão de ser de Portugal e não tem a razão de ser de Fátima, até me atrevo a dizer”.
É óbvio que ser de Portugal ou de Fátima não é determinante, mas pode, neste caso, ter sido um adjuvante. Quem leu a carta que Francisco dirigiu a António Marto a agradecer a receção em Fátima, pôde pensar de forma humorística como eu pensei, que o fez cardeal já que, neste momento, não o podia canonizar. No entanto – e mais uma vez o Bispo português que trabalha na Cúria Romana como delegado para os bens culturais da Igreja e como membro da Comissão de Arqueologia tem um mérito, o de chamar a atenção para algo relevante, agora na figura do Bispo de Leiria-Fátima, quando dele diz:
A escolha do Papa recaiu sobre Dom António porque o bispo de Leiria-Fátima ‘é um homem que se identifica com a reforma da Igreja que é preciso fazer e, portanto, é alguém que pode ser membro ativo dessa mudança e dessa reforma da Igreja’.”.
Mais sublinhou que “é uma decisão pessoal”. E Dom Carlos Azevedo sabe do que fala, neste aspeto, pois foi colega de António Marto na equipa de formadores do seminário do Porto. Ora, questionado sobre a possibilidade de se ler a nomeação como forma de destacar a importância de Fátima, considerou que “o Papa não é muito sensível a essa perspetiva” e que essa é uma forma “bairrista” de analisar a escolha de Francisco.
Quanto ao bairrismo, era de concordar se a atenção a Fátima fosse determinante para a escolha. Porém, como apontei, tudo leva a crer que, mesmo sem bairrismo, o fenómeno Fátima esteve presente. Não obstante, Carlos Azevedo é categórico e tem razão ao insistir que “o Papa é Papa da Igreja universal” e ao fazer reparo em que “ nós às vezes temos uma visão muito nacionalista da Igreja”. Ora, como muito bem observa, “é preciso ter uma visão universal da Igreja”; e o Papa Francisco, como Pastor de toda a Igreja “não quer valorizar este aspeto ou aquele, privilegiar” um ou outro local de culto. Todavia, como lembrou, quando o Papa vai a um Santuário mariano, “ele próprio manifesta a sua devoção e a sua relação pessoal com Maria”. E o Papa Francisco “é muito sensível do ponto de vista da religiosidade popular”.
Seja como for, Carlos Azevedo reconhece que “o Santuário de Fátima tem tido uma projeção internacional acima de qualquer outro e há que perceber – e as pessoas que rodeiam o Papa ajudam-no a perceber – a importância que tem não só para Portugal mas para todo o mundo”.
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Dom António Marto, na manhã da sua elevação ao cardinalato, em conferência de imprensa no Vaticano, sustentou que Fátima não institui uma tradição como existente em Lisboa, pelo que não será de esperar que os próximos bispos da diocese de Leiria-Fátima sejam todos nomeados cardeais. E tornou a sublinhar, ante a imprensa portuguesa e internacional, que a sua elevação a cardeal é uma oportunidade de continuar a ser “um colaborador próximo” na “reforma da Igreja que o Papa Francisco quer levar para a frente”. Contudo, a horas da celebração que o iria formalmente elevar a cardeal, não sabia ainda qual a missão concreta que lhe vai ser atribuída e diz não querer antecipar-se à escolha do líder da Igreja Católica, mostrando-se “em total disponibilidade de serviço para o que o Papa quiser”.
Hoje, dia 29, o da Solenidade dos Apóstolos Pedro e Paulo, Marto concelebrou com o Papa e os demais cardeais e foi homenageado na embaixada de Portugal junto da Santa Sé.
Em todas as cerimónias cardinalícias, o Governo esteve representado pela Ministra da Justiça.
