terça-feira, 12 de junho de 2018

No centenário da morte dum santo, grande missionário e bispo


Decorreu, nos passados dias 7 e 8 de junho, no Auditório do Paço Episcopal do Porto, um colóquio científico em torno do tema “Entre a Monarquia e a República: os tempos de Dom António Barroso no centenário da sua morte (1918-2018)”. Trata-se duma iniciativa que visou assinalar o centenário do insigne prelado portucalense e promover a conveniente reflexão sobre o tempo do missionário e bispo e os respetivos contextos, bem como inferir em que sentido se pode concluir algo de útil para os tempos de hoje.
A organização do evento coube à Diocese do Porto, ao CEHR (Centro de Estudos de História Religiosa, Porto / Gabinete D. Armindo Lopes Coelho) da UCP (Universidade Católica Portuguesa), que forneceu o secretariado, ao Seminário Maior de Nossa Senhora da Conceição e à Irmandade dos Clérigos. E a Comissão Científica foi constituída por Adélio Fernando Abreu, Luís Carlos Amaral, Luís Leal, Paulo F. de Oliveira Fontes e Sérgio Ribeiro Pinto.
De acordo como texto de apresentação do CEHR, o colóquio pretendeu “abordar a vida e a ação pastoral de Dom António Barroso, inscritas no cenário político, social e eclesial do seu tempo, entre a Monarquia e a República”. Com efeito, segundo a cronologia dos Bispos do Porto, constante da página web da diocese, Dom António José de Sousa Barroso nasceu em Remelhe, Barcelos, a 5 de novembro de 1854, e faleceu a 31 de agosto e 1918; foi missionário no Ultramar português entre 1880 e 1889, Bispo de Himéria de 1891 a 1897, Bispo de Meliapor de 1897 a 1899 e Bispo do Porto de 1899 a 1918.
É ainda referido que foi destituído do cargo de Bispo do Porto, por não acolher as medidas republicanas, situação que se manteve até 1914. Porém, em 1917, um novo conflito o afastou da sua cátedra. Em termos organizacionais, salienta-se a divisão da diocese em 37 distritos eclesiásticos.
Também e ainda segundo o acima mencionado texto de apresentação do colóquio, o homenageado frequentou o Seminário das Missões de Cernache do Bonjardim, antes de ser ordenado presbítero, em 1879, e partir como missionário, ao serviço do Padroado português, em Angola e Congo, em Moçambique e em Meliapor. Aí se encontrava quando foi nomeado bispo do Porto, “diocese que pastoreou entre 1899 e 1918, com um estilo missionário e uma irredutível firmeza, esta no contexto subsequente à afirmação da República, em 1910”.
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Segundo o programa, que foi integralmente cumprido, decorreram as seguintes realizações:  
No primeiro dia, dedicado ao subtema A sociedade, o Estado e a Igreja entre a Monarquia e a República, foram proferidas as conferências:O século XIX em Portugal: Algumas linhas interpretativas”, por Jorge Fernandes Alves, do CITCEM-UP (Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória – Universidade do Porto) e” Secularização e laicidade na emergência da Primeira República, por Fernando Catroga, da FLUC (Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra), a que se seguiu o debate – da parte da manhã; Catolicismo no trânsito do século XIX para o século XX”, por António Matos Ferreira, do CEHR-UCP (Centro de Estudos de História Religiosa – Universidade Católica Portuguesa),O contexto missionário português na viragem do século: Do Mapa Cor-de-Rosa do Padroado à "Concordata impossível, por Hugo Gonçalves Dores, do CES-UC (Centro de Estudos Sociais – Universidade de Coimbra) e do CEHR-UCP (Centro de Estudos de História Religiosa – Universidade Católica Portuguesa) e “O clero português no século XIX e no início do século XX”, por Sérgio Ribeiro Pinto”, do CEHR-UCP (Centro de Estudos de História Religiosa – Universidade Católica Portuguesa), a que se seguiu o debate – da parte da tarde.
No fim do dia ocorreu a visita guiada ao Museu do Seminário Maior de Nossa Senhora da Conceição, no Porto.
No segundo dia, dedicado ao subtema Um homem no seu tempo: da vida e da ação pastoral de Dom António Barroso foram proferidas as conferências:A Igreja Portucalense nas últimas décadas do século XIX”, por Adélio Fernando Abreu, do CEHR-UCP (Centro de Estudos de História Religiosa – Universidade Católica Portuguesa) e Dom António Barroso: Pobre nasci, rico não vivi e rico não quero morrer, por António Júlio Limpo Trigueiros SJ, da Revista Brotéria, a que se seguiu o debate – da parte da manhã; Dom António Barroso: O missionário ao serviço do Padroado português, Amadeu Gomes de Araújo, do CEHR-UCP (Centro de Estudos de História Religiosa – Universidade Católica Portuguesa) eDom António Barroso: O bispo portucalense”, por Dom Carlos Alberto de Pinho Moreira de Azevedo, do Conselho Pontifício para a Cultura (Santa Sé) e do CEHR-UCP (Centro de Estudos de História Religiosa – Universidade Católica Portuguesa), a que se seguiu o debate – da parte da tarde.
