Há muito
tempo que a educação e o ensino deixaram de ser ocupação maioritária de
amadores e os seus agentes se tornaram profissionais munidos de um estatuto que
lhes confere uma carreira, enuncia os direitos e os deveres e define o seu conteúdo
funcional no quadro da observância de normativos básicos em que há lugar para a
autonomia profissional e isenção científica e cultural, concretizando-se tal
autonomia pela escolha ou produção de materiais pedagógicos e seleção de métodos
e técnicas pedagógico-didáticos, sem esquecer a liberdade da atualização
científica e em ciências da educação. Além disso, torna os educadores e
professores em cooperantes de projetos pedagógicos comuns em prol da cidadania
e do futuro das crianças e jovens.
Todavia, a pari, a educação e o ensino foram
sendo objeto de negócio muito semelhante ao relativo ao processo de
industrialização, o que se torna evidente nos estabelecimentos do ensino
privado e no ensino à distância. Os elementos preponderantes desta
industrialização residem basicamente na procura de resultados prévia e
comummente definidos (em geral de forma tácita) e aceites, através de vias uniformes e da maior economia de meios, indo
desembocar numa avaliação padronizada e em quase tudo uniforme. E esta ótica invadiu
a escola pública quer através da produção editorial, quer através das diretivas
do governo central, quer através da depauperação que os sucessivos Ministérios
das Finanças vêm inoculando no sistema educativo.
É óbvio que
o Estado deve promover a economia de meios (não a miserabilização), mas sem prejudicar os desígnios da educação e do
ensino enquanto fautores do desenvolvimento da personalidade e da articulação
com a sociedade que desejamos edificar e desenvolver.
***
O ensino à
distância constituiu a forma de colmatação do acesso lacunar de todos à
educação e hoje representa uma poderosa mais-valia no aperfeiçoamento formativo
dos cidadãos e na complementação da qualificação profissional e académica. Com
efeito, desenvolvendo-se a par dos meios de comunicação, indústria e comércio,
vem enformado pelos princípios do processo de industrialização, tais como a
racionalização e divisão do trabalho, a atribuição de tarefas parcelares a
especialistas, a mecanização e a automatização. Assim, as analogias mais
evidentes são: importância o trabalho prévio ao processo; dependência da eficácia
do processo de ensino-aprendizagem de planeamento e organização adequados; divisão
das funções do formador em subfunções a realizar por especialistas, de forma
análoga ao processo de produção na linha de montagem; resultado da rendibilidade
económica a partir da consecução de número elevado de formandos (à educação
de massas corresponde a produção de massas); a
necessidade de investimentos de capital, concentração de recursos e
administração qualificada e centralizada.
São caraterísticas
que justificam a afirmação de que esta é a mais industrializada forma de
ensino, em comparação o ensino tradicional em sala de aula (já não o
atual), que se aproximava estruturalmente
do trabalho oficinal pré-industrial. Porém, a recente evolução na indústria
mostra a tendência de abandono da típica produção em linha, optando pela
organização em pequenos grupos em que o indivíduo, em vez de estar dedicado uma
única atividade, se envolve em várias, num modelo em que se recriam algumas das
condições das antigas oficinas. E as sociedades mais industrializadas fazem
emergir e generalizar subculturas partilhando em comum posições de rejeição e
critica à ordem estabelecida prenunciando nova era, a era pós-industrial caraterizada
essencialmente por três alterações de natureza económica: enorme crescimento do
número de empregados no setor terciário e no dos serviços; emergência de novas
tecnologias e progressiva massificação do acesso; e alteração da estrutura da
tomada de decisões na economia e na sociedade em geral.
O
crescimento (qualitativo e quantitativo) no setor
dos serviços tornou-se o maior empregador nos países industrializados, com a
exigência de cada vez mais altas qualificações para o desempenho das tarefas – o
que, a par do rápido desenvolvimento do conhecimento, tornou imperiosa a
formação contínua e especializada, bem como a aprendizagem ao longo da vida. A
utilização de computadores e sistemas de comunicação trouxe para primeiro plano
a informação, fazendo alterar muito as estruturas da produção e levando a
pensar que num futuro não muito longínquo a localização geográfica da empresa
ou do trabalhador deixarão de ser condição determinante para a produção. Aliás,
há já profissionais que não precisam de sair de casa para executar o trabalho. E a estrutura da
tomada de decisão também se alterou: não é já o empresário o único a decidir,
mas grupos em que os membros tomam decisões grupais, planeiam e controlam o próprio
trabalho, com o controlo global a ser assegurado por complexos sistemas de
informação.
