Decorreu, nos passados dias 7 e 8 de junho, no Auditório do Paço
Episcopal do Porto, um colóquio científico em torno do tema “Entre a Monarquia e a República: os
tempos de Dom António Barroso no centenário da sua morte (1918-2018)”. Trata-se duma iniciativa que visou assinalar o
centenário do insigne prelado portucalense e promover a conveniente reflexão
sobre o tempo do missionário e bispo e os respetivos contextos, bem como
inferir em que sentido se pode concluir algo de útil para os tempos de hoje.
A organização do evento
coube à Diocese do Porto, ao CEHR (Centro de
Estudos de História Religiosa, Porto / Gabinete D. Armindo Lopes Coelho) da UCP (Universidade Católica Portuguesa), que forneceu o secretariado, ao Seminário Maior de
Nossa Senhora da Conceição e à Irmandade dos Clérigos. E a Comissão
Científica foi constituída por Adélio
Fernando Abreu, Luís Carlos
Amaral, Luís Leal, Paulo F. de Oliveira Fontes e Sérgio Ribeiro Pinto.
De acordo
como texto de apresentação do CEHR, o colóquio pretendeu “abordar a vida e a
ação pastoral de Dom António Barroso, inscritas no cenário político, social e
eclesial do seu tempo, entre a Monarquia e a República”. Com efeito, segundo a
cronologia dos Bispos do Porto, constante da página web da diocese, Dom António José de Sousa Barroso nasceu em
Remelhe, Barcelos, a 5 de novembro de 1854, e faleceu a 31 de agosto e 1918;
foi missionário no Ultramar português entre 1880 e 1889, Bispo de Himéria de
1891 a 1897, Bispo de Meliapor de 1897 a 1899 e Bispo do Porto de 1899 a 1918.
É ainda
referido que foi destituído do cargo de Bispo do
Porto, por não acolher as medidas republicanas, situação que se manteve até
1914. Porém, em 1917, um novo conflito o afastou da sua cátedra. Em termos
organizacionais, salienta-se a divisão da diocese em 37 distritos eclesiásticos.
Também e
ainda segundo o acima mencionado texto de apresentação do colóquio, o
homenageado frequentou o Seminário das Missões de Cernache do Bonjardim, antes
de ser ordenado presbítero, em 1879, e partir como missionário, ao serviço do
Padroado português, em Angola e Congo, em Moçambique e em Meliapor. Aí se
encontrava quando foi nomeado bispo do Porto, “diocese que pastoreou entre 1899
e 1918, com um estilo missionário e uma irredutível firmeza, esta no contexto
subsequente à afirmação da República, em 1910”.
***
Segundo o programa, que foi integralmente cumprido, decorreram as
seguintes realizações:
No primeiro
dia, dedicado ao subtema A sociedade, o Estado e a Igreja entre a
Monarquia e a República, foram proferidas as conferências: “O século XIX em Portugal: Algumas linhas
interpretativas”, por Jorge Fernandes Alves, do CITCEM-UP (Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e
Memória – Universidade do Porto) e” Secularização e laicidade na
emergência da Primeira República”,
por Fernando Catroga, da FLUC (Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra), a que se seguiu o debate – da parte da manhã; “Catolicismo no
trânsito do século XIX para o século XX”, por António Matos Ferreira,
do CEHR-UCP (Centro de Estudos de História Religiosa – Universidade Católica Portuguesa), “O contexto
missionário português na viragem do século: Do Mapa Cor-de-Rosa do Padroado à
"Concordata impossível”,
por Hugo Gonçalves Dores, do CES-UC (Centro de Estudos Sociais –
Universidade de Coimbra) e do
CEHR-UCP (Centro de Estudos de História Religiosa – Universidade Católica Portuguesa) e “O clero português no século XIX e no início do século XX”,
por Sérgio Ribeiro Pinto”, do CEHR-UCP (Centro de
Estudos de História Religiosa – Universidade Católica Portuguesa), a que se seguiu o debate – da parte da tarde.
No fim do dia ocorreu a visita guiada ao Museu do Seminário Maior de
Nossa Senhora da Conceição, no Porto.
No segundo dia,
dedicado ao subtema Um homem no seu tempo: da vida e da ação pastoral de
Dom António Barroso foram proferidas as conferências: “A Igreja Portucalense nas últimas décadas do século XIX”, por Adélio
Fernando Abreu, do CEHR-UCP (Centro de Estudos de História Religiosa – Universidade
Católica Portuguesa) e “Dom António
Barroso: Pobre nasci, rico não vivi e rico não quero morrer, por António
Júlio Limpo Trigueiros SJ, da Revista Brotéria, a que se seguiu o
debate – da parte da manhã; “Dom António Barroso: O missionário ao serviço do Padroado português,
Amadeu Gomes de Araújo, do CEHR-UCP (Centro de Estudos de História
Religiosa – Universidade Católica Portuguesa) e “Dom
António Barroso: O bispo portucalense”, por Dom Carlos Alberto de Pinho
Moreira de Azevedo, do Conselho Pontifício para a Cultura (Santa Sé) e do CEHR-UCP (Centro de Estudos de História
Religiosa – Universidade Católica Portuguesa), a que se seguiu o debate – da parte da tarde.
