quinta-feira, 7 de junho de 2018

Um plano de transformação para o Montepio Geral

Admiravelmente não é um plano de reestruturação desses que estão em voga quando se trata de encerrar agências/lojas/balcões de bancos, empresas ou até departamentos do Estado. Neste caso, trata-se de serviços, que se tiram do interior do país, da transmutação de direções-gerais em institutos públicos independentes, da criação duma direção regional ou delegação de um serviço central numa localidade ou da transferência ou deslocalização dum instituto ou dum serviço para o “Porto”, Coimbra, Aveiro ou Évora.
Agora, Carlos Tavares, que foi Ministro da Economia de Durão Barroso e de Santana Lopes, bem como Presidente da CMVM (Comissão de Mercado de Valores Mobiliários) no tempos de José Sócrates e de Passos Coelho, quer “transformar” a CEMG (Caixa Económica Montepio Geral) e, dado que não encontra cérebros ou “canetas” e “calculadoras” em Portugal capazes para o efeito, esta luminosa personalidade, ao mesmo tempo CEO e Chairman do banco dito de economia social, contrata americanos para ajudar nessa tão espinhosa como transcendente tarefa.
Só espero que não me atribuam a culpa da mudança de nomenclatura de “reestruturação” para “transformação”, uma vez que eu terei dito que também era capaz de fazer reestruturações como as que fazem o presidente da CGD, o do BCP e o do Banco CTT (confesso que não tenho capacidade para fazer reestruturação à moda do BES/NB): encerrar balcões, dispensar funcionários, criar ou aumentar comissões, induzir a quase obrigatoriedade de eliminar correspondências e operações em suporte de papel (embora seja necessário poupar papel para manter as árvores e as pedras. Mas vão-nos tirar os pacotes, os guardanapos, as toalhas e os materiais higiénicos?)…
Depois, deve ter chamado os americanos, porque evidentemente, quando um português diz que é capaz de fazer alguma coisa de jeito, os outros não acreditam, porque supõem que o tipo não está a falar verdade. Porém, porque não querem ser acusados de calúnia, ou dizem que o cidadão tem uma relação nada boa com a verdade ou apontam o facto de ele dizer inverdades (não sabem que se pode faltar à verdade, além de pela mentira, pelo equívoco, erro, distração, inadvertência, dislexia, confusão, ignorância…) ou se calam. E, vai daí, encomendam os serviços a estrangeiros, mudando a designação à encomenda ou dando-lhe uma designação inglesa, que é mais fixe. Por uma questão de justiça e honestidade intelectual, devo abrir umas exceções. Por exemplo, para fazer uma lei com alguma complexidade, encomenda-se o serviço a uma sociedade de advogados que tenha nome na praça; e para uma parceria público-privada ou para um swap chama-se um economista ou um grupo de economistas (nacionais e/ou estrangeiros), bastando que saibam pôr o estado a perder, que, mais tarde, talvez possam vir a ter um lugar no Governo da República. E, como já não bastavam as perdas de soberania impostas pela UE e pelo Euro, bem como as decorrentes da dívida dita soberana, arranjam-se mais umas tantas modalidades de perda de soberania. O que importa é que o Estado não entre em depressão por excesso de soberania ou morra de indigestão de soberania!
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O certo é que o CEO/Chairman da CEMG chamou em seu auxílio americanos da consultora Bain & Company para virem a Lisboa para ajudar na operação da transformação da Caixa Económica Montepio em seis meses. Por outros termos, uma equipa da norte-americana Bain & Company está há uns tempos a trabalhar com o conselho de administração da CEMG na elaboração do plano de transformação do banco, cuja apresentação se prevê para setembro.
Estes consultores externos contratados por Carlos Tavares, segundo dizem os observadores e está patente na mensagem enviada aos trabalhadores no início do passado mês de maio, estão a ajudar o insigne gestor a proceder a um “diagnóstico profundo” do banco – o que falta em Portugal não são os diagnósticos: todos sabem qual é o mal dos bancos e do sistema financeiro em geral. Faltam soluções políticas e gestionárias! –, num trabalho em desenvolvimento até final do verão e do qual resultará um plano de transformação que visará produzir “resultados num espaço de três a quatro anos”.
Registe-se que a Bain & Company é uma empresa fundada em 1973, com sede em Boston e, apesar de estar presente em 36 países, não tem escritório em Lisboa.
Foi criada pelos mesmos fundadores da Bain Capital, o fundo de private equity que adquiriu uma carteira de crédito mal parado de 476 milhões de euros à Caixa Geral de Depósitos em julho de 2017. Todavia, apesar de terem feito parte do mesmo grupo numa fase inicial, há 30 anos que estas duas companhias norte-americanas optaram por seguir rumos diferentes e atualmente estão 100% separadas.
Oficialmente, a Caixa Económica Montepio Geral não comenta a contratação da Bain & Company. Mas sabem os observadores que a larga experiência que vai além do setor financeiro e a abordagem rápida da consultora foram critérios importantes para a escolha de Carlos Tavares, que no mês de setembro, por obrigação do Banco de Portugal, terá de decidir se continuará como CEO ou como chairman da instituição.
