Podia ter sido de outro modo. Porém, as coisas sucederam da forma que a
liderança política da nação estabeleceu e, para clarificação de opções, não é
conveniente andar à ré e à vante.
Os portugueses votaram a 4 de outubro de 2015 e os resultados eleitorais
deram um Parlamento arco-íris – PSD, PS, BE, CDS, PCP, PEV e PAN – sem que um
partido ou coligação tenha conseguido uma maioria clara. E, enquanto o
Presidente da República ao tempo reinante, confiou ao líder do partido que
obteve o maior número, embora periclitante de votos, o encargo de formar governo
e o nomeou Primeiro-Ministro e empossou o seu Governo nos termos constitucionais,
o PS, PCP, PEV e BE estabeleceram uma hábil plataforma de entendimento que
inviabilizou a continuidade do XX Governo Constitucional e viabilizou um Governo
minoritário do PS, garantindo-lhe, em princípio, o apoio nos diplomas e medidas
estruturantes da ação governativa, muito embora permanecendo aqueles partidos ditos
mais à esquerda numa posição crítica, não totalmente demolidora, em relação aos
denominados compromissos internacionais.
O Chefe do Governo não encontrou, como era de esperar, com as lideranças então
vigentes à direita (PSD e CDS) condições para estabelecer quaisquer
acordos setoriais, por lhes ter barrado o caminho da governação e eles se
sentirem ultrapassados. Por isso, foi governando com sucesso político, ainda que
eivado de críticas pontuais, e mesmo alguns amuos em sede parlamentar da parte
dos seus parceiros parlamentares, que não de governação.
Não pode, a meu ver, sob risco de falha de lealdade política, passar para
campo oposto só porque mudou a liderança do maior partido de oposição ao Governo
e esta lhe acenou com disponibilidade para acordos em setores em que a esquerda
torce três ou quatro vezes o nariz.
É verdade que há acordo de princípio na descentralização e na posição em relação
aos fundos comunitários. Todavia, é legítimo perguntar de que descentralização se
está a falar e de que posição ante os fundos comunitários se trata.
Se por descentralização se pretende apenas passar para a responsabilidade
dos municípios competências em matéria educativa, de saúde ou de segurança
social com os respetivos e desejados envelopes financeiros, pode ser mais
nefasta a emenda que o soneto. Saímos duma governança central com erros de
distanciamento e de colocação de boys
em postos-chave para uma governança local permeável a interesses, compadrios e
teias dependenciais, com concursos abertos ad
hominem. Se é para a regionalização encapotada, o Presidente e mais alguns
da sua família política já advertiram para a obrigação constitucional do
referendo sobre regionalização.
Quanto aos fundos europeus, que mais-valia resultou da “aliança” PS/PSD? O que
deve fazer o Governo, que tem o dever de definir a política externa e zelar por
ela, é negociar com eficácia a posição portuguesa. De resto, qualquer líder
partidário com assento parlamentar tem acesso à Comissão Europeia e os
eurodeputados portugueses no Parlamento Europeu não bloqueiam os interesses de Portugal.
***
Mas, de momento, está na mesa da discussão um tema quente em que obviamente
a esquerda e a direita estão em posições opostas: a alteração da legislação
laboral. E recordo: se o eleitorado, quando votou, não esperava a atual solução
governativa, que tem legitimidade constitucional e que mostrou ter pernas para andar
até ao fim da legislatura, também não foi prometida ao país uma governação ziguezagueada,
ou seja, com acordos setoriais ora à esquerda ora à direita consoante a matéria
ou as circunstâncias. O Governo que siga a sua linha e o eleitorado que julgue quando
lhe for devolvida a palavra.
Está, pelos vistos, em marcha a tentativa de o Governo
fazer uma aliança com o PSD e o CDS para aprovarem, na Assembleia da República,
a proposta de lei do Governo sobre legislação laboral. Foi o que disse o
secretário-geral da central sindical, Arménio Carlos, em conferência de
imprensa, em Lisboa, opinando que tal significará um regresso ao “bloco central de interesses
contra o qual os portugueses votaram em 2015”.
