Uma maioria negativa na Assembleia da República aprovou
o projeto de lei do CDS para a eliminação do aumento do ISP (Imposto sobe
os Produtos petrolíferos). Dizem alguns que a medida corre o risco de
colidir com a norma-travão prevista na Constituição. Escudam-se, para tal, no
estipulado pelo n.º 2 do art.º 167.º da CRP, sobre a iniciativa legislativa, onde
se lê:
“Os
Deputados, os grupos parlamentares, as Assembleias Legislativas das regiões
autónomas e os grupos de cidadãos eleitores não podem apresentar projetos de
lei, propostas de lei ou propostas de alteração que envolvam, no ano económico
em curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas
no Orçamento”.
Assim, o
constitucionalista Bacelar Gouveia, questionado sobre o assunto, não mostra
dúvidas:
“É obviamente
inconstitucional”. E justifica:
“Resultando da aprovação e da vigência [da
lei] uma automática redução da receita ou aumento da despesa, acho que é
inconstitucional, não sendo proposto pelo Governo”.
Tiago Duarte admite que pode haver duas perspetivas em confronto. Caso se
assuma que a norma-travão se refere “ao valor previsto no Orçamento”, se o
Estado já tiver sido arrecadado mais, adianta que então “não estamos a diminuir
as receitas previstas no Orçamento se dissermos que agora não se cobra nem mais
um cêntimo”. Mas esta leitura é associada ao imposto em causa. Assim, o advogado
sócio da PLMJ diz que, “se o valor cobrado em ISP não atingiu ainda o valor
orçamentado e se agora se vai eliminar esse adicional ao ISP, não se vai permitir
atingir o valor previsto”. E acrescenta:
“Se o projeto tiver como consequência deixar
de se cobrar tanto ISP” e, assim, “o Governo não conseguir atingir o valor
orçamentado, então acho que o projeto corre um risco muito sério de ser
considerado inconstitucional”.
A questão também foi levantada pelos serviços do Parlamento, que, como anota
o Diário de Notícias, já indicaram que a medida “parece poder ter efeitos orçamentais”.
Aliás, a nota técnica referente ao projeto de lei refere que este limite poderá
ser “ultrapassado através de uma norma
que preveja a produção de efeitos ou a entrada em vigor com o Orçamento do
Estado posterior à sua publicação”.
Do outro lado da barricada, o CDS quer eliminar o aumento do ISP e dispõe dum
conjunto de argumentos para defender a constitucionalidade da medida. Neste sentido
se pronunciou o deputado Pedro Mota Soares a sustentar o projeto
aprovado na generalidade no dia 20 de junho, assinalando que a medida em causa
começou por ser criada com “a premissa de compensar o que
o Estado estava a perder em IVA”. E explicou:
“Em 2016, quando o preço da gasolina
estava baixo, o Governo diz exatamente isso, e até fez uma coisa que ajuda
neste momento: diz que o ponto ideal de fiscalidade era que, por cada litro de
gasolina se pagasse 88 cêntimos de impostos e, no caso do gasóleo, 61 cêntimos”.
“Na altura a cobrança era de 83 cêntimos” (no primeiro
caso) e, “portanto, havia uma
diferença”. A medida foi anunciada “com neutralidade”, continuou.
O CDS sustenta que a medida não põe em causa a
norma-travão. A este respeito, Mota Soares frisa
que, “em 2018, o Estado vai arrecadar muito mais em IVA dos combustíveis do que
estava à espera”, já que, no Orçamento do Estado, o Governo “calculou que o
brent estaria a 55 dólares por barril, mas neste momento está em 73”. Ora, “como
é óbvio, a arrecadação fiscal em IVA é muito superior ao que o Estado perderia
em ISP”. Segundo as contas do deputado centrista, em 2017, o Estado terá
“arrecadado mais 350 milhões de euros e este ano, até ao final do ano,
mantendo-se os níveis de consumo, será de mais 400 milhões de euros acima da
neutralidade”. Portanto, o “Estado tem muita margem”, pois, como diz, neste
momento, “o que o Estado está a cobrar por litro de gasolina é 93 cêntimos e,
no caso de gasóleo, 70 cêntimos”. Por isso, segundo Soares, “há margem para
descer sem afetar a receita fiscal global”. Estes valores fazem
referência ao IVA, mas o ISP “é um imposto de vaso
comunicante e, por isso, era considerado neutral, o
adicional servia para equilibrar face àquele preço de referência que se estabeleceu
nos 88 cêntimos”. Para o centrista, o “grande argumento é dado pelo
Governo”; e, se o PS invocar a norma-travão,
“então o imposto nunca visou ser neutral”.
Mota Soares salienta que, de facto, ainda não foi cobrado o nível de ISP previsto.
Efetivamente, “até final de abril tinha sido cobrado 1.090 milhões de euros”,
para uma previsão global de “três mil milhões”. Porém, à separação entre ISP e
IVA, contrapõe:
“Na criação deste adicional, a justificação do
Governo foi exatamente esta – é preciso subir o ISP porque estamos a perder
receita de IVA, quem faz ligação entre as duas coisas é o Governo”.