De facto, a
relação homem-máquina, caraterística da sociedade industrial, será substituída
pela relação interpessoal, sendo as pessoas o centro da atenção e interesse,
não a instituição. Mas as pessoas também terão de mudar, desenvolvendo novas
competências e desempenhando novos papéis. O trabalho ser-lhes-á experiência
mais criativa e satisfatória. E a organização e gestão do trabalho trarão
significativas mudanças extensivas ao campo das atitudes e valores.
Voltando ao
ensino à distância, verifica-se que muitos dos aspetos que o caraterizam o
definem como forma industrializada de ensino. Ora, desde as origens, utiliza os
meios de comunicação para a realização do processo de ensino-aprendizagem em
que formadores e formandos estão separados fisicamente e realizam a sua quota
do trabalho em tempos não simultâneos. O isolamento do formando obrigou a que
se fomentasse a sua autonomia e independência sendo ele a determinar e gerir a própria
aprendizagem. E, embora um dos deveres dos profissionais deste ensino seja
disponibilizar aos formandos autossuficientes materiais de ensino, sempre se
impôs a necessidade da existência de formas de interação social entre os
parceiros, obrigando ao desenvolvimento de vasta gama de recursos destinados a
tal interação. Assim, não há curso deste ensino que não proponha ou
disponibilize aos formandos centros de apoio e de recursos, reuniões regulares
com formadores ou tutores para aconselhamento ou superação de dificuldades na
aprendizagem, criação de grupos de apoio mútuo por locais de trabalho ou áreas
de residência, etc.. Também a apetência e utilização dos novos meios
electrónicos de comunicação são uma constante no ensino à distância,
verificando-se ultimamente um muito rápido desenvolvimento na utilização das
novas tecnologias para comunicações bidirecionais que permitem a interação
entre formandos e formadores e induzindo a criação de salas de aula virtuais a recriar
a situação da sala de aula tradicional, que tem s suas vantagens.
Estas
afinidades entre a industrialização e o ensino à distância e, sobretudo, o que
se “sonha” para a sociedade pós-industrial e pós-moderna devem refletir-se no
pensamento sobre este ensino. Desta forma, o lançamento de programas, tendo em
mira o tempo presente e em especial a sua população alvo, deverá ainda perspetivar
os seguintes aspetos: alterações nas caraterísticas da procura, que
deixará de ser pontual e assumirá forma continuada e diversificada decorrente
das necessidades de uma aprendizagem ao longo da vida; objetivos dos
formandos, que deixarão de ser predominantemente materialistas e dirigidos
à busca de melhorias profissionais, passando também a ser determinados por razões
de natureza pessoal, social e cultural; estrutura e currículos, que deem
respostas a estas necessidades pessoais e sociais emergentes; métodos,
que, de centrados nos materiais e no autoestudo, encontrem as vias para o
desenvolvimento de relações de tipo social, nomeadamente a criação de condições
para o trabalho de grupo e o desenvolvimento do diálogo entre formadores e
formandos; e uso das novas tecnologias da informação, que, para lá proporcionarem
aos formandos uma informação mais acessível e rica, proporcionem a interação
entre os vários intervenientes no processo de ensino-aprendizagem.
O ensino à
distância, que é um produto típico da sociedade industrial por aplicar na sua ação
muitos dos princípios da indústria e por responder a muitas das necessidades e
problemas dessa sociedade, especialmente duma sociedade em que se conjugam a
necessidade de melhores competências e qualificações profissionais e o desejo
individual de melhorar o estatuto socioprofissional para desenvolver a motivação
dos indivíduos, a possibilidade de atingir os objetivos sociais e individuais sem
a necessidade do afastamento temporário do posto de trabalho, será um fator
determinante na evolução próxima e futura do ensino.
Se a
sociedade industrial se definia pela qualidade dos bens postos no mercado e
pelo nível de vida, a sociedade pós-industrial definir-se-á pela qualidade de
vida advinda de serviços e comodidades (saúde, educação, lazer, artes, etc.) agora desejados por todos e possíveis para muitos.
***
Porém,
será de rejeitar a industrialização da educação e ensino que:
- Se
contente com o desenvolvimento de competências mínimas de modo que o formando,
uma vez diplomado, desempenhe mecanicamente os misteres de que é incumbido, sem
o bastante conhecimento técnico-científico, que fundamente a prática, e sem
sentido crítico e abertura à inovação, posicionando-se na prestação dum
trabalho autómato, desqualificado e mal pago;
-
Albergue profissionais que se limitem à prática de atos rotineiros, recurso aos
métodos e técnicas de sempre, distanciação fria perante os alunos/formandos e
colegas e relação acomodada com os conteúdos a transmitir de modo invariável,
no pressuposto de que está garantido em definitivo o seu trabalho/emprego – ou
que se apliquem de forma errática e falsamente inovadora, por receio de uma
avaliação de desempenho que os possa desligar do posto de trabalho ou de
emprego;
-
Procure, em termos privados, o lucro excessivo ou que, em termos públicos,
persista na vertente economicista, minorando o investimento no capital humano
como o mais precioso.
