domingo, 24 de junho de 2018

Retornou ao Vaticano a carta de Cristóvão Colombo


O termo do enigma internacional sobre a carta de Cristóvão Colombo
Segundo noticiou o Vatican News a 20 de junho, a Embaixadora dos Estados Unidos junto à Santa Sé, Callista Gingrich, restituiu à Biblioteca Apostólica Vaticana a carta do navegador e descobridor das Américas, substituída num momento não especificado por uma falsa.
Fica, assim, resolvido o enigma internacional sobre a carta de Cristóvão Colombo de 1493, roubada no Vaticano, já que se trata do terceiro exemplar roubado de prestigiadas bibliotecas e nelas substituído por documento similar falso, mas já restituídos aos seus legítimos donos.
No último dia 14, a predita diplomata, junto com representantes do Departamento de Segurança Nacional dos Estados Unidos e Investigações de Segurança Nacional, entregou a carta ao arquivista e bibliotecário Dom Jean-Louis Brugues e ao prefeito, Mons. Cesare Pasini.
A carta de Colombo é um relato sobre a descoberta da América, erroneamente considerada por ele como “as Índias”, escrita em 1493 ao rei Fernando e à rainha Isabel da Espanha, os reis católicos, como ficaram historicamente denominados.
O texto original espanhol perdeu-se, mas foi traduzido para latim e várias cópias dessa versão foram distribuídas em toda a Europa. A Biblioteca Apostólica Vaticana recebeu uma dessas edições, em 1921, como parte da “Coleção De Rossi” de livros e manuscritos raros.
O documento, de poucas páginas, apresenta uma notável descrição dos seres humanos, da fauna e da flora do Novo Mundo e como o navegador conseguiu alcançá-lo após 33 dias de navegação, em 12 de outubro de 1492.
Colombo escreveu a carta no caminho de volta, em 1493, a bordo de “Nina”. Desembarcou em Lisboa, a 4 de março, e fez com que o material duplicado chegasse à corte espanhola.
Como foi dito, daquele manuscrito em espanhol, nenhum traço foi preservado, daí o valor histórico e patrimonial das impressões em latim.
Primeiro, estes escritos foram mantidos em segredo, mas, depois, foram impressos levando a assinatura de Colombo, ainda em 1493, por Stephan Plannck e difundidos por vontade do próprio navegador a fim de proteger os seus interesses e permitir que todos se conscientizassem da existência de um novo continente.
Em síntese, o que se passou sobre a génese e divulgação do documento foi o seguinte. Após sua primeira viagem através do Atlântico, Colombo verteu em forma epistolar um breve relato sobre as “ilhas da Índia além do Ganges” com a intenção de anunciar as suas recentes descobertas e garantir apoio financeiro e político a uma outra viagem. A primeira edição da carta foi impressa em espanhol, em Barcelona, em abril de 1493. Um mês depois, em Roma, Stephan Plannck publicou uma tradução em latim. O preâmbulo de Plannck, dando crédito a Fernando de Aragão por apoiar a expedição, omitia qualquer referência à Rainha Isabel. Plannck, entretanto, adiantou-se a publicar uma edição corrigida que mencionava o papel de Isabel. Foi esta edição em latim que circulou amplamente e espalhou, por toda a Europa, a notícia das descobertas de Colombo.
Depois, a missiva começou a circular entre os colecionistas numa época em que a imprensa começou a fazer parte dos hábitos quotidianos dos europeus.
Em 2011, o Departamento de Investigações de Segurança Nacional estadunidense foi contactado por um especialista de livros e manuscritos que considerava falso o documento pertencente à coleção vaticana. E, depois de informarem o Vaticano sobre o possível roubo, os funcionários do departamento de segurança coordenaram a análise da carta feita por especialistas nesse setor, entre os quais se contam alguns da Universidade de Princeton.
Mesmo não conhecendo o período exato em que a carta foi roubada, os agentes americanos conseguiram encontrar o original, comprado por Robert Parsons de um comerciante de livros de Nova York, em 2004, sem saber que tinha sido tirado do Vaticano sem autorização. Por sua vez, Mary, a viúva de Parsons, aceitou depois renunciar e abandonar todos os direitos, o título e interesse pela carta.
