sábado, 16 de junho de 2018

Paz e prosperidade


Quando não há paz, o caminho da prosperidade para, muito embora possa haver realizações técnicas e avanços científico-tecnológicos. E, sobretudo, não há progresso com vista ao homem todo e a todas as pessoas, não há efetivamente desenvolvimento e muito menos um real desenvolvimento humano, harmonioso, integral e sustentável.
Ao contrário, a paz é condição de bem-estar pessoal, familiar e comunitária, saúde pública, progresso social e fator de desenvolvimento com as caraterísticas inerentes ao verdadeiro desenvolvimento, a que não deixa de assistir a dimensão espiritual e cultural.
Sobretudo desde João XXIII a paz é forte e indeclinável desígnio acalentado pela Igreja Católica a ultrapassar a mera ausência de guerra ou a velha noção de tranquilidade na ordem. O Papa Roncalli, pela encíclica Pacem in Terris, estribava a paz de todos os povos na verdade, justiça, caridade e liberdade.
Paulo VI, que instituiu o Dia Mundial da Paz, veiculou as suas principais ideias sobre a paz através das mensagens que enviou para a celebração da data. E começou por apontar a necessidade de defender a paz dos perigos que a ameaçam: o da sobrevivência do egoísmo nas relações entre as nações; o das violências a que algumas populações podem ser arrastadas pelo desespero de não verem reconhecido e respeitado o próprio direito à vida e à dignidade humana; o do tremendamente aumentado recurso a terríveis armas exterminadoras, de que algumas potências dispõem, despendendo com isso enormes meios financeiros cujo gasto é motivo de dolorosa reflexão ante as graves necessidades que dificultam o desenvolvimento de tantos outros povos; e o de fazer crer que as controvérsias internacionais não podem ser resolvidas pelos meios da razão, isto é, das negociações fundadas no direito, na justiça e na equidade, mas só por meio de forças aterradoras e exterminadoras (1968).
Depois, assegurou que o caminho para a paz postula “a promoção dos direitos do homem” (1969); propõe “a educação para a paz pela via da reconciliação” (1970); sugeriu que a paz decorre da convicção da fraternidade universal na certeza de que “cada homem é meu irmão” (1971); lançou o desafio “Se queres a Paz, trabalha pela Justiça” (1972); clamou, contra os céticos, que “a paz é possível” (1973); garantiu que “a paz também depende de ti” (1974), a despertar do sono aqueles e aquelas que pensam que o problema é exclusivo de políticos e militares; elegeu “a reconciliação como caminho para a paz” (1975); indicou “as verdadeiras armas da paz” (1976) – as armas morais, que dão força e prestígio ao direito internacional, como o respeito pelos pactos, a prática da justiça, a disponibilidade para a indulgência e perdão, o sacrifico de si próprio, pela clemência, pela misericórdia e pela caridade; apresentou como pressuposto necessário à paz a defesa da vida segundo o desafio “Se queres a paz, defende a vida” (1977), ao contrário da máxima romana, “Si vis pacem, para bellum” (Se queres a paz, prepara a guerra); e apelou à opção pela paz e à rejeição da violência, “Não à violência, sim à paz” (1978). Dele ficou a definição de paz como “desenvolvimento”, conceito desenvolvido na encíclica Populorum Progressio e na carta apostólica Octogesima Adveniens.
Foi à ONU pedir esforços pela paz mundial, à OIT apelar à paz laboral, falou à FAO com exortação à eficácia da produção de alimentos e à sua equitativa distribuição; e veio a Fátima rezar pela paz no mundo e pela renovação interna da Igreja com vista à paz entre os povos.
O Papa Francisco, o peregrino e pregoeiro da paz no século XXI, nas suas mensagens para o Dia Mundial da Paz, começou por apresentar a fraternidade como “fundamento e caminho para a paz” (2014); passou a fazer assentar a paz na liberdade contra a escravidão e a insistir na fraternidade, “Já não escravos, mas irmãos” (2015); contra o lodaçal da indiferença, exorta a uma postura proativa, “Vence a indiferença e conquista a paz” (2016); propõe a não-violência como “estilo duma política para a paz” (2017); e acompanha e quer que acompanhemos os “migrantes e refugiados – homens e mulheres em busca de paz” (2018).
Entretanto, é de registar que o Papa argentino sucede a um Pontífice altamente preocupado pela paz. E refiro-o para que não persistam dúvidas, já que Bento XVI está a ser injustamente mal apreciado e mal-amado por muitos.
Ora, como os outros Pontífices, também veiculou as suas ideias através das mensagens, que não em exclusivo, aliás como os restantes. Assim, logo em 2006, o tema era “Na verdade, a paz”; em 2007, o profundo e humanista tema “A pessoa humana, coração da paz”; em 2008, o comunitário tema “Família humana, comunidade de paz”; em 2009, o proativo e social tema “Combater a pobreza, construir a paz”; em 2010, o ecoeconómico tema “Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação”; em 2011, em nome da dignidade da pessoa humana e da sua liberdade, o tema “Liberdade religiosa, caminho para a paz”; em 2012, o juvenil e promissor tema “Educar os jovens para a justiça e para a paz”; e, em 2013, quase como testamento colável à futura renúncia, o venturoso tema “Bem-aventurados os obreiros da Paz”.