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Entretanto, pela análise de notícias anteriores, sabe-se que está em vista e em marcha “uma profunda reestruturação” de todo o grupo Caixa Económica Montepio Geral, banco e participadas. Carlos Tavares tinha dito aos trabalhadores que não iria fazer tábua rasa do que foi feito no passado, mas que pretendia “acelerar de forma substancial o processo de adaptação às novas realidades e desafios do setor. Era e é seu escopo “eliminar redundâncias e silos organizativos”, bem como tornar a instituição financeira num banco vocacionado para a economia social e para as PME.
Este reset parcial deu um primeiro passo quando o Chairman/CEO Carlos Tavares procedeu a uma revisão em baixa das contas anuais (não auditadas) apresentadas pelo seu antecessor, José Félix Morgado: em vez de lucros de 30,1 milhões de euros, afinal a Caixa Económica Montepio Geral obteve um resultado líquido de apenas 6,4 milhões, após o reforço de imparidades para “limpeza” de créditos complicados. Uma outra operação de cosmética, mas que pode ser importante para o restabelecimento ou reforço da confiança – que é disto que vivem os bancos, para lá dos dinheiros, que são o suporte mínimo – é a mudança da designação e da informação do produto da AMMG (Associação Mutualista Montepio Geral).
Assim, enquanto decorrem os trabalhos que visam o “caminho de mudança e reforma” que o banco precisa “criticamente de percorrer”, conforme Carlos Tavares enunciou no ato de tomada de posse a 21 de março, o banco e a associação mutualista criaram um grupo de trabalho conjunto para avaliar a oferta de produtos mutualistas comercializados pela caixa económica para responder às exigências imediatas do Banco de Portugal e da CMVM.
Entre esses produtos figura o produto financeiro “Capital Certo”, que se designa “Poupança Mutualista”, numa reformulação que inclui a informação a prestar aos clientes na comercialização desta aplicação. A informação espalhava-se por dez páginas e era tão detalhada que se tornava de difícil compreensão. Carlos Tavares pretendia reduzir as dez páginas a apenas três, uma com a identificação da Associação Mutualista, outra com as caraterísticas do produto e uma última com indicadores financeiros da própria associação.
Outra das alterações passará pelo nome da instituição bancária. Tavares admite a possibilidade de a Caixa Económica Montepio Geral mudar de nome, mas quer manter a marca Montepio.
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Os políticos que lideram a governança do país e os gestores confiavam que a entrada da SCML (Santa Casa da Misericórdia de Lisboa) no capital do Montepio constituiria uma forte mais-valia para a sustentabilidade do banco, sobretudo tendo em conta a suspeita de degradação da confiança que recaíra sobre a dona do banco, a AMMG. Porém, as dissensões surgidas no interior da dona e os diferendos existentes no banco não permitiram a sustentabilidade da percepção da boa saúde das duas instituições, no que ajudou a incerteza sobre as contas de uma e de outra entidade, resultante das contradições, bem como o conhecimento do estado financeiro da SCML, que fez com a que a sua participação se fosse remetendo a uma participação simbólica eventualmente acompanhada duma participação ainda mais simbólica da parte de outras instituições de economia social (vg: Misericórdias e IPSS). O banco chegou a garantir que não precisava de ajuda e forneceu à opinião pública informação contraditória não sustentada; a mutualista saiu da isenção em sede de IRC para benefício em crédito fiscal para equilibrar as contas em termos contabilísticos; e a SCML esteve tentada a investir no banco todo o dinheiro disponível.
Tanto assim é que, em 20 de abril, o Parlamento aprovou as recomendações do PSD e do CDS para que o Governo impeça a entrada da SCML no capital do Montepio e uma do Bloco de Esquerda a pedir a regulação dos investimentos daquela instituição.
Foi ainda aprovado um projeto de lei do CDS-PP, apenas com os votos contra do PS, para que sejam alterados os estatutos da SCML. O objetivo é consagrar a necessidade de uma autorização da tutela – no caso, o Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social – para que a Mesa da Santa Casa efetue “investimentos estratégicos e estruturantes”, nomeadamente que envolvam a SCML na administração ou órgãos sociais de instituições que desenvolvem atividades noutros setores ou que sejam em volume superior a 5% do seu orçamento anual.
E o próprio Ministro das Finanças veio recentemente, por um lado, confirmar que a entrada da SCML “é um investimento de risco” e, por outro, que apoiará a Mutualista se for necessário.
Nestes termos, surgiu hoje, dia 7, a promessa de que o Governo anunciará “brevemente a sua posição” sobre a relação entre SCML e a CEMG. Presente na conferência de imprensa para anunciar a aprovação do novo Código das Associações Mutualistas em sede de Conselho de Ministros, o Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva acabou por responder que “brevemente será anunciada a posição” do Executivo face aos “diversos e diferentes documentos aprovados”. “Alguns estão ainda em sede de debate na especialidade”, acrescentou lembrando que o Governo desde logo se manifestou “empenhado em concretizar as orientações que foram apontadas, de fixar regras sobre quais os investimentos que a Misericórdia de Lisboa pode desencadear”.

Esperemos a vinda do inócuo remédio americano! É uma receita melhor que a dada para o NB.


2018.06.07 – Louro de Carvalho




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