Não foi este caso único, porquanto o Departamento de Segurança Nacional recuperou e restituiu três cartas de Colombo como parte das investigações sobre a venda ilícita de livros e manuscritos roubados. E, além da carta de Colombo pertencente ao Vaticano, confiscou e devolveu cartas pertencentes à Biblioteca Riccardiana de Florença e à Biblioteca Nacional da Catalunha, em Barcelona.
A “viagem” incomum da valiosa carta entre os dois continentes serve não só para denunciar o tráfico milionário de obras de arte e livros históricos, mas também constitui um exemplo de colaboração entre o Vaticano e os Estados Unidos, a Itália e os Estados Unidos, a Espanha e os Estados Unidos.
Desde 2005, o Governo dos EUA devolveu, por meio do Departamento de Segurança Doméstica, mais de 11 mil relíquias históricas a mais de 30 países, incluindo manuscritos, objetos de famílias reais e fósseis.
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O exemplar da Biblioteca Riccardiana de Florença
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Segundo referia o sapo 24, a 18 de maio de 2016, as autoridades italianas apresentaram naquele dia uma carta escrita por Cristóvão Colombo em 1493, roubada de uma biblioteca de Florença e vendida nos Estados Unidos, na qual o navegador anunciava a descoberta de um “Novo Mundo”, um documento excecional e de imenso valor histórico.
O documento fora recuperado após complexa operação coordenada pelos Carabinieri (polícia italiana) para a Tutela do Património Cultural, um órgão especializado que defende um imenso património histórico. A operação envolveu especialistas, historiadores, diplomatas e autoridades de vários países.
O documento fora vendido em 1992 num leilão nos EUA e adquirido por um fundo privado que o doou à Biblioteca do Congresso americano, que, por sua vez, o devolveu a Itália. A este respeito, Mariano Mossa, comandante dos carabinieri explicou em conferência de imprensa:
Em 1992, a carta original pertencente à Biblioteca Riccardiana de Florença, de valor estimado em cerca de um milhão de euros, foi vendida por uma casa de leilões a um particular que a doou ao Congresso dos Estados Unidos. Esta importante carta de Colombo relata a descoberta de um Novo Mundo e é dirigida aos reis de Espanha e impressa em 1493, em Roma. Foi roubada em época indeterminada da biblioteca Riccardiana de Florença, e agora regressa para fazer parte do nosso património.”.
O anúncio contou com a presença do Ministro da Cultura italiano, Dario Franceschini, e do embaixador dos Estados Unidos de então, John R. Phillips.
Franceschini disse que era a história dum roubo muito sofisticado. Foram feitos muitos estudos e verificações. E, durante anos, não se sabia que havia duas cópias do documento original. O documento regressou à Biblioteca Riccardiana de Florença após quatro anos de investigações na sequência duma denúncia apresentada pelo diretor da Biblioteca Nacional de Roma, de onde foram roubados diversos volumes de livros antigos que estavam a ser classificados.
Sobre a restituição o embaixador Phillips declarou tratar-se dum ato simbólico a selar “a amizade entre Itália e os Estados Unidos”.
A descoberta da América, tornada pública em 1493 por cartas, muitas das quais foram falsamente fabricadas, foi uma descoberta que mudou a história da humanidade e continua a suscitar enorme interesse. Segundo o diretor da biblioteca de Florença, Silvano Stacchetti, “nessa carta, Colombo anunciava aos reis da Espanha a descoberta do que ele acreditava serem as Índias Ocidentais, ilhas sobre o Ganges, e que na realidade eram a América”. Além disso, informava sobre a descoberta, resumia a viagem, os problemas com a bagagem e os povos encontrados”. O seu objetivo era “persuadir os reis a financiar novas expedições”.
A carta preservada em Florença com um grupo de 42 cartas originais foi substituída por uma falsificação, muito similar da original, que foi, desta vez, exibida ao público com a original. 
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O exemplar da Biblioteca Nacional da Catalunha em Barcelona
A 7 de junho de 201, a Folha informava, pela pena de Estelita Hass Carazzai, a partir de Washington, que retornara a Espanha “uma cópia manuscrita da Carta de Colombo sobre as descobertas na América” – mais de 500 anos depois, que incluíram “um roubo, duas vendas e sete anos de investigação”. Com efeito, a carta que data dos fins do século XV foi roubada, no início do ano 2000, da Biblioteca Nacional da Catalunha em Barcelona.