Tiago Duarte atira com outra interpretação da norma constitucional: em vez
de olhar para o valor previsto no Orçamento, olha para a diminuição das “fontes de receita”, ou seja, para a alteração de “leis que
gerariam receita”. E, nesta ótica, o que importa, como diz, é perceber se o
Estado “vai receber menos do que receberia se a lei não fosse aprovada”.
Abre, assim, a hipótese de o argumento dos constitucionalistas
recair na globalização das contas e não nas contas atinentes a este ou àquele
setor orçamental – o que é altamente discutível.
***
Como foi referido, o Parlamento aprovou o fim do adicional
do ISP, mas os preços dos combustíveis não baixam de imediato. Na verdade, da aprovação parlamentar até à carteira dos portugueses ainda o projeto
do CDS-PP há de percorrer alguns quilómetros nos corredores da Assembleia da
República. E não só.
Depois
de subida atrás de subida, os preços dos combustíveis tocaram máximos, numa
escalada que acompanha a tendência das cotações do petróleo nos mercados
internacionais, mas os valores praticados nos postos de
abastecimento refletem, em muito, a elevada fiscalidade que recai sobre a
gasolina e o gasóleo.
O projeto
de lei do CDS foi, por isso, aprovado, mas ainda tem de passar pela discussão
na especialidade em sede de Comissão e pela votação final global no Plenário. E,
para chegar ao terreno, carece ainda de ser promulgado pelo Presidente da
República, ser-lhe aposta a referenda ministerial e ser publicado na I Série do
Diário da República. Isto, se o Presidente não lhe opuser o veto político nem
remeter o diploma ao Tribunal Constitucional para efeitos de apreciação preventiva
da constitucionalidade.
Além
do projeto de lei do CDS, também foram aprovados dois projetos de resolução do
PSD e PCP, para reduzir o imposto. Mas nestes, estão em causa apenas recomendações
ao Governo.
Parte da explicação está no adicional do ISP, que está mais perto de desaparecer, mas
apenas perto, porque da aprovação no Parlamento até à carteira dos portugueses
ainda falta muito.
Pedro Mota Soares, o mentor do agendamento potestativo desta discussão, viu o seu projeto de lei de eliminação do adicional do ISP
– medida implementada em fevereiro de 2016 para compensar a perda de receitas
de IVA resultantes da queda dos preços do petróleo – aprovado com os votos
favoráveis do CDS e do PSD, mas com a abstenção do PCP, Bloco de Esquerda e
Verdes – partidos que viabilizam a solução governativa de António Costa.
O
projeto passou, mas os preços não baixam já, pois o projeto passou na generalidade,
mas baixou à Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa.
Terá
agora de ser discutido na especialidade, provavelmente com acertos, para ir
depois a votação final global no plenário. E será um processo que demorará
algum tempo, visto que nem todos concordam com o que está escrito no projeto de
lei do CDS. Por exemplo, O PCP comprometeu-se a viabilizar o projeto, mas este não
poderá ficar, “tal como está, em letra de lei, porque deveria ter sido redigido
com outro respeito”, como indicou o deputado Bruno Dias. Ou seja, haverá
alterações ao documento. Só depois voltará a votos, podendo então passar.
Acertados
os detalhes, o projeto pode avançar, conseguindo os votos necessários e
seguindo depois os trâmites legais até chegar a lei, como acima ficou
discriminado. Parece uma viagem suave, mas na realidade este projeto pode
deparar-se com uma rota algo tortuosa. Com efeito,
o projeto corre o risco de ser travado ao abrigo da norma-travão, que impede que os partidos apresentem
projetos de lei com impacto na redução das receitas do Estado que foram
estimadas pelo Governo na elaboração do Orçamento do Estado ou que ditem um
aumento de despesas dentro do mesmo ano económico. O advogado Tiago Duarte apontou,
como acima foi indicado, um risco muito sério de ser considerado
inconstitucional, se do projeto resultar a diminuição de cobrança do ISP de modo
que o Governo fique impedido de atingir o valor orçamentado.
Como é
óbvio, o CDS quer extinguir o adicional do ISP, podendo a medida impactar nas
receitas, embora Mota Soares defenda que não é esse o caso, porque o “Estado
vai arrecadar muito mais em IVA dos combustíveis do que estava à espera” tendo
em conta os atuais valores da matéria-prima de base, o petróleo, que está muito
acima da projeção do Executivo.
E está
visto que as dúvidas de inconstitucionalidade se levantaram e persistem.
Enquanto o projeto do CDS arrisca a inconstitucionalidade, haverá
sempre os projetos de resolução do PSD e PCP. Por serem de resolução e não de
lei, escapam ao crivo de Marcelo. São recomendações ao Governo, sendo grande a
probabilidade de não serem acatadas por estar o Executivo contra a perda dos
milhões de euros com este adicional do ISP.