-
Permita a delapidação do erário, o esbanjamento de recursos, a degradação do
património ou as atitudes contra o ambiente, vindo posteriormente lançar apelos
desesperados aos agentes económicos, sociais e culturais com vista à saúde do
planeta;
-
Recorra desnecessariamente ao recrutamento e seleção de agentes sem a
habilitação adequada e sem o conhecimento do setor profissional ou científico
em que ministram o ensino;
-
Promova a falsa competitividade entre estabelecimentos de educação e ensino,
favorecendo o despique, os rankings,
o mal-estar social e a falta de estatuição de parcerias numa ótica de
desenvolvimento sustentável, global, integrado e integrador;
-
Manipule a população escolar, de forma indiferenciada e massificadora, ao
serviço do capital.
***
Em
contraponto, será de acolher e promover a industrialização da educação e ensino
que:
- Disponha
de espaços físicos adequados ao desenvolvimento de competências gerais e
específicas, à luz das grandes competências-chave, que edifiquem um perfil de
educando e de diplomando ajustado ao seu nível etário e às justas expectativas
colocadas no nível escolar consentâneo com a idade ou com o grau de formação e
qualificação que se pretende para o exercício duma atividade profissional e/ou
de intervenção cívica e política;
-
Mobilize profissionais e agentes adequadamente habilitados, conhecedores do
meio e do setor de atividade em que profissionalmente estão empenhados;
-
Dinamize práticas de direção, gestão e administração pautadas pela definição de
objetivos estratégicos, setoriais e específicos na ótica de procura da
excelência e na postura permanente de avaliação (auto e hetero), utilizando métodos e técnicas
inovadores, com vista à eficácia educativa e à preparação para o mundo do
trabalho e/ou prossecução de estudos superiores e especializados – ou seja,
pretendendo a empresarialização em nome da eficácia e alocação dos recursos,
mas visando o fundamental da ação pedagógica, científica e cultural;
-
Exercite a comunicação interna que propicie a gestão de afetos e conflitos,
imprima coerência, eficácia e qualidade às atividades, favorecendo o mesmo
sentir no essencial e a liberdade de opinião e ação nas matérias em que ela
deve ser incentivada;
-
Dialogue, coopere e estatua parcerias com instituições, organismos, serviços e unidades
de produção/transformação com vista ao desenvolvimento pessoal e social dos educandos
e formandos e à sua inserção no mundo da realidade comunitária e laboral;
-
Prepare os clientes da educação, formação e ensino para o exercício da
atividade profissional gradualmente mais sustentada, qualificada, inovadora e
bem remunerada;
- Crie
desconforto a quem se encastele nas atividades rotineiras ou no surto
intriguista, mas estimule quem se entregue, de alma e coração, à criação e
desenvolvimento do sentido autonómico, do espírito crítico e da cultura do
respeito, responsabilidade e exigência;
-
Potencie a industrialização das matérias, atividades, setores e lugares com
apetência para tal, na senda da rendibilização, da resposta diferenciada às
aspirações das massas, da mobilização de todos os recursos e da valorização da
pessoa, da comunidade, do trabalho e do capital, mas sendo a escola a
assumir-se como o motor do desenvolvimento e não a deixar-se manipula pela onda
mercantilista;
-
Edifique a intervenção cívica e o contributo pessoal e grupal para o
desenvolvimento, progresso e bem-estar de todos;
- Tire
partido da utilização da inteligência teórico-prática, da componente emocional
e do conveniente sentido de humor, em parâmetros do são humanismo e da efetiva
modernização.
***
Em suma,
postula-se uma industrialização que retenha o significado latino de “indústria”
(industria,
ae – zelo, atividade, cuidado, aplicação, diligência, trabalho, dedicação) e que avance em razão da
eficácia e qualidade, mas considere o valor da pessoa humana, da família e da
sociedade. Além disso, deve exigir-se que, seja qual for a modalidade e o
objeto da educação, do ensino e da formação, se reserve um tempo suficiente
para a arte, o lazer, o tempo livre e mesmo o divertimento. Com efeito, o ser
humano nunca pode deixar de ter sido em conta no planeamento, organização,
desenvolvimento e avaliação de qualquer atividade.
2018.06.04 –
Louro de Carvalho
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