Foi a partir duma pista que lhe chegou sobre o roubo em 2011 que o Departamento de Segurança Doméstica dos Estados Unidos iniciou a investigação. Para o Governo norte-americano, a carta foi roubada da Biblioteca juntamente com várias dezenas de outros manuscritos que foram substituídos por falsificações.
Na verdade, agentes do Governo dos EUA contactaram a Biblioteca Nacional da Catalunha e examinaram o exemplar da carta na posse desta instituição e concluíram que não era o artefacto original, mas uma “cópia da cópia”. E descobriu-se que a carta fora vendida por duas vezes: em 2005, por dois livreiros italianos, e em 2011, por 900 mil euros.
O então proprietário daquele exemplar da carta aceitou cedê-lo para análise e, em março de 2014, os especialistas que procederam à sua análise verificaram que aquela era sem qualquer dúvida a original. Exames ulteriores permitiram concluir que foram utilizados agentes químicos para remover do manuscrito o carimbo da Biblioteca Nacional da Catalunha; e testes adicionais levaram à conclusão do uso posterior de um agente químico para clarear a tinta do carimbo e alterar as condições da fibra do papel.
A propósito do ato de restituição, Alysa D. Erics, vice-diretora interina da Divisão de Investigações do predito Departamento, declarou:
Tenho o prazer de ser capaz de retornar esta peça de valor inestimável aos seus donos de direito”.
Era o segundo exemplar da carta de Colombo devolvida pelo Governo dos EUA: em maio de 2016, uma outra cópia fora descoberta e entregue à Biblioteca Riccardiana de Florença.
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O texto da carta – escrita no porto de Lisboa (?)
Eis o texto da carta em tradução de Henry Alfred Bugalho (cf Lionel Cecil Jane, Selected Documents Illustrating the four Voyages of Columbus. 2 vols. London: The Hakluyt Society, 1930. Vol. I, 2-19]).

Senhor, porque sei que terá prazer na grande vitória que Nosso Senhor me concedeu em minha viagem, escrevo-lhe esta, pela qual saberá como em 33 dias passei das ilhas de Canária para as Índias, com a armada que os ilustríssimos rei e rainha nossos senhores me concederam, onde encontrei muitas ilhas povoadas com gente sem número; e de todas elas tomei posse por Sua Alteza com pregão e bandeira real estendida e não me contradisseram.
À primeira que encontrei, nomeei San Salvador (ilha Watling) em comemoração a Vossa Alta Majestade, ao qual maravilhosamente tudo isto se deve; os índios chamam-na de Guanahaní; à segunda pus o nome de ilha de Santa Maria de Conceição (Cayo Rum); à terceira de Fernandina (Isla Long); à quarta de Isabela (Isla Crooked); à quinta de ilha Juana (Cuba), e assim a cada uma um novo nome.
Quando cheguei à Juana, segui pela costa dela em direção ao poente, e a achei tão grande que pensei ser terra firme: a província de Catayo. E como não encontrei vilas e povoados na costa do mar, excetuando pequenas povoações, com gente com a qual não se podia falar, porque logo fugiam todos, andava eu adiante pelo dito caminho, pensando em não errar grandes cidades ou vilas; e, a cabo de muitas léguas, visto não haver novidades, e que a costa me levava a setentrião, contrário à minha vontade, porque o inverno já estava encarnado, e eu tinha o propósito de ir ao austro, e também o vento me deu adiante, decidi não aguardar mais e retornei até um porto assinalado, donde enviei dois homens por terra, para saber se havia rei ou grandes cidades. Caminharam por três jornadas e encontraram infindas povoações pequenas e gente sem número, mas não coisa de regimento; por isto voltaram.