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A este propósito, transcrevo aqui, em versão corrigida e aumentada, um texto que outrora escrevi à laia de profissão de fé e que penso estar em sintonia com o exposto supra.
Creio na Paz
Porque ela significa a vitória da razão sobre o instinto, a supremacia do espírito sobre a matéria, a excelência da filantropia sobre o egoísmo, o valor da cultura sobre a rudeza da vida;
Porque ela humaniza e democratiza o desenvolvimento e o progresso, corporiza o desígnio da pessoa humana à face da Terra, concretiza a mais profunda aspiração do homem de todos os tempos e lugares – ser feliz na dignidade da pessoa humana e na realização em comunidade;     
Porque ela é possível, desejável, compromissiva e potenciadora das mais belas iniciativas, num ambiente de constante solidariedade;
Porque ela torna o coração do homem tão magnânimo e generoso como o Oceano Pacífico.
Creio na Paz
Quando ela é vivida ensinada e praticada nas famílias, nas catequeses, nas escolas, nos clubes e noutros grupos – a educação para a paz;
Quando a discussão de que alegadamente nasce a luz, ceder o passo ao diálogo sincero, não subserviente, mas respeitador e eficaz – a normalidade da relação;
Quando o diálogo deixar de ser balofo ou untuoso e não significar falta de verdade, ou não for entretenimento, cedência ou despersonalização – a força da autenticidade e genuinidade;
Quando for efetivo o respeito por si próprio e pelos outros e for efetiva a liberdade de pensamento, opinião, expressão e ação nas famílias, escolas, lugares de convívio, clubes, serviços públicos, empresas, associações, sociedades, Igrejas e partidos políticos, bem como o direito de resposta – o respeito pela individualidade e pelas idiossincrasias;
Quando uma diferente opinião não significar per se oposição demolidora, não exprimir rancor nem for objeto de chacota nem constituir pretexto para qualquer tipo de perseguição – a prontidão da tolerância e a seriedade da divergência;
Quando o brinquedo infantil for conotativo de convivência, trabalho, beleza e diversidade e se banir do passatempo a ocupação e o objeto portadores de competição abusiva, violência e guerra – a pureza da vida e a candura de atitudes;  
Quando a comunicação social, abandonando o atropelo da procura de “furos”, parar de testemunhar doentiamente as irregularidades e a violência excessiva, de alimentar a guerra de audiências ou a venda de papel a qualquer preço, mas cumprir o dever de informar com verdade objetiva, formar, promover e divertir – a missão da socialização e a premência da objetividade;
Quando a educação preparar para a cidadania, qualificação profissional, prossecução de estudos e desincentivar a emulação desmedida – a democracia com utilidade;
Quando o empresário se consciencializar do dever de investir e da função social da propriedade e se decidir a pagar salário justo, criar condições de trabalho razoáveis e ter em conta a situação pessoal e familiar do trabalhador – a renúncia ao lucro pelo lucro;
Quando o administrador não confundir administração com propriedade e aceitar a crítica fundamentada e exposta com lucidez e delicadeza – a conveniente separação das águas;
Quando o trabalhador lançar mão do profissionalismo em prol da produtividade e usar a consciência a livre e responsável no desenvolvimento da atividade, no cumprimento dos seus deveres e na reivindicação e exercício dos seus direitos – a expressão da cidadania laboral;
Quando os políticos renunciarem ao emproamento, abuso de poder, favorecimento e proventos inéticos e se decidirem pelo exercício do poder como serviço ao bem comum, justiça e equidade – o espírito de missão e eficácia na efemeridade do poder; 
Quando os conflitos políticos e administrativos, sociais e grupais, laborais e empresariais, nacionais e internacionais, deixarem de ser fomentados, apoiados ou aplaudidos e, renunciando à disponibilidade e uso das armas, se enveredar pela via da negociação, da mediação e do diálogo – a relevância da cultura na resolução dos problemas.
Creio na Paz
Desde já e sempre que ela, contrariando e anulando quaisquer formas de escravidão, se impuser como parâmetro da educação, for ansiada como bem inestimável, se granjear como cultura e brilhar como estilo de vida.
Creio na Paz
No momento em que o homem, nos trilhos da humildade e da verdade, se decida a ser HOMEM; e o crente aceite seguir e promover a paz que o Evangelho nos dá e nos deixa como precioso legado. Então reinará a prosperidade de corpo inteiro!
2018.06.16 – Louro de Carvalho

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