Procedeu-se ao lançamento do livro “Dos
Homens e da Memória: Contributos para a história da Diocese do Porto”, do Centro de Estudos de
História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa – contando com a
coordenação do Cónego Adélio Abreu e do prof. Luís Amaral e que recupera as
intervenções produzidas no âmbito do Seminário de História Religiosa de 2015
subordinado ao tema: “Dos homens e da
memória: os tempos da Diocese do Porto”. A sua apresentação no colóquio foi
proposta por Maria de Lurdes Correia Fernandes, professora catedrática e
investigadora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, antiga e agora
outra vez vice-reitora daquela Universidade, e membro do Pontifício Comité de
Ciências Históricas. Seguiu-se a Vista ao Paço Episcopal e, à noite, houve um
concerto.
***
Rui Saraiva faz longa referência ao evento na edição on line de “Voz Portucalense”. Do seu texto retiram-se algumas das ideias que
perpassaram o colóquio.
Considerando que esteve em análise a vida e ação pastoral do
prelado portuense no contexto político, social e eclesial da época, salienta
que “foi missionário em África e na Índia”, que “pastoreou a diocese do Porto
de 1899 a 1918”, que “viveu o exílio durante a Primeira República”, mas sempre
mostrou “firmeza, visão pastoral, autenticidade, liberdade e simplicidade
evangélica”.
No primeiro dia, foi desenvolvido, como se deixou entrever, um subtema
“de contexto e de enquadramento histórico, político e social da ação do
missionário português”.
A comunicação do prof. Jorge Fernandes Alves fez aflorar algumas
linhas interpretativas do século XIX em Portugal, relevando “uma importante
conferência do missionário António Barroso na Sociedade de Geografia de Lisboa
em finais do século XIX”, em que manifestou “as suas preocupações sobre a
‘captação dos traços culturais’ nas zonas de missão em África e a necessidade
de organizar missões para evangelizar as
populações”, propondo a criação de “missionários indígenas” e
“missionárias” para revitalização das missões africanas. Como elementos
simbólicos, o missionário Barroso propunha a cruz e a enxada: “o primeiro como
símbolo da paz e da fraternidade e o segundo assumindo a simbologia do trabalho”.
O prof. Fernando Catroga, sobre a realidade histórica da
secularização e da laicidade na nossa sociedade nos inícios do século XX, frisou
que as dificuldades sofridas pelos bispos no período da I República e, em
particular, o exílio de Dom António Barroso resultaram da “intransigência da
época” – linha de reflexão por que enveredou também o prof. Matos Ferreira ao
caraterizar o prelado portuense como “firme” e “moderado” no âmbito do processo
de separação entre a Igreja e o Estado, tendo, como homem lúcido que era,
pugnado por uma “separação justa”.
Ao nosso contexto missionário e à sua evolução histórica, com
grande relevo para o Padroado Português de que Barroso foi servidor após os
seus estudos em Cernache do Bonjardim no Seminário das Missões, referiu-se o
prof. Hugo Dores, recordando que a República “não extingue o Padroado” e
vincando que, por exemplo, no caso do padroado asiático, cuja Concordata era de
1886, o regime republicano declarou no texto da Lei de Separação que ”não
prescindia do Padroado” asiático.
Por seu turno, o prof. Sérgio Ribeiro Pinto falou sobre o clero
português nos finais do século XIX e inícios do século XX, evidenciando a
defesa que Barroso fez dos padres pobres num tempo histórico conturbado tendo sido
criada uma Liga do Clero Paroquial em 1907.
No segundo dia do Colóquio, sobressaiu o estudo da vida e ação
pastoral de Dom António Barroso, no tempo histórico em que viveu, sobretudo na
diocese do Porto, sendo de realçar a conferência do Cónego Adélio Abreu, que
abordou a evolução histórica da igreja portucalense nas últimas décadas do
século XIX. Assinalando que o prelado dotou à diocese duma pastoral “muito
atenta à realidade” e, em particular “às realidades sociais”, sublinhou que o
Bispo sempre afirmou que “não estava contra a República”, mas que assumiu, como
homem corajoso que era, muitas atitudes frontais como, por exemplo, a
divulgação da “pastoral coletiva” do Episcopado, que tinha sido proibida pelo
Governo da República.
Do percurso do missionário e bispo, visto a partir da sua terra
natal, Remelhe, e da consequente evolução para a vocação missionária, António
Trigueiros, padre jesuíta e diretor da revista “Brotéria”, interveio a sublinhar a frase que Dom António Barroso
inscreveu no seu testamento: “Pobre
nasci, rico não vivi e pobre quero morrer”. Recordou que na pequena igreja
medieval da sua aldeia ordenou na clandestinidade muitos padres e diáconos
durante o seu exílio. E salientou que uma das memórias que fica deste prelado
portucalense é o forte sentido de humor.