Eu havia aprendido muito com outros índios, que já havia dominado, que esta terra era uma ilha, e assim segui a costa ao oriente cento e sete léguas até onde acabava. De onde vi outra ilha ao oriente, distante desta 18 léguas, à qual logo pus o nome de a Espanhola e fui para lá, e segui a parte setentrional, assim como de Juana ao oriente, 188 grandes léguas por linha reta. Juana e todas as outras são fertilíssimas em grande grau, e esta ao extremo. Nela, há muitos portos na costa para o mar, sem comparação, que eu saiba, a outros entre os cristãos, e rios fartos, bons e grandes, que são maravilhosos. Suas terras são altas, e nela há muitas serras e montanhas altíssimas, incomparáveis às da ilha de Tenerife; todas belíssimas, de feições, e todas acessíveis, e cheias de altas árvores de mil espécies que parecem chegar ao céu; e ouvi dizer que jamais lhes caem as folhas, segundo pude entender, pois as vi tão verdes e belas como são em maio na Espanha, e estavam floridas, com frutos maduros, ou em outros estágios; e, no mês de novembro, cantava o rouxinol e outros passarinhos de mil espécies por ali onde eu andava. Há palmeiras de seis ou oito tipos, que são admiráveis de ver, pela bela deformidade delas, assim como há outras árvores, frutos e ervas. Nela, há maravilhosos pinhais e vastíssimas campinas, e há mel, muitos tipos de aves e frutas as mais diversas. Nas terras, há muitas minas de metais e há gente em número estimável. A Espanhola é maravilhosa; há serras, montanhas, várzeas, campinas e terras belas e férteis para plantar e semear, para criar gados de todas as sortes, para edificação de vilas e povoados. Só se crê nos portos de mar daqui ao vê-los, e nos rios vários e grandes, e nas águas salubres, a maioria dos quais traz ouro. Há grandes diferenças nas árvores, frutos e ervas desta e as de Juana. Nesta, há muitas especiarias, e grandes minas de ouro e de outros metais.
As gentes desta ilha e de todas as outras que encontrei e das quais tive notícia, andam todas desnudas, homens e mulheres, assim como as mães os parem, ainda que algumas mulheres se cubram num único lugar com uma folha de erva, ou uma coberta de algodão feita para isto. Eles não têm ferro, nem aço, nem armas, nem palavra para isto, não porque não sejam gente de boa constituição e de bela estatura, mas porque são medrosos ao extremo. Não têm outras armas, excetuando armas de canas, quando estão com a semente, nas quais põem no fim um palito agudo; e não ousam usar delas; pois muitas vezes ocorreu de eu enviar à terra dois ou três homens a alguma vila, para travar diálogo e dar com um sem número deles; e, ao vê-los chegarem, estes fugiam de tal maneira que o pai não esperava o filho; e isto não porque alguém lhes tenha feito mal antes, pois, por onde estive e pude travar contacto, havia dado a eles tudo o que tinha, assim como tecidos e outras muitas coisas, sem receber deles coisa alguma; mas são medrosos assim sem remédio. Verdade é que, depois que se certificavam e perdiam o medo, eles eram tão sem malícia e eram tão liberais com o que têm, que não creríeis sem o ver. Das coisas que eles têm, pedindo-se-lhas, jamais dizem não; pelo contrário, convidam a pessoa consigo e demonstram tanto amor que dariam os próprios corações, e quer seja algo de valor, ou seja coisa de pouco preço, trocam logo por qualquer outra coisinha, de qualquer maneira, que eles se vão contentes. Eu defendi que não lhes dessem coisas tão reles, como pedaços de caldeirões furados ou pedaços de vidro quebrado ou alfinetes, pois, quando eles recebiam isto, para eles parecia ser a melhor joia do mundo. Ocorreu haver um marinheiro que recebeu, por uma ponta de cadarço, o equivalente ao peso de ouro de dois castelhanos e meio; e outros, de outras coisas que valiam muito menos, muito mais; já por moedas de prata davam tudo o que tinham, mesmo que fossem dois ou três castelhanos de ouro ou uma arroba ou duas de algodão. Até os pedaços de arcos quebrados dos barris eles aceitavam, e davam o que tinham como animais; assim isto me pareceu mal, e eu o defendi, e eu dava com alegria mil coisas boas, que eu levava, para que se afeiçoem, e que, além disto, se tornem cristãos e se inclinem ao amor e serviço de Suas Altezas e de toda a nação castelhana e procurem juntar e nos dar as coisas que têm em abundância e que nos são necessárias. E eles não conheciam nenhuma seita nem idolatria, excetuando que todos acreditam que o poder e o bem estão no céu, e tinham a firme crença que eu, com estes navios e pessoas, vinha do céu, e nesta suposição me recebiam em todos os cantos, depois de terem perdido o medo. E isto não ocorre porque sejam ignorantes, pelo contrário, são homens de muito subtil engenho e navegam todos aqueles mares, e é de se maravilhar a boa conta que eles têm de tudo; excetuando que nunca viram gente vestida, nem navios semelhantes.