Porém, a proposta de lei do Governo que introduz alterações ao Código do Trabalho
surge na sequência de acordo firmado na Concertação Social com as associações
empresariais e a UGT – o que não significará tout court, por si, só o regresso ao bloco central, mas podendo ter
essa consequência.
O documento está em discussão pública e será votado no plenário do parlamento a 6 de julho, dia em
que a intersindical tem agendada uma manifestação em frente à Assembleia da
República contra o diploma.
O líder da CGTP defendeu que “é altura de pôr termo à hipocrisia e ao
cinismo” e de “falar a verdade aos portugueses” no atinente às alterações à
legislação laboral. E explicitou:
“O Governo, provavelmente porque se
estão a aproximar as eleições, provavelmente porque poderá ter perspetivas de
poder ter um resultado suficiente para que possa governar sozinho, sem o apoio,
sem a colaboração com outros partidos, está claramente a encetar um percurso
que caminha para a direita”.
A CGTP pediu reuniões aos diversos grupos parlamentares com o escopo de que
a proposta do Governo seja travada, considerando que, se ela vier a ser
aprovada, “vai agravar o relacionamento
entre todos os partidos, nomeadamente entre aqueles que, neste momento,
defendem uma posição diferente para Portugal”.
Entre as principais
alterações propostas pelo Governo estão a extinção do banco de
horas individual, a duração dos contratos a prazo limitada a dois anos, a
introdução de uma taxa adicional à TSU (Taxa Social
Única) para
penalizar empresas que abusem da contratação a termo e o alargamento do período
experimental para 180 dias para os trabalhadores à procura do primeiro emprego
e para os desempregados de longa duração.
O PS anunciou apresentar propostas de alteração às medidas do Governo sobre
legislação laboral acordadas em Concertação Social, para que sejam clarificadas
e melhoradas.
Em declarações aos jornalistas, no final de reunião da bancada socialista
com o Ministro do Trabalho, José António Vieira da Silva, na Assembleia da
República, Carlos César, líder da bancada socialista, adiantou que o PS quer uma
“concertação parlamentar” sobre a matéria, dialogando com todos, mas em
particular com BE, PCP e PEV. Disse a propósito:
“Nós faremos um esforço para que
outros partidos, designadamente aqueles que partilham connosco este projeto
governativo nesta legislatura, também concorram para essas melhorias e, se
possível, participem na sua aprovação”.
Apesar de o acordo gerado em sede da Concertação Social vir a ser assinado
em cerimónia presidida por António Costa no próximo dia 18, o grupo parlamentar do PS levantou reservas a medidas
defendidas pelo Ministro do Trabalho, sobretudo em relação à norma da proposta de lei do Governo que
duplica (para seis
meses) o período experimental de trabalho.
Uma reunião
da bancada parlamentar do PS no dia 14 à noite serviu ao Governo para perceber
as reservas do grupo parlamentar socialista à revisão do Código do Trabalho que
o Executivo conseguiu acordar na Concertação Social (com exceção
da CGTP, que não alinhou). Segundo o
DN, as reservas foram sobretudo
expressas pelos deputados Tiago Barbosa Ribeiro (coordenador dos deputados do PS na
comissão de Trabalho e Segurança Social), João
Galamba (antigo
porta-voz do partido) e Wanda
Guimarães (histórica dirigente sindical do PS).
Na reunião
esteve presente o ministro da pasta, Vieira da Silva, e ainda Pedro Nuno Santos,
o principal “pivot” governamental para as negociações dentro da maioria parlamentar
e Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (que, pelos
vistos, só ouviu, não falou).
Tal como os
partidos à esquerda do PS, os três deputados contestaram a norma que altera o
período contratual de experiência, alegando, nomeadamente, que as empresas
poderão dar uma utilização abusiva a esta inovação legislativa, usando na
prática o período experimental como um contrato a prazo não renovável. Assim, foram
feitas considerações sobre a possibilidade de se introduzir na proposta de lei
um dispositivo travão para impedir o tal uso abusivo – mas sem que isso aplique
violação do acordo na Concertação Social em torno das normas que o Governo
agora quer levar a votos.
Ouviram-se
também reparos sobre a necessidade de o PS se manter sintonizado com a solução
de esquerda que tem apoiado o Executivo de António Costa em vez de privilegiar
acordos que, na prática, aproximam do PSD o PS e o Governo.