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Em entrevista à agência Ecclesia, António Marto disse da surpresa da nomeação, mas frisou que não se pode dizer “não” ao Papa. E, chamado a ser colaborador mais próximo do Papa no que Ele lhe confiar, está com tranquilidade e paz de espírito na aceitação deste encargo e missão
Quanto ao significado de ser cardeal no pontificado de Francisco, que pede bispos com cheiro a ovelhas, frisou que este Papa “trouxe um estilo novo de ser pastor, de ser bispo” e mesmo de ser cardeal – “um estilo de pastor que leva o seu tempo a ser interiorizado por todos” ou “um estilo de pastor próximo, cheio de simplicidade”, no modo de apresentação, na forma de falar às pessoas e na forma como se torna próximo. “É sinal duma imagem de Igreja evangélica, ao estilo de Jesus”, que se aproxima das pessoas, que sai pelas ruas. A Igreja em saída é “a que vai ao encontro de todos sem exceção, sem descriminações, que não aborda as pessoas logo com condenações, mas que se põe à escuta e procura entrar no coração das pessoas e aí abrir caminhos novos de vida com misericórdia, paciência e compreensão”. E enfatiza:
É uma imagem de Igreja próxima, misericordiosa, em saída no sentido missionário. A palavra missionário pode, às vezes, dar o sentido de proselitismo, mas nãoÉ a Igreja em saída que se quer fazer próxima e, por isso, encontrar caminhos novos para ir o encontro das pessoas, nas várias periferias que são sobretudo as periferias humanas existenciais, daqueles que sofrem, dos mais pobres, dos descartados, destes problemas agora mais urgentes a cair no nosso mundo como são os migrantes, os prófugos – e o seu acolhimento. Construir pontes de encontro porque vivemos um momento de muita competição e competitividade, de crispação a nível mundial, entre relações e entre os povos. O Papa tem sido um construtor de pontes, de encontro e entendimento entre os povos. Penso que é uma imagem de Igreja muito bela, muito mais próxima do Evangelho, muito evangélica.”. “
Da reforma da Igreja acionada e incrementada por Francisco diz que o povo católico se deixa contagiar por este modo de ser e por esta imagem de Igreja que o Papa veicula. São hoje naturais as resistências, como sempre o foram, só que agora ganham mais notoriedade. E nós devemos relevar a “quase totalidade ou grande maioria do povo de Deus que acolhe com alegria e entusiasmo esta reforma”.
Garante que os bispos portugueses, no atinente à Amoris Laetitia, estão em sintonia com o Papa, embora as linguagens sejam um pouco diferentes. É, de facto, importante o esforço em ordem a maior integração dos fiéis divorciados em nova união. Na verdade, o Papa “fala da alegria do amor que transparece no matrimónio entre homem e mulher e na própria família, que daí deriva, mas não pode fechar os olhos e esconder as fragilidades a que muitos fiéis estão sujeitos, muitos com grande sofrimento porque desejam continuar a viver a sua fé, uma fé convicta, numa boa relação com Deus e com a Igreja”. E Francisco, com efeito, aprofundou o que vinha de outros Papas e descobriu, na grande tradição da Igreja, quer no Evangelho, quer em Tomás de Aquino e na tradição do discernimento inaciano, “um caminho para discernir com seriedade”, ou seja, um itinerário (pessoal e pastoral, responsável e etápico) para, em consciência, as pessoas se porem diante de Deus e decidirem por uma maior integração dentro da comunidade cristã, que pode chegar ou não ao acesso aos sacramentos. É o primado da consciência pessoal, que deve ser constantemente iluminada e formada, no que pode ajudar o aconselhamento, na esteira da abertura do Concílio Vaticano II, que está ainda muito por cumprir.
Em relação à juventude de hoje o novo cardeal discorre:  
A juventude, hoje, é uma galáxia. Não se pode definir todo o mundo juvenil com uma configuração concreta. É um mundo novo que está a nascer, sobretudo marcado pela era digital, e, quando falamos de digital, não falamos em meras técnicas, mas numa nova cultura – uma nova cultura de comunicação, de relação, de trabalho até, empresarial, da visão do mundo. Isso levanta questões, até na vivência da fé.”.