E logo que cheguei às Índias, na primeira ilha que encontrei, tomei por força alguns deles, para que aprendessem e me dessem notícia do que havia naquelas partes, assim foi que logo nos entenderam, e nós a eles, fosse por língua ou sinais; e isto foi de muito proveito. Hoje em dia, trago-os comigo, mesmo que eles ainda acreditem que venho do céu, apesar de muita conversa que travaram comigo; e estes eram os primeiros a anunciar, onde quer que eu chegava, e os outros andavam correndo de casa em casa, e até as vilas próximas, com vozes altas: Venham, venham ver a gente do céu; assim, todos, tanto homens quanto mulheres, depois de perderem o medo da gente, vinham, adultos e crianças, e todos traziam algo de comer e beber, que davam com um amor maravilhoso. Eles têm em todas as ilhas muitas canoas, como as fustas de remos, algumas maiores, outras menores; e algumas são maiores do que uma fusta de 18 bancos. Não tão largas, porque são de uma tora única; mas uma fusta não compete com elas ao remo, porque são velozes que não dá para acreditar. E com estas navegam todas aquelas ilhas, que são inumeráveis, e comerciam suas mercadorias. Vi em algumas destas canoas 70 e 80 homens, e cada um com seu remo.
Em todas estas ilhas não vi muita diversidade na feição das gentes, nem nos costumes ou na língua; salvo que todos se entendem, que é coisa muito propícia para a determinação de Suas Altezas para a conversão deles à nossa santa fé, para a qual são muito dispostos.
Já disse como eu havia andado 107 léguas pela costa do mar pela linha direita do ocidente para o oriente pela ilha de Juana, segundo tal caminho posso dizer que esta ilha (Juana) é maior que a Inglaterra e a Escócia juntas; porque, além destas 107 léguas, há, na parte poente, duas províncias que eu não percorri, uma das quais chamam Avan, onde nasce gente com rabo; tais províncias não podem ter menos de 50 ou 60 léguas de comprimento, segundo pude entender dos índios que me acompanham, os quais conhecem todas as ilhas.
Esta outra Espanhola tem de circunferência mais que a Espanha toda, desde Colibre (Catalunha), pela costa do mar, até Fuenterrabía em Biscaya, pois, em um quadrante, percorri 188 grandes léguas por linha reta de ocidente a oriente. Ela é de se desejar e, ao ser vista, para nunca se deixar; na qual, posto que de todas tenha tomado posse por Suas Altezas, e todas sejam mais abastadas do que sei ou posso dizer, e todas tenho por Suas Altezas, que delas podem dispor como e tão absolutamente como dos reinos de Castela, nesta Espanhola, o lugar mais conveniente e melhor região para as minas de ouro e de todo comércio, assim em terra firme daqui como aquela de lá do Grande Khan, onde haverá comércio e lucro, tomei posse de uma vila grande, à qual pus o nome de vila da Natividade; e nela pus força e fortaleza, e que já nestas horas deve estar de todo concluída, e deixei nela gente suficiente para protegê-la, com armas, artilharias e vitualhas para mais de um ano, e fusta e mestre de mar em todas as artes para construir outras, e grande amizade com o rei daquela terra, em tamanho grau, que lhe apetecia chamar-me e ter-me como um irmão; e, ainda que lhe mudasse a vontade em ofender esta gente, nem ele nem os seus sabem o que sejam armas, e andam desnudos, como já disse, e são os mais medrosos que existem no mundo; assim que apenas aquelas pessoas que lá deixei são suficientes para destruir toda aquela terra; e é ilha sem perigo para eles, se se souber regê-la.
Em todas estas ilhas me parece que todos os homens se contentam com uma mulher, e a seu governante ou rei dão até vinte. Parece-me que as mulheres trabalham mais que os homens. Não consegui entender se eles têm bens próprios; pareceu-me que aquilo que um tinha, todos tinham parte, em especial os víveres.