Procedeu-se ao lançamento do livro “Dos Homens e da Memória: Contributos para a história da Diocese do Porto”, do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa – contando com a coordenação do Cónego Adélio Abreu e do prof. Luís Amaral e que recupera as intervenções produzidas no âmbito do Seminário de História Religiosa de 2015 subordinado ao tema: “Dos homens e da memória: os tempos da Diocese do Porto”. A sua apresentação no colóquio foi proposta por Maria de Lurdes Correia Fernandes, professora catedrática e investigadora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, antiga e agora outra vez vice-reitora daquela Universidade, e membro do Pontifício Comité de Ciências Históricas. Seguiu-se a Vista ao Paço Episcopal e, à noite, houve um concerto.
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Rui Saraiva faz longa referência ao evento na edição on line de “Voz Portucalense”. Do seu texto retiram-se algumas das ideias que perpassaram o colóquio.
Considerando que esteve em análise a vida e ação pastoral do prelado portuense no contexto político, social e eclesial da época, salienta que “foi missionário em África e na Índia”, que “pastoreou a diocese do Porto de 1899 a 1918”, que “viveu o exílio durante a Primeira República”, mas sempre mostrou “firmeza, visão pastoral, autenticidade, liberdade e simplicidade evangélica”.
No primeiro dia, foi desenvolvido, como se deixou entrever, um subtema “de contexto e de enquadramento histórico, político e social da ação do missionário português”.
A comunicação do prof. Jorge Fernandes Alves fez aflorar algumas linhas interpretativas do século XIX em Portugal, relevando “uma importante conferência do missionário António Barroso na Sociedade de Geografia de Lisboa em finais do século XIX”, em que manifestou “as suas preocupações sobre a ‘captação dos traços culturais’ nas zonas de missão em África e a necessidade de organizar missões para evangelizar as populações”, propondo a criação de “missionários indígenas” e “missionárias” para revitalização das missões africanas. Como elementos simbólicos, o missionário Barroso propunha a cruz e a enxada: “o primeiro como símbolo da paz e da fraternidade e o segundo assumindo a simbologia do trabalho”.
O prof. Fernando Catroga, sobre a realidade histórica da secularização e da laicidade na nossa sociedade nos inícios do século XX, frisou que as dificuldades sofridas pelos bispos no período da I República e, em particular, o exílio de Dom António Barroso resultaram da “intransigência da época” – linha de reflexão por que enveredou também o prof. Matos Ferreira ao caraterizar o prelado portuense como “firme” e “moderado” no âmbito do processo de separação entre a Igreja e o Estado, tendo, como homem lúcido que era, pugnado por uma “separação justa”.
Ao nosso contexto missionário e à sua evolução histórica, com grande relevo para o Padroado Português de que Barroso foi servidor após os seus estudos em Cernache do Bonjardim no Seminário das Missões, referiu-se o prof. Hugo Dores, recordando que a República “não extingue o Padroado” e vincando que, por exemplo, no caso do padroado asiático, cuja Concordata era de 1886, o regime republicano declarou no texto da Lei de Separação que ”não prescindia do Padroado” asiático.
Por seu turno, o prof. Sérgio Ribeiro Pinto falou sobre o clero português nos finais do século XIX e inícios do século XX, evidenciando a defesa que Barroso fez dos padres pobres num tempo histórico conturbado tendo sido criada uma Liga do Clero Paroquial em 1907.
No segundo dia do Colóquio, sobressaiu o estudo da vida e ação pastoral de Dom António Barroso, no tempo histórico em que viveu, sobretudo na diocese do Porto, sendo de realçar a conferência do Cónego Adélio Abreu, que abordou a evolução histórica da igreja portucalense nas últimas décadas do século XIX. Assinalando que o prelado dotou à diocese duma pastoral “muito atenta à realidade” e, em particular “às realidades sociais”, sublinhou que o Bispo sempre afirmou que “não estava contra a República”, mas que assumiu, como homem corajoso que era, muitas atitudes frontais como, por exemplo, a divulgação da “pastoral coletiva” do Episcopado, que tinha sido proibida pelo Governo da República.
Do percurso do missionário e bispo, visto a partir da sua terra natal, Remelhe, e da consequente evolução para a vocação missionária, António Trigueiros, padre jesuíta e diretor da revista “Brotéria”, interveio a sublinhar a frase que Dom António Barroso inscreveu no seu testamento: “Pobre nasci, rico não vivi e pobre quero morrer”. Recordou que na pequena igreja medieval da sua aldeia ordenou na clandestinidade muitos padres e diáconos durante o seu exílio. E salientou que uma das memórias que fica deste prelado portucalense é o forte sentido de humor.