Sendo efetivamente
eliminado o adicional ao ISP, desaparece este encargo extra e os preços de
venda ao público da gasolina e do gasóleo baixam, aliviando os bolsos das
famílias e das empresas. Todavia, Luís Testa advertiu, no final do debate em
que os projetos foram aprovados, que “estas
propostas fazem crer que os consumidores seriam os principais beneficiários
desta eliminação, quando assim não é”. O deputado do PS, que se opôs a
todos os projetos, deixou a ideia de que as petrolíferas podem apropriar-se
deste montante que, atualmente, vai para os cofres do Estado – ideia também
defendida pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça, que disse não ser certo que as gasolineiras
façam repercutir no preço final a descida da fiscalidade sobre os combustíveis (veja-se o
sucedido com a decida do IVA na restauração!).
Com efeito, nada impede que
as petrolíferas se apropriem do valor correspondente ao adicional do ISP que começou por ser de 6
cêntimos em ambos os combustíveis, mas após duas revisões acabaram por baixar
para 5 e 4 cêntimos por litro de gasolina e gasóleo, respetivamente. Há muito
que o mercado dos combustíveis está liberalizado, pelo que as empresas podem
praticar os valores que entendem no abastecimento. Daí que os consumidores
sejam confrontados com preços díspares entre os combustíveis comercializados
pelas gasolineiras de referência e os postos chamados de “low cost”. E, assim, este seria o
ensejo para as gasolineiras aumentarem sem o consumidor sentir impacto adicional:
haveria só mudança de beneficiário. Porém,
se tudo correr da melhor forma no sentido de baixa do imposto, mesmo que,
passado algum tempo desde a aprovação na generalidade no Parlamento, os preços
de venda dos combustíveis podem vir a registar considerável descida. Em causa estão 5 cêntimos
de adicional do ISP
na gasolina e 4 cêntimos por litro no caso do gasóleo, mas o
valor nas bombas pode descer mais. Tendo em conta os preços
médios de venda atuais, de 1,577 euros no caso da gasolina e 1,361 euros
no diesel, o referido desaparecimento dos 5 e dos 4 cêntimos traduzir-se-ia numa descida de 6,1 e 4,9 cêntimos, respetivamente,
no valor de cada litro de combustível. Isto porque, ao mesmo tempo que o valor
total do ISP desce, também o IVA (que recai sobe o ISP somado ao preço efetivo do combustível) baixará. Assim, se este adicional do ISP desaparecesse agora, o valor médio de
venda da gasolina poderia baixar para 1,528 euros e o do diesel para menos de 1,30 euros (1,299 euros). Seriam descidas que poderiam
tirar os preços dos combustíveis em Portugal do top da UE, abrindo mesmo a
porta para que baixassem da média da UE, algo que acontecia antes da introdução
deste “extra” por parte do Governo Costa.
***
Como se pode
concluir, o projeto do CDS é controverso do ponto de vista dos efeitos, do ponto
de vista político e do ponto de vista constitucional.
Em termos
dos efeitos, se as gasolineiras boicotarem a medida legislativa nos moldes práticos
acima alinhavados, será de exigir ao Executivo uma intervenção regulatória
penalizadora.
No aspeto
político, é de exigir que PS e Governo não persistam em se manterem no alto da
burra resistindo à aceitação de projetos legislativos provindos de outras
bancadas, só porque lhes podem baralhar as contas. O PSD que deixe de ter uma
autoridade no grupo parlamentar e outra na direção partidária, divergentes ou a
precisar de café, almoço, lanche ou jantar em conjunto. E CDU e BE que
efetivamente contribuam para melhoria do projeto.
Do ponto de vista constitucional, parece que, se a
CRP não distingue se a interdição da iniciativa legislativa se refere à globalidade
das contas (o que daria jeito para a viabilidade da lei em tempo
útil) ou a determinado
setor orçamental, não deve o legislador ordinário restringir a interpretação. E,
se Mota Soares, não tivesse razão nas contas que faz, haveria de seguir-se a
pista levantada pelos serviços do
Parlamento cuja nota técnica refere que o limite constitucional pode ser ultrapassado
através de norma inscrita no diploma que preveja a produção de efeitos ou a
entrada em vigor com o Orçamento do Estado posterior à publicação da nova lei. Ou
seja, a lei não teria efeitos no ano económico em foi publicada.
Aliás, Marcelo já promulgou duas leis em que surgiam dúvidas de
constitucionalidade por via da iniciativa legislativa dos deputados: a da
reversão das 35 horas semanais de trabalho dos funcionários da Administração
Pública; e a referente à mobilidade do pessoal docente para horários não
completos. No primeiro caso, o Presidente escudou-se na garantia de Centeno em que
não haveria aumento global nas contas do Estado naquele ano económico. Porém,
no segundo caso, o Primeiro-Ministro suscitou ao Tribunal Constitucional a
apreciação abstrata sucessiva da constitucionalidade, embora saiba que tal não
impede o atual trâmite concursal.
Neste caso, como a lei será aprovada sem a concordância de Costa e do PS, obviamente
que não será sobre o Governo – embora este esteja obrigado a obedecer ao Parlamento
– que recairá o ónus da demonstração da sua inocuidade nas contas. Mas era
importante que também por esta via se repusessem rendimentos pessoais, familiares
e empresariais.
A ver vamos o decurso dos acontecimentos e a postura do Presidente da
República.
2018.06.22 –
Louro de carvalho
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