Até aqui, nestas ilhas, não encontrei homens monstruosos, como muitos pensavam, mas antes toda a gente é de mui linda compleição, não são negros como na Guiné, excetuando seus cabelos escorridos, e não se criam onde há ímpeto demasiado dos raios solares; é verdade que o sol tem ali grande força, posto que é distante da linha equinocial 26 graus. Nestas ilhas, onde há montanhas grandes, ali o frio tinha força neste inverno; mas eles o sofrem por costume, e com a ajuda das comidas que comem com muitas especiarias e muito quentes. Assim não encontrei monstros, nem notícia, tirando em uma ilha Quaris, a segunda à entrada das Índias, que é povoada por uma gente considerada em todas as ilhas como muito feroz, que come carne humana. Eles têm muitas canoas, com as quais percorrem todas as ilhas da Índia, e roubam e tomam o quanto podem; eles não são mais disformes que os outros, salvo que têm o costume de trazer os cabelos longos como mulheres, e usam arcos e flechas das mesmas armas de canas, com um palito no fim, por causa do ferro que não têm. Entre os outros povos, covardes em grau demasiado, estes são ferozes, mas eu não acho que sejam piores que os outros. Estes tratam com as mulheres de Matinino, que é a primeira ilha, partindo da Espanha para as Índias, na qual não se encontra homem algum. Elas não praticam o exercício feminino, mas arcos e flechas, como os supracitados, de canas, e se armam e se protegem com folhas de cobre, que têm em abundância.
Há outra ilha, asseguram-me que maior do que a Espanhola, em que as pessoas não têm cabelo algum. Nesta há ouro sem conta, e desta e das outras trago comigo índios para testemunho.
Concluindo, ao falar disto que apenas ocorreu nesta viagem, que foi assim rapidamente, podem ver Suas Altezas que eu lhes darei quanto ouro necessitarem, com muito pouca ajuda que Suas Altezas me derem; agora, especiaria e algodão quanto Suas Altezas mandarem, e almástiga quanto mandarem carregar, e de qual até hoje não se encontra a não ser na Grécia, na ilha de Chios, e o Senhorio vende como quer, e aloé quanto mandarem carregar, e escravos quanto mandarem carregar, e serão dos idólatras; e creio haver encontrado rui barbo e canela, e outras mil coisas de substância encontrarei, as quais encontraram a gente que eu lá deixei; porque eu não me detive em lugar algum, enquanto o vento me tenha ajudado a navegar; apenas na vila de Natividade, que deixei assegurada e bem assentada. E, na verdade, muito mais faria, se me servissem os navios como demandava a razão.
Isto se deve ao grande e eterno Deus Nosso Senhor, que dá a todos aqueles que andam no seu caminho vitória em coisas que parecem impossíveis; e esta obviamente foi uma destas; porque, ainda que tenham falado ou escrito sobre estas terras, tudo é conjetura sem vê-las, mas compreendendo, os ouvintes escutavam e julgavam mais pela fala e faziam pouco caso. Assim, pois, Nosso Redentor deu esta Vitória a nossos ilustríssimos rei e rainha e a vossos reinos famosos, da qual toda a cristandade deve se alegrar e celebrar grandes festas, e dar graças solenes à Santíssima Trindade com muitas orações solenes, ao converter tantos povos à nossa santa fé, e depois pelos bens temporais; que não apenas a Espanha, mas todos os cristãos terão aqui refrigério e lucro.
Isto, segundo o feito, assim em breve.
Data na caravela, nas ilhas de Canária, em 15 de fevereiro, ano 1493.
Farei o que mandarem
O almirante.”.
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Depois de esta escrita e estando no mar de Castela, saiu tanto vento sul e sueste comigo, que tive de descarregar os navios. Mas percorri aqui este porto de Lisboa hoje, que foi a maior maravilha do mundo, onde resolvi escrever a Suas Altezas. Em todas as Índias, sempre encontrei temporais como em maio; para onde fui em 33 dias, e voltei em 28, excetuando estas tormentas que me detiveram 13 dias vagando por este mar. Dizem aqui todos os homens do mar que jamais houve inverno tão ruim, nem tantas perdas de naus.
Data a 4 dias de março.
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Do conteúdo da carta
O navegador, na sua ação querida e acompanhada pela Providencia divina, refere as suas constantes andanças e ter encontrado terras muito povoadas, sobretudo ilhas (muitas delas muito extensas) que ocupou, denominou e em que pôs as insígnias reais de Espanha. Nalgumas pequenas ilhas, com muita gente, era difícil contactar com as pessoas porque fugiam com medo. No entanto, depois era fácil entenderem-se e trocar informações sobre o ambiente, designadamente sobre a configuração do terreno, a abundância e variedade de plantas, animais e especiarias, governança dos núcleos habitacionais, os rios (alguns grandes), muita água, muita riqueza na terra. Com raras exceções, aquela gente era pacífica (alguns até eram cobardes, embora também houvesse um núcleo de pessoas ferozes) e sem armas, a não ser o arqueiro em que inseriam um ponteiro para projetar.