Por sua vez, o Dr. Amadeu Gomes de Araújo, vice-postulador da causa de beatificação de Dom António Barroso, revelou que foi este homem quem sugeriu a criação da Sociedade Missionária da Boa Nova, tendo-se apercebido das lacunas da sua formação para a vida missionária.
Por fim, Dom Carlos Azevedo, abordando o perfil daquele bispo portucalense, salientou a sua frontalidade e capacidade de decisão, munido de singular verticalidade e autenticidade e capaz de ter “liberdade” nos pareceres que dava à Santa Sé, a ponto de revelar grande “autonomia em relação a qualquer jogo que não estivesse de acordo com o Evangelho”. E Dom Carlos assinalou que Barroso “não tinha medo de dizer que discordava de certas normas da Santa Sé”, sendo um homem que “pegava no Evangelho aplicando-o ao concreto dos tempos”.
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Dom Manuel Linda, Bispo do Porto, esteve presente durante todo o Colóquio tal como os bispos auxiliares Dom António Taipa, Dom Pio Alves e Dom António Augusto Azevedo. E o Bispo do Porto recordou que Dom António Barroso foi “confrontado com limitações que o poder político lhe impôs” tendo-lhe sido fortemente limitada a liberdade. Declarando encontrar uma “similitude entre Dom António Barroso e Dom António Ferreira Gomes na reclamação da capacidade da Igreja se afirmar no espaço público e, fundamentalmente, exercer a sua liberdade de pregação, disse que “a liberdade da Igreja é um bem, não só para a Igreja, mas também para a sociedade civil”. E vincou que um e outro foram “colhidos, atacados e perseguidos por uma dimensão sociopolítica que não lhes tolera isso”.
Quanto a si, Dom Manuel Linda diz-se sentir “uma pessoa que reclama para a sua ação na Igreja do Porto a absoluta liberdade de atuar com critérios eclesiais” – o que está na história recente da diocese do Porto”.
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É de recordar que, a 16 de Junho de 2017, foi publicado o decreto pontifício que reconhece a heroicidade das virtudes de Dom António Barroso – um passo importante em ordem à canonização deste Servo de Deus. A este propósito, o postulador da causa, Monsenhor Arnaldo Pinto Cardoso, dizia então que a devoção particular recebe com tal gesto – “um estímulo a olhar” este Venerável que “pode ser visto como exemplo e como protetor”. E a Igreja, que ele serviu “com tanta dedicação e fidelidade”, propondo-o “como modelo e varão justo”, teve para com ele “um gesto de justiça”. Na verdade, segundo Pinto Cardoso, “o seu perfil de missionário e de bispo é de tal forma imponente que só a incúria ou a distração poderiam explicar o seu esquecimento” ou “deixar na penumbra” esta “figura eminente de pastor”. Com efeito, “nas diversas paragens aonde foi enviado, nos momentos de glória e de ignomínia, nas horas de sofrimento e de exílio”, o Bispo mostrou “a sua integridade e zelo, sempre voltados para aqueles que mais precisavam” e “a sua envergadura manifestou-se não só nas paragens africanas e indianas, mas também, mais tarde, nos tribunais nacionais e perante governantes prepotentes”. Assim, a estatura deste Bispo, na sua imponência espiritual, “interessa à Igreja e à sociedade civil”, pela “coerência, responsabilidade, coragem, zelo, caridade”.
E, a 25 de julho, Festa do apóstolo São Tiago, Dom António Francisco dos Santos, então o amado Bispo do Porto e agora de grata e saudosa memória, referindo-se ao Decreto e ao Venerável, enaltecia esta como “a hora de agradecermos a Deus a bênção que nos concedeu com a vida e pelo ministério episcopal de Dom António Barroso, concretamente no serviço da Igreja do Porto, depois de um longo percurso pastoral que o levou a Angola, a Moçambique e a Meliapor, na Índia”. E preconizava:
Esta é a hora de continuarmos a trabalhar e a rezar pela canonização de Dom António Barroso, proclamando com as mesmas palavras do Salmo 34 que iniciam o texto do Decreto das suas Virtudes Heroicas: Em todo o tempo bendirei o Senhor; o seu louvor estará sempre nos meus lábios. A minha alma gloria-se no Senhor. Que os humildes saibam e se alegrem.”.
Enfim, “Laudemus viros gloriosos (louvemos os homens ilustres), guias do povo, pelos seus conselhos, chefes do povo, pela sagacidade, sábios narradores, pelo seu ensino, criadores de melodias musicais e cantores de poemas escritos” (Sir 44,1.4-5).
2018.06.12 – Louro de Carvalho

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