E, no final
da reunião, o líder parlamentar reconheceria implicitamente as críticas
internas à proposta de lei governamental dizendo que a bancada apresentará
propostas de alteração ao diploma governamental quando ocorrer a discussão na
especialidade, para que as suas normas sejam melhoradas e clarificadas. Na sua
ótica, o acordo de concertação social – muito criticado pelo BE, PCP e PEV –
inclui “medidas positivas” e “foi muito importante que áreas patronais pudessem
concorrer para essa melhoria da vida e da segurança no trabalho”. Contudo,
salientou que “é importante também, no entender do PS”, que algumas áreas sejam
ainda mais bem clarificadas e que “as iniciativas do Governo sejam aqui
melhoradas”, tendo sido isso mesmo que o que foi transmitido ao Ministro.
E, no dia 6
de julho, quando o Parlamento for discutir a proposta de lei do Governo que
saiu da concertação social, o diploma não irá sozinho a debate: há mais 19
projetos em cima da mesa, sete do BE, seis do PCP, três do PEV e um projeto de
resolução do CDS.
***
A manifestação
convocada pela CGTP para o próximo dia 6 de julho vem na sequência da que se realizou
no passado dia 9 de junho, também convocada por esta central sindical.
Efetivamente,
milhares de pessoas percorreram as ruas de Lisboa, entre o Campo Pequeno e o
Marquês de Pombal, a exigir a valorização do trabalho e dos trabalhadores e o
aumento de salários. Aqui a manifestação terminou com uma intervenção do secretário-geral
da CGTP.
Em declarações
aos jornalistas antes da sua intervenção, o responsável da central sindical já
tinha adiantado que nos próximos meses se assistirá a “uma luta convergente” de
trabalhadores.
Cartazes,
bandeiras da confederação sindical, faixas e balões coloridos acompanharam os
manifestantes no desfile, que reivindicaram o fim da precariedade e o aumento
geral dos salários e do salário mínimo nacional para 650 euros.
Juntos sob o
lema “Lutar Pelos Direitos, Valorizar Os Trabalhadores!”, os manifestantes
chegaram a Lisboa desde vários pontos do país.
Segundo a
direção da Intersindical, foram contratados mais de 150 autocarros e quatro
comboios com partida do Porto para transportar trabalhadores até Lisboa.
A
manifestação foi convocada para defender a necessidade de valorização do
trabalho e dos trabalhadores, através de uma melhor distribuição da riqueza e
da melhoria das condições de vida e de trabalho.
Com o
recente acordo de concertação social para a revisão do Código do Trabalho, a
CGTP considera que existem agora motivos acrescidos para o protesto.
O aumento
geral dos salários, a fixação do Salário mínimo nos 650 euros em janeiro de
2019, o fim da caducidade das convenções coletivas “e de outras normas gravosas
da legislação laboral”, a reposição do princípio do tratamento mais favorável,
as 35 horas de trabalho semanal para todos, o fim da precariedade, o aumento
das pensões e a reposição dos 65 anos como idade legal da reforma são as
principais reivindicações da Intersindical, o que, digamos, corresponde às
aspirações da generalidade dos trabalhadores.
E, face a
isto, dispomos de cândidas declarações do Secretário de Estado do
Emprego, Miguel Cabrita, que disse ao Expresso
já ter havido “maiorias parlamentares que se geraram excluindo um ou mais
partidos da ‘geringonça’”, como sinal para o PSD aprovar as leis laborais que
Bloco, PCP e PEV rejeitam.
Por seu turno, Rui Rio assegurou com prudência que
aquilo que patrões e sindicatos assinaram o PSD não travará.
Porém, este será mais um foco de tensão à esquerda
antes do Orçamento do Estado para 2019. Cumpre ao Governo saber efetivamente aquilo
que pretende, fazer bem as contas (e todos os custos sociais para não andar a poupar na farinha e gastar no
farelo) e, sobretudo, importa que a situação seja clarificada, até para a
formação de uma opção consciente e sustentada na mente dos eleitores. Nada mais
prejudicial que as meias-tintas – aquilo que alguns partidos, incluindo larga
franja do PS, gostam de exibir!
2018.06.17 – Louro de Carvalho
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