Considerando ser este o panorama do mundo ocidental, frisa o que se passa na África e na Ásia:
Eu vejo nos peregrinos que vêm desses pontos geográficos e que aqui chegam com uma interioridade da fé que nos deixa maravilhados porque no Ocidente vivemos no imediato. Eles vêm e manifestam a interioridade da fé na atitude e no rosto, uma interioridade que lhes dá gozo, serenidade, alegria e paz.”.
Desejando que este intercâmbio esteja presente no próximo Sínodo, reconhece que não conhece bem o mundo juvenil, embora gostasse de o conhecer, mas diz que a idade parece já não lho permitir. Procura estar conectado com as novas técnicas da comunicação, mas pensa que tem de vir gente nova que estabeleça melhor esta conexão com o mundo juvenil numa linguagem nova.
No entanto, frisou que o ambiente geral – e não só o do mundo jovem – é o da fragmentação da cultura: é preciso voltar, mas vai levar tempo, “aos valores fundamentais partilhados, a consensos sociais partilhados para não vivermos numa sociedade fragmentada e dividida, sobretudo numa sociedade que cai na cultura da indiferença, de quem passa à frente e não olha para o irmão ao lado, à cultura do descarte”. E o Papa está a propor a cultura do encontro”.
Do muito que diz a propósito de Fátima na entrevista, é de reter, a meu ver, o seguinte:
O Papa percebe muito bem “o sentido, o significado e o alcance de Fátima, da sua mensagem”.
António Marto é um convertido a Fátima. Não gostava da expressão “altar do mundo”. Porém, ao ver peregrinos de todo o mundo, de todos os continentes cada um com a expressão da sua fé, reconhece Fátima como o espelho dos vários modos de viver a fé entre o nosso povo. A experiência da universalidade de Fátima fá-lo aceitar Fátima como santuário mundial. Tanto assim é que não exclui ninguém, nem o pomposo cardeal Burke nem os lefebvrianos. Só se lhes pediu que não criticassem o Vaticano II nem o Papa.  
Independentemente de ter ou não um cardeal, Fátima já se impôs por si mesma – já o dizia o Cardeal Cerejeira.
Em termos das preocupações mundiais, António Marto está com as reformas lideradas pelo Papa Francisco, quer dentro da Igreja e da Cúria Romana, quer na relação com o mundo eivado dum capitalismo feroz e necessitado de líderes e da dimensão da solidariedade, diálogo e partilha. Frisa a dimensão social do Evangelho e a dimensão da paz na ótica de Paulo VI, que disse: “O novo nome da paz é o desenvolvimento. E refere que um dos inspiradores do Papa Francisco é o Papa Paulo VI.
Para António Marto, João XXIII deu início a toda a abertura à Igreja, salientando terem sido os anciãos a fazer as grandes reformas, baseados na experiência de vida acumulada, no testemunho de fé e de amor à Igreja e no discernimento. E não esquece a frase joanina que Francisco retomou: “A Igreja prefere usar a medicina da misericórdia às armas da condenação.
Finalmente, o novo cardeal salienta o cariz mariano de Francisco, pelo que admite, em resposta a Paulo Rocha, que o Papa goste de pôr uma nota da mensagem fatimita no colégio cardinalício, já que o Papa diz que o colégio cardinalício procura exprimir a universalidade da Igreja e das caraterísticas de cada Igreja particular. Diz a este respeito:
Todos sabemos que o Papa tem um grande cariz mariano. Possivelmente quer também que esse cariz mariano esteja presente com esta mensagem de Fátima, que é sempre atual porque acompanha a história de cada século e de cada década, iluminando-a. Quando o Papa regressou ao Vaticano, após a visita a Fátima, na primeira intervenção no Angelus disse: ‘procuremos viver na luz que vem de Fátima.”.
E, assim, Evangelho, Igreja, Fátima, Papa e novo Cardeal vão de vento em popa, mas não em bico se pés! A carícia da Mãe é inestimável.
2018.06.29 – Louro de Carvalho

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