Por sua vez, o Dr. Amadeu Gomes de Araújo, vice-postulador da
causa de beatificação de Dom António Barroso, revelou que foi este homem quem
sugeriu a criação da Sociedade Missionária da Boa Nova, tendo-se apercebido das
lacunas da sua formação para a vida missionária.
Por fim, Dom Carlos Azevedo, abordando o perfil daquele bispo
portucalense, salientou a sua frontalidade e capacidade de decisão, munido de singular
verticalidade e autenticidade e capaz de ter “liberdade” nos pareceres que dava
à Santa Sé, a ponto de revelar grande “autonomia em relação a qualquer jogo que
não estivesse de acordo com o Evangelho”. E Dom Carlos assinalou que Barroso
“não tinha medo de dizer que discordava de certas normas da Santa Sé”, sendo um
homem que “pegava no Evangelho aplicando-o ao concreto dos tempos”.
***
Dom Manuel Linda, Bispo do Porto, esteve presente durante todo o
Colóquio tal como os bispos auxiliares Dom António Taipa, Dom Pio Alves e Dom
António Augusto Azevedo. E o Bispo do Porto recordou que Dom António Barroso
foi “confrontado com limitações que o poder político lhe impôs” tendo-lhe sido fortemente
limitada a liberdade. Declarando encontrar uma “similitude entre Dom António
Barroso e Dom António Ferreira Gomes na reclamação da capacidade da Igreja se
afirmar no espaço público e, fundamentalmente, exercer a sua liberdade de
pregação, disse que “a liberdade da Igreja é um bem, não só para a Igreja, mas também
para a sociedade civil”. E vincou que um e outro foram “colhidos, atacados e
perseguidos por uma dimensão sociopolítica que não lhes tolera isso”.
Quanto a si, Dom Manuel Linda diz-se sentir “uma pessoa que
reclama para a sua ação na Igreja do Porto a absoluta liberdade de atuar com
critérios eclesiais” – o que está na história recente da diocese do Porto”.
***
É de recordar que, a 16 de Junho de 2017, foi publicado o
decreto pontifício que reconhece a heroicidade das virtudes de Dom
António Barroso – um passo importante em ordem à canonização
deste Servo de Deus. A este propósito, o postulador da causa, Monsenhor Arnaldo
Pinto Cardoso, dizia então que a devoção particular recebe com tal gesto –
“um estímulo a olhar” este Venerável que “pode ser visto como exemplo e
como protetor”. E a Igreja, que ele serviu “com tanta dedicação e fidelidade”,
propondo-o “como modelo e varão justo”, teve para com ele “um gesto de
justiça”. Na verdade, segundo Pinto Cardoso, “o seu perfil de missionário
e de bispo é de tal forma imponente que só a incúria ou a distração
poderiam explicar o seu esquecimento” ou “deixar na penumbra” esta “figura
eminente de pastor”. Com efeito, “nas diversas paragens aonde foi
enviado, nos momentos de glória e de ignomínia, nas horas de sofrimento e
de exílio”, o Bispo mostrou “a sua integridade e zelo, sempre
voltados para aqueles que mais precisavam” e “a sua
envergadura manifestou-se não só nas paragens africanas e indianas,
mas também, mais tarde, nos tribunais nacionais e perante governantes
prepotentes”. Assim, a estatura deste Bispo, na sua imponência espiritual, “interessa
à Igreja e à sociedade civil”, pela “coerência, responsabilidade,
coragem, zelo, caridade”.
E, a 25 de julho, Festa do apóstolo São Tiago, Dom
António Francisco dos Santos, então o amado Bispo do Porto e agora de grata e
saudosa memória, referindo-se ao Decreto e ao Venerável, enaltecia esta como “a
hora de agradecermos a Deus a bênção que nos concedeu com a vida e pelo
ministério episcopal de Dom António Barroso, concretamente no serviço da Igreja
do Porto, depois de um longo percurso pastoral que o levou a Angola, a
Moçambique e a Meliapor, na Índia”. E preconizava:
“Esta é a hora de continuarmos a trabalhar e
a rezar pela canonização de Dom António Barroso, proclamando com as mesmas
palavras do Salmo 34 que iniciam o texto do Decreto das suas Virtudes
Heroicas: Em todo o tempo bendirei o
Senhor; o seu louvor estará sempre nos meus lábios. A minha alma gloria-se
no Senhor. Que os humildes saibam e se alegrem.”.
Enfim, “Laudemus
viros gloriosos (louvemos os homens ilustres), guias do povo, pelos
seus conselhos, chefes do povo, pela sagacidade,
sábios narradores, pelo seu ensino, criadores
de melodias musicais e cantores de poemas escritos” (Sir 44,1.4-5).
2018.06.12 – Louro de Carvalho
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