As pessoas andavam desnudas, quando muito tapando com elementos vegetais algum local corporal. Eram as mulheres que mais se aplicavam ao trabalho agrícola, indo os homens em fustas e canoas à procura de peixe, de metais como o ouro e o cobre e as especiarias.
Os nativos eram muito fáceis em proceder a trocas com os visitantes. O almirante, que intervinha no sentido de os visitantes não apoucarem os nativos dando-lhes objetos inúteis ou degradados, garantia as suas Altezas que poderia dar-lhes o ouro, os materiais e especiarias de que precisassem, bem como os escravos que os reis de Espanha mandassem carregar.
E, dado que era fácil estabelecer franco entendimento por palavras ou por sinais, aquele era terreno humano favorável à implantação da santa fé para glória de Deus e satisfação do desígnio missionário da Espanha. Tanto assim era que, embora concedessem umas dezenas de mulheres aos seus soberanos e houvesse um ou outro núcleo de canibalismo, entre as populações era quase total o regime da monogamia, o cuidado amoroso para com os filhos e o respeito pela vida humana.  
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Pequeno apontamento sobre a ação de Colombo
Antes das suas viagens em busca das Índias pelo Ocidente, Colombo passou um período de dez anos em Portugal, sobretudo no arquipélago da Madeira, dedicado ao estudo das rotas de navegação, convencido da existência duma passagem marítima pelo Ocidente até as Índias. Casou em 1480 com Felipa Muniz, filha do navegador Bartolomeu Perestelo, em cuja biblioteca estudou as obras que viriam a certificá-lo da existência de novas terras. Com Felipa, que morreria quatro anos depois, teve um filho, chamado Diego.
Por esta época, Colombo tentou, em vão, convencer o rei de Portugal Dom João II a conceder permissão para uma viagem ao Oriente. Em 1485, Colombo fixou-se na Espanha, movido pelo interesse manifestado pelos reis Fernando e Isabel, em patrocinar a viagem, com o intuito de expandir a fé católica para as terras orientais.
Composta por três caravelas – Pinta, Nina e Santa Maria – a frota de Colombo deixou as costas da Espanha no dia 3 de agosto de 1492. A viagem foi atribulada e a tripulação quase pereceu em terríveis tempestades e tentativas de motins. No dia 12 de outubro, Colombo chegou à ilha que chamaria de San Salvador, no arquipélago das Bahamas. Navegou pela ilha de Cuba e pelo Haiti, retornando à Espanha em março de 1493. Tinha para si a certeza (era um erro) de ter chegado ao Oriente rumando a Ocidente.
Neste mesmo, ano fez a sua segunda viagem, com uma frota de 17 naus. Chegou ao Caribe e descobriu várias ilhas, como Dominica, Guadalupe, Porto Rico e Jamaica. Em 1499, numa terceira viagem, alcançou terra firme, nas costas da atual Venezuela. Reconheceu também as ilhas de Trinidad e Tobago e Granada.
Desta viagem, no entanto, já regressou com ordem de prisão. Mesmo perseguido por intrigas palacianas e não mais desfrutando dos privilégios reais, Colombo conseguiu se libertar. Assim, empreendeu ainda uma quarta viagem, entre 1502 e 1504, completando o reconhecimento da costa da América Central.
Tendo regressado à Espanha em 1504, caiu no ostracismo, abandonado e esquecido. Morreria dois anos depois – e, pelos vistos, sem saber que havia descoberto um novo continente. Acreditava ter chegado a um anexo remoto da Ásia.
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Não enveredei pelas questões de nacionalidade e circunstâncias de nascimento de Cristóvão Colombo, que me parecem difíceis de deslindar, embora ganhe cada vez mais relevo a hipótese da sua origem nobre e portuguesa, sobretudo a partir da hermenêutica ligada à sua assinatura, e alguns testemunhos, bem como pela ideia da alegada inviabilidade de uma donzela nobre ser ao tempo dada em casamento a um homem das artes e ofícios.
E continua por saber-se o motivo pelo qual Dom João II rejeitou os seus préstimos como a razão pela qual antes de portou em Lisboa de chegar à corte espanhola e foi recebido pelo rei português. As hipóteses mantêm-se em cima da mesa dos estudos e os estudiosos continuam a discuti-las, separando-se os campos das sentenças.
2018.06.24 – Louro